Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00712/15.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:António Patkoczy
Descritores:IVA. DEDUÇÃO DE IMPOSTO DE OPERAÇÃO SIMULADA. FUNDAMENTAÇÃO. DÚVIDA FUNDADA SOBRE A EXISTÊNCIA E QUANTIFICAÇÃO DO FACTO TRIBUTÁRIO. PRINCIPIO DO INQUISITÓRIO.
ACÇÃO INSPECTIVA E EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO: INFORMAÇÕES OBTIDAS PELA INSPECÇÃO RELATIVAS A FORNECEDORES DO S.P. E ÂMBITO DE ACESSO AO RESPECTIVO CONTEÚDO AO INSPECIONADO. ELEMENTOS SIGILOSOS.
Sumário:I) Encontram-se devidamente fundamentada a exclusão do direito á dedução do IVA suportado por um s.p., quando se encontram explicitados as causa que conduziram á sua desconsideração e em razão dos indícios apurados quanto á falta de aderência á realidade das operações realizadas.

II) Cabendo ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das operações desconsideradas, contra si será de imputar o juizo de prognose póstuma postulado pelo entendimento judicialmente acolhido, no sentido de não resultar a dúvida fundada sobre o facto tributário a que alude o nº 1, do artº 100º, do CPPT, incumbindo- lhe formular os fundamentos da pretensão deduzida, socorrendo-se dos meios de prova facultados pela lei e solicitando o que tiver por conveniente em sede impugnatória.

III) Não viola o direito ao contraditório no procedimento tributário, a não divulgação dos elementos relativos a terceiros e objecto de sigilo fiscal , ainda que atinente aos fornecedores do s.p., desde que sejam indicados objectivamente os factos apurados quanto ás relações comerciais mantidos por estes últimos com o s.p. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:O., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE


1 - RELATÓRIO

A sociedade “O.,Lda.”, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios relativas ao ano de 2012 , na importância total de € 24.314,30 .
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões»:
1) O Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 120°, 125° do C.P.P.T. e 608°, n° 2 e 615°, n° 1, alínea d) do C.P.C.).
2) E isto, porque o Tribunal a quo deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (artigos 99° da Lei Geral Tributária e artigo 13° do C.P.P.T.).
3) As liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Área da Cobrança, relativas ao ano de 2012, não estão de acordo com Relatório da Inspeção Tributária realizado à Impugnante, aqui recorrente, pelo que, sabido que é no Relatório que se encontra enunciada e concretizada a fundamentação das liquidações impugnadas, é manifesto que existe erro de quantificação dos factos tributários e consequentemente, falta de fundamentação que legitime a emissão daquelas liquidações naqueles valores.
4) E princípio estruturante do processo judicial tributário, o Principio do Inquisitório pleno, previsto nos artigos 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99° da Lei Geral Tributária, ou seja, não é um processo de partes, pelo que o juiz deve ordenar as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
5) Em processo judicial tributário, só é licito julgar com base no ónus da prova depois de terem sido ordenadas todas as diligências necessárias à descoberta da verdade dos factos de que é licito conhecer, nomeadamente, o alegado pelas partes, no caso sub judice, a impugnante, ora recorrente.
6) Ora, como se verifica do quadro inserto no n° 9 da Fundamentação de facto, relativamente ao ano de 2012, a impugnante, ora recorrente, contabilizou, além de outras, as faturas do emitente, a Sociedade “A., Lda.”, Fatura n° 8, datada de 29-03-2012, com IVA suportado no valor de 483,00 €, Fatura n° 19, datada de 30-04-2012, com IVA suportado no valor de 2.645,00 € e Fatura n° 34, datada de 31-05-2012, com IVA suportado no valor de 5.232,50 €.
7) E, também como se verifica do quadro inserto no n° 9 da Fundamentação de facto, relativamente ao emitente Sociedade “W., Lda.”, contabilizou no ano de 2012, a fatura n° 18, de 21-12-2012, com IVA suportado no valor de 6.842,50 € e ainda do emitente D., a Fatura n° 95, datada de 18-07-2012, com IVA suportado no valor de 3.680,00 €.
8) Nesta conformidade, as correções em IVA, por período, ano 2012, com base nas faturas reputadas de falsas, seriam como a seguir se indica:
Período 2012-03T 483,00 €;
Período 2012-06T 7.877,50 €;
Período 2012-09T 3.680,00 €;
Período 2012-12T 6,482,50 €
Soma 18. 883,00 €
9) Contudo, como se verifica do N° 25 do probatório, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à emissão das seguintes liquidações:
Período 2012-03T 2.320,53 €;
Período 2012-06T 9.588,76 €;
Período 2012-09T 3.809,79 €;
Período 2012-12T 8,595,22 €
Soma 24.314,30 6
10) Por outro lado, como se verifica do quadro inserto no n° 18 da Fundamentação de Facto (página 11 do Relatório), apenas se constata que só no Período 2012- 06T, houve imposto deduzido nas existências à taxa normal no valor de 6.154,96€.
11) Pelo que, comparando os valores em causa com o quadro do n° 18 da Fundamentação de Facto (página 11 do Relatório), verifica-se que o IVA mencionado nas faturas reputadas de falsas não foi objecto de qualquer dedução efetiva nos períodos - 1203T; 1209T e 12.12T, sendo que no período 1206T, o IVA mencionado nas faturas reputadas de falsas no valor de 7.877,50 € é superior ao IVA deduzido de 6.154,96 €.
12) Ou seja, da referida comparação resulta de uma forma clara e evidente que a Impugnante, ora recorrente, não deduziu o IVA mencionado nas faturas reputadas de falsas a que se refere o quadro do n° 9 do Relatório.
13) Pelo que é manifesto concluir que os factos descritos no n° 10 da Fundamentação de Facto estão em contradição com os factos e valores constantes do quadro do n° 18, página 11 do Relatório Final da Inspeção
Tributária, onde para efeitos de dedução do IVA apenas estão em causa a transmissão de bens à taxa normal do IVA, à taxa normal de 23%, nas faturas reputadas de falsas.
14) Ou seja, da referida comparação resulta que a impugnante, ora recorrente, não deduziu o IVA mencionado nas faturas reputadas de falsas, pois como se verifica da matéria de Facto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não seguiu o critério de apenas liquidar adicionalmente o IVA mencionado nas faturas reputadas de falsas e os respetivos juros compensatórios.
15) Nesta conformidade, no caso sub judice, face ao supra referido, as liquidações adicionais de IVA objecto da Impugnação, não têm fundamentação.
16) Estamos, manifestamente, perante fundamentação que não é fundamentação, o que vale por dizer que a fundamentação aduzida não é clara, nem concisa, como também não é suficiente, e isto, porque como se demonstrou supra existe erro de quantificação nas liquidações adicionais de IVA impugnadas, bem como nos juros compensatórios.
17) Assim, a Sentença recorrida viola o artigo 100°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque em primeira linha compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a existência dos factos tributários, bem como a sua quantificação, o que manifestamente não logrou provar.
18) Temos, pois que, quando seja a Autoridade Tributária e Aduaneira a praticar um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, é ela que tem de provar a existência, pressuposto da sua actuação, face ao Princípio da Legalidade, o que não fez no caso sub judice.
19) Pelo que, no caso sub judice, os actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios impugnados, e de que agora se recorre, estão inquinados do vicio de insuficiência de fundamentação.
20) As afirmações da Inspectora Tributária A. no Relatório Final, desacompanhadas de documentos que as comprovem, carecem de valor.
21) Acresce que, a Inspectora Tributária A. considerou os factos com base em alegadas acções inspectivas credenciadas pela Ordem de Serviço N° 2014011143, relativa à Sociedade “W. Lda.”, Ordem se Serviço N° 01201301690 relativa à Sociedade “A., Lda.” e Ordem de Serviço N° 01201300520 relativa a D..
22) Porém, como se verifica nas páginas 39, 40, 41 e 42 do Relatório Final, apenas foram transcritas alegadamente “Partes” dos Relatórios em referência, quando tais Relatórios possuindo a natureza de informações oficiais, para efeitos do princípio do contraditório consignado no artigo 8o do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, tinham de ser notificados do seu teor integral, como preceitua o n° 3 do artigo 115o do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que não ocorreu no caso sub judice.
23) E tinham de ser notificados do seu teor integral com o formalismo previsto nos n°s 1, 2 e 3 do artigo 76° da Lei Geral Tributária, ou seja, devidamente autenticados, nos termos legais em vigor, definidos pelo dirigente máximo do serviço, o que nada disso ocorreu no presente caso.
24) É que, a impugnante, ora recorrente, para efeitos do princípio do contraditório, tinha o direito de verificar e apurar nos Relatórios dos emitentes, se a Autoridade Tributária e Aduaneira na área dos emitentes teria aceite e considerado como proveitos as faturas em causa, faturas essas que agora imputa serem simuladas.
25) Mais, analisando todo o Relatório constata-se que nada de concreto foi apurado em como as faturas em causa não correspondam a operações reais/prestações de serviços, pelo que, todas as considerações tecidas no Relatório, constituem meras conclusões pessoais da Técnica Economista A., sem qualquer fundamentação de facto e de direito.
26) No caso sub iudice é manifesta a existência de preterição de formalidade legal essencial (artigo 45°, n° 1 do C.P.P.T. e artigo 8o do R.C.P.I.T., artigo 98° da Lei Geral Tributária e 13° e 20° da Constituição da Republica.
27) Os elementos constantes e referidos no Relatório Final da Inspecção Tributária têm, dentro do procedimento inspetivo, a natureza de prova e, por virtude do Princípio do contraditório consignado nos artigos 45°, n° 1 do C.P.P.T. e artigo 8o do R.C.P.I.T, têm de ser integralmente notificados ao contribuinte com o formalismo previsto no artigo 76° da Lei Geral Tributária.
28) Contudo, no caso sub judice, verifica-se que os Relatórios da Inspecção Tributária, relativos aos emitentes referidos no Relatório, não foram notificados ao contribuinte, aqui impugnante, do seu teor integral.
29) Pelo que, assim sendo, a violação do Princípio do Contraditório consignado nos artigos 45°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigo 8o do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, consubstancia preterição de formalidade legal essencial e vicio de violação da lei.
30) E, não colhe, como pretende a Meritíssima Juiz a quo, páginas 39 e 44 da Douta Sentença, de que a impugnante, ora recorrente, tinha à sua disposição o preceituado no artigo 37° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e isto, porque este artigo não se destinava, nem se destina, a corrigir eventuais deficiências na fundamentação dos actos tributários, mas apenas a sanar irregularidades na notificação dos actos, por falta de comunicação dos respectivos fundamentos.
31) A falta de comunicação dos fundamentos da liquidação não se confunde com a falta de fundamentação do acto tributário, sendo que, enquanto a falta de fundamentação constitui vicio que invalida o acto tributário e determina a sua anulação, a falta de comunicação, porque se situa já no exterior do acto tributário, apenas poderá diferir o inicio do prazo para a sua impugnação e nada mais.
32) 0 artigo 37° do Código de Procedimento e de Processo Tributário concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que não lhe sejam comunicada a fundamentação do acto notificado, não lhe impõe um comportamento com vista à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar um acto que não esteja fundamentado, caso dos Relatórios que não foram juntos.
33) Como aliás, o confirma o Digno Representante da Fazenda Pública no n° 47 da sua Contestação, ao afirmar que o Tribunal a quo tinha o dever à luz do regime do artigo 13° do C.P.P.T., de ordenar a junção aos autos da cópia integral dos Relatórios relativos aos emitentes, o que não fez.
34) Verifica-se, assim, que todo o Relatório não contém em si qualquer prova concreta da alegada simulação das referidas faturas que legitime a correção de IVA, ano 2012, e isto, porque face ao disposto no n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária, tal correção nunca poderia assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que a não suportam, como é o presente caso, onde as suas conclusões não são suportadas por factos retirados de documentos e elementos respeitantes à contabilidade da impugnante, aqui recorrente.
35) Os elementos constantes e referidos no Relatório Final da Inspecção Tributária têm, dentro do procedimento inspetivo, a natureza de prova, pelo que, por virtude do Princípio do contraditório consignado nos artigos 45°, n° 1 do C.P.P.T. e artigo 8º do R.C.P.I.T, tinham de ser integralmente notificados ao contribuinte com o formalismo previsto no artigo 76° da Lei Geral Tributária, o que não ocorreu com referência ao Relatório da Inspeção Tributária de cada um dos emitentes em causa.
3 6) Pelo que, assim sendo, a violação do Princípio do Contraditório consignado nos artigos 45°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigo 8o do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e artigo 98° da L.G.T. consubstancia preterição de formalidade legal essencial e vicio de violação de lei.
37) Os Relatórios Finais dos emitentes em causa, possuindo a natureza de informações oficiais, tinha o impugnante, aqui recorrente, de ser notificado do seu teor integral, nos termos do n° 3 do artigo 115o do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por imposição da alínea b) do n° 1 do artigo 98° do C.P.P.T., o que constitui nulidade insanável em processo de Impugnação Judicial.
38) E isto, porque os Relatórios de Inspeção Tributária relativos aos emitentes possuindo a natureza jurídica de informações oficiais, artigo 111° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, como tal, é sempre obrigatória a notificação do seu teor integral à Impugnante, ora recorrente.
39) Ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira errou ao não atender ao disposto na lei, designadamente ao Direito da Impugnante ser notificada do teor integral do Relatório da Inspeção Tributária dos emitentes, o que constitui preterição de formalidade legal essencial e vicio de violação de lei, artigos 11 Io, n° 2, alínea b) e artigo 115°, n° 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
40) Por fim, importa referir que a Sentença recorrida viola o disposto no artigo 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte, demonstrar a existência do facto tributário, bem como a sua quantificação.
41) Pelo que, assim sendo, a fundamentação notificada à Impugnante, ora recorrente, não contém quaisquer elementos de facto que permitam retirar a conclusão da falsidade das faturas em causa, pois as mesmas são verdadeiras.
42) Por fim, o princípio da Igualdade impõe à Autoridade Tributária e Aduaneira que nas suas relações com os contribuintes, os trate de forma igualitária, não os privando de qualquer direito, no caso, com a falta de notificação dos Relatórios da Inspeção Tributária dos emitentes das faturas nos termos do n° 3 do artigo 115o do CPPT).
43) Aliás, nos termos do artigo 98° da Lei Geral Tributária em sintonia com o artigo 13° da Constituição da Republica, as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, pelo que, assim sendo, a falta de notificação dos Relatórios Finais dos emitentes constitui vicio de violação de lei e consequente, falta de fundamentação.
44) Falta de fundamentação que não se confunde com a falta de comunicação ao contribuinte da fundamentação, ou seja, enquanto a falta de fundamentação constitui vicio de violação de lei, a falta de comunicação, que não é o caso sub judice, apenas poderia e poderá deferir o inicio do prazo para apresentar a Impugnação (artigo 37° do CPPT) (Nesse sentido, Acórdão de 20 de Janeiro de 2004, do Tribunal Central Administrativo Norte, em que foi Relator Francisco Rothes).
45) 0 artigo 37° do Código de Procedimento e de Processo Tributário concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que não lhe seja comunicada a fundamentação do acto ou actos tributários, mas não lhe impõe um comportamento com vista à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar à posteriori um acto ou actos que não estejam fundamentados.
46) E que, em processo judicial tributário só é licito julgar com base no ónus da prova depois de terem sido ordenadas todas as diligências necessárias à descoberta da verdade dos factos de que é licito conhecer, nomeadamente, os alegados pelas partes (artigo 13° do CPPT e 99° da LGT).
47) Ou seja, o artigo 37° do código de Procedimento e de Processo Tributário, ao contrário do entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que não lhe seja comunicada a fundamentação do acto notificado, ou seja, não permite à Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentar a posteriori um acto que não esteja fundamentado. 
48) Foram violados os normativos legais insertos nos artigos 8o, n° 2 alínea a), artigos 55°, 58°, 77°, n° 1 e 2, 98° da L.G.T., artigo 8o do RCPIT, artigo 45°, n° 1, 115°, n° 3 do CPPT, artigo 103°, n° 3, 104°, n° 2, 266°, n° 2 e 268°, n° 3 da CRP
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, sejam anuladas todas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, objecto dos autos, por falta de fundamentação legalmente exigida e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.”.

