Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00288/16.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:INATIVIDADE, VALORAÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL, PRESUNÇÕES NATURAIS, INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. A administração tributária não beneficia de uma qualquer presunção legal, na medida em que a lei não presume que a atividade de uma sociedade ou/e a criação de rendimentos advém da sua existência enquanto pessoa jurídica.
As presunções judiciais ou naturais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência, no dizer de Antunes Varela *1) são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos» [arts. arts. 350.º e 351.º do CC].

2.Assim, presunção natural de que as sociedades comerciais existem para exercer uma atividade que gere rendimentos, baseada na experiência comum, por ser conatural que elas são criadas para esse fim, importa também, que a inatividade possa ser afastada mediante mera contraprova, nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil, segundo o qual «salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

3. A declaração de insolvência na aceção que aqui interessa, em que não há um plano que preveja a continuidade da exploração da empresa pelo devedor ou terceiro, é aquela que tem como fim o encerramento e liquidação da sociedade, sendo esta que está caracterizada nos autos.
Não ocorrendo qualquer atividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
__________________________________
*1) ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 502.
Recorrente:Z., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

MASSA INSOLVENTE DE (...), Lda., veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23-03-2017, que julgou improcedente a impugnação, por não ter sido demonstrada a inexistência de facto tributário.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 126-129 do processo físico) com as seguintes conclusões:
I – O presente recurso é apresentado em consequência da sentença proferida em 23.03.2017, a qual julgou, in totum, improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, aqui recorrente, Massa Insolvente de Z. Lda., relativa às liquidações oficiosas de IRC, emitidas em 2012 e que tem por referência, o exercício económico de 2011, no montante de € 33.152,98.
II – Os pressupostos nos quais a AT se baseou para proceder à liquidação do indicado tributo padece dos mais elementares fundamentos legais enformadores da relação jurídico tributária e, nessa medida, os factos tributários subjacentes à emissão da liquidação são inexistentes, isto porque a sociedade em causa já se encontrava insolvente e com a atividade do estabelecimento definitivamente encerrada.
III – Sendo, ademais, assente que a Massa Insolvente não é sujeito passivo de imposto sobre o rendimento quando deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento, nem o Administrador de Insolvência está obrigado ao cumprimento de qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal que ainda possa sobrestar na esfera jurídica da sociedade insolvente, designadamente, por tal resultar de imposição legal que consta vertida no art. 65.º, n.º 3, e 82.º, n.º 2, do CIRE.
IV – No caso dos presentes autos, sempre ficou demonstrado, provado e comprovado que foi deliberado pelos credores, em sede de assembleia de credores de 07.09.2010, o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente (art. 156.º, n.º 2, do CIRE) e, doutra parte, ficou deliberado, ainda, a liquidação do património da empresa insolvente para posterior distribuição do produto pelos seus credores.
V – Não tendo a Recorrente exercido qualquer atividade susceptível de imputação de imposto, nem a Autoridade Tributária, talqualmente lhe impõe o ónus da prova, ter provado e comprovado que a mesma exerceu atividade susceptível de ser tributada e geradora de lucro tributável, venha lançar um anátema, por via das liquidações oficiosas e, com isso, tentar obter o pagamento de um imposto que bem sabe não ser devido.
VI - Na esteira daquilo que é o princípio da incidência do imposto sobre o rendimento, que se encontra vertido no art. 1.º, do CIRC, tal aponta no sentido de que este tributo incide sobre os rendimentos (lucro) que foram obtidos pelo sujeito passivo, referente a um período de tributação delimitado no tempo, ou seja,
