Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00217/05.1BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 10/11/2017 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | IVA JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL ART. 9º Nº 11 DO CIVA ISENÇÃO |
Sumário: | I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. II) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. III) Não está em causa uma isenção subjectiva em função da natureza da entidade envolvida, mas uma isenção objectiva em função dos serviços prestados, impondo-se que estejam em causa prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional. IV) Sendo a Recorrente uma entidade reconhecida com competência no domínio da formação profissional, que presta serviços a outras entidades que encabeçam a prestação de serviços na área da formação profissional, tem de concluir-se que são estas últimas entidades que directamente exercem essa actividade de formação, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente no domínio apontado. V) Não tendo a ora Recorrente realizado as acções de formação profissional e não podendo os serviços que prestou (serviços de apoio logístico e organizacional) às empresas que efectivamente deram a formação profissional serem considerados como serviços conexos com a formação, apenas podemos concluir que as operações facturadas pela Recorrente não estavam isentas de IVA, sendo o mesmo devido.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | C..., Lda. |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO C…, LDA., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27-06-2011, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de IVA dos anos de 2000 e 2001, no montante global de € 109.696,68. Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 304-330), as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1ª. A sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que: - A utilização da R… como face visível dos projectos de formação referidos em sede de petição inicial, decorreu de uma exigência dos Centros de Emprego de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que entenderam que, havendo uma entidade relacionada com a ora Recorrente com sede no Concelho de Guimarães, melhor seria, para o processo de candidatura respectivo - para facilitar a sua aprovação -, que fosse a R… a titulá-lo, em substituição da recorrente, que tem sede no Porto; - Aqueles projectos só foram aprovados tendo em conta o envolvimento e a participação activa da recorrente nos mesmos; - Nas acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Comunitário Leonardo da Vinci, existe uma entidade coordenadora em nome de quem as demais entidades participantes (entidades parceiras) - que, designadamente, prestem formação no âmbito do projecto apresentado - devem emitir as facturas correspondentes aos serviços que directamente prestem aos seus formandos, para que possam ser pagos dos mesmos, porquanto é a entidade coordenadora que recebe e gere os fundos comunitários; 2ª. O Tribunal ad quem é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no art. 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 690º-A, nº 1 e nº 2 do CPC (actual art. 685º- B, nº 1 e nº 2); 3ª. A apreciação crítica das provas produzidas, nomeadamente da reapreciação da prova gravada correspondente aos depoimentos gravados, na audiência de discussão e julgamento de 16.3.11 (Acta de fls. 273 e ss.), dos depoimentos da Sra. Dra. M… (depoimento gravado em CD com a duração de 1h.2m.13s - 00.00:00 até às 01:02:13), da Sra. D. E… (depoimento gravado em CD com a duração de 28m33s - 01:02:14 até às 01:30:47) e da Sra. D. P… (depoimento gravado em CD com a duração de 9m57s - 01:30:48 até às 01:40:45), determina que se devem considerar como provados os factos referidos na conclusões 1ª supra; 4ª. O art. 9º, nº 11 do CIVA, tem como razão de ser a protecção que o legislador comunitário entendeu conceder às actividades de formação, por serem actividades de interesse geral que importa incentivar; 5ª. A isenção prevista no supra referido normativo abrange não só, (i) as prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, como também (ii) as transmissões de bens e prestações de serviços conexas com aquela formação profissional, desde que, umas e outras, sejam efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes (como é o caso da recorrente); 6ª. Sendo que devem ser consideradas prestações de serviço conexas quando as mesmas são necessárias ou complementares em relação à realização da prestação principal e quando não constituam para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador; 7ª. A isenção a que se refere o nº 11 do art. 9º do CIVA é uma isenção de natureza objectiva - cfr., ofício-circulado nº 55466, de 22.6.87 8ª. Está adquirido nos autos que todas e cada uma das situações de facto em análise nos presentes autos integram-se em acções de formação que, formalmente, foram encabeçadas pelas entidades melhor identificadas em sede de petição inicial (A…, R…, C…). 9ª. Sendo que as acções de formação tituladas pela R... e pelo C… foram material e integralmente levadas a cabo pela recorrente sendo que em relação às acções de formação realizadas pela A..., a recorrente disponibilizou as salas (devidamente equipadas) necessárias à sua realização; 10ª. As facturas em causa nos presentes autos emitidas pela recorrente a cada uma daquelas empresas dizem respeito à alocação pela recorrente a cada um dos cursos dos meios materiais, humanos e financeiros necessários e imprescindíveis à sua concepção, organização, implementação e gestão, o que tudo foi por si realizado; 11ª. Entre o mais, respeitam à organização de candidaturas, turmas e horários, inscrições de formandos, recrutamento e distribuição de formadores, processos de avaliação, e programas de estágios, preparação dos programas das diferentes acções de formação e os respectivos manuais de aprendizagem, cedência de instalações e equipamentos, afectação de elementos do seu quadro de pessoal, gestão da tesouraria e dos fluxos financeiros inerentes a cada uma das acções de formação, recolha de documentação, preparação de dossiers, preenchimento dos formulários de candidaturas aos programas subsidiados e bem assim os respectivos pagamentos, acompanhamento dos formandos e do normal funcionamento dos cursos no dia-a-dia durante a sua duração; 12ª. De resto, nem a R… nem o C… dispunham dos meios materiais, técnicos, humanos ou de know-how suficiente, para realizar, organizar e acompanhar, por si, os cursos em questão, traduzindo-se a experiência e o know how da recorrente numa mais valia inquestionável para os formandos; 13ª. Ainda que se entenda que, não obstante o facto de ter sido a recorrente, enquanto entidade acreditada para prestar formação, a programar, organizar e implementar, de fio a pavio, as acções de formação que, apenas formalmente, foram tituladas por terceiras entidades, não devem as mesmas ser enquadradas na primeira hipótese prevista no art. 9º, nº 11 do CIVA, ainda assim se terão de considerar os serviços prestados - aqui incluindo os serviços prestados à A... - como conexos com aquelas acções de formação e, assim, abrangidos pela isenção prevista na segunda parte da norma. 