A recorrida F.P. não apresentou contra-alegações.
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento pelas razões aduzidas, no qual consta o seguinte:
“… FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Invoca a Recorrente que os actos impugnados não se encontram devidamente fundamentados, porquanto o relatório da inspecção e os elementos que lhe chegaram ao conhecimento não contêm os fundamentos, indícios e declarações que suportam as conclusões da Administração Tributária.
Ora, no tocante a esta questão basta uma leitura minimamente atenta do relatório da inspecção para extrair a ilação de que os actos se encontram devidamente fundamentados, ou seja, que a explicitação das razões que ditaram o recurso à liquidação é contextuai, suficiente, clara e congruente, conforme, de resto, é exigido pela doutrina e pela jurisprudência.
Na verdade, nas palavras do sumário do Acórdão do TCAS-CT-20 Juízo, de 27/04/2010, tirado do processo n° 03879/10, disponível, tais como os que infra se citarão, em www.dgsi.pt:
“I- Fundamentar o acto tributário consiste na indicação dos factos e das normas jurídicas que o justificam, na exposição das razões de facto e/ou direito que determinam a AF a proferir uma decisão, enfim, em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra.
II- Assim, o acto tributário tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos- pressupostos do acto.
III- Estando expressamente referidos no acto os elementos indispensáveis à formação de um correcto juízo de valor, não se omitindo os fundamentos que, de acordo com as bases legais, permitiram aferir do acerto jurídico do acto final, o mesmo está fundamentado existindo, insofismavelmente, o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.
IV- A fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, por isso se impondo a adopção de um critério prático consistente na questão de saber se um destinatário normal, face ao “itinerário cognoscitivo e valor ativo” constante do acto em causa, fica em condições de saber se o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, o que aliás se coaduna com o princípio geral que se pode extrair, nomeadamente, do disposto no artigo 236°, do Código Civil.
V- Por isso mesmo, não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo.
(...)”
VII- E o despacho está fundamentado ao ponto da impugnante ter entendido e ter exercido eficazmente o direito de defesa, o que passa necessariamente por um conhecimento claro dos factos”.
Acresce que a doutrina que emana deste Acórdão foi, também, firmada pelo douto Acórdão do TCAN, datado de 24/05/2007, proferido no processo n° 00366/02. 


Do mesmo modo, em abono desta posição, poderemos, ainda citar um outro aresto do TCAS, nos termos do qual “Para cumprir a função legal a fundamentação deve ser suficiente, clara e congruente:
É suficiente quando abarca todos os elementos escolhidos pela administração por forma a permitir a reconstituição do “iter” lógico e jurídico do procedimento que terminou com decisão final; é clara quando é inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal que na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão;
E é congruente quando exprime consonância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo” (cf. o Acórdão do TCAS, tirado em 21/11/2006, no âmbito do processo n° 264/04).
Ora, in casu, como afirma a Exma. Senhora Procuradora da República do TAF de Aveiro, “...as liquidações adicionais impugnadas baseiam-se nos factos apurados no decurso da acção inspectiva levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira factos esses expressos no relatório que resultou da aludida inspeção, onde consta o percurso cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo seu autor,
Bem como os elementos probatórios que lhe subjazem, com vista à não-aceitação como custo de faturas emitidas por “A., Lda. ”, por “W.. Lda. ” e por D. "(cf. fls. 100,do processo fiscal).
Consequentemente, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento quanto a este segmento decisório.
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Alega a Impugnante, ora Recorrente que não foi notificada do teor integral dos relatórios relativos aos emitentes das facturas desconsideradas pela AT, motivo pelo qual lhe foi vedado o acesso ao teor integral dos referidos documentos e, consequentemente, cerceado o seu direito de verificar e apurar se o IVA indicado nas facturas foi efectivamente deduzido.
Entendemos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que carece de razão uma vez que foi devidamente notificado do projecto do relatório de inspecção a que foi submetida, tendo exercido o respectivo direito de audição.
Sendo certo que no mesmo a AT transcreve as partes que considera relevantes dos relatórios de inspecção dos emitentes das facturas,
Fazendo assentar grande parte das conclusões que a levaram a efectuar as correcções aritméticas impugnadas nos factos verificados e relatados quanto às referidas sociedades.
Carece, pois de qualquer sentido, a invocação da violação do princípio do contraditório.

ERRO QUANTO AOS PRESSUPOSTOS DAS LIQUIDAÇÕES
Neste âmbito, está em causa o direito à dedução do IVA de várias facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que não titulam qualquer operação ou transacção.
Ora, o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica, que é a neutralidade.
No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.
Quanto aos primeiros, o exercício do direito à dedução tem por base o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (artigo 36°, n° 5,do CIVA) e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21°. 
E como requisitos subjectivos, exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
Por outro lado, “não confere direito à dedução de Iva o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas”- de acordo com o n° 3 do art. 19°, do Código do IVA” (cf. Acórdão do STA, de 27/02/2008, proc. n° 01062/0).
Actualmente o acima citado preceito legal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° l97/2012, de 24 de Agosto, entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, dispõe que: “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura
E nestas situações, em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa.
Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência das alegadas transacções ou operações (cf. entre outos, os Acórdãos do STA, de 30/04/2003, proc. n°0241/03, de 24/04/2002, proc. n° 102/02 e de 9/10/2002, proc. n° 871/02).
Na verdade, nos termos do artigo 75°, n° 1, da LGT quando a contabilidade ou escrita do contribuinte se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as suas declarações, salvo se se verificarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
O que significa que se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações da contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (cf. neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária-Anotada e Comentada, 4a ed., 2012, pág. 664).
Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.
São suficientes, indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor da contribuinte prevista no artigo 75°, da LGT, ou seja, os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.
No caso em apreço, o TAF de Aveiro examinou o circunstancialismo que rodeou a emissão das facturas em causa e chegou à conclusão, face à matéria provada, que a administração tributária cumpriu o ónus que sobre si recaía quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos índice invocados estão suportados em dados objectivos e são adequados a suportar a sua conclusão.
Assim sendo, nestas circunstâncias, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada à contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes às operações indiciadas (cf. neste sentido, o Acórdão do TCAS de 18/09/2014, recurso n° 06789/13).
Mas sendo os indícios sérios e consistentes, não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa, pois estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário (cf. neste sentido o Acórdão do TCAS, de 26/06/2014, recurso n° 07141/13).
E, in casu, face à matéria provada, afigura-se-nos que a Impugnante, ora Recorrente, não logrou provar que tinha direito à dedução do IVA, porque as facturas desconsideradas pela AT correspondiam a operações económicas reais correspondentes às facturas emitidas pelas sociedades aí indicadas e que foram estas que prestaram à Impugnante os serviços nelas constantes.
Consequentemente, as correcções efectuadas pela Administração Tributária à matéria tributável não padecem de ilegalidade, pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação.”

Com dispensa dos vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir. - cfr nº 4, do artº 657º do CPC.


2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 635.º, n. °4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas, em síntese, as questões que importa conhecer: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao haver considerado como fundamentado o acto tributário; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado a preterição de formalidade legal no procedimento de liquidação do tributo relativo á audição antes da conclusão do relatório da I.T. (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto ao critério de repartição do ónus de prova e na interpretação e aplicação dos preceitos contidos nos artigos 74.º e 75º, da LGT e n.º3 do art.º19.º do Código do IVA.