VII – Para que exista lucro sujeito a tributação, tem de existir uma atividade económica que esteja a ser exercida com regularidade pelo sujeito passivo, cabendo, dessarte, à AT, por um lado, a prova da sujeição da entidade ao cumprimento das obrigações declarativas e fiscais e, doutro passo ainda, a existência/verificação dos pressupostos de que depende a liquidação do imposto.
VIII – Encontrando-se a atividade do estabelecimento definitivamente encerrado desde 07.09.2010, sendo tal facto do conhecimento da AT, porque o mesmo consta da informação cadastral e registral comercial da entidade insolvente e, ademais, não tendo a AT, tal como exigido, provado a existência da qualquer atividade susceptível de fazer qualquer obrigação tributária (artigos 74.º/1 e 75.º/2, da LGT), não poderiam tais liquidações oficiosas terem sido emitidas nem, tampouco, estaria o Administrador da Insolvência obrigado ao cumprimento das obrigações fiscais, pois estas tinham cessado – vide art. 65.º, n.º 3, do CIRE.
IX – Neste sentido, era de concluir que para além da atividade do estabelecimento ter sido encerrada em 07.09.2010, não existe qualquer lucro sujeito a tributação por inexistência da atividade da impugnante, como também, pela lei falimentar, não existe qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal que incida sobre o legal representante da massa insolvente – Administrador da Insolvência.
X – A sentença recorrida, fez uma incorreta interpretação das normas jurídicas, pois que, seguiu a peugada exposta pela AT e olvidou-se de aplicar ao caso sub judictio as especificidades decorrentes da insolvência, como também, doutro passo, não cuidou da verificação da existência dos pressupostos de que dependem a liquidação do imposto sobre o rendimento, designadamente a verificação e existência de facto tributário gerador de lucro tributável, nos termos em que consta exposto no art. 13.º, do CIRC, sendo que este será apurado,
XI - em função das variações patrimoniais positivas e as negativas da entidade sujeita a tributação, o qual fica expresso no resultado liquido do período que, depois, será vertido nos documentos contabilísticos e fiscais, sendo de concluir que a existência do apuramento do lucro tributável nasce, assim, do exercício de uma atividade geradora de rendimento direto para o sujeito passivo, ou seja, a relação jurídica tributária nasce desse elemento primordial caracterizador da incidência do impostos - a existência de atividade passível de gerar lucro tributável.
XII – O aresto recorrido, formou uma convicção que nem a própria AT conseguiu fazer ao longo de todo o processo, designadamente infere que o facto da atividade da impugnante, aqui recorrente, na sua óptica, não se encontrar cessada é condição do exercício da atividade económica. Assim, a conclusão que se extrai do aresto não encontra qualquer arrimo legal, nasce de uma presunção, ou seja, como a atividade não se encontra cessada, logo há atividade e lucro tributável, o que, de todo em todo, contraria o estipulado em sede do art. 65.º, n.º 3, do CIRE, e art. 1.º, 3.º e 13.º, do CIRC, sendo, assim, errónea a interpretação e aplicação das normas jurídicas.
XIII – Destarte, inexistem fundamentos diretos, do ponto de vista jurídico tributário para liquidar imposto, dada a inexistência de atividade e ausência de lucro tributável, e, do ponto de vista jurídico falimentar, carece de legitimidade e fundamento a liquidação do imposto, porque tomada ao arrepio das mais elementares normas que regem o processo de insolvência, que sendo normas especiais tem de ser aplicadas ao caso em concreto e que, por seu turno, foram postergadas na sua totalidade, pela douta sentença recorrida.
XIV – Conforme é sabido e consabido, a insolvência trata-se de um processo de execução universal dos bens do devedor, em que o Administrador da Insolvência gere o processo de alienação dos ativos, presta contas ao processo judicial (as quais são completa e totalmente alheias à sindicância da AT) e procede, de acordo com as determinações da sentença de verificação e graduação de créditos, à elaboração do mapa do rateio que visa a distribuição do produto da liquidação dos ativos pelos credores da insolvente.
