Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00217/05.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL
ART. 9º Nº 11 DO CIVA
ISENÇÃO
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
III) Não está em causa uma isenção subjectiva em função da natureza da entidade envolvida, mas uma isenção objectiva em função dos serviços prestados, impondo-se que estejam em causa prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional.
IV) Sendo a Recorrente uma entidade reconhecida com competência no domínio da formação profissional, que presta serviços a outras entidades que encabeçam a prestação de serviços na área da formação profissional, tem de concluir-se que são estas últimas entidades que directamente exercem essa actividade de formação, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente no domínio apontado.
V) Não tendo a ora Recorrente realizado as acções de formação profissional e não podendo os serviços que prestou (serviços de apoio logístico e organizacional) às empresas que efectivamente deram a formação profissional serem considerados como serviços conexos com a formação, apenas podemos concluir que as operações facturadas pela Recorrente não estavam isentas de IVA, sendo o mesmo devido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
C…, LDA., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27-06-2011, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação de IVA dos anos de 2000 e 2001, no montante global de € 109.696,68.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 304-330), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1ª. A sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que:
- A utilização da R… como face visível dos projectos de formação referidos em sede de petição inicial, decorreu de uma exigência dos Centros de Emprego de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que entenderam que, havendo uma entidade relacionada com a ora Recorrente com sede no Concelho de Guimarães, melhor seria, para o processo de candidatura respectivo - para facilitar a sua aprovação -, que fosse a R… a titulá-lo, em substituição da recorrente, que tem sede no Porto;
- Aqueles projectos só foram aprovados tendo em conta o envolvimento e a participação activa da recorrente nos mesmos;
- Nas acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Comunitário Leonardo da Vinci, existe uma entidade coordenadora em nome de quem as demais entidades participantes (entidades parceiras) - que, designadamente, prestem formação no âmbito do projecto apresentado - devem emitir as facturas correspondentes aos serviços que directamente prestem aos seus formandos, para que possam ser pagos dos mesmos, porquanto é a entidade coordenadora que recebe e gere os fundos comunitários;
2ª. O Tribunal ad quem é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no art. 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 690º-A, nº 1 e nº 2 do CPC (actual art. 685º- B, nº 1 e nº 2);
3ª. A apreciação crítica das provas produzidas, nomeadamente da reapreciação da prova gravada correspondente aos depoimentos gravados, na audiência de discussão e julgamento de 16.3.11 (Acta de fls. 273 e ss.), dos depoimentos da Sra. Dra. M… (depoimento gravado em CD com a duração de 1h.2m.13s - 00.00:00 até às 01:02:13), da Sra. D. E… (depoimento gravado em CD com a duração de 28m33s - 01:02:14 até às 01:30:47) e da Sra. D. P… (depoimento gravado em CD com a duração de 9m57s - 01:30:48 até às 01:40:45), determina que se devem considerar como provados os factos referidos na conclusões 1ª supra;
4ª. O art. 9º, nº 11 do CIVA, tem como razão de ser a protecção que o legislador comunitário entendeu conceder às actividades de formação, por serem actividades de interesse geral que importa incentivar;
5ª. A isenção prevista no supra referido normativo abrange não só, (i) as prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, como também (ii) as transmissões de bens e prestações de serviços conexas com aquela formação profissional, desde que, umas e outras, sejam efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes (como é o caso da recorrente);
6ª. Sendo que devem ser consideradas prestações de serviço conexas quando as mesmas são necessárias ou complementares em relação à realização da prestação principal e quando não constituam para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador;
7ª. A isenção a que se refere o nº 11 do art. 9º do CIVA é uma isenção de natureza objectiva - cfr., ofício-circulado nº 55466, de 22.6.87
8ª. Está adquirido nos autos que todas e cada uma das situações de facto em análise nos presentes autos integram-se em acções de formação que, formalmente, foram encabeçadas pelas entidades melhor identificadas em sede de petição inicial (A…, R…, C…).