3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«III-A — Factos provados
Com interesse para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos:
1. A Impugnante encontra-se registada para o exercício de indústria de preparação de cortiça - CAE 16293, exercendo efectivamente a prestação de serviços relacionada com a transformação de cortiça em rolha para um único cliente, a firma A., S.A.
(cfr. Relatório de inspecção, a fls. 1 e ss. do Processo Administrativo - PA- apenso, mais especificamente fls. 8);
2. A sociedade A., Lda., NIF (...), tinha como sócios e gerentes A., NIF (...), e M. (ex- mulher daquele) e laborou entre 23/7/2001 e 30/3/2009.
(pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado);


3. À acima identificada sociedade sucedeu a sociedade A., Lda., NIF (…), cujo único sócio e gerente era o referido A., e que foi indiciada de ter utilizado facturas reputadas falsas e cessou a actividade em 30/6/2009.
(pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado);

4. À sociedade acima identificada sucedeu a sociedade N., Lda., NIF (...), que tem como único sócio e gerente o identificado A. e em 30/6/2009 iniciou a actividade e adquiriu todo o imobilizado e stock antes pertencente à sociedade referida no ponto anterior.
(pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado);

5. A sociedade identificada no ponto anterior tem sede no mesmo local e objecto social idêntico ao da agora impugnante.
(pág. 16 do Relatório, a fls. 9 do PA, não impugnado);

6. Em acção de inspecção à actividade e contabilidade da sociedade N., Lda. levada a cabo em 2011 a AT detectou indícios de que no ano 2010 essa empresa utilizou e emitiu facturas reputadas falsas e, em acção inspectiva levado a cabo em 2014, detectou indícios de que no ano 2011 e 2012 continuou a emitir facturas falsas apesar de alegadamente o sócio gerente ter declarado "não possuir elementos da contabilidade posteriores ao 1a trimestre de 2011 e ter deixado de possuir pessoal ao serviço da empresa a partir do momento em que a sua irmã passou a exercer a actividade que a N. exercia, em nome da sociedade O.".
(pág. 16 a 18 do Relatório, a fls. 9 e 10 do PA);
7. A sociedade agora Impugnante O. - Unipessoal, Lda., NIF (...), tem como única sócia e gerente nomeada O., NIF (...).

8. Os sócios e gerentes das sociedades "N., Lda." e "O. - Unipessoal, Lda.", respectivamente A. e O. são familiares (irmãos).
(pág. 6 do Relatório, fls. 4 do PA, não impugnado);
9. Relativamente ao ano 2012, a sociedade contabilizou, além de outras, as seguintes facturas (de aquisições):
N.° Factura Data IVA liqui. Emitente/fornecedor Subtotal IVA
8 29/3/2012 €483,00 A.
19 30/4/2012 €2.645,00 A.
34 31/5/2012 €5.232,50 A. €8.360,50
18 21/12/2012 €6.842,50 W.
95 18/7/2012 €3.680,00 D.
Total €18.883,00
(cfr. pág. 36 a 44 do Relatório, de fls. 19 a 23 do PA);

10. No ano 2012, a ora Impugnante declarou IVA a recuperar no 3a trimestre, no total de € 127,54, e deduziu no primeiro trimestre o valor de €1.668,05, no segundo trimestre o valor de €8.799,96, no terceiro trimestre o valor de €4.581,01, e no quarto trimestre o valor de €7.385,42, tendo assim, no total dos quatro trimestres, deduzido o montante de € 22.434,44.
(pág. 11 do Relatório, a fls. 6 v.° do PA apenso; pág. 34 e anexo 28 do Relatório, fls. 18 e 173 a 176 v.° do PA);
11. No balancete da Impugnante de 31/12/2012 consta o valor de € 37.371,78 de IVA liquidado.
(cfr. fls. 42 do PA apenso, que são anexo 4 do relatório de inspecção);


12. Na sequência de acções de prospecção levadas a cabo no ano 2011 com vista à investigação de indícios de diversas irregularidades, incluindo utilização de facturas falsas, detectadas junto de vários operadores do sector da cortiça, entre os quais a agora Impugnante, procedeu o Ministério Público competente à instauração do Processo de Inquérito n.° 9/12.1IDAVR.
(pág. 6 do Relatório, fls. 4 e 201 do PA;
13. Ao abrigo da ordem de serviço n.° OI201400576, de 4/2/2014, a AT levou a cabo acção inspectiva externa à actividade e contabilidade da agora Impugnante que decorreu entre 19/6/2014 e 11/11/2014.
(pág. 5 de Relatório e fls. 3-v° e 197 a 204 do PA);
14. Da referida acção inspectiva resultou um projecto de relatório, o qual foi notificado à Impugnante pelo ofício n.° 8411209, de 19/11/2014, remetido por correio registado com AR, assinado em 20/11/2014, tendo a Impugnante exercido o direito de audição em 4/12/2014.
(fls. 189 a 196 e 207 a 211 do PA apenso);
15. No Relatório final, datado de 12/12/2014 e homologado por despacho de 13/1/2015, a AT propôs (além do mais) correcções ao IVA do ano 2012, no valor de €18.883,00, "de natureza meramente aritmética" pelo facto de que "o sujeito passivo deduziu IVA mencionado em facturas timbradas em nome de comprovados emitentes de facturação falsa, todos os indícios apontados para que estejamos perante operações simuladas, relativamente às quais é vedada a dedução do IVA por força do disposto no n° 3 do artigo 19° do CIVA" tendo essas facturas sido emitidas em nome de A. (8, 19, 34, de 2012); W. (18 de 2012) e D. (95 de 2012), e correcções no valor total de €5.431,30, pelo facto de se ter verificado «uma divergência entre o valor das prestações de serviços efectuadas pela Impugnante ao seu único cliente - A., S.A. - e os montantes facturados, em virtude de terem sido deduzidos à base tributável das facturas n.° 54, 55, 59, 64, 69, 74 e 80 partes de um adiantamento que teria sido recebido em 30/6/2011 (...).», assim se evidenciando IVA em falta que totaliza €3.678,58, e por se ter verificado que «não obstante ter sido contabilizado IVA liquidado no valor global de €10.616,44 no período de imposto 1212T, apenas foi mencionado na respectiva declaração periódica o montante de €8.863,72, donde resulta IVA em falta na importância de €1.752,72.».
(cfr. anexos 20 a 23 do Relatório, nos quais se encontram identificadas as facturas; e anexos 27 e 28 do Relatório - pág. 1 e ss. e 54 e 55 do Relatório, de fls. 28 e anexos de fls. 137 a 154 e fls. 168 a 176 do PA);
16. Os indícios que a AT recolheu que a levaram a considerar como falsas as facturas emitidas por "A.", "W., Lda." e D., constam do relatório referido no ponto anterior e que se dá, aqui, por reproduzido, e do qual consta o seguinte:
«(…)
"Encontrando-se nessa altura em manobra no recinto da fábrica um empilhador de marca Nissan e modelo 25/2013, foi recolhido o respectivo n.° de chassis - FD02E705861 - para posterior confirmação da factura de aquisição de um empilhador de 2.500kg - factura n.° 19, emitida em 30-04-2012 e timbrada em nome da sociedade A. (ver página 6 do Anexo 20).
Sabendo que foi comercializado pela sociedade E., Lda. foi esta notificada no dia 28-07-2014 através do ofício n.° 8407292 (...)
A resposta recebida (...) confirmou as nossas suspeitas acerca da qualificação como falsa da factura em questão (...)


• Vendeu o empilhador (...) ao BBVA Leasing - Sociedade de Locação Financeira, S.A. no dia 12-06-2003, através da factura n.° 2301223;
• O cliente final deste equipamento indicado na dita factura é a empresa A., Lda.;
(…)
Para além disso, esta informação permitiu ainda apurar que o empilhador em causa, de marca Nissan, que se encontrava a laborar nas instalações da O. no dia 15-05-2014, esteve em regime de locação financeira na sociedade A., Lda desde 2003, tendo muito provavelmente sido transferido para as sucessivas sociedades detidas e geridas por este núcleo familiar que descrevemos nos capítulos II.3.7 a II.3.10 deste Relatório. (...)
Note-se que o sujeito passivo não praticou quaisquer depreciações ou amortizações nos anos em análise, muito menos depreciou os activos fixos identificados no quadro anterior.
Em suma, e no que toca às aquisições de activos fixos tangíveis registadas na escrituração da O. nos anos em causa, não há dúvidas acerca de que nenhuma delas respeita a qualquer operação real, resultando tal facto na sua qualificação como facturas falsas, conforme melhor se explica no capítulo III.2 deste Relatório.
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
(...)
III.2. Documentos relevados na contabilidade do contribuinte nos anos de 2012 e 2013 com indícios de se tratarem de facturas falsas
III.2.1. Facturas de compra contabilizadas pela O. no ano de 2012


Analisados os elementos contabilísticos referentes às aquisições da O. no ano de 2012, verificámos que se encontram registadas na sua contabilidade facturas de aquisições de serviços e de activos fixos tangíveis no montante total de € 100.983,00 (IVA incluído) e que 100% do seu valor se encontra titulado por facturas timbradas em nome de indivíduos/entidades indiciadas com emitentes de facturas falsas, designadamente:
Fornecedor NIF Quantidade de facturas Base
Tributável IVA
deduzido Total
A., Lda 510188206 3 36.350,00€ 8.360,50€ 44.710,50€
W., Lda (...) 1 29.750,00€ 6.842,50€ 36.592,50€
D. 220078580 1 16.000,00€ 3.680,00€ 19.680,00€
Totais 5 82.100,00€ 18.883,00€ 100.983,00€

III.2.2. Indícios e factos da utilização de facturas falsas pelo contribuinte no ano de 2012

III.2.2.1.Facturas timbradas em nome de A. contabilizadas pelo contribuinte no ano de 2012

No ano de 2012, o sujeito passivo contabilizou 3 facturas em nome da sociedade A., Lda, NIF (…) que totalizam € 44.710,50 (IVA incluído), conforme discriminamos de seguida:
(…)
As facturas em questão respeitam ao alegado fabrico de um total de 7.100.000 rolhas de calibre 30x21 durante o 1° semestre do ano de 2012, e ainda à compra de um empilhador de marca Nissan, do seguinte modo:
Data Factura
n.° Descritivo Tipo de bem
29-mar-12 8 600.000 rolhas 30x21 raça fabricadas a € 3,5 por milheiro Serviços prestados
30-abr-12 19 Empilhador Nissan 2500kg Imobilizado
31-mai-12 34 6.500.000 rolhas 30x21 fabricadas nos meses abr, mai e jun a € 3,5 por milheiro Serviços prestados


No que respeita à aquisição do empilhador de marca Nissan 2.500Kg (factura n.° 19), comprovou-se nunca ter de facto ocorrido, quer junto do utilizador (conforme descrito no capítulo II.3.13 deste Relatório), quer junto do emitente, no âmbito da acção inspectiva realizada à sociedade A. (cujas conclusões constam do capítulo seguinte deste Relatório). Quanto aos serviços de fabrico de rolhas, foi possível confirmar na referida acção inspectiva que o A. não possuía quaisquer meios para os prestar, tratando-se de uma empresa que exercia uma actividade meramente comercial na área das aparas.
Na escrituração do sujeito passivo, a conta do fornecedor A. apresentava um saldo credor de € 33.683,50 em 31-12-2012, que se manteve inalterado durante o ano de 2013, e respeita a parte da factura n.° 19 e à totalidade da factura n.° 34.
Os pagamentos registados nesta conta em 2012 - que ascenderam a € 11.027,00 - foram todos efectuados por meio de cheque sacado sobre a conta domiciliada no banco Santander Totta com o NIB (...), titulada pela sociedade O..
Analisada a respectiva movimentação a partir da documentação bancária obtida no âmbito do Processo de Inquérito n.° 9/12.1IDAVR (descrita no capítulo II.3.15 deste Relatório), foi possível concluir o seguinte relativamente aos quatro (4) cheques contabilizados como pagamentos ao fornecedor A.:
Cheque n.s Beneficiário indicado Valor Data movimentação Movimentação.
5200000113 ao portador 2.583,00 € 04-04-2012 Levantado ao balcão por U., CC n.° (...), filho de O.
2100000138 J. 2.000,00 € 02-05-2012 Levantado ao balcão por J., sócio- gerente da sociedade A.
1200000139 J. 1.500,00 € 07-05-2012 Levantado ao balcão por J., sócio- gerente da sociedade A.
9100000141 J. 4.944,00 € 01-06-2012 Levantado ao balcão por J., sócio- gerente da sociedade A.