XV – Pelo que, se de uma parte, encerrada a atividade do estabelecimento comercial da insolvente cessam todas as obrigações fiscais e, bem assim, cessa a atividade da insolvente, é de concluir que a mesma não detém, in se, qualquer atividade que seja geradora de lucro tributável e, como tal, não é sujeito passivo de imposto,
XVI – Como também não o é a Massa Insolvente, pois esta não detém qualquer atividade susceptível de gerar lucro tributável, sendo, por conseguinte inexistente a relação jurídico tributária de que dependem a incidência do imposto e, nesse seguimento, não subsiste na esfera jurídica do Administrador da Insolvência qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal (cfr. arts. 46.º, 55.º, 65.º, n.º 3, 81.º, n.º 4, todos do CIRE).
XVII - Assim, não pode a AT, como o faz, proceder à liquidação oficiosa do IRC, tendo, ademais, por base um critério aritmético que não tem correspondência com a realidade (avocando valores de declarações transatas), em clara e manifesta violação do princípio da legalidade, o qual encontra o seu arrimo no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa.
XVIII – Nos termos n.º 3 e n.º 5, do art. 65.º, do CIRE, resulta que, declarada a insolvência de uma sociedade comercial e sendo deliberado pelos credores o encerramento do estabelecimento comercial, esta passa a ser um nado morto e, cessando todas as obrigações de natureza declarativa e fiscais, sendo que, tal obrigação de comunicação da situação insolvencial à Fazenda Pública é uma obrigação do Tribunal, onde foi declarada a insolvência e não do Administrador da Insolvência.
XIX – Se seguíssemos o entendimento aposto pela AT e sufragado pela sentença recorrida, chegaríamos a um ponto de impossibilidade do cumprimento legal das obrigações, pois que cumpre indagar como é que se mostra possível, do ponto de vista jurídico, a aprovação e apresentação de contas nos termos do CIRC para a massa insolvente (é esta a entidade que o Administrador da Insolvência representa) pois que, para promover aprovação de contas numa sociedade comercial, a competência não é do órgão de gestão, mas sim do órgão deliberativo, que como sabemos é a Assembleia Geral – cfr. art. 65.º, do CSC.
XX – Os atos tributários colocados em crise nos presente autos são nulos, na medida em que não assiste à AT qualquer razão ou fundamento (jurídico factual) para a emissão das liquidações oficiosas de imposto, porquanto tal não tem qualquer enquadramento legal nem sequer se mostra possível em relação a uma sociedade cujo estabelecimento tenha sido encerrado e a atividade cessada como, também, não está o Administrador da Insolvência obrigado ao cumprimento das obrigações declarativas e fiscais, conforme consta apontado na decisão recorrida.
XXI – A posição que se tem vindo a sustentar encontra-se devidamente sufragada pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente, no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (disponível em www.dgsi.pt), proferido no processo n.º 08251/14, no qual se apreciavam fatos idênticos ao dos presentes autos, tendo ficado assente que: “) Nos termos do artigo 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, «conforme a administração passou a ser confiada ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, ou pelo contrário, foi mantida no próprio insolvente, assim será aquele ou este quem deve agir e responde pelo incumprimento. // Porém, uma vez tomada a deliberação de encerramento do estabelecimento, nos termos do artigo 156.º, n.º 2, extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à actividade do devedor que, evidentemente, cessa.
XXII - De acordo com a menção exarada no aresto, imponha-se uma decisão diferente em primeira instância, na medida em que as liquidações oficiosas do imposto foram apenas lavradas no pressuposto da não entrega da declaração de rendimentos – à qual, sempre se refira, a Massa Insolvente não estava obrigada – não tendo em consideração que o facto tributário primordial de que depende a liquidação do imposto é inexistente, atenta a cessação da atividade do estabelecimento no exercício económico de 2010, mormente em 07.09.2010, altura em que foi tomada a deliberação na Assembleia de Credores, cfr. art. 156.º, n.º 2, do CIRE.
