Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03354/04-Aveiro
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PROVA;
ART. 13º DO CPPT;
ART. 99º DA LGT
Sumário:Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A…, contribuinte n.º 1…, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional do despacho judicial interlocutório proferido em 23/06/2010, que lhe indeferiu a realização de diligência de prova, e da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial, mantendo a liquidação adicional impugnada referente a Imposto Sobre as Sucessões e Doações e respectivos juros compensatórios efectuada em 1992, no valor de €51.598,27.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso requerendo a apreciação do recurso interlocutório interposto em 12/07/2010. Logo, apresentando-se este como questão prévia, passamos, de imediato, a transcrever as conclusões formuladas, na medida em que a matéria a apreciar nesta sede se encontra delimitada pelas conclusões extraídas da motivação.

Assim, o Recorrente apresentou no recurso interlocutório as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
1.ª Através do depoimento da testemunha M…, sobreveio o conhecimento da identidade do TOC que elaborou os documentos contabilísticos anexos à P.I. e estará na origem dos erros da contabilização – alegados na P.I. – que originaram créditos a favor dos sócios H… e I… na Sociedade “H… & Filhos, Lda.”, cuja transmissão por morte a favor do impugnante (pressuposta pela A. Fiscal) deu origem à liquidação de imposto sucessório.
2.ª Revelando-se assim manifesta para o apuramento da verdade dos factos a necessidade de o TOC A… prestar depoimento em juízo sobre os factos alegados na P.I. nos arts. 5.º a 19.º e sobre os documentos anexos à mesma.
3.ª Pelo que o impugnante requereu a produção desse depoimento nos termos implícitos do art.99.º, n.º 1 da LGT.
4.ª Porém, o despacho recorrido considerou que a requerida audição do TOC representava uma alteração legalmente inadmissível do rol de testemunhas, pelo que indeferiu o requerimento.
5.ª Ora não estando em causa qualquer pretensão de alterar o rol de testemunhas por parte do impugnante, mas tão-somente que se dê cumprimento ao art. 99.º, n.º 1 da LGT, salvo melhor opinião, o despacho recorrido é ilegal.
6.ª Sendo de referir que a necessidade de audição do TOC A…, para permitir um esclarecimento cabal da natureza real ou fictícia dos créditos sobre a sociedade, cuja presumida transmissão ao impugnante esteve na origem de uma liquidação adicional de imposto sucessório, foi reforçada pelo depoimento da testemunha A…, TOC, segundo o qual tais “créditos” foram criados por erro de lançamento contabilístico.
Termos em que se requer a V. Exas. que revoguem o despacho recorrido e o substituam por outro que ordene a inquirição pelo Tribunal do TOC A…, residente em Rua…, 3… T…, telefones n.º 2… e 9….

