Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00898/22.1BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/13/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:DESPACHO; MULTA; NOTIFICAÇÃO ELETRÓNICA
Sumário:I. Não tendo a Recorrente suscitado tempestivamente a nulidade da citação “eletrónica”, qualquer omissão de formalidade de que a mesma possa ter padecido sanou-se pelo decurso do tempo, pelo que não pode vir agora questionar a respetiva regularidade a propósito da multa com que não se conforma.

II. A nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com o despacho proferido em 2022-10-26 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por força do qual foi decidido aplicar-lhe a multa prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 139.º do CPC, vem dele interpor o presente recurso de apelação, o que faz nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
a) A decisão recorrida é nula por ser omissa quanto aos factos e fundamentos aduzidos pela Recorrente em sede de Reclamação, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
b) A contestação da ora Recorrente foi apresentada dentro do prazo.
c) Ao prazo consignado no n.º 1 do artigo 82.º acresce a dilação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPC.
d) Pois, inexistindo habilitação legal que preveja a citação eletrónica da Recorrente, não se aplica o disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 219.º do CPC, nem o estatuído no n.º 6 do artigo 246.º do CPC.
e) Pelo que, em 02/06/2022, data em que a Recorrente apresentou a contestação, ainda não tinha decorrido o prazo dos 30 dias, acrescido dos 5 dias de dilação, estabelecido no n.º 1 do artigo 82.º do CPTA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPC, este último aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
f) Devendo, assim, a multa aplicada ser revogada e o valor pago a esse título restituído à Recorrente.
g) Não obstante o suprarreferido, invocado na Reclamação e decorrente do douto Parecer do Ministério Público, o Tribunal a quo ao não se pronunciou sobre a inaplicabilidade das referidas normas, omitindo o seu dever de pronúncia sobre questão que devia conhecer, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e como tal não se pode manter na ordem jurídica.
Termina pedindo:
Termos em que deve o presente recurso proceder e a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser declarada nula, nos termos do estatuído na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por perda do direito de recorrer, ou assim não se entendendo, pela improcedência do presente recurso.
***
Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
***
Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa antes de mais apreciar a questão prévia da perda do direito de recorrer suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no respetivo parecer, e caso a mesma não proceda, apreciar se o despacho recorrido padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é imputada pela Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Ocorrência processuais relevantes
As ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as seguintes:
1. Em 28 de abril de 2022 foi enviado à Recorrente, através do SITAF, ofício emitido pela Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com vista à respetiva citação para a ação administrativa n.º 898/22.1BEPRT, que corre os seus termos naquele Tribunal, estando aposta na mesma a indicação “notificação eletrónica” (cf. certidão, a fls. 34 e fls. 11 dos autos, na numeração do SITAF).
2. Em 2 de junho de 2022 a Recorrente apresentou a sua contestação ação administrativa n.º 898/22.1BEPRT (cf. “resumo da peça processual”, a fls. 13 dos autos, na numeração do SITAF).
3. Por ofício emitido pela Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datado de 3 de junho de 2022 a Recorrente informada de que deveria proceder ao pagamento de multa no valor de EUR 63,75, “(…) prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o ato processual extemporaneamente praticado” (cf. ofício a fls. 16 dos autos, numeração do SITAF).
4. Em 15 de junho de 2022 a Recorrente pagou a multa referida no ponto anterior (cf. “comprovativo da operação” na certidão a fls. 40 dos autos, na numeração do SITAF).
5. Em 15 de junho de 2022 a Recorrente apresentou reclamação do ato da Secretaria que determinou o pagamento da multa, com o seguinte teor (cf. certidão a fls. 41-42 dos autos, na numeração do SITAF):
(…)
1. Por ofício de fls…, datado de 03-06-2022, foi a Reclamante notificada para proceder ao pagamento de uma multa no valor de € 63,75, «prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o ato processual extemporaneamente praticado.»
2. Embora não se refira expressamente na notificação, é possível deduzir que o «o ato processual extemporaneamente praticado» corresponde à contestação que a Ré apresentou a 02-06-2022, cfr. fls…dos autos.
3. Ora, salvaguardando o devido respeito, a apresentação da contestação da Ré foi efetuada dentro do prazo legal de 30 dias, previsto no artigo 82.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
4. Com efeito, o ofício mediante o qual a Ré foi citada, foi remetido eletronicamente com a data de 28-04-2022.
5. Como a Ré foi citada fora da área da comarca sede do tribunal onde corre a ação, ao prazo de 30 dias para a contestação acresce a dilação de 5 dias prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi n.º 1 do artigo 246.º do CPC e extensível ao processo administrativo, por aplicação subsidiária.
6. A propósito da dilação de 5 dias, salvaguarde-se que ao presente caso não se mostra aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 246.º do CPC, nos termos do qual «Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior.»
7. Com efeito, a citação no presente processo não poderia ter sido efetuada «nos termos do n.º 5 do artigo 219.º», porquanto aquela norma dispõe que a citação eletrónica de «entidade pública da Administração direta ou indireta do Estado» pode ser efetuadas por via eletrónica quando «tal se encontre previsto em portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e pela entidade pública em causa».
8. Desconhecendo-se a existência de Portaria que regulamente aquela norma, nos termos ali previstos – a Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, por exemplo, não regulamenta o artigo 219.º do CPC, tão pouco foi aprovada pelo Ministro das Finanças – não poderá a aplicação daquela ser convocada na aplicação da multa de que agora se reclama.