XXIII - Assim, as liquidações em crise são ilegais e violam os mais elementares princípios jurídicos que se encontram subjacentes à relação jurídico tributária, designadamente o principio da decisão, do procedimento tributário, da boa fé, e da colaboração, os quais encontram o seu arrimo legal junto dos artigos 55.º, 56.º, e 59 da LGT.
XXIV – Doutrarte, não foram levadas, também, em consideração pela sentença recorrida os efeitos diretos que a insolvência opera em relação aos administradores e legais representantes da sociedade insolvente, isto porque, as obrigações tributárias primordiais que ainda subsistam por cumprir permanecem na esfera da insolvente e dos seus legais representantes, não sendo, como tal confundível com a posição do Administrador da Insolvência e da Massa Insolvente (vide art. 82.º, n.º 2, do CIRE), pois este não é representante da insolvente nos termos em que se encontra preceituado no art. 109.º, do CIRC, dado que o conteúdo e natureza das suas funções encontra-se previstos nos artigos 55.º e 81.º, n.º 4, do CIRE.
XXV – Ante o exposto, era de primordial justiça e adequação ad legem, que a decisão da primeira Instância decidisse no sentido da anulação das liquidações promovidas pela AT, porquanto e nessa medida, ficou demonstrado que: (i) declaração de insolvência opera a imediata dissolução da sociedade, o que equivale à sua morte e, atento o carácter insolvencial da devedora, não são de aplicar as disposições relativas à simples dissolução da sociedade atenta a existência de normas especificas no CIRE (art. 65.º) e; (ii) pelos credores da Massa Insolvente, em 07.09.2010, foi deliberado, de forma definitiva, o encerramento do estabelecimento comercial da insolvente;
XXVI– (iii) a impugnante não tinha e/ou desenvolvia qualquer atividade e, como tal não existia qualquer lucro tributável o que leva à inexistência de facto tributário; (iv) não existiam quaisquer obrigações declarativas e fiscais que sobrestassem na esfera jurídica da Massa Insolvente; (v) o Administrador da Insolvência não representada da sociedade insolvente, nos termos em que estipula o art. 109, do CIRC, apenas assume a representação para efeitos de carácter patrimonial que importa à insolvência, não tendo qualquer obrigação de natureza fiscal em relação a esta, pois que, a existir, é da responsabilidades dos legais representantes da sociedade insolvente (art. 82.º, n.º 2, do CIRE).
XXVII - Se a declaração de insolvência equivale, como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo judicial n.º 01107/12, datado de 09.07.2014, à morte do infrator, o mesmo entendimento terá de ser delimitado quanto às demais obrigações fiscais, tanto mais que, nos termos do art. 65.º, n.º 3 do CIRE, deliberado o encerramento do estabelecimento comercial cessam todas as obrigações declarativas e fiscais, sendo obrigação do Tribunal a comunicação, à AT, para efeitos de cessação da atividade.
XXVIII - Daí que, reverte-se claro que a deliberação do encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente (in casu motivado pela situação de insolvência) não é subsumível ao conceito de sujeito passivo objeto de imposto, por manifesta falta de verificação dos pressupostos legais necessários para o surgimento da relação jurídico-tributária e, como tal, não subsiste na esfera jurídica da Massa Insolvente e do Administrador da Insolvência qualquer obrigação declarativa e fiscal que medeie entre a tomada da deliberação e o encerramento da liquidação.
Por todos os termos expostos, e em todos os mais que Vossas Excelências, Sábios e Ilustres Juízes Desembargadores, provirão pelo seu conhecimento, adentro da mais Elevada Sapiência e Rigor Jurídico, deve conceder-se total provimento ao presente Recurso, julgando-o procedente e, em consonância, revogar a decisão recorrida, anulando, como tal, os actos tributários impugnados.
Pois só assim se realizará o Direito, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!»
*
A Recorrida não contra-alegou.
*