As fotocópias frente e verso dos cheques identificados no quadro anterior encontram-se nas páginas 32 a 36 do Anexo 19.
Constata-se assim que os cheques em causa foram todos levantados ao balcão, o que impossibilita a confirmação do efectivo destino dado a essas importâncias. O levantamento do cheque no valor de € 2.583,00 por U., filho da sócia-gerente da O., configura porém o efectivo retorno desse dinheiro à esfera da sociedade utilizadora da factura em questão (neste caso, a factura n.° 8, relativa a serviços prestados de fabrico de 600.000 rolhas), confirmando indubitavelmente a falsidade da mesma.

III.2.2.2 Factos que comprovam a A. como emitente de facturas falsas no ano de 2012, obtidos na acção inspectiva credenciada pela OI201301690
A sociedade A. foi inspecionada externamente ao abrigo da Ordem de Serviço n.° OI201301690, de 22-08-2013, concluída em 10 de Outubro 2014 (que teve carácter geral e abrangeu os anos de 2012 e 2013), e na sequência da qual se concluiu tratar-se de um emitente e utilizador de facturação falsa no sector da cortiça e foram efectuadas correcções decorrentes da utilização de facturas falsas no montante de € 80.201,51 em sede de IVA e € 289.195,71 em sede de IRC.
Face aos factos apurados e aos elementos recolhidos na referida acção inspectiva, pudemos retirar as seguintes conclusões relativamente a este contribuinte, que constam do respectivo Relatório de Inspecção Tributária, datado de 10-10-2014, e que passamos a transcrever:
“(...) Prestações de serviços declaradas
Na contabilidade do sujeito passivo, no ano de 2012, encontram-se relevadas as facturas n° 8, 34 (...), nos montantes respectivos de € 2.583,00, € 27.982,00, (...), cuja fotocópia se junta (...), referentes a serviços supostamente prestados por este às empresas “O., Lda." e (.).

No entanto, o sujeito passivo não possui meios técnicos ou humanos que lhe permitam prestar aqueles serviços. O sujeito passivo não possui empregados ou máquinas que possam ser usadas na prestação dos serviços em causa, nem há qualquer evidência de que os tenha subcontratado a terceiros com meios para tal. Tendo sido solicitado a essas empresas a remessa dos meios de pagamento usados para saldar os valores em questão, a empresa “O. Lda" até à data da presente informação ainda não respondeu.
Atendendo à referida falta de capacidade própria do sujeito passivo para prestar os referidos serviços e ainda à ausência de quaisquer evidências de subcontratação dos mesmos a terceiros com capacidade para os executar em seu nome, os indícios recolhidos até à presente data apontam para que se trate de facturas falsas, pretendendo as referidas facturas titular uma operação inexistente.
Venda de imobilizado
Na contabilidade do sujeito passivo, igualmente no ano de 2012, encontra-se relevada a factura n° 19, datada de 2012-04-30, referente à venda dum empilhador Nissan pelo valor de € 14.145 à empresa “O., Lda." (...). Junto a essa factura encontra-se uma declaração assinada pelo sócio gerente da empresa, datada igualmente de 2012-04-30, onde este afirma que o referido empilhador existiu em tempos noutra empresa dele que já cessou há vinte e seis anos (...). Analisando as compras datadas de 30-04-2012 do sujeito passivo verifica-se que o mesmo não declarou ter efectuado a compra de qualquer empilhador, não constando naturalmente do activo fixo tangível da empresa esse artigo em qualquer período. Ou seja, não há na contabilidade do sujeito passivo qualquer elemento que demonstre que a empresa “A., Lda" tenha adquirido o empilhador a alguém, seja ao sócio gerente, à antiga empresa que este afirma ter possuído há 26 anos, ou a outra qualquer entidade, para que o pudesse depois vender à empresa “O., Lda.". Assim sendo, os factos indicam estarmos perante a emissão duma factura falsa, que pretende titular uma operação entre a “A., Lda." e a “O., Lda." que não existiu (...)

Analisada a contabilidade da empresa “A., Lda." encontraram-se relevados diversos documentos sobre os quais existem fundados indícios de se tratar de facturas falsas, tendo o IVA nelas mencionado sido deduzido pelo sujeito passivo nas declarações periódicas entregues e o valor da sua base tributável sido considerado como gasto do período para efeitos de apuramento da matéria colectável sujeita a IRC (...)"Fim da transcrição
Junta-se em Anexo 21 cópia da declaração datada de 30-04-2012 e assinada pelo sócio-gerente da A. referida na transcrição anterior.
III.2.2.3. Conclusões relativamente às facturas timbradas em nome da A. contabilizadas pelo contribuinte no ano de 2012
Em suma, e resumindo os factos apurados relativamente a cada uma das 3 facturas em apreço:
- factura n° 8: junto do emitente verificou-se a inexistência de meios para prestar serviços de fabrico de rolhas (o A. limitava-se a comprar e vender apara) e junto do utilizador comprovou-se o efectivo retorno do valor do cheque contabilizado como pagamento desta factura;
- Factura n.° 19: junto do emitente verificou-se não existir qualquer prova de que tal empilhador alguma vez tivesse estado na posse da A. e junto do utilizador determinou-se que os € 8.444,00 contabilizados como pagamento parcial desta factura foram todos levantados em dinheiro pelo sócio-gerente da A., desconhecendo-se o destino posterior que este lhe deu;
- Factura n.° 34: junto do emitente verificou-se a inexistência de meios para prestar serviços de fabrico de rolhas (a A. limitava-se a comprar e vender apara) e junto do utilizador verificou-se que a factura nunca foi paga.
Reuniram-se portanto fortes e fundados indícios que nenhuma das 3 facturas timbradas em nome da A. e contabilizadas pelo sujeito passivo no ano de 2012 correspondeu de facto a operações efectivas, concluindo-se pela sua falsidade.

III.2.2.4. Factura timbrada em nome da W. contabilizada pelo contribuinte no ano de 2012
No ano de 2012, o sujeito passivo contabilizou 1 factura timbrada em nome da sociedade
W., no montante de € 36.592,50 (IVA incluído), conforme discriminamos de seguida:
Data Factura n.° Fornecedor NIF Base tributável IVA deduzido Total da factura
21-dez-12 18 W., Lda (...) 29.750,00 € 6.842,50 € 36.592,50 €
Total da factura contabilizada em 2012 timbrada em nome da W. 29.750,00
€ 6.842,50 € 36.592,50 €

Juntam-se em Anexo 22 o seguinte documento obtido na contabilidade do contribuinte: fotocópia da factura acima indicada.
A factura em questão respeita ao alegado fabrico de um total de 8.500.000 rolhas de calibre 30x21 durante o último trimestre do ano de 2012, do seguinte modo:
Data Factura n.° Descritivo Tipo de bem
21-dez- 12 18 8.500.000 rolhas 30x21 fabricadas nos meses out, nov e dez, a €3,5 por milheiro Serviços prestados

Os Serviços de fabrico de rolhas mencionados na factura n.° 18 nunca foram de facto prestados, uma vez que se confirmou, na acção inspectiva realizada à W. (cujas conclusões foram descritas no capítulo II.3.8 deste Relatório), que esta sociedade nunca exerceu qualquer actividade no sector da cortiça, tratando-se de um operador meramente instrumental, controlado pelo núcleo familiar que detém e gere a O..
Na escrituração do sujeito passivo, esta factura timbrada em nome da W. não foi paga, encontrando-se em débito pela sua totalidade em 31-12-2012, e novamente em 31-12-2013.
111.2.2.5. Factos que comprovam a W. como emitente de facturas falsas no ano de 2012, obtidos na acção inspectiva credenciada pela OI201401143
Os factos que comprovam a W. como emitente de facturas falsas foram relatados no capítulo II.3.8. deste Relatório. Passamos de seguida a transcrever a análise efectuada no Relatório de Inspecção Tributária referente à OI201401143 relativamente ao utilizador O.:
"(...) c) Facturas contabilizadas por O., Unipessoal, Lda, NIF (...)
Nos anos de 2012 e 2013 a sociedade O., Unipessoal, Lda contabilizou 4 facturas timbradas em nome da W., nas quais constam serviços prestados de fabrico de 22.750.000 rolhas que totalizam € 100.091,25 (IVA incluído), tendo deduzido o IVA nelas mencionado no montante de € 18.716,25 conforme descrevemos de seguida;
(...)
Todavia, na contabilidade da W. em 31-12-2013 existe um crédito de €48.431,25 perante este cliente (...), encontrando-se pagas somente as facturas número 18 (emitida em 2012) e 24 (emitida em 2013). Todas as restantes estarão ainda em dívida (...)" Fim de transcrição.
111.2.2.6. Conclusões relativamente à factura timbrada em nome da W. contabilizada pelo contribuinte no ano de 2012
Em suma, e resumindo os factos apurados relativamente à factura n.° 18, em apreço: junto do emitente verificou-se que nunca exerceu qualquer actividade e junto do utilizador verificou-se que a factura nunca foi paga. Reuniram-se, portanto, fortes e fundados indícios que esta factura timbrada em nome da W., contabilizada pelo sujeito passivo no ano de 2012, não correspondeu a qualquer operação efectiva, concluindo-se pela sua falsidade.
III.2.2. 7. Fatura timbrada em nome de D. contabilizada pelo contribuinte no ano de 2012
No ano de 2012, o sujeito passivo contabilizou 1 fatura timbrada em nome de D., NIF (…), no montante de € 19.680,00 (IVA incluído), conforme discriminamos de seguida:
Data Factura n°. Fornecedor NIF Base tributável IVA deduzido Total da fatura
18-jul-12 95 D. (…) 16.000,00 € 3.680,00 € 19.680,00 €
Total da fatura contabilizada em 2012 timbrada em nome de D. 16.000,00 € 3.680,00 € 19.680,00 €

Juntam-se em Anexo 23 (4 páginas) os seguintes documentos obtidos na contabilidade do contribuinte: extratos da conta 27111121 -Fornecedores de Imobilizado - D., relativos ao ano de 2012 e á abertura do ano de 2013, duplicado da fatura acima indicada, e ainda extrato da conta 271111001 O -Fornecedores de Imobilizado- D. referente ao ano de 2013.
A fatura em questão respeita ao alegado fornecimento de duas brocas em Julho de 2012, do seguinte modo:

Conforme se explicou no capítulo 11.3.13 deste Relatório, a O. não adquiriu qualquer ativo fixo tangível no ano de 2012, nem existe qualquer fatura de venda de máquinas ou outros equipamentos durante o ano de 2012 (como já se disse, o contribuinte apenas presta serviços).