9ª. Sendo que as acções de formação tituladas pela R... e pelo C… foram material e integralmente levadas a cabo pela recorrente sendo que em relação às acções de formação realizadas pela A..., a recorrente disponibilizou as salas (devidamente equipadas) necessárias à sua realização;
10ª. As facturas em causa nos presentes autos emitidas pela recorrente a cada uma daquelas empresas dizem respeito à alocação pela recorrente a cada um dos cursos dos meios materiais, humanos e financeiros necessários e imprescindíveis à sua concepção, organização, implementação e gestão, o que tudo foi por si realizado;
11ª. Entre o mais, respeitam à organização de candidaturas, turmas e horários, inscrições de formandos, recrutamento e distribuição de formadores, processos de avaliação, e programas de estágios, preparação dos programas das diferentes acções de formação e os respectivos manuais de aprendizagem, cedência de instalações e equipamentos, afectação de elementos do seu quadro de pessoal, gestão da tesouraria e dos fluxos financeiros inerentes a cada uma das acções de formação, recolha de documentação, preparação de dossiers, preenchimento dos formulários de candidaturas aos programas subsidiados e bem assim os respectivos pagamentos, acompanhamento dos formandos e do normal funcionamento dos cursos no dia-a-dia durante a sua duração;
12ª. De resto, nem a R… nem o C… dispunham dos meios materiais, técnicos, humanos ou de know-how suficiente, para realizar, organizar e acompanhar, por si, os cursos em questão, traduzindo-se a experiência e o know how da recorrente numa mais valia inquestionável para os formandos;
13ª. Ainda que se entenda que, não obstante o facto de ter sido a recorrente, enquanto entidade acreditada para prestar formação, a programar, organizar e implementar, de fio a pavio, as acções de formação que, apenas formalmente, foram tituladas por terceiras entidades, não devem as mesmas ser enquadradas na primeira hipótese prevista no art. 9º, nº 11 do CIVA, ainda assim se terão de considerar os serviços prestados - aqui incluindo os serviços prestados à A... - como conexos com aquelas acções de formação e, assim, abrangidos pela isenção prevista na segunda parte da norma.
14ª. Importa ainda ter presente que foram apenas razões regulamentares que levaram a que as acções de formação materialmente levadas a cabo pela recorrente tivessem sido formalmente tituladas pelo R… e pelo C…;
15ª. E em relação às acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Leonardo d’a Vinci, as facturas foram emitidas em nome da Escola Profissional do C… (actual R…) porquanto era aquela a entidade coordenadora do projecto, quem recebia os fundos comunitários e quem procedia aos pagamentos da formação prestada pela recorrente;
16ª. A interpretação das normas fiscais, das definições delas constantes e das isenções nelas estabelecidas deve ser feita em conformidade com a ratio legis que as determinaram, com os objectivos por elas prosseguidos e no respeito das exigências impostas pelo princípio da neutralidade fiscal
17ª. Sendo certo que no plano de hermenêutica fiscal reflectem-se os problemas comuns de interpretação das normas jurídicas em geral e, assim, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as normas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.” – cfr., art. 11º da LGT e art. 9º do Cód. Civil.
18ª. Como tal, as normas de incidência tributárias são susceptíveis de interpretação extensiva.
19ª. A ratio do art. 9º, nº 11 do CIVA, vista à luz do escopo axiológico e finalístico do legislador, abrange no seu núcleo as prestações de serviços em causa nos presentes autos;
20ª. Pois, caso contrário, seriam tratadas de modo distinto as mesmas prestações de serviços, consoante o destinatário das mesmas fosse o beneficiário final (o formando) ou uma empresa que, para efectuar formação aos seus formandos, recorresse aos serviços de uma terceira entidade;
21ª. A aplicação estrita e literal das normas invocadas – e a sua interpretação no sentido de vedar a aplicação do art. 9º, nº 11 do CIVA in casu - não se coaduna, entre o mais, com os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da proporcionalidade – cfr., arts. 2º, 13º, nº 1 e 266º, nº 2 da CRP; vd., tb, o art. 55º da LGT
22ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas.