O M.P. emitiu o seguinte parecer no sentido da procedência do recurso, «(…) É certo que o processo falimentar não contende com a existência e com o exercício da actividade da sociedade falida, pelo que a mesma não deixa de ser sujeito passivo do IRC, sujeita às normais obrigações declarativas, cujo cumprimento, em nome da massa insolvente, compete ao administrador da insolvência – artigo 109.º/8, do CIRC. Mas, este regime não se coaduna com o disposto no artigo 181.º/2, do CPPT, que impõe ao liquidatário judicial o dever de requerer a avocação ao processo de falência dos processos em que o falido/insolvente seja executado ou responsável a fim de serem apensados àquele. A liquidação oficiosa de imposto (artigo 91.º do CIRC/2008 ou artigos 89.º/b) e 90.º/1, do CIRC/2011) não pode subsistir sempre que a mesma tenha apenas por base a alegada omissão declarativa do administrador da massa insolvente, sem atender à situação concreta desta última. No caso, à data da liquidação já tinha sido encerrado o estabelecimento e ordenada a apreensão dos bens da falida. No mesmo sentido depõe o disposto no artigo 65.º do Código de Insolvência e da recuperação de empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (versão conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril). Ou seja, «conforme a administração passou a ser confiada ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, ou pelo contrário, foi mantida no próprio insolvente, assim será aquele ou este quem deve agir e responde pelo incumprimento. // Porém, uma vez tomada a deliberação de encerramento do estabelecimento, nos termos do artigo 156.º, n.º 2, extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à actividade do devedor que, evidentemente, cessa».
Por outras palavras, perante a comprovação do encerramento da empresa, no quadro do processo de falência, ocorrido em 28 de Novembro de 2000, perante a apreensão do seu património e o rateio, pagamento das dívidas dos credores e a subsequente prestação de contas, dir-se-á que a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2007 em exame não tem por base elementos que comprovem a ocorrência do facto tributário (o lucro tributável), nem se vê como tal possa suceder perante uma sociedade extinta. O ónus da prova recai sobre a parte que alega o direito (artigos 74.º/1 e 75.º/2, da LGT). Ónus que no caso não foi observado.”
I-3-No caso em apreço a questão que se coloca hic et nunc é outrossim, pese embora a falência declarada em 07/09/2010, a da existência ou inexistência de facto tributário. Sem ele não há tributação.
Ora, independentemente de, face á falta de apresentação da declaração Mod. 22, a AT, ao abrigo do artigo 90 do CIRC, ter de liquidar oficiosamente IRC, certo é que, contestada a invocada existência de facto tributário se tal facto tributário não estiver demonstrado não pode haver liquidação. Porque objectivamente uma sociedade insolvente deixou de exercer actividade. E, na falta de actividade, lucro tributável falecerá.
E em sede de impugnação do acto, não se tendo realizado adicional diligência ao abrigo do princípio inquisitório, ut art, 99, nº 1, da LGT, e 13 do CPPT, e não tendo o tribunal dado como provado facto tributário com lucro tributável, mister era anular o acto de liquidação.
Até porque o disposto no artigo 100, nº 1, do CPPT também o impõe, uma vez que estamos perante fundada dúvida sobre a existência do facto tributário.
I-4-Última nota, o AUJ do STA n.º 01107/12, datado de 09.07.2014, que UNIFORMIZOU JURISPRUDÊNCIA no sentido de que “Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e art. 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.”, não tem aplicação in casu, porque se reporta a direito contra-ordenacional sancionatório. E só.
I-5-Do acima exposto impõe-se concluir que o acto tributário em apreço enferma de erro nos pressupostos de facto, o que determina a sua anulação. A sentença recorrida não pode manter-se.»
*