Os equipamentos mencionados na fatura n°. 95 não foram na realidade fornecidos, uma vez que se confirmou, na ação inspetiva realizada a D. (cujas conclusões constam do capítulo seguinte deste Relatório), que este indivíduo nunca exerceu qualquer atividade no setor da cortiça, tratando-se de um operador meramente fictício.
Na escrituração do sujeito passivo, esta fatura timbrada em nome de D. não foi paga, encontrando-se em débito pela sua totalidade em 31-12-2012, e novamente em 31-122013.
111.2.2.8. Factos que comprovam D. como emitente de faturas falsas no ano de 2012, obtidos na ação inspetiva credenciada pela 01201300520 D. foi inspecionado externamente ao abrigo da Ordem de Serviço n°. 01201300520, de 17-04-2013, concluída em 12 de Agosto de 2013, que abrangeu o período de imposto 1212T em sede de IVA, e na sequência da qual se concluiu tratar-se de um emitente de faturação falsa no sector da cortiça e foram efetuadas correções decorrentes da menção indevida de IVA em fatura, no montante de € 359.717,39.
Este contribuinte apenas esteve coletado entre 27 de Setembro de 31 de Dezembro de 2012, nunca tendo exercido a atividade de Fabricação de Rolhas de Cortiça para a qual se coletou, nem nenhuma outra neste setor.
Face aos factos apurados e aos elementos recolhidos na referida ação inspetiva, podemos retirar as seguintes conclusões relativamente a esta contribuinte, que constam do respetivo Relatório de lnspeção Tributária, datado de 12/08/2013, e que passamos a transcrever:

“ (...) D. ê um contribuinte não declarante para efeitos fiscais, que não possuí nem nunca possuiu contabilidade ou qualquer tipo de escrituração:
Não consta na base de dados da AT nenhuma entidade que tenha declarado o pagamento de rendimentos que permitam a sobrevivência a este contribuinte, sustentando-se desde sempre, ao que tudo indica, unicamente com 'biscates";
Nunca trabalhou em cortiça;
Coletou-se no sector da cortiça em 2004-06-23, tendo sido apurado que nunca exerceu de facto tal atividade,
Foi constituído arguido e encontra-se acusado no Processo de Inquérito n°. 47/03.5 IDA VR do crime de fraude fiscal qualificada por emissão de faturação falsa no setor da cortiça nos anos de 2004, 2005 e 2006, tendo causado um prejuízo total ao Estado no montante de € 614.773,66,
Não obstante as diversas tentativas efetuadas, não foi possível localizar nem tão pouco falar com D.,
Das diligências efetuadas e da consulta ao sistema informático da AT, não consta nenhum sujeito passivo a declarar vendas a D., podendo concluir-se que este nunca efetuou qualquer compra de cortiça, de rolhas, ou de qualquer outro produto ou subproduto de cortiça;
Dos contactos efetuados com diversas pessoas, ligadas ao sector corticeiro, ninguém referenciou qualquer instalação onde D. pudesse exercer a sua atividade,
Foram localizadas 12 das 100 faturas impressas pela tipografia S., e ainda mais 13 faturas alegadamente impressas na tipografia A., não identificada, e muito provavelmente não autorizada;
Relativamente ao pagamento das faturas, foram quase na sua fofa/idade efectuados em numerário, de acordo com os registos contabilísticos dos utilizadores, não se comprovando a sua efetiva ocorrência (pág. 31 a 44 e anexos 17 a 23 do Relatório, fls. 16a-va, 94 a 154 do PA apenso);
17. A AT, na acção de inspecção a que se tem vindo a fazer referência, quanto ao ano de 2012, detectou uma divergência entre o valor das prestações de serviços efectuadas pela Impugnante ao seu único cliente - A., S.A. - e os montantes facturados, em virtude de terem sido deduzidos à base tributável das facturas n.° 54, 55, 59, 64, 69, 74 e 80 partes de um adiantamento que teria sido recebido em 30-06-2011, assim como uma divergência entre o IVA liquidado contabilizado e o IVA liquidado referido na respectiva declaração periódica, tendo o relatório, nesta parte, o seguinte teor: "(...) Uma vez que não foi possível aceder aos documentos de suporte do adiantamento em questão - que terá ocorrido num ano não abrangido pela presente Ordem de Serviço - a fim de o confirmar e validar a sua conformidade com as normas fiscais, designadamente previstas no CIVA, esta divergência entre os serviços prestados e os efectivamente facturados será objecto de correcção no capítulo III deste Relatório.
(...)
III.3.1.2 Correcções propostas em sede de IVA (...)
Conforme se descreveu no capítulo II.3.11 deste Relatório, verificou-se uma divergência entre o valor das prestações de serviços efectuadas pela O., e os montantes facturados, em virtude de terem sido deduzidos à base tributável das faturas 54, 55, 59, 64, 69, 74 e 80 (...) partes de um adiantamento que terá recebido em 30-06-2011.
(...)
Por outro lado, verificou-se ainda que, não obstante ter sido contabilizado IVA liquidado no valor global de € 10.616,44 no período de imposto 1212T, apenas foi mencionado na respetiva declaração periódica o montante de € 8.863,72, donde resulta IVA em falta na importância de € 1.752,72.
O total do IVA apurado em falta ascende assim a € 5.431,30, assim distribuído por período de imposto:
Período de imposto IVA que deveria ter sido liquidado IVA liquidado e
contabilizado IVA declarado no campo 04 da DP IVA em falta
1203T 10.370,58 8.533,05 8.533,05 1 837,53
1206T 10.511,22 8.672,42 8.672,42 1.838,80
1209T 9.552,12 9.549,87 9.549,87 2,25
1212T 10 616,44 10.616,44 8.863,72 1,752,72
Total 2012 41.050,36 37.371,78 35.619,06 5.431,30
(cfr. fls. 13 v.a, 28 e 28 v.a do PA apenso);

18. No relatório de inspecção referido no ponto anterior consta o seguinte mapa- resumo relativo às declarações periódicas apresentadas pela Impugnante quanto ao ano de 2012:
(…)
(cfr. pág. 11 do relatório, a fls. 6 v.° do PA em apenso),
19. Em acção inspectiva levada a cabo em Agosto de 2014 à actividade e contabilidade da sociedade "W. , Lda.", NIF (...), a AT verificou, nomeadamente, o seguinte:
a) a sociedade, colectada entre 25-10-2012 e 10-01-2014 para o exercício de "fabricação de rolhas de cortiça - CAE 16294", foi gerida de facto pelos identificados A. e O.;

b) O gerente de direito, A., era segurança privado em estabelecimentos de diversão nocturna e relatou, em declarações, que, a troco de dinheiro, acedeu em constituir a sociedade, tendo aberto uma conta no Banco BIC, não sendo ele quem movimentava efectivamente a conta; que preencheu algumas facturas e que, noutras, não reconhece a letra como sua; que os recebimentos eram por meio de cheque, que levantava ao balcão ou endossava a favor de C., sendo entregue uma quantia em dinheiro;
c) a AT verificou que nos anos 2012 e 2013 esta sociedade utilizou e emitiu facturas reputadas falsas por não ter havido qualquer operação comercial efectiva e não haver subjacente qualquer estrutura empresarial material (não tinha activos fixos tangíveis, móveis ou imóveis, nem conta bancária, nunca teve pessoal ao seu serviço nem subcontratou, não apresentava despesas de funcionamento e não registou outras despesas para além dos honorários do TOC e da aquisição dos livros na tipografia).
(pág. 20 a 22 do Relatório, fls. 11 e 12 do PA apenso);
20. Da análise às facturas emitidas pela agora Impugnante ao único cliente (A.s, SA), verifica-se que em 2012 a agora Impugnante produziu 45.999.950 rolhas em 226 dias úteis de trabalho, o que resulta numa produção média de 214.953 rolhas por dia.
(pág. 26 e 27 e anexo 9 do Relatório, fls. 14, 15 e 62 a 65 do PA apenso);
21. Essas rolhas são produzidas a partir de pranchas de cortiça, prontas a ser rabaneadas, fornecidas pelo próprio cliente (A., SA), a troco do pagamento de € 3,88 por milheiro de rolhas, mediante a devolução ao cliente de todos os desperdícios, incluindo a apara de broca.
(pág. 14, 26 e 32 e anexo 7 do Relatório, fls. 8, 14 e 17 e 56 a 57 do PA apenso);
22. Em 2012 a agora Impugnante tinha ao seu serviço 8 brocas (6 brocas automáticas e 2 máquinas cegas) e 10 trabalhadores, incluindo a sócia-gerente. (pág. 29 e anexo 12 do Relatório e fls. 15-v°, 16 e 76 do PA apenso);
23. Durante a acção inspectiva a agora Impugnante recusou autorizar a AT a fazer a contagem dos bens do activo fixo tangível.
(pág. 30 e anexo 16 do Relatório, fls. 16 e 93 do PA apenso);
24. Em 14/1/2015, foi emitido o ofício n° 8400239, de 14/1/2015, enviado sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em16/1/2015, e através do qual a AT visou notificar a agora Impugnante do teor do relatório final e dos documentos de fixação do resultado tributável e do IVA.
(cfr. fls. 212 ss. e 224 e seguintes do PA);
25. Em 22/1/2015 a AT efectuou liquidações de IVA e juros compensatórios, que notificou à Impugnante, com os seguintes elementos:
(…)
(cfr. docs. a fls. 19 a 30 do suporte físico dos autos e fls. 231 e segs. do PA);
26. Em 1/7/2015, a petição inicial deu entrada no serviço da Feira 2.
(cfr. informação que consta de fls. 5 do suporte físico dos autos).
Com relevo para a decisão a proferir, julgo não provado o seguinte facto:
A) Todas as facturas em causa nos autos correspondem a aquisições de bens ou serviços verdadeiras.
*
Motivação de facto

A decisão quanto à matéria de facto dada como provada realizou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
Quanto ao facto dado como não provado na alínea A), a convicção do Tribunal fundou-se no facto de se concluir que a sociedade agora Impugnante exerceu, no ano 2012, actividade industrial de pura prestação de serviços a um único cliente (A, SA). Essa prestação de serviços consiste na fabricação de rolhas calibre 30x21 a partir de pranchas de cortiça fornecida pelo cliente, que, para além de ser dono das rolhas também é dono de todos os desperdícios gerados pela modificação industrial introduzida pela Impugnante. Ou seja, para além dessa actividade de prestação de serviços, a Impugnante não compra nem vende matérias-primas nem mercadorias (cfr. pontos 1, 20 e 21 do probatório).
Em acções inspectivas externas dirigidas à actividade e contabilidade das referidas emitentes das facturas em causa, a AT verificou indícios sérios de que tais facturas não correspondem à realidade da vida, pelo que as reputa como sendo falsas no sentido de que as operações descritas simplesmente não ocorreram de facto, são completamente fictícias, e que tais documentos têm motivação e finalidade exclusivamente fiscal.
Essa convicção assentou essencialmente na conjugação dos seguintes factos:
- as empresas emitentes e a utilizadora (agora Impugnante) são efectivamente controladas exclusivamente pelas mesmas pessoas físicas, A. e irmã O. (factos 2 a 8 e 16 que constam do probatório), o que significa que entre elas existem "relações especiais" que poderão "facilitar" qualquer tipo de acordo, nomeadamente simulatório;
- as empresas controladas por estas pessoas físicas são geralmente indiciadas de serem utilizados e/ou emitentes de facturas falsas (factos 2 a 8, 12 e 16 do probatório), sabendo-se que esse é um comportamento reincidentemente verificado no sector corticeiro, com particular significado no concelho de (...), sede e residências das pessoas em causa nos autos;
- para a actividade da agora Impugnante (pura prestação de serviços) não se justifica a compra de rolhas (que não vendeu), o que poderá significar que a única finalidade de tais facturas consiste na dedução indevida do IVA e do custo fiscal em IRC, já que sem isso a actividade da Impugnante seria bastante lucrativa e não teria direito a tais deduções;
- as empresas emitentes não possuem estrutura empresarial compatível com os fornecimentos a que aludem as facturas, como resultou das acções inspectivas a que foram sujeitas pela AT;
- da contabilidade da agora Impugnante resulta que esta não pagou efectivamente o valor das facturas em causa (emitidas por empresas com as quais mantém "relações especiais"), o que, sendo uma anomalia compatível com a suspeita acerca da falsidade das operações facturadas, confirma a tese da AT;
- dos autos não consta que tais mercadorias tenham chegado a entrar e a sair das instalações da agora Impugnante ou que ainda ali se encontrem, nada sendo alegado quanto a isso pela Impugnante, o que sugere que os bens facturados não entraram nunca na disponibilidade da agora Impugnante, não entraram nas suas instalações, não se encontram lá nem nunca de lá saíram (cfr. relatório que consta do ponto 16 do probatório).
O ónus da prova de que a AT errou impendia sobre a agora Impugnante, que não fez tudo o que poderia e deveria ter feito no sentido de se desonerar, nomeadamente explicando a origem dos bens em causa ou com que meios terão sido produzidos ou adquiridos pelas alegadas fornecedoras, de que modo e em que condições foram transportadas até às suas instalações, em que armazém seu se encontram ou a quem foram vendidas, por que razão não foram pagas aos fornecedores emitentes as quantias referentes às facturas agora sob litígio. A Impugnante, para além dos documentos que juntou, e que já constavam do PA, limita- se a alegar, conclusivamente, o facto que aqui é dado como não provado, não invocando qualquer facto concreto, nomeadamente, não demonstrando, por exemplo, o transporte dos bens supostamente produzidos ou o pagamento das facturas em causa, já que se limita a juntar as facturas em causa e as cópias dos cheques, que já constavam do relatório de inspecção, e que apenas abrangem parte do valor dessas facturas, sendo que três deles foram levantados ao balcão e o outro, supostamente para pagamento da factura 8, foi emitido ao portador e levantado pelo filho da sócia gerente da impugnante, além de que a conta da sociedade A. apresentava na Impugnante um saldo credor de € 33.683,50 em 31-12-2012 respeitante, entre outros, à factura n.° 34, o que significa que não estava paga; quanto à factura da W. a mesma não estava paga - a demonstração do efectivo pagamento e do transporte tinha sido determinante para a consideração da realidade da transacção. E o mesmo se considera relativamente à factura n.° 95 (cfr. os cheques que constam de fls. 40 a 44 do suporte físico dos autos, assim como a informação que consta do relatório de inspecção). Por outro lado, a Impugnante nada alegou quanto à questão, levantada pelos Serviços de Inspecção, de que tais emitentes não teriam qualquer capacidade para realizar os serviços a que se referiam as facturas. Assim, entende o Tribunal que não foi demonstrado por parte da Impugnante a realidade das operações subjacentes às facturas aqui em causa.”