14ª. Importa ainda ter presente que foram apenas razões regulamentares que levaram a que as acções de formação materialmente levadas a cabo pela recorrente tivessem sido formalmente tituladas pelo R… e pelo C…; 15ª. E em relação às acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Leonardo d’a Vinci, as facturas foram emitidas em nome da Escola Profissional do C… (actual R…) porquanto era aquela a entidade coordenadora do projecto, quem recebia os fundos comunitários e quem procedia aos pagamentos da formação prestada pela recorrente; 16ª. A interpretação das normas fiscais, das definições delas constantes e das isenções nelas estabelecidas deve ser feita em conformidade com a ratio legis que as determinaram, com os objectivos por elas prosseguidos e no respeito das exigências impostas pelo princípio da neutralidade fiscal 17ª. Sendo certo que no plano de hermenêutica fiscal reflectem-se os problemas comuns de interpretação das normas jurídicas em geral e, assim, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as normas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.” – cfr., art. 11º da LGT e art. 9º do Cód. Civil. 18ª. Como tal, as normas de incidência tributárias são susceptíveis de interpretação extensiva. 19ª. A ratio do art. 9º, nº 11 do CIVA, vista à luz do escopo axiológico e finalístico do legislador, abrange no seu núcleo as prestações de serviços em causa nos presentes autos; 20ª. Pois, caso contrário, seriam tratadas de modo distinto as mesmas prestações de serviços, consoante o destinatário das mesmas fosse o beneficiário final (o formando) ou uma empresa que, para efectuar formação aos seus formandos, recorresse aos serviços de uma terceira entidade; 21ª. A aplicação estrita e literal das normas invocadas – e a sua interpretação no sentido de vedar a aplicação do art. 9º, nº 11 do CIVA in casu - não se coaduna, entre o mais, com os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da proporcionalidade – cfr., arts. 2º, 13º, nº 1 e 266º, nº 2 da CRP; vd., tb, o art. 55º da LGT 22ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas. Termos em que, na procedência do recurso, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, com todas as legais consequências, considerando-se procedente a impugnação apresentada.” A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 339 a 340 dos autos, no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela mesma resumem-se, em indagar da relevância do invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e bem assim apreciar da bondade das correcções efectuadas em sede de IVA, tendo presente a isenção contida no art. 9º nº 11 do CIVA. *** *** O Tribunal firmou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e na concatenação dos depoimentos recolhidos.” 3.2 DE DIREITONas suas primeiras conclusões do recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida em termos de decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia. Vejamos. Na óptica da Recorrente, a sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que: - A utilização da R… como face visível dos projectos de formação referidos em sede de petição inicial, decorreu de uma exigência dos Centros de Emprego de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que entenderam que, havendo uma entidade relacionada com a ora Recorrente com sede no Concelho de Guimarães, melhor seria, para o processo de candidatura respectivo - para facilitar a sua aprovação -, que fosse a R… a titulá-lo, em substituição da recorrente, que tem sede no Porto; - Aqueles projectos só foram aprovados tendo em conta o envolvimento e a participação activa da recorrente nos mesmos; - Nas acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Comunitário Leonardo da Vinci, existe uma entidade coordenadora em nome de quem as demais entidades participantes (entidades parceiras) - que, designadamente, prestem formação no âmbito do projecto apresentado - devem emitir as facturas correspondentes aos serviços que directamente prestem aos seus formandos, para que possam ser pagos dos mesmos, porquanto é a entidade coordenadora que recebe e gere os fundos comunitários. Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690º-A do CPC, que regulava esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.). Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição. Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221). Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto. Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso. Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador. Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12). Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios. Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador. É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão. Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil). É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça. À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348). Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. A partir daqui, quanto aos depoimentos das testemunhas, procedemos à audição do registo magnético da inquirição das mesmas, tendo a Recorrentes procedido à transcrição da parte mais relevante nas suas alegações de recurso. Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que a matéria apontada pela Recorrente nada acresce à realidade já vertida no probatório. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N.. Porto, 11 de Outubro de 2017 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Vital Lopes Ass. Cristina da Nova (1) Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 segs. (2) Este direito consubstancia uma das principais características do IVA, íntima e intrinsecamente, ligado ao chamado “método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados”, pelo qual se assegura e concretiza a incidência do imposto sobre todas as fases do processo produtivo. |