Na medida em que se mostra relevante para efeito de ponderação do disposto no artigo 660.º do Código de Processo Civil (CPC), reproduzem-se, de seguida, as conclusões formuladas no âmbito do recurso da sentença proferida em 28/02/2014, também aqui recorrida:
1.ª O Tribunal recorrido deu como assente que o activo imobilizado corpóreo foi reavaliado (de 31/12/1986 para 01/01/1987) em 290.569 contos.
2.ª E deu igualmente como assente que, como contrapartida de tal reavaliação se encontravam registados apenas 109.750 contos na conta de Reservas Livres.
3.ª Reconhece, assim, a falta de registos, a crédito, correspondentes à diferença entre o valor de reavaliação e do saldo de Reservas Livres.
4.ª Entende, contudo, de que não há evidência que tais diferenças tenham sido registadas na conta de “empréstimos de sócios”.
5.ª No entanto, apesar da relevância dos valores em falta (nos movimentos a crédito) o Tribunal nada acrescenta sobre outras hipotéticas contas onde tais registos possam ter sido feitos.
6.ª Aparte a conta “Empréstimos de sócios” não se vislumbram outras contas onde os diferenciais em causa possam ter sido registados. E facto é que há registos incorrectos nesta conta que só o TOC da empresa à época poderia esclarecer, mas cuja inquirição foi recusada pelo Tribunal.
7.ª O Tribunal entende, ainda, que os movimentos efectuados nas contas de sócios poderão ter sido feitos com o intuito de distribuir resultados, com a inerente fuga à tributação em impostos sobre o rendimento.
8.ª Contudo, como resulta dos autos, o único levantamento de fundos da empresa feito pelo recorrente ocorreu em 1992 e ascendeu a 16.000 contos, muito inferior aos abonos que o sócio fez à sociedade (abonos que excluem os movimentos decorrentes da reavaliação).
9.ª Por fim, o M. juiz recorrido parece ter admitido a existência de créditos sobre a sociedade e a sua posterior transmissão gratuita, a reboque do negócio de cessão de quotas.
10.ª Isto é, os créditos alegadamente transmitidos encontrariam fundamento no contrato de cessão de quotas para o recorrente.
11.ª Acontece que essa cessão foi onerosa ao contrário do que pressupõe a sentença.
12.ª Se os créditos tivessem constituído objecto daquele contrato então a hipotética cessão de créditos teria que considerar-se feita a título oneroso.
13.ª E consequentemente não sujeita a Imposto sobre sucessões e doações.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso anulando-se a decisão proferida em 1.ª instância.
Requer-se a apreciação do recurso interlocutório interposto em 12/07/2010.
****
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
****
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso interlocutório merecer provimento, ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria, que constitui o objecto do recurso da sentença que considerou improcedente a presente impugnação judicial, não tendo sido emitido qualquer parecer sobre ela por ora.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
Objecto do recurso - por ora, a única questão a apreciar e decidir é a seguinte:
Fundamentação do despacho judicial recorrido

II. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, com relevância para a decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos, de acordo com os processos administrativos, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas:
A. Em 28 de Junho de 1996 foi instaurado no Serviço de Finanças da Mealhada o processo de Liquidação n.º 12533 em nome de H… e mulher I… com base em termo lavrado na mesma data (fls. 56 e 57 dos Autos);
B. E de acordo com informação prestada em 04/01/1996 pelo Serviço de Inspecção Tributária, na sequência de visita de Fiscalização à Sociedade H… & Filhos da qual os indicados em A) eram sócios, que verificou a existência de movimentos contabilísticos através de contas correntes e documentos internos efectuados em 11/03/1992 da Conta de Suprimentos de H… do montante de Esc. 75.045.238$90 para as contas dos filhos A… e G… pelo valor de Esc. 37.522.619$40 cada e da Conta de Suprimentos de I… do montante de Esc. 50.000.000$00 para as contas dos filhos A… e G… pelo valor de Esc. 25.000.000$00 (fls. 58 a 63 dos Autos e docs. Anexos ao relatório n.ºs 38, 42, 46 e 83;
C. Coincidentes com escritura pública lavrada em 11/03/2002 no cartório Notarial de Anadia e mediante a qual os primeiros Outorgantes H… e mulher I… cederam as duas quotas por si detidas no valor nominal de Esc. 1.500.000$00 respectivamente a A… e G…, seus filhos (doc. 6 anexo à PI a fls. 18 a 23 dos Autos);
D. Pelo mesmo acto o aqui impugnante A… e sua irmã G… declararam aceitar a cessão e procederam à unificação das quotas por si anteriormente detidas com as cedidas passando a ser os únicos detentores do capital social da empresa dividido em partes iguais em 2 quotas de valor nominal de Esc. 15.000.000$00, alterando consequentemente o contrato de sociedade (doc 6 anexo à PI a fls. 18 a 23 dos Autos);
E. Em 11/03/1992 através de nota de contabilidade interna n.º 20716 foi determinada a transferência dos saldos credores dos ex-sócios para a conta dos seus filhos constando como discriminação do lançamento “Transferência em consequência da escritura de 11/03/1992” (doc 1 anexo à PI a fls. 9 dos Autos);
F. Notificado por carta registada com aviso de recepção assinado em 26/09/1996 das liquidações oficiosas no montante global de 16.007.370$00, o Impugnante efectuou o seu pagamento na modalidade de pronto em 29/11/1996, com o desconto de Esc. 1.551.678$00 /fls. 45 a 48 e 54 a 55 dos Autos);
G. Tendo apresentado em 06/01/1997 reclamação considerando que parte dos saldos evidenciados na contabilidade em nome dos pais H… e mulher I… traduzidos em lançamentos de Esc. 50.000.000$00 efectuados em 01/01/1987 e que permaneceram inalterados até 11/03/1992 derivam de erros de contabilização decorrentes da avaliação do património da sociedade por montantes superiores aos do efectivo custo histórico e requerendo a anulação das liquidações de imposto sucessório efectuadas e a sua substituição por outra que contemple a cessão de créditos de apenas Esc. 12.522.619$00 de H… (fls. 28 a 54 dos Autos);
H. Foi elaborado projecto de decisão no sentido do indeferimento da reclamação apresentada, nela se lendo que “… O total dos créditos de suprimentos transferidos através da nota de contabilidade n.º 20716, de 92/03/11, a fls. 6 dos autos, foi de Esc. 125 045 238$90 (…), sendo a simples transferência destes saldos para a conta dos filhos, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou fiduciária por parte dos sócios para cujas contas foram feitas as transferências, que se traduzem no enriquecimento destes, com tradição de valores – configurando uma verdadeira doação – constituindo, assim, acto sujeito a imposto sucessório de acordo com o preceituado nos artigos 1.º, 3.º §1.º e 9.º n.º 1, todos do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações … … tendo em conta que o montante total de créditos transferidos para a conta do impetrante foi de Esc. 62 522 619$40 (…), e não apenas de 12 522 619$00 (…) como afirma na sua petição, entendemos ser de manter a liquidação de imposto sucessório e juros compensatórios que a Repartição de Finanças do concelho da Mealhada efectuou.” (fls. 82 a 87 dos Autos);
I. Por decisão de 21/06/2000 foi pelo Director de Finanças de Aveiro indeferida a reclamação sendo a mesma levada ao conhecimento do Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 11/07/2000 (fls. 91 a 93 dos Autos);
J. Tendo apresentado a presente impugnação em 15/09/2000 (fls. 1 dos Autos);
K. O activo imobilizado corpóreo da Sociedade H… & Filhos constava nos registos da sociedade em 31/12/1986 pelo valor aproximado de Esc. 188.181.000$00 (docs 2 e 3 anexos à PI);
L. Em 01/01/1987, na sequência da adopção de escrita organizada, a sociedade procedeu à reavaliação do seu património por montantes superiores às do efectivo custo histórico, reconhecendo que os valores de compra se encontravam distantes dos valores de mercado, passando a constar do activo imobilizado valor aproximado a Esc. 478.750.000$00 (docs 2 a 4 anexos à reclamação e admitido);
M. No balanço da sociedade reportado a 31/12/1985 a situação líquida apresenta o valor de Esc. 45.281.321$90 (doc 2 anexo à PI);
N. No Balancete de razão reportado a 31/12/1986 o resultado extraordinário de exercício apresenta o valor de Esc. 34.285$00 (doc 3 anexo à PI);
O. No período entre 01/10/1987 e 31/12/1987 as reservas livres constantes do extracto de conta da sociedade evidenciam variação entre o valor inicial de Esc. 183.081.826$20 e o valor final de esc. 109.750.577$10 (doc 5 anexo à PI);
P. De acordo com balanço da sociedade em 31/12/1985 não existiam saldos relativos a empréstimos de sócios à sociedade (doc 2 anexo à PI);
Q. O balancete de razão da sociedade relativo a 31/12/1986 evidenciava a existência de saldo da sociedade relativos a empréstimos a sócios e associados no montante de Esc. 772.167$00 (doc 3 anexo à PI);
R. No extracto de conta da sociedade relativo ao aqui Impugnante no exercício de 1992 estão inscritos, para além dos movimentos evidenciados em b), outros 6 lançamentos a crédito e 1 a débito, totalizando no período, respectivamente, os valores de Esc. 113.638.037$90, Esc. 16.000.000$00 e um saldo final em seu favor de Esc. 197.621.349$10, do qual Esc. 99.983.311$20 transitados de anos anteriores (fls. 60 e 63 dos Autos).