Termos em que, na procedência do recurso, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, com todas as legais consequências, considerando-se procedente a impugnação apresentada.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 339 a 340 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela mesma resumem-se, em indagar da relevância do invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e bem assim apreciar da bondade das correcções efectuadas em sede de IVA, tendo presente a isenção contida no art. 9º nº 11 do CIVA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
a) No seguimento da ordem de serviço nº 53601 de 31/05/2004, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva iniciada em 2 1/01/2004 e concluída em 11/06/2004, que incidiu sobre os anos de 2000 e 2001 (cf. doc. de fls. 71 a 89 do processo administrativo, doravante apenas PA).
b) Ali se apurou que no ano de 2001, a impugnante “ (...) prestou serviços à empresa A..., SA (...), que não têm por base qualquer contrato celebrado entre as partes, e que ascenderam a 24.815,20€, em cujas facturas se encontrava descriminado o seguinte “Aluguer de sala e seu equipamento do curso “x” a decorrer no pólo de “y “, sem que tenha liquidado o respectivo IVA sobre tais serviços, por entender que se encontravam isentos desse imposto por força do nº 11 do art. 9º do Código do IVA. No entanto, tais serviços configuram operações tributáveis sujeitas a IVA e dele não isentas, uma vez que não têm a natureza de formação, antes esta é ministrada directamente aos formandos pela A…, sendo que a C… apenas presta apoio alugando-lhes as instalações e os equipamentos existentes nos seus pólos de formação que se situam no: Porto, Guimarães, Felgueiras, Stº Tirso, Vila Nova de Famalicão e Santa Maria da Feira. Como tal seria se liquidar o respectivo IVA por não ter enquadramento no nº 11 do art. 9º do Código do IVA, imposto esse que apuramos no Mapa que se junta em anexo no montante de 4.218,586” (cf. doc. de fls. 74 do PA).
c) Mais apuraram que “Nos anos de 2000 e 2001 o s.p. prestou serviços à empresa R…, (...), que não têm por base qualquer contrato celebrado entre as partes, e que ascenderam a 75.231,016 no ano de 2000, e 75.753,626 no ano de 2001, em cujas facturas se encontrava descriminado o seguinte:
Formação profissional no mês “x” - curso de “modelação de confecção e técnico de qualidade” - custos com o financiamento do curso; “Aluguer de salas de aula normais, laboratórios e respectivos equipamentos “, sem que tenha liquidado qualquer IVA, por entender que se encontravam isentos desse imposto por força do nº 11 do art. 9º do Código do IVA. No entanto tais serviços configuram operações tributáveis sujeitas a IVA e dele não isentas, uma vez que a C… apenas alugou salas e equipamento, e desenvolveu todo o tipo de apoio logístico conducente ao funcionamento dos cursos (inscrições, materiais de apoio, etc.) sem que a prestação da acção de formação propriamente dita relativa aos mesmos tenha sido da sua responsabilidade directa, antes tenha sido da responsabilidade da “R…”, pois que esta é que é uma escola de ensino técnico-profissional fazendo parte integrante da escolaridade obrigatória reconhecida pelo Ministério da educação como tal. De resto, isso mesmo é confirmado pelo discriminativo da própria factura, quando refere quês e trata de “custos com o funcionamento do curso “, e “aluguer de salas de aula “ (cf. doc. de fls. 74 e 75 do PA).
d) É dito no relatório que “No ano de 2000 o sujeito passivo prestou serviços à empresa “ESCOLA PROFISSIONAL C…”, que não têm por base qualquer contrato celebrado entre as partes e ascendem a 4.905, 68€, em cuja factura se encontrava descriminado o seguinte:
“Projecto Leonardo D ‘a Vinci - Eurovisual de serviços prestados pelo n/colaborador no âmbito da execução do projecto em epígrafe - Mês de “Janeiro a Maio “, sem que tenha liquidado qualquer IVA (...). No entanto, tais serviços configuram operações tributáveis sujeitas a IVA e dele não estão isentas, uma vez que a C… apenas cedeu pessoal para o apoio na área do Eurovisual, para colaborar num projecto pertencente à Escola profissional, e tais serviços prestados pelo colaborador da C… não respeitavam directamente à área da formação, pois que esta sim é desenvolvida pela Escola profissional, já que faz parte da sua actividade exclusiva como escola do ensino secundário técnico-profissional” (cf. fls. 75 do PA).