Com dispensa dos vistos, de acordo com o n.º 4, do art.657.º do CPC, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:

[a] saber se a sentença fez uma errada valoração da prova e errado julgamento de facto e de direito.
*

3. FUNDAMENTOS DE FACTO

A decisão recorrida deu como provado o seguinte:
«1. A sociedade Z., Lda., com o NIPC (…), foi declarada insolvente por decisão judicial de 07.09.2010 – fls. 7 e 84 e ss.;
2. Desde 2009 que a Impugnante não apresenta declaração anual de rendimentos em sede de IRC – acordo;
3. A AT procedeu à liquidação oficiosa de IRC de 2011, n.º 20128310020817 no valor de €32.546,64 – fls. 8 e ss. e PA em anexo;
4. E à liquidação n.º 20122094511, respeitante a juros compensatórios no montante de €606,34 – fls. 8 e ss. e PA em anexo;
5. A Impugnante deduziu reclamação graciosa, que lhe foi indeferida – PA em anexo;
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não se provou que a Impugnante estivesse sem qualquer actividade desde 2009.
*
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos ao PA, não impugnados, bem como nos factos sobre os quais as partes estão de acordo.»
Ao abrigo do art. 662.º, n.º1, do CPC, aditam-se os seguintes factos, seguindo a numeração estabelecida na decisão recorrida:
6.A liquidação do ano de 2011, por falta de entrega de declaração de rendimentos para efeitos do IRC foi feita com base no valor anual da retribuição mínima mensal no valor de €6.790,00, (ou quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontra determinada) sendo que para o ano de 2010 a totalidade da matéria coletável determinada pela AT foi de 128.713,72€.
7. No relatório do Administrador da Insolvência, datado de 6 de setembro de 2010, ficou consignado que a data do encerramento da atividade teve início em fevereiro de 2010 e que de acordo com os sócios da Insolvente não há condições para reativar a sua atividade dado que não dispõe de quaisquer meios financeiros para o seu relançamento, a recuperação da empresa foi rejeitada pelos mesmos por manifesta inviabilidade e foi proposto pelo Administrador:
-A confirmação da cessação do Estabelecimento da Z., Lda.;
-A imediata entrada em liquidação;
-Designação de Comissão de Credores para acompanhar as atividades de liquidação. [documento de fls.81-84 dos autos];
8.Na ata de Assembleia de Credores e Apreciação do Relatório, do Processo de Insolvência n.º 370/10.2 TYNVG de 07 setembro de 2010, na qual esteve representada a Fazenda Pública, pelo Procurador da República, na qual o relatório foi aprovado por unanimidade e por despacho judicial ordenou-se a imediata apreensão e liquidação da massa insolvente, nos exatos termos propostos no Relatório do Administrador Judicial [documento de fls. 84 verso e 85]
*
4. O DIREITO

A recorrente disside do julgado porquanto entende que o tribunal a quo fez uma errada valoração da prova carreada para os autos e errada interpretação das normas jurídicas, como o art. 13.º da CIRC.

A liquidação padece dos mais elementares fundamentos legais enformadores da relação jurídico tributária e, nessa medida, os factos tributários subjacentes à emissão da liquidação são inexistentes, tendo o tribunal formado uma convicção que nem a própria AT conseguiu fazer ao longo de todo o processo, designadamente infere que o facto da atividade da impugnante, aqui recorrente, na sua ótica, não se encontrar cessada é condição do exercício da atividade económica.

Vejamos,

A sentença, na parte que releva para a apreciação do recurso afirmou que impendia sobre a insolvente/impugnante o ónus da prova da sua inatividade, da falta de rendimentos, o que não logrou atingir já que nenhuma prova foi feita nesse sentido, pois que se limitou a invocar a insolvência como causa da extinção de todas as obrigações fiscais.

Como claramente resulta do aditamento aos factos provados, a sentença claramente errou na apreciação da prova que a impugnante produziu no processo, mas também fez uma leitura diagonalizada da petição, pois que no artigo 10, se alegou que a “sociedade insolvente foi encontrada sem qualquer atividade e com portas encerradas à data da insolvência, situação que veio a saber-se que remontava a fev/2010.”

Vejamos,

A administração tributária não beneficia de uma qualquer presunção legal, na medida em que a lei não presume que a atividade de uma sociedade ou/e a criação de rendimentos advém da sua existência enquanto pessoa jurídica.