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal — artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC.

E nas conclusões, a Recorrente começa por invocar a ausência da fundamentação dos actos tributários em causa nos autos e relativos á não consideração do imposto dedutível por si apurado nos referidos períodos trimestrais declarados. Quanto a essa matéria ficou consignado na sentença, o seguinte:
“…Alega a Impugnante que a correcção do IVA deduzido no montante de 18.883,00€, sofre de falta de fundamentação e de erro de quantificação, pois quanto às facturas n° 8, 18 e 34, no valor global de 54.600,00€, com IVA liquidado no valor de 12.558,00€, num total de 67.158,00€, a que se refere o quadro da página 57 do Relatório Final, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez, sem qualquer fundamentação, foi, apenas e só, desconsiderar as facturas em causa sem qualquer prova concreta da sua simulação. Invoca que todas as considerações tecidas no Relatório constituem meras conclusões pessoais da Técnica Economista A., sem qualquer fundamentação de facto e de direito; e que todas as facturas aqui em causa correspondem a verdadeiras operações reais/prestações de serviços.
Vejamos.
Quanto a esta questão e à violação do dever de fundamentação na parte em que a AT desconsiderou o IVA mencionado em determinadas facturas, há que concluir que essa violação, alegada pela Impugnante, não se verifica, na medida em que a AT explica as razões que a levaram a reputar as facturas em causa como sendo falsas, tanto em resultado de diligências feitas na esfera jurídica das emitentes (não têm estrutura empresarial e não exercem de facto a actividade e estão indiciadas por serem meras sociedades "instrumentais" para funcionarem como emitentes e/ou utilizadoras de facturas falsas) como na esfera da utilizadora agora Impugnante (não pagou o valor das facturas e mantém com as emitentes "relações especiais" resultantes da relação familiar existente entre os respectivos sócios-gerentes únicos) - cfr. pontos 16 e 19 do probatório.
O dever de fundamentação de actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos encontra-se consagrado na CRP no artigo 268.°, n.° 3, consubstanciando um direito de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias (um direito fundamental disperso, na medida em que se encontra «fora» do catálogo constitucional dos direitos, liberdades e garantias). No plano legal, este dever é acolhido pelos artigos 124.° e 125.° do antigo Código do Procedimento Administrativo (CPA - actuais artigos 152.° e 153.° do novo CPA), aplicável aos actos administrativos em geral, e 77.° da LGT, aplicável aos actos tributários em específico.
A fundamentação exigida pela lei inclui o dever de motivação do acto (exposição das razões ou motivos que justificam a decisão) e o dever de justificação (referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão).
Este dever de fundamentação depende, quanto ao seu conteúdo, do tipo de acto em causa e das circunstâncias concretas em que este foi proferido. Será um dever «menor» quando a Administração pratica um acto que se baseia nos dados apresentados pelo contribuinte e tanto «maior» quanto mais a Administração se afasta desses dados. Neste último caso, o discurso deverá ser «(...) claro e racional (...)», de modo a dar a conhecer «(...) a um destinatário normal (colocado na situação concreta do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do acto) os critérios de avaliação/determinação utilizados, e as razões por que foram alcançados os valores considerados para a liquidação e não outros, tudo de forma suficientemente reveladora do percurso cognoscitivo e valorativo.» (assim o acórdão do STA de 6 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.° 0581/12).
Contudo, independentemente do tipo de acto e do tipo de circunstâncias em causa, entende a doutrina e a jurisprudência, de forma unânime, que a fundamentação terá sempre de ser clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que levaram o órgão ou agente a actuar da forma como actuou; congruente, de modo a que a decisão constitua uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão; e expressa, na medida em que deverá consubstanciar uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão (veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STA de 19/03/09, no proc. 0890/08). Para que seja expressa, nada impede que a fundamentação seja feita por remissão para, por exemplo, relatórios, antecedente informação prestada pelos serviços, sendo que, neste caso, serão estes documentos que deverão cumprir as exigências impostas pelo dever de fundamentação.
Uma fundamentação incompleta, obscura, abstractamente remissiva, ou seja, uma fundamentação que não permita a um «destinatário normal» reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto implicará a ilegalidade desse acto (artigo 99.°, alínea c), do CPPT e o acórdão do STA de 19/03/09, no proc. 0890/08). É pacificamente aceite que é equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareça, concretamente, a motivação do acto por forma a permitir ao seu destinatário a apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticá-lo com o sentido decisório que lhe conferiu (cfr. ac. do STA de 19/3/2009, no proc. n.° 0890/08).
Quanto ao caso sob apreciação, da leitura do relatório é possível reconstituir o iter cognoscitivo seguido pela AT para chegar à conclusão de que as facturas aqui em causa são falsas, sendo que os factos aduzidos pela AT são vários e são explicitados de forma pormenorizada, pelo que há que concluir que a fundamentação, quanto a esta questão da falsidade das facturas, é completa, clara, expressa, suficiente (cfr. pontos 15, 16 e 19 do probatório).”
Assim, em sede recursiva há que reapreciar a questão posta relativa ao alegado vício da fundamentação legalmente exigida, relativa á decisão de liquidação adicional de imposto em razão de se haver considerado que o s.p. deduziu imposto superior ao devido nas respectivas declarações periódicas, independentemente do invocado erro de cálculo na sua quantificação, o qual tem relevância na fundamentação material das ditas correcções e que será objecto de apreciação em sede de erro de julgamento na correcção do imposto dedutível declarado. Ora,
Como bem ficou expresso na Sentença “sob judicio”, toda a fundamentação de qualquer decisão no âmbito tributário, enquanto acto administrativo que culmina um procedimento de liquidação de imposto enquanto dirigido á declaração de direitos tributários a que se referem os artºs 54º e segs da LGT e artºs 44º e segs do CPPT há-de revestir tais vertentes relativas á clareza, suficiência, congruência e ser expressa , e como tem sido entendimento sufragado pelos Tribunais Superiores no que tange á necessária destrinça entre a fundamentação substancial/formal, que a mesma se reputa de suficiente sempre que … “À fundamentação substancial do acto tributário interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, traduzida na verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico… (enquanto) à fundamentação formal do acto tributário interessa a enunciação dos motivos que determinaram o seu autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo. ( o qual)… cumpre uma dupla função:
- endógena, na medida em que revela de forma inteligível e transparente o processo de formação da decisão pela autoridade administrativa;
- exógena, na medida em que permite ao sujeito passivo uma inequívoca compreensão dos motivos determinantes da sua prática e a opção esclarecida entre a conformação e a impugnação administrativa ou contenciosa.”
E conclui que “… Estão formalmente fundamentadas as liquidações adicionais do imposto que resultam da matéria tributável fixada… por remissão para o relatório da Inspecção Tributária, cujo teor cumpre a dupla função endógena e exógena supra enunciada (art.125º nº1 CPA 1992).”- cfr por todos Acórdão do STA, de 05.02.2020, proferido no Proc. Nº 0553/07.2 BEBRG 01331/17. Ora,
Conforme refere a sentença sob judicio resulta suficientemente claro os motivos que determinaram a decisão de correcção das D.P. do recorrente nas duas vertentes, quanto ao processo de formação da decisão e da sua plena apreensão pelo s.p., que expressamente sindicou junto das instâncias dos fundamentos do seu decídio. Improcede, portanto, a alegada falta de fundamentação do acto tributário. Questão distinta é a de saber se tal decisão encontra-se em conformidade com a lei face á motivação concreta em que a mesma assenta, o que resulta na consideração de erro de julgamento quanto ao entendimento de considerar que o s.p. deduziu um imposto superior ao devido.
Apreciando do referido vício supra elencado nas questões a decidir na referida «subalínea iii)». Nesse âmbito o Tribunal “A Quo”, sustentou as correcções quanto ao IVA dedutível constante da sua contabilidade em conta apropriada proveniente daqueles fornecedores de imobilizado ( activo fixo tangível) a que se refere o nº9, do probatório e espelhado nas ditas D.P. de imposto deduzido mencionado em 10), o qual compreende aquelas aquisições de prestações de serviços e de equipamento objecto de correcção pela ATA mencionado em 15), e 16), a que acrescem outras importâncias de IVA liquidado em falta referido em 17), sendo que em relação ás referidas disparidades no apuramento do imposto considerado deduzido em excesso, a sentença refere a seu propósito o seguinte:
“… Quanto à fundamentação substancial, há desde logo que referir que a AT não tem de fazer a prova da simulação, cabendo-lhe, sim, provar a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da Impugnante e respectivos documentos de suporte (facturas) - cfr., neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/3/2016, proc. n.° 0587/15.
No caso dos presentes autos, a AT explica as razões que levaram a reputar as facturas em causa como sendo falsas, tanto em resultado de diligências feitas na esfera jurídica das emitentes (não tem estrutura empresarial e não exercem de facto a catividade e estão indiciadas serem meras sociedades "instrumentais" para funcionarem como emitentes e/ou utilizadoras de facturas falsas) como na esfera da utilizadora agora Impugnante (não pagou o valor das facturas e mantém com as emitentes "relações especiais" resultantes da relação familiar existente entre os respectivos sócios-gerentes únicos) - cfr. pontos 2 a 8, 16 e 19 do probatório.
Esses indícios são aptos a justificar o chamamento da Impugnante ao seu ónus de alegação e prova de factos que justifiquem o seu direito a deduzir aquele custo.
Portanto, a partir de então passou a caber à Impugnante fazer a prova dos factos em que se baseia o direito que pretende fazer valer, que é a dedução do valor das facturas em causa.
Para isso deveria provar a existência efectiva do fluxo de mercadoria para a sua empresa e do fluxo em sentido contrário dos meios financeiros correspondentes ao pagamento do preço. Porém a Impugnante nada alegou em concreto para o demonstrar.
Além disso, a AT considera que, uma vez que a Impugnante não exerce actividade de venda de mercadorias, não se compreende a necessidade de fazer as ditas compras, para além da anomalia que consiste em esses bens não se encontrarem em armazém nem constar que foram vendidos.