e) Apuraram os SIT nos anos de 2000 e 2001 a mesma situação acima descrita da s.p.com a empresa C…, LDA., em montante que ascendeu a 283.736,20€ no ano de 2000 e de 75.751,19 no ano de 2001 e em cujas facturas estava discriminado o seguinte “Serviços de apoio á organização da formação efectuada intra e inter empresas nos seguintes locais, do mês “x “. Porto, Santo Tirso, Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Santa Maria da Feira, Felgueiras” (cf. fls. 76 do PA).
f) Face às situações apuradas os SIT concluíram que “estas facturas foram emitidas unicamente com o objectivo de acertar contabilisticamente contas de terceiros, nomeadamente a conta “25511” do sócio gerente que é comum à duas empresas, Dr. F…, e a conta “outros devedores e credores - 268” em planos inversos nas contabilidades das duas empresas” (cf. fls. 76 dos PA).
g) Apuraram IVA em falta nos montantes de €61.858,39 para o ano de 2000, e de €29.974,40, para o ano de 2001, o que veio a originar as liquidações nº 04281227 e 04281236, respectivamente (ef. doc. de fls. 38 e 39 dos autos).
h) Porque a impugnante não pagou aqueles montantes veio a ser instaurado o processo de execução fiscal nº 3182200401045547, no qual a impugnante prestou a garantia bancária no montante de € 116.871,64 (cf. doc. de fls. 189 a 194 dos autos).
i) A impugnante é uma sociedade que foi acreditada pelo Instituto para a Inovação e Formação, com efeitos a partir de 22/01/2002, pelo período de 3 anos, nos domínios da “Concepção, Organização e Promoção, Desenvolvimento/execução” (cf. doc de fls. 33 e 34 dos autos).
j) Em 13/02/2004, o Instituto de Emprego e Formação Profissional certificou que a impugnante “se dedica á prestação de serviços de formação profissional, conforme verificação efectuada em Outubro de 2003” (cf. doc. de fls. 35 dos autos).
k) A impugnante emitiu facturas sem IVA, com indicação de isenção ao abrigo do art. 9º, nº 11 do CIVA (cf. doc. de fls. 36 a 37 dos autos).
l) Os documentos relativos á sociedade R…, Lda. (cf. doc. de fls. 40 a 79 dos autos).
m) As instalações na Av…, lote um, freguesia de S. Sebastião estão arrendadas à impugnante (cf. doc. de fls. 79 a 95 dos autos).
n) As instalações sitas no Lugar…, Rua… e Avenida…, freguesia de Antas (cf. doc. de fls. 976 a 100 dos autos).
o) Os documentos de fls. 101 a 128 dos autos.
p) Os documentos de fls. 129 a 180 dos autos.
q) As sociedades C…, Lda. a C…, Lda., e a R…, Lda., são maioritariamente detidas pelo mesmo sócio (cf. depoimento da testemunha M…).
r) A A… solicitou à impugnante os meios necessários para executar a formação (salas e equipamentos), a impugnante facturou como acção de formação profissional porque era esse o seu fim (cf. depoimento das testemunhas).
s) A R… apresentou candidatura aos cursos de formação, mas a estrutura (formadores, instalações, pagamentos etc.) era da impugnante, que facturava à R… esses serviços, que por sua vez apresentava os documentos ao Centro de Emprego e Formação Profissional para ser reembolsada (cf. depoimento das testemunhas).
t) Perante as entidades que financiavam as formações quem aparecia a solicitar as formações eram a A…, a R…, e C…, mas a estrutura de apoio era da impugnante, que depois facturava aqueles serviços (cf. depoimento das testemunhas).
u) A sociedade R… era a Coordenadora do projecto Leonardo D’a Vinci e geria o fundo comunitário, a impugnante era um dos parceiros (cf. depoimento das testemunhas).

Factos não provados

Dos autos não resultam provados outros facto com interesse para a decisão da causa.

*** ***
O Tribunal firmou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e na concatenação dos depoimentos recolhidos.”