9. Motivo pelo qual, mostrando-se tempestiva a apresentação da contestação, não haveria lugar a aplicação de multa por ato processual extemporaneamente praticado, devendo por isso ser decretada a sua anulação.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente Reclamação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, deve a multa ser anulada e ordenada a restituição dos montantes pagos.
6. Em 26 de outubro de 2022 foi exarado despacho no proc. 898/22.1BEPRT, com o seguinte teor (cf. certidão a fls. 45 dos autos, na numeração do SITAF):
Fls. 228 do sitaf:
A Entidade Demandada veio insurgir-se contra a multa cuja guia lhe foi enviada por ter apresentado a contestação fora de prazo, nos termos do art.º 139.º, n.º 5 e 6 do CPC. Alega que a contestação é tempestiva por ser aplicável a dilação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi n.º 1 do artigo 246.º do CPC e extensível ao processo administrativo, por aplicação subsidiária.
O IMMP pronunciou-se no sentido da procedência da pretensão da Entidade Demandada.
Cumpre decidir.
Tendo sido enviada citação eletrónica em 28/04/2022 (fls. 123 do sitaf), o prazo iniciou-se em 29/04/2022, nos termos do art.º 569.º, n.º 1 do CPC e presume-se efetuada no 3.º dia posterior ao do seu envio para o sistema informático cio citando ou notificando (cf. art.º 219.º, n.º 6 do CPC), pelo que o prazo para contestar terminou no dia 01/06/2022. Assim, a contestação apresentada no dia 02/06/2022 ocorreu no primeiro dia útil seguinte subsequente ao termo do prazo, sendo aplicável a multa prevista no art.º 139.º, n.º 5 e 6 do CPC, pelo que se indefere o pedido formulado pela Entidade Demandada.
Notifique.
(…)
*
II.2. Fundamentação de Direito
Alega a Recorrente que o despacho proferido em 26 de outubro de 2022 pelo Tribunal a quo (cf. ponto 6, das ocorrências processuais pertinentes), é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, uma vez que nele se ignorou a argumentação por si trazida no âmbito da reclamação do ato da secretaria, e na qual alegou que a contestação que subscreveu foi apresentada tempestivamente, devendo ao prazo consignado no n.º 1 do artigo 82.º do CPTA acrescer a dilação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPC, pois, inexistindo habilitação legal que preveja a sua citação eletrónica, não se aplica o disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 219.º do CPC, nem o estatuído no n.º 6 do artigo 246.º do CPC.
Entende por isso que a multa a cujo pagamento foi condenada não é devida.
Vejamos.
Antes de mais, relativamente à questão prévia suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no parecer exarado nos autos, não se subscreve o entendimento ali preconizado, no sentido de que, e nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 632.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, a Recorrente teria perdido o direito a recorrer por ter aceitado tacitamente a decisão recorrida, na medida em que depois de proferida a mesma, efetuou o pagamento da multa (cf. ponto 4 da fundamentação de facto).
Com efeito, resulta do disposto no n.º 3, in fine, do supracitado art. 632.º do CPC que a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
Ora, o pagamento da multa em simultâneo com a interposição do recurso – visto que os dois factos ocorreram na mesma data (cf. pontos 4 e 5 da fundamentação de facto) -, não constitui a prática de um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
Pelo que não existe motivo para que o recurso seja recusado.
No entanto, acompanha-se a posição expendida no supracitado parecer, no sentido de que não tendo a Recorrente suscitado tempestivamente a nulidade da citação “eletrónica” [cf. n.º 1 do art. 191.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], qualquer omissão de formalidade de que a mesma possa ter padecido sanou-se pelo decurso do tempo [cf. n.º 2 do art. 191.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], pelo que não pode vir agora questionar a respetiva regularidade a propósito da multa aqui em causa.
Com efeito, sobre esta questão a Recorrente nada alegou ou requereu, senão já no âmbito do presente recurso.
No entanto, sempre se dirá que ainda que assim não fosse, e atendendo a que o único fundamento que suscita para o recurso é a nulidade por omissão de pronúncia do despacho atacado [cf. n.º 1 do art. 125.º do CPPT, e norma paralela na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º, conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 613.º, ambos do CPC] – e se dúvidas houvesse a este respeito, bastaria olhar ao pedido que formula em sede de recurso -, o mesmo estaria votado ao insucesso, uma vez que, tal como decorre da jurisprudência pacífica sobre esta matéria, a omissão de pronúncia apenas ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)(cf. Acórdão do STA Acórdão do STA proferido em 2020-04-20, no proc. 02145/12.5BEPRT 01190/17), sendo certo que na decisão recorrida não deixou de se apreciar a questão que suscitou na reclamação, da ilegalidade da decisão dos serviços de emitirem a multa que questiona, ainda que não se tenham apreciado todos os argumentos que invocou a este propósito.
Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado improcedente.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas pelo presente recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPTA].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Não tendo a Recorrente suscitado tempestivamente a nulidade da citação “eletrónica”, qualquer omissão de formalidade de que a mesma possa ter padecido sanou-se pelo decurso do tempo, pelo que não pode vir agora questionar a respetiva regularidade a propósito da multa com que não se conforma.
II. A nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei).
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.

Porto, 13 de abril de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.