Assim, a Impugnante também deveria ter alegado e provado os factos que demonstrassem onde estão os bens e, se os vendeu, a existência dos respectivos fluxos das mercadorias no sentido da entrega aos clientes e dos meios financeiros em sentido contrário.
Na falta de alegação e prova de tais factos, as regras relativas à distribuição do ónus da prova impõem que a questão se resolva contra o onerado, isto é, contra a agora Impugnante. E daí que se tenha dado como não provado que todas as facturas em causa nos autos correspondem a aquisições de bens ou serviços verdadeiras (cfr. alínea A) do probatório e a motivação quanto a esse facto que aí se encontra exposta pelo Tribunal).
Além disso, e quanto à alegação de que competia à AT efectuar um controlo quantitativo da produção e das matérias-primas fornecidas para a realização dos serviços prestados no exercício, como preceitua a o artigo 29a, n° 1, al. b), do RCPIT, considera o Tribunal que não recai sobre a AT o cumprimento de tal dever.
Quanto a esta questão, segue-se, nos termos do art. 8.° n.º 3 do CC, por com ela se concordar inteiramente, a sentença proferida na impugnação da ora Autora n.° 683/15.7BEAVR, relativa ao ano de 2013, com o seguinte teor:
«(...) A norma invocada visa apenas conferir essa “prerrogativa" ou “faculdade" aos funcionários em serviço de inspeção como forma de exercício da sua função legal. Não se trata, portanto, de uma imposição legal de cujo incumprimento resulte alguma ilegalidade procedimental.
Além disso, seria absurdo exigir à AT que efetuar um controlo quantitativo da produção e das matérias-primas fornecidas para a realização dos serviços prestados no exercício, quando esta sabe, ou julga saber, que essa prestação de serviços não consome qualquer matéria-prima fornecida pelo prestador (agora Impugnante). E ainda que houvesse algum consumo, a questão não se situa nesse aspeto da atividade (nos proveitos gerados pela prestação de serviços), mas apenas na componente passiva relativa aos custos deduzidos ao abrigo das faturas reputadas falsas." (cfr. sentença indicada).
Pelo que o fundamento sob análise terá de improceder.
Alega a Impugnante que o IVA suportado nas facturas emitidas por A., W. e D., no valor de €18.883,00 não foi por si deduzido, tendo apenas deduzido IVA no período 1206 no valor de €6.154,96, não sabendo ao certo a que facturas esse valor diz respeito.
Vejamos.
Resulta dos autos que a AT reuniu indícios que apontam no sentido de existir uma elevada probabilidade de as facturas emitidas por D., A. e W. não corresponderem às transacções que nelas são descritas, ou seja, que tais facturas são falsas. E como resulta do probatório, foi dado como não provado que tais facturas não são falsas (cfr. al. A) do probatório).
Como decorre do art. 19º, n°3, do CIVA, o IVA mencionado nas facturas falsas não é dedutível, conforme invocado no próprio Relatório.
Assim, no caso de o IVA ter sido deduzido, por aplicação do "sistema subtractivo indirecto" inerente à técnica do imposto (o valor a entregar ao Estado corresponde à diferença positiva entre o IVA liquidado nas operações activas ou outputs e o valor suportado nas operações passivas ou inputs; no caso de tal diferença ser negativa resulta um crédito a favor do sujeito passivo que este pode reportar para o período seguinte ou pode, segundo certos requisitos legais, pedir o reembolso), a AT deve efectuar a liquidação adicional correctiva, para estorno a favor do Estado do imposto indevidamente deduzido, fazendo acrescer os respectivos juros compensatórios.
Deste modo, cabia à AT, depois de alegar e provar os factos que justificam a qualificação das facturas como falsas, comprovar que o sujeito passivo "utilizador" desses documentos deduziu o respectivo IVA (artigo 74a, n°1, da LGT).
No caso, discute-se o IVA mencionado nas facturas indicadas no ponto 9 do probatório, estando em causa IVA no montante de €18.883,00.
De acordo com as declarações periódicas por si apresentadas, a Impugnante deduziu IVA no valor global de €22.434,44: deduziu no primeiro trimestre o valor de €1.668,05, no segundo trimestre o valor de €8.799,96, no terceiro trimestre o valor de €4.581,01, e no quarto trimestre o valor de €7.385,42 (pontos 10 e 18 do probatório). Porém, a dedução relativa ao 3.° trimestre deve ser expurgada do valor relativo ao reporte de um crédito anterior no valor de €127,54, pelo que relativamente ao terceiro trimestre o valor do IVA deduzido é de €4.453,47. Sendo assim de €22.306,90 o valor total do IVA deduzido pela Impugnante no ano 2012.
Tal valor - correspondente a deduções efectivamente praticadas - excede o valor do IVA mencionado nas facturas reputadas de falsas. Porém, tendo em conta o que consta do facto 9 do probatório, conclui-se que o IVA indicado na factura 8 e que se refere ao primeiro trimestre (€483,00) tem um valor inferior ao valor declarado como IVA deduzido nesse trimestre (1.668,05); o IVA indicado nas facturas 19 e 34 e que se refere ao segundo trimestre (total: €7.877,50) tem um valor inferior ao valor declarado como IVA deduzido nesse trimestre (€8.799,56); o IVA indicado na factura 95 e que se refere ao terceiro trimestre (€3.680,00) tem um valor inferior ao valor declarado como IVA deduzido nesse trimestre (€4.453,47); e o IVA indicado na factura 18 e que se refere ao quarto trimestre (€6.842,50) tem um valor inferior ao valor declarado como IVA deduzido nesse trimestre (7.385,42).
Ou seja, daqui se conclui que, sendo o valor total do IVA deduzido e declarado pela Impugnante superior ao valor indicado nas facturas consideradas falsas e que comparando o valor das facturas por trimestres e o valor do IVA deduzido e declarado por trimestre o primeiro é inferior ao segundo, é forte a probabilidade de a Impugnante ter deduzido o IVA que se encontra indicado nas facturas consideradas falsas, pelo que caberia à Impugnante provar que o IVA que declarou como tendo deduzido não corresponde ao IVA indicado nessas facturas. E, ao contrário do alegado pela Impugnante e como resulta do relatório e das declarações apresentadas por si, a Impugnante não deduziu apenas IVA no período 1206 (cfr. facto 10 do probatório).
Porém, há, ainda, que fazer uma última comparação, de modo a apurar se o IVA indicado nas facturas foi efectivamente deduzido e se tal conclusão resulta de forma clara e certa da análise ao relatório e às informações nele contidas.
Consta do relatório que a AT assume que o IVA mencionado na factura 8 diz respeito à aquisição de serviços; o IVA mencionado na factura 19 refere-se à aquisição de imobilizado; o IVA mencionado na factura 34 diz respeito à aquisição de serviços; o IVA indicado na factura 95 refere-se à aquisição de imobilizado; e o IVA mencionado na factura 18 diz respeito a aquisição de serviços (cfr. ponto 16 do probatório). Comparando com os dados apurados pela AT quanto aos valores de IVA deduzidos pela Impugnante, conclui-se que os valores que constam das facturas 8 (1. ° trimestre), 19 (2. ° trimestre), 95 (3.° trimestre), e 18 (4.° trimestre) são compatíveis com os valores deduzidos e declarados pela Impugnante. Porém, o valor de IVA que consta da factura 34 (€5.232,50) e que se refere a aquisição de serviços e ao 2.° trimestre não é compatível com o valor deduzido e declarado pela Impugnante, pois dos dados apurados pela AT e que não foram por esta contestados, a Impugnante não declarou IVA deduzido no 2.° trimestre relativo a aquisição de serviços, mas apenas a imobilizado e existências.
Desta comparação, resulta que a AT não cumpriu o ónus que lhe cabia de provar que a factura n.° 34 foi deduzida pela Impugnante, pois não resulta de forma claro dos dados apurados pela AT que a Impugnante tenha deduzido essa factura, como acima exposto.
Assim e de acordo com o acima explicitado, não se pode dizer com segurança que o IVA mencionado na factura 34 foi efectivamente deduzido. Pelo que há que concluir que a liquidação relativa ao período a que diz respeito tal factura (2.° trimestre - 1206) padece de erro sobre os pressupostos de facto, devendo, como tal, ser parcialmente anulada, mais especificamente, devendo ser anulada na parte relativa à correcção no valor de €5.232,50.”
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Face ao assim assertivamente afirmado pelo Mº Juiz na sentença recorrida, resulta que tais incongruências foram resolvidas a favor do recorrente, ao ter considerado que parte do imposto dedutível contabilizado não foi deduzido na respectiva D.P., pelo que não se constata qualquer erro de julgamento quanto á existência e quantificação dos factos tributários assim corrigidos, encontrando-se sustentado nos factos apurados e na sua adequação á lei a consideração fundamentada de, nas declarações dos s.p. figurar uma dedução superior á devida em razão da natureza simulada das operações que sustentavam parte do imposto deduzido, ao abrigo do disposto no nº3, do artº 19º e artº 87º, todos do CIVA.
Improcede assim a invocada falta de realização pelo Tribunal “A Quo”, das diligências necessárias á descoberta da verdade material a que se refere o nº 1, do artº 99º da LGT, conjugado com a 2ª parte do nº 1, do artº 13º do CPPT, porquanto o recorrente não concretiza quais os pontos de facto que invocara e que careciam da realização judicialmente determinada de alguma(s) diligência(s) de recolha de prova em falta nos autos, tendo o Tribunal de 1ª Instância expressamente pronunciado sobre a alegada contradição dos factos apurados nos autos e relativo aos valores de dedução de imposto por si efectuadas nas ditas operações e a liquidada pela ATA, conhecendo da questão suscitada pela parte na vertente da sua necessária individualização quanto ao objecto e ao fundamento do pedido formulado na p.i. sobre tal matéria, não se tendo que ater a qualquer consideração, argumento ou razões produzidas pelas partes que lhe caiba apreciar ( cfr nesse sentido A. dos Reis in “CPC Anotado” 5º Vol.fls. 54 e 143 e Ac. STJ, de 02.07.1974, de 13.02.1985 e de 05.06.1985), pelo que não colhe a invocação de falta de pronúncia daquela instância judicial sobre a mesma, que vai assim indeferida- cfr nº 2, do artº 608º, conjugado com a alínea d), do nº1, do artº 615º, todos do CPC e nº 1, do artº 125º, do CPPT. De resto, a pretensa indagação pelo Tribunal da verificação da fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário a que alude o nº 1, do artº 100º do CPPT, reporta-se a um juízo factual da prova produzida nos autos e não a qualquer causa fundamentadora da determinação de quaisquer actos instrutórios do processo judicial tributário, sendo que tal regra “… consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciado no artº 74º, nº1, da LGT…”, como bem refere o Ilte. Cº J. Lopes de Sousa in “CPPT Anotado”, 4ª Ed. 2003, pags 449, pelo que a presunção da veracidade dos actos do contribuinte que dela resulta apenas dizem respeito aos “… factos constitutivos dos direitos da Adm. Tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta…”- cfr mesma obra e pags, e não dos factos constitutivos do direito que invoca e cujo ónus da prova da sua verificação cabia ao contribuinte ao abrigo do referido nº1, do artº 74º, da LGT, sendo esse o caso sub judice na medida em que a si cabia demonstrar o invocado erro sobre a existência ou quantificação do facto tributário.
Quanto á aderência á realidade das operações desconsideradas pela ATA, dir-se-á o seguinte:

Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade — artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Tendo a ATA entendido pela inexistência da materialidade das operações entre aqueles operadores, ao questionar os termos em que tais operações decorreram entre as partes envolvidas em tais negócios jurídicos, afirmando a inexistência do objecto do negócio, então ter-se-á de entender que foram recolhidos indícios referentes aos emitentes das facturas as quais vão no sentido de que não foram fornecidos tais equipamentos e serviços ao recorrente, existindo assim indícios da falsidade das facturas.
Como resulta do douto Acórdão do STA, proferido em 27.02.2019 , no sentido de que apurando a Adm. Fiscal indícios suficientes da existência de operações simuladas para efeitos de exercício do direito á dedução do imposto assim considerado pelo s.p., caberia ao recorrido a demonstração que tais operações correspondiam á realidade, nos termos gerais do ónus probatório vertido no nº1, do artº 74º da LGT”. Efectivamente, aí se consignou o seguinte que ora se transcreve: “… "(...)O acórdão recorrido considerou que, no caso dos autos os indícios referentes aos emitentes das facturas apontam no sentido de que não foram eles a fornecer a mercadoria, existindo assim indícios da falsidade das facturas,(...) volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros — cfr. art. 240º, do C. Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à
dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.»
Não tendo o recorrente alegado qualquer facto que comprove tal efectivação das ditas operações assim desconsideradas, a qual não passa pela pretendida demonstração das ditas necessidades de matéria prima e/ou de outros fornecimentos de serviços externos e de bens de equipamento já que a dita desconsideração para efeitos fiscais do imposto suportado não se radica na expressão económica das operações de “imput- exput” da actividade económica do dito operador ( ainda que no caso se apontasse para a desnecessidade de determinados consumos face ao objecto da empresa), mas sim na concreta dedução de imposto em operações tidas por simuladas, pelo que contra si será de valorar tal falta, em decorrência do ónus que sobre si impendia ao abrigo do disposto no artº 74º, nº1, da LGT, pelo que se entende que improcede tais conclusões do recurso. Também não demonstra qualquer erro na quantificação dos factos tributários na medida em que a sentença proferida em 1º instância analisou concretamente o valor de imposto deduzido em tais operações e reflectidas nas D.P. s de imposto do s.p., e as assim apuradas nas respectivas liquidações adicionais operadas pela ATA, procedendo á correcção do acto tributário na parte que constatou tais diferenças, as quais sustentam a parte decisória da mesma sentença e que não merecem qualquer reparo por banda deste Tribunal de recurso.
*
Resta por último apreciar da preterição de formalidade legal relativa ao exercício do direito de audição antes da conclusão do Relatório da I.T., quanto aos elementos colhidos relativos aos ditos emitentes das facturas desconsideradas que, alegadamente, não teriam sido integralmente fornecidos ao recorrente para que pudesse expressamente pronunciar-se sobre os mesmos, inquinando aquele seu direito de participação na formação da decisão.
Sobre tal questão pronunciou-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:
“… Alega a Impugnante que os relatórios da Inspecção Tributária, relativos aos emitentes das facturas consideradas como falsas e referidos no Relatório, não foram notificados ao contribuinte, aqui impugnante, do seu teor integral com o formalismo exigido pelo art. 76.°, n.°s 1, 2 e 3, da LGT, pelo que, assim sendo, se verifica a violação do Princípio do Contraditório consignado nos artigos 45°, n° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda do artigo 8° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária.
Vejamos.
Na alegação desta questão, a Impugnante não contesta a existência das inspecções e dos respectivos Relatórios relativos às sociedades emitentes das facturas reputadas falsas.
Sendo assim e também quanto a esta alegação, o Tribunal adopta, por com ele concordar, o raciocínio encetado na sentença proferida na impugnação da ora Autora n.° 683/15.7BEAVR, relativa ao ano de 2013. A referida sentença decide sobre esta questão com base nos seguintes fundamentos:
«(...) No que respeita, ao valor probatório do Relatório de Inspeção, cabe notar que o artigo 76a n° 1 da LGT aponta que «as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei», sendo que o artigo 115° n° 2 do CPPT dispõe que «as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos», respeitando a aludida fundamentação a elementos objetivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspeção tributária. (Neste sentido vide, Acórdão do TCA Sul de 26.06.2014 proferido no processo n.° 07148/13 e Acórdão do TCA Norte de 14.07.2014, proferido no processo n.° 02390/09, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt).
E, como se ditou no primeiro dos acórdãos citados: «(...)o valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa violação do art.° 20.°, n.° 4, da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.° 98.° da LGT.
Actuado esse princípio e não sendo o relatório impugnado, este passa a ter força probatória plena. Sendo impugnado o que sucede?
Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: "Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.° do Código Civil"»


Baixando agora ao caso concreto, está em causa saber se terá sido violado o princípio do contraditório, sendo certo que a AT notificou a agora Impugnante do teor do projeto de Relatório e lhe deu oportunidade de exercer o direito de audição antes do Relatório final, direito que exerceu efectivamente (...).» - ponto 14 do probatório.
«(...) No projeto de Relatório, tal como no Relatório final da inspeção à agora Impugnante, a AT transcreve as partes que considera relevantes dos Relatórios das inspeções que levou a cabo relativamente à atividade e contabilidade das sociedades agora consideradas emitentes de faturas (...), fazendo assentar grande parte das conclusões que a levaram a efetuar as correções agora sob impugnação nos factos então verificados e relatados quanto àquelas sociedades.
Não consta dos autos que a AT tenha notificado à agora Impugnante o teor integral desses Relatórios.
A AT afirma que verificou determinados factos, que explicita e que considera constituírem indícios sérios de que as faturas em causa nos presentes autos, emitidas por aquelas sociedades, não correspondem a verdadeiras operações comerciais, conforme se viu no ponto 4 supra.
A AT conferiu o direito ao contraditório quanto a essas afirmações, concedendo direito de audição antes do Relatório final (...).» - cfr. ponto 14 do probatório.
«(...) De facto, "o princípio do contraditório como código informador do procedimento de inspeção encontra-se ligado ao princípio da participação, do qual constituirá uma dimensão essencial (...). Em termos mais específicos, o principio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados, confirmando-os ou refutando-os, compreendendo-se assim que o princípio do contraditório (dimensão objetiva) dê origem a um direito ao contraditório (dimensão subjetiva). (...). Assim, em sede de procedimento de inspeção tributária, o sujeito passivo deve ser notificado para, num prazo entre dez a quinze dias, exercer o seu direito de audição, ou seja, pronunciar-se sobre as propostas de correções constantes no projeto de relatório" - Joaquim Freitas da Rocha, João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, RCPIT anotado e comentado, Coimbra Editora, 1a ed. 2013, anotação ao artigo 8a, pág. 56-57.
Por isso, não está em causa o direito ao contraditório, que foi respeitado, mas eventual deficiência do ato comunicativo, na medida em que a notificação do projeto de relatório terá omitido a cópia dos Relatórios a que alude.
Porém, a eventual omissão das cópias dos Relatórios aludidos no Projeto notificado em 20/11/2014 (...) convolar-se-ia no vício do ato comunicativo designado "comunicação ou notificação insuficiente" previsto no artigo 37° do CPPT.
Assim, se o destinatário da comunicação ou notificação entender que nesse ato comunicativo falta algum elemento legalmente exigível pode requer a emissão de notificação contendo os elementos em falta. Caso não exerça essa prorrogativa no prazo de 30 dias contados a partir da comunicação ou notificação considerada insuficiente, tal vício fica sanado e convola-se em mera irregularidade sem efeitos anulatórios, por aceitação do ato tal como foi praticado. Neste sentido, cfr. Ac. STA de 13-10-2010, processo n° 0493/10, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual "Se o interessado for incompletamente notificado, pode requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha dentro do prazo ali fixado. Usando dessa faculdade, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha. Se nada requerer, a aludida insuficiência perde relevância para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada".
No caso, não consta dos autos que a agora Impugnante se mostrasse inconformada com a notificação efetuada, e que tivesse usado a faculdade prevista no artigo 37° do CPPT.
E teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos descritos no Relatório, incluindo quanto aos trechos transcritos de outros Relatórios ali aludidos.
Pelo que não se reconhece o vício invocado.
Além disso, crê-se que num caso como os dos autos a AT não estava obrigada a notificar o teor integral dos Relatórios a que aludiu no Projeto de Relatório notificado. Nem o deveria fazer, se ali constassem elementos relativos a entidades terceiras ou que não tivessem qualquer relação com o caso dos autos.
Além disso, crê-se que a agora Impugnante não teria direito a exercer o contraditório com o objetivo de, como diz ser sua intenção (artigo 24a p.i.) "verificar e apurar nos Relatórios dos emitentes, se a Autoridade Tributária e Aduaneira na área dos emitentes teria aceite e considerado como proveitos as facturas em causa, facturas essas que agora alega serem falsas". De facto, a agora Impugnante não tem interesse nem legitimidade processual para contestar os efeitos das inspeções a terceiros produzidos ou não produzidos na esfera jurídica desses sujeitos passivos.
Pelo que, com tal finalidade, não deveria haver lugar a qualquer "direito ao contraditório"." (cf. sentença indicada).
Assim, improcede o vício sob análise”.
*
Sendo inegável que o direito de audição dos contribuintes a que se refere o artº 60º, da LGT, se encontra na dependência de um procedimento dirigido á declaração dos direitos tributários como ficou referido supra, aqui revelado pelo procedimento inspectivo, cujos actos de inspecção são susceptíveis de originar actos tributários desfavoráveis como foi o caso, impunha-se que do projecto de relatório fosse dado conhecimento ao s.p.. não estritamente no âmbito geral do referido artº 60º da LGT, mas ao abrigo da norma especial ínsito no artº 60º do RCPIT ( cfr nesse sentido o Ilte Jurisconsulto A. Lima Guerreiro, in “LGT Anotada”, Ed. 2003, pags 279. Ora,
Nessa sede a audição prévia reporta-se ao “… projecto de conclusões do relatório, com a identificação dos actos inspectivos e da sua fundamentação”, nos termos do nº1, do referido preceito legal, o que no caso se traduz na identificação dos factos apurados através desse actos inspectivos e tidos como relevantes para a decisão (de sujeitação a imposto), e correspondente provas que as sustentam ( cfr nesse sentido o disposto- á data dos factos, no artº 103º, nº 2, alínea a), do CPA; e artº 267º, nº 5, da CRP), pelo que consta do apurado nos pontos 15 e 16 do probatório, devidamente comunicado ao recorrente para efeitos de audição, dos factos apurados ainda que em parte com base nos elementos colhidos junto daqueles terceiros com quem o contribuinte mantinham relações económicas, nos termos do disposto no artº 63º , da LGT e alínea a), do nº1, do artº 29º, do RCPIT, apenas se admitindo que as provas produzidas relativas a tais emitentes das facturas não tenham sido integralmente comunicadas ao inspeccionado, por as mesmas dizerem respeito aos elementos sigilosos sobre a situação tributária desses outros contribuintes que se encontram sobre reserva de confidencialidade ( cfr artº 64º da LGT). Face a essas circunstâncias será de entender que improcede o invocado erro de julgamento, ainda que com os presentes fundamentos, sendo inócua a referência á eventual notificação insuficiente da decisão em causa nos autos enquanto reportada àquela parte da prova produzida respeitante á situação tributária dos ditos fornecedores da recorrente. Improcede assim a invocada violação do principio de “igualdade de armas” inerente ao processo tributário, já que o mesmo não obstaculizou o exercício pelo recorrente dos direitos processuais e dos meios de defesa tendo em vista demonstrar a realidade das operações assim indiciariamente desconsideradas pela contra- parte em razão da realização de um interesse público de cumprimento de uma obrigação fiscal, sendo que o principio da igualdade das partes “… é de natureza meramente formal e não substancial…”, como bem esclarece o Ilte Jurisconsulto A. Lima Guerreiro, in “LGT Anotada”, Ed 2003, pags 411 e segs.
*
Daí que no entendimento da improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, negar provimento ao recurso com todas as legais consequências.


5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em considerar improcedente o recurso, sendo mantida a sentença recorrida que anulou parcialmente o acto tributário ainda que com os fundamentos adicionalmente ora considerados.
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Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.

Porto, 02 de julho de 2020

António Patkoczy
Ana Patrocínio
Cristina Bento