3.2 DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões do recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida em termos de decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da Recorrente, a sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que:
- A utilização da R… como face visível dos projectos de formação referidos em sede de petição inicial, decorreu de uma exigência dos Centros de Emprego de Guimarães e de Vila Nova de Famalicão, que entenderam que, havendo uma entidade relacionada com a ora Recorrente com sede no Concelho de Guimarães, melhor seria, para o processo de candidatura respectivo - para facilitar a sua aprovação -, que fosse a R… a titulá-lo, em substituição da recorrente, que tem sede no Porto;
- Aqueles projectos só foram aprovados tendo em conta o envolvimento e a participação activa da recorrente nos mesmos;
- Nas acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Comunitário Leonardo da Vinci, existe uma entidade coordenadora em nome de quem as demais entidades participantes (entidades parceiras) - que, designadamente, prestem formação no âmbito do projecto apresentado - devem emitir as facturas correspondentes aos serviços que directamente prestem aos seus formandos, para que possam ser pagos dos mesmos, porquanto é a entidade coordenadora que recebe e gere os fundos comunitários.

Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690º-A do CPC, que regulava esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

A partir daqui, quanto aos depoimentos das testemunhas, procedemos à audição do registo magnético da inquirição das mesmas, tendo a Recorrentes procedido à transcrição da parte mais relevante nas suas alegações de recurso.

Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que a matéria apontada pela Recorrente nada acresce à realidade já vertida no probatório.
Na verdade, o Tribunal a quo deu como assente que a R… apresentou candidatura aos cursos de formação, mas a estrutura (formadores, instalações, pagamentos etc.) era da impugnante, que facturava à R… esses serviços, que por sua vez apresentava os documentos ao Centro de Emprego e Formação Profissional para ser reembolsada (cf. depoimento das testemunhas) e que perante as entidades que financiavam as formações quem aparecia a solicitar as formações eram a A…, a R…., e C…, mas a estrutura de apoio era da impugnante, que depois facturava aqueles serviços (cf. depoimento das testemunhas), além de que a sociedade R… era a Coordenadora do projecto Leonardo D’a Vinci e geria o fundo comunitário, a impugnante era um dos parceiros (cf. depoimento das testemunhas).
Perante estes elementos que foram ponderados em função do teor da prova testemunhal, crê-se que é clara a convicção do Tribunal a quo no sentido de que a estrutura de apoio da ora Recorrente está na base dos procedimentos desenvolvidos pelas entidades apontadas, pelo que, é apodíctico dizer-se que o envolvimento da ora Recorrente foi decisivo para a concretização dos projectos em causa.
Por outro lado, a questão da prioridade dada às escolas profissionais pelo Centro de Emprego enquanto condicionante do procedimento adoptado pelo grupo apenas confirma que acabou por ser a R… a apresentar a candidatura aos cursos de formação, sendo que, como já está estabelecido a estrutura era da ora Recorrente, nada acrescentando de decisivo neste ponto.
Do mesmo modo, a afirmação de que nas acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Comunitário Leonardo da Vinci, existe uma entidade coordenadora em nome de quem as demais entidades participantes (entidades parceiras) - que, designadamente, prestem formação no âmbito do projecto apresentado - devem emitir as facturas correspondentes aos serviços que directamente prestem aos seus formandos, para que possam ser pagos dos mesmos, porquanto é a entidade coordenadora que recebe e gere os fundos comunitários constitui apenas uma descrição mais desenvolvida daquilo que já foi consignado em função da prova produzida nos autos, de modo que, não pode proceder a impugnação da Recorrente em sede de matéria de facto.