A situação concreta dos autos é uma declaração de insolvência com apreensão total dos bens da insolvente e encerramento do estabelecimento em fevereiro de 2010, confirmada por despacho judicial em 07 de setembro de 2010.

Na verdade, resulta dos autos que a recorrida foi judicialmente declarada insolvente e que o estabelecimento encerrou.
Com o encerramento do estabelecimento cessou também a sua atividade?

As sociedades, normalmente, existem para a realização de uma atividade que integra o seu objeto que são geradoras de rendimentos.
As presunções judiciais ou naturais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência, no dizer de Antunes Varela ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 502.
são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos» [arts. arts. 350.º e 351.º do CC].

Assim, presunção natural de que as sociedades comerciais existem para exercer uma atividade que gere rendimentos, baseada na experiência comum, por ser conatural que elas são criadas para esse fim, importa também, que a inatividade possa ser afastada mediante mera contraprova, nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil, segundo o qual «salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

Assim, a impugnante não tem de fazer prova clara e inequívoca da inatividade, mas apenas aportar factos que suscitem dúvidas da existência de atividade.
Ora,
Da análise circunstanciada da realidade trazida ao processo aponta para que a Recorrida não tenha tido qualquer atividade geradora de rendimentos a partir de fevereiro de 2010, face à confirmação desse facto na assembleia de credores.

Na verdade, o tribunal pode fazer uso das regras de julgamento que permitem ao julgador, com base em factos provados conhecidos e mediante a utilização das regras práticas da experiência, tirar ilações ou fazer juízos provenientes da utilização das regras da vida e da experiência comum, ou seja, demonstrado não ter atividade também não criou rendimentos, logo inexiste facto tributário.

Por fim,

Salienta-se, ainda, que art. 65.º, n.º3, do CIRE estabelece que as obrigações fiscais se extinguem com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento [art. 156.º, n.º2], o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. Neste sentido o Ac. do STA de 12/09/2018 no recurso n.º0576/18, disponível www.dgsi.pt
Também acórdão deste TCA da mesma relatora de 18-06-2020 no processo 2118/16.9 BECBR
(sublinhado nosso)

A declaração de insolvência na aceção que aqui interessa, em que não há um plano que preveja a continuidade da exploração da empresa pelo devedor ou terceiro, é aquela que tem como fim o encerramento e liquidação da sociedade, sendo esta que está caracterizada nos autos.

Os elementos documentais permitem concluir que se deu o encerramento da atividade, desde logo pelo encerramento do estabelecimento.
Aliás, a este propósito é elucidativo o Acórdão do STA de 8/11/2017, no processo 0876/2017, disponível em www.dgsi.pt: «E como também se percebe pela factualidade ali fixada, tal sociedade já não desenvolvia a actividade própria daquele que foi o seu objecto social (actividade turística e hotelaria), tendo-se limitado o liquidatário judicial a alienar o património apreendido para a massa falida para dar pagamento aos credores reclamantes.
Ora, apesar não terem sido cumpridas obrigações fiscais declarativas – e que se mantinham conforme doutrina citada na sentença e que encontra acolhimento no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09 – o certo é que a venda que tem lugar na fase de liquidação do activo de empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal. E o incumprimento de obrigações declarativas, ainda que permita à Administração Tributária averiguar, através de acção inspectiva (como aconteceu no caso) se a empresa tinha ou não continuado a exercer actividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, não integra fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento.
Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável.
Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.»
Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC.
Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03.»

A sentença que decidiu em contrário ao que se vem de expor, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito pelo que terá de ser revogada.
*

5. DECISÃO.

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da recorrida, sem taxa de justiça por não ter contra-alegado.
*
Notifique.
*
Porto, 11 de Março de 2021


Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis

_________________________________
i) ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 502.

ii) Neste sentido o Ac. do STA de 12/09/2018 no recurso n.º0576/18, disponível www.dgsi.pt
Também acórdão deste TCA da mesma relatora de 18-06-2020 no processo 2118/16.9 BECBR