A Recorrente refere depois que o art. 9º, nº 11 do CIVA, tem como razão de ser a protecção que o legislador comunitário entendeu conceder às actividades de formação, por serem actividades de interesse geral que importa incentivar, sendo que a isenção prevista no supra referido normativo abrange não só, (i) as prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, como também (ii) as transmissões de bens e prestações de serviços conexas com aquela formação profissional, desde que, umas e outras, sejam efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes (como é o caso da recorrente) e devem ser consideradas prestações de serviço conexas quando as mesmas são necessárias ou complementares em relação à realização da prestação principal e quando não constituam para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, verificando-se que a isenção a que se refere o nº 11 do art. 9º do CIVA é uma isenção de natureza objectiva e está adquirido nos autos que todas e cada uma das situações de facto em análise nos presentes autos integram-se em acções de formação que, formalmente, foram encabeçadas pelas entidades melhor identificadas em sede de petição inicial (A…, R..., C…), sendo que as acções de formação tituladas pela R... e pelo C… foram material e integralmente levadas a cabo pela recorrente sendo que em relação às acções de formação realizadas pela A..., a recorrente disponibilizou as salas (devidamente equipadas) necessárias à sua realização e as facturas em causa nos presentes autos emitidas pela recorrente a cada uma daquelas empresas dizem respeito à alocação pela recorrente a cada um dos cursos dos meios materiais, humanos e financeiros necessários e imprescindíveis à sua concepção, organização, implementação e gestão, o que tudo foi por si realizado e, entre o mais, respeitam à organização de candidaturas, turmas e horários, inscrições de formandos, recrutamento e distribuição de formadores, processos de avaliação, e programas de estágios, preparação dos programas das diferentes acções de formação e os respectivos manuais de aprendizagem, cedência de instalações e equipamentos, afectação de elementos do seu quadro de pessoal, gestão da tesouraria e dos fluxos financeiros inerentes a cada uma das acções de formação, recolha de documentação, preparação de dossiers, preenchimento dos formulários de candidaturas aos programas subsidiados e bem assim os respectivos pagamentos, acompanhamento dos formandos e do normal funcionamento dos cursos no dia-a-dia durante a sua duração.
De resto, nem a R… nem o C… dispunham dos meios materiais, técnicos, humanos ou de know-how suficiente, para realizar, organizar e acompanhar, por si, os cursos em questão, traduzindo-se a experiência e o know how da recorrente numa mais valia inquestionável para os formandos e ainda que se entenda que, não obstante o facto de ter sido a recorrente, enquanto entidade acreditada para prestar formação, a programar, organizar e implementar, de fio a pavio, as acções de formação que, apenas formalmente, foram tituladas por terceiras entidades, não devem as mesmas ser enquadradas na primeira hipótese prevista no art. 9º, nº 11 do CIVA, ainda assim se terão de considerar os serviços prestados - aqui incluindo os serviços prestados à A... - como conexos com aquelas acções de formação e, assim, abrangidos pela isenção prevista na segunda parte da norma, impondo-se ainda ter presente que foram apenas razões regulamentares que levaram a que as acções de formação materialmente levadas a cabo pela recorrente tivessem sido formalmente tituladas pelo R… e pelo C… e em relação às acções de formação subsidiadas ao abrigo do Programa Leonardo d’a Vinci, as facturas foram emitidas em nome da Escola Profissional do C… (actual R…) porquanto era aquela a entidade coordenadora do projecto, quem recebia os fundos comunitários e quem procedia aos pagamentos da formação prestada pela recorrente.
A interpretação das normas fiscais, das definições delas constantes e das isenções nelas estabelecidas deve ser feita em conformidade com a ratio legis que as determinaram, com os objectivos por elas prosseguidos e no respeito das exigências impostas pelo princípio da neutralidade fiscal, sendo certo que no plano de hermenêutica fiscal reflectem-se os problemas comuns de interpretação das normas jurídicas em geral e, assim, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as normas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.” – cfr., art. 11º da LGT e art. 9º do Cód. Civil e como tal, as normas de incidência tributárias são susceptíveis de interpretação extensiva e a ratio do art. 9º, nº 11 do CIVA, vista à luz do escopo axiológico e finalístico do legislador, abrange no seu núcleo as prestações de serviços em causa nos presentes autos, pois, caso contrário, seriam tratadas de modo distinto as mesmas prestações de serviços, consoante o destinatário das mesmas fosse o beneficiário final (o formando) ou uma empresa que, para efectuar formação aos seus formandos, recorresse aos serviços de uma terceira entidade, sendo que a aplicação estrita e literal das normas invocadas – e a sua interpretação no sentido de vedar a aplicação do art. 9º, nº 11 do CIVA in casu - não se coaduna, entre o mais, com os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da proporcionalidade - cfr., arts. 2º, 13º, nº 1 e 266º, nº 2 da CRP; vd., tb, o art. 55º da LGT.

Que dizer?
Neste domínio, cabe notar que o IVA é comummente caracterizado como um imposto sobre o consumo, plurifásico, de valor acrescentado, e que opera através do método subtractivo indirecto.
É, desde logo, um imposto geral sobre o consumo, uma vez que tributa tendencialmente a generalidade dos actos de consumo ou de despesa. Na acepção do artigo 1.º n.º 1 do CIVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.
É, também, um imposto plurifásico, que incide sobre as diversas fases de um circuito económico, desde o momento da sua produção até à venda ao seu consumidor final.
Por outro lado, a sua característica de valor acrescentado, que opera através do método subtractivo indirecto (das facturas, do crédito de imposto ou dos pagamentos fraccionados), dita que, em cada fase do circuito económico, apenas se tribute o valor que resulta da diferença entre o IVA suportado nas operações realizadas a montante (inputs) e o IVA liquidado nas operações realizadas a jusante (outputs). Por outras palavras, a tributação incide exclusivamente no valor acrescentado obtido por cada agente económico até ao último estádio do processo económico, que é a apropriação por parte do consumidor final que, enquanto elemento sobre o qual o ónus do IVA incidirá, não poderá proceder à dedução do imposto suportado a montante.
A incidência efectiva do IVA, diferentemente do que acontece nos restantes impostos, é determinada não pela natureza formal do imposto, mas pelas características do mercado (v.g. a elasticidade da procura e a concorrência entre fornecedores), uma vez que sem consumo, não haverá IVA. Por outro lado, contanto que o IVA incida sobre o consumo e não sobre as transacções realizadas entre os diferentes operadores económicos, tem como objectivo fomentar a neutralidade e evitar a distorção de preços que poderia existir pelo facto de os produtores e outros agentes adquirirem produtos uns aos outros, visto que não é sobre estes que incide a tributação mas sobre os consumidores finais.
Diga-se ainda que um imposto é considerado neutro quando não tem impacto nas decisões dos agentes económicos, quer no plano interno quer no plano internacional.
De facto, o IVA, enquanto imposto que incide sobre as diversas fases do circuito económico e às quais é aplicada a mesma carga fiscal, consegue cumprir o objectivo da neutralidade uma vez que os operadores – independentemente da fase do circuito em que se encontrem – nunca são movidos por motivações fiscais, diferentemente do que se verifica com os impostos cumulativos sobre as transacções, que variam consoante a fase do processo ou o tipo de bens em causa.
Assim, e em cumprimento deste princípio da neutralidade, os bens e serviços semelhantes deverão ser sujeitos ao mesmo enquadramento fiscal e às mesmas taxas, independentemente do número de transacções ocorridas no processo de produção e distribuição.

Considerando ainda a matéria em equação nos autos, crê-se pertinente ter em consideração como refere Clotilde Celorico Palma (1), que no IVA, considerando a possibilidade do exercício do direito à dedução (2), encontramos duas modalidades de isenções; por um lado, as completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado e, por outro, as isenções incompletas, simples, parciais, entre as quais se encontram todas as do art. 9.º CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização.
Por outro lado, considerando a natureza excepcional ou anti-sistema das normas de isenção de IVA o Tribunal de Justiça da União Europeia tem defendido que as mesmas estão sujeitas ao princípio da interpretação “estrita” ou “declarativa”, vazada, entre outros, no Acórdão SUFA, de 1989. Aí se pode ler que “os termos utilizados para designar as isenções [então] visadas pelo artigo 13º da Sexta Directiva devem ser interpretados restritivamente dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso sobre um sujeito passivo.

No caso, a norma que nos interessa - art. 9º nº 11 (actual nº 10) do CIVA determina que estão isentas de IVA “as prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, efectuadas (...) por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes”.
Com este pano de fundo, a Recorrente insiste que está adquirido nos autos que todas e cada uma das situações de facto em análise nos presentes autos integram-se em acções de formação que, formalmente, foram encabeçadas pelas entidades melhor identificadas em sede de petição inicial (A..., R..., C…), sendo que as acções de formação tituladas pela R... e pelo C… foram material e integralmente levadas a cabo pela recorrente sendo que em relação às acções de formação realizadas pela A..., a recorrente disponibilizou as salas (devidamente equipadas) necessárias à sua realização e as facturas em causa nos presentes autos emitidas pela recorrente a cada uma daquelas empresas dizem respeito à alocação pela recorrente a cada um dos cursos dos meios materiais, humanos e financeiros necessários e imprescindíveis à sua concepção, organização, implementação e gestão, o que tudo foi por si realizado e, entre o mais, respeitam à organização de candidaturas, turmas e horários, inscrições de formandos, recrutamento e distribuição de formadores, processos de avaliação, e programas de estágios, preparação dos programas das diferentes acções de formação e os respectivos manuais de aprendizagem, cedência de instalações e equipamentos, afectação de elementos do seu quadro de pessoal, gestão da tesouraria e dos fluxos financeiros inerentes a cada uma das acções de formação, recolha de documentação, preparação de dossiers, preenchimento dos formulários de candidaturas aos programas subsidiados e bem assim os respectivos pagamentos, acompanhamento dos formandos e do normal funcionamento dos cursos no dia-a-dia durante a sua duração, até porque nem a R… nem o C… dispunham dos meios materiais, técnicos, humanos ou de know-how suficiente, para realizar, organizar e acompanhar, por si, os cursos em questão, traduzindo-se a experiência e o know how da recorrente numa mais valia inquestionável para os formandos.

Pois bem, de acordo com a norma acima apontada as operações de formação profissional efectuadas por organismos de direito público com competência para o efeito, ou as efectuadas por entidades privadas, desde que reconhecidas pelos ministérios competentes como tendo fins análogos, estão isentas de IVA.
Desde logo, ninguém coloca em crise que a Recorrente está habilitada a dar formação profissional, pois está acreditada como entidade formadora.
Sucede que, no caso em apreço, e como a própria reconhece, não foi ela que esteve à frente dos projectos em causa e, portanto, ministrou tal formação, embora tenha tido um papel nuclear no sentido de as entidades descritas terem avançado e cumprido os tais projectos, dado que, forneceu à entidades formadoras os meios funcionais e organizacionais necessários à aludida formação, envolvendo salas, equipamento, docentes e outros elementos importantes no domínio apontado.
Ora, não está em causa uma isenção subjectiva em função da natureza da entidade envolvida, mas uma isenção objectiva em função dos serviços prestados, impondo-se que estejam em causa prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional.
Nas suas alegações, a Recorrente começa por apontar como que um dos sujeitos reais da operação, apesar de actuar em nome próprio, conduziu toda a actuação no interesse e por conta da ora Recorrente (interposição real), podendo aqui hipotizar-se uma espécie de mandato sem representação.
No entanto, quando é a própria Recorrente que vem dizer que o Centro de Emprego deu prioridade às escolas profissionais, obrigando a ora Recorrente a equacionar a matéria noutros moldes, avançando a entidade do grupo que permitia a apresentação da candidatura aos cursos de formação, temos por adquirido que o grupo que integra a Recorrente interiorizou a situação em apreço e procedeu em conformidade, promovendo a intervenção da R…, aproveitando a estrutura da ora Recorrente.
A partir daqui, e na medida em que a Recorrente, sendo uma entidade reconhecida com competência no domínio da formação profissional, presta serviços a outras entidades que encabeçam a prestação de serviços na área da formação profissional, tem de concluir-se que são estas entidades que directamente exercem essa actividade de formação, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente no domínio apontado.
Nesta sequência, e tendo plena consciência dessa situação, a Recorrente tenta uma outra abordagem, reclamando que os serviços por si prestado - aqui incluindo os serviços prestados à A... - devem ser enquadrados como conexos com aquelas acções de formação.

No entanto, esta nova análise da situação não contém nada de inovador no que concerne à realidade em apreciação nos autos, o que significa que se impõe concluir, tal como na decisão recorrida que, não tendo a ora Recorrente realizado as acções de formação profissional e não podendo os serviços que prestou (serviços de apoio logístico e organizacional) às empresas que efectivamente deram a formação profissional serem considerados como serviços conexos com a formação, apenas podemos concluir que as operações facturadas pela Recorrente não estavam isentas de IVA, sendo o mesmo devido, não se vislumbrando qualquer violação dos princípios a que alude a Recorrente, que também não fez grande esforço ao nível da concretização de tal violação.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Outubro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova

(1) Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 segs.
(2) Este direito consubstancia uma das principais características do IVA, íntima e intrinsecamente, ligado ao chamado “método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados”, pelo qual se assegura e concretiza a incidência do imposto sobre todas as fases do processo produtivo.