Factos não provados

Para a decisão da causa, de relevante, nada mais se provou, designadamente que existia uma efectiva e real correspondência entre o diferencial de valor resultante da reavaliação do imobilizado corpóreo traduzido na divergência de valores entre 31/12/1986 e 01/01/1987 e a reduzida variação, por comparação com aqueles, dos valores de reservas nesses mesmos momentos, por erro de lançamento e atribuição de tal diferencial em partes proporcionais aos sócios da sociedade e inerente lançamento na conta de empréstimos obtidos daqueles. (…)
Não se podendo assim inequivocamente afirmar que montante resultante da reavaliação do património levada a cabo em 01/01/1987 acabou por se mostrar correctamente reflectido nos valores de reservas livres da sociedade.

Fundamentação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto, de acordo com o supra exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, na inexistência de prova bastante que corroborasse a versão apresentada pelo impugnante.
Efectivamente, para além da inexistência de qualquer suporte documental, as testemunhas inquiridas depuseram de forma genérica e abstracta.
A primeira, M…, não obstante ter trabalhado para o Impugnante e sua irmã em várias empresas por si detidas e como governante/cozinheira em casa daqueles, admitiu não ter conhecimentos técnicos relativos aos lançamentos efectuados e revelou desconhecer a existência de empréstimos dos sócios à sociedade, confirmando apenas a avaliação do património da sociedade sem adiantar elementos decisivos quanto àquela e identificando o TOC à data Responsável pela Contabilidade da sociedade.
A segunda, A…, não obstante a sua qualidade de TOC, prestou depoimento no sentido da análise crítica dos documentos juntos aos Autos admitindo não conhecer a situação da sociedade e mesmo o Impugnante, apenas a sua irmã, não ter conhecimento directo dos factos e tecendo considerações mais consentâneas com a qualidade de perito e não de testemunha enquanto conhecedora dos factos alegados.

Pode, ainda, ler-se na motivação da sentença: “(…) Ao que acresce que a prova arrolada pelo Impugnante redundou manifestamente insuficiente para afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária determinantes do enquadramento dos montantes transferidos como saldos em seu favor decorrentes da transmissão gratuita das quotas de seus pais.(…)”

Na medida em que relevam para a apreciação do recurso, reproduz-se aqui integralmente o requerimento formulado pelo impugnante em 23/06/2010, em sede de diligência de inquirição de testemunhas, e o despacho interlocutório recorrido:
“Porque se afigura importante para a descoberta da verdade material em discussão nestes autos, e porque este é um princípio basilar e fundamental em Direito Fiscal, e também porque só agora, através do depoimento prestado nesta audiência pela testemunha, M…, é que se tomou conhecimento da identidade do contabilista que elaborou os documentos que constituem os anexos I, II, III e IV, este último com 5 folhas, será de supor que o seu pretenso depoimento terá um cariz relevante no sentido de esclarecer cabalmente a realidade dos factos alegados nas impugnações, designadamente, os explanados nos artigos 1.º a 19.º das Petições Iniciais, relativas a ambos os processos, mormente, ao Processo n.º 3354/2004 e 3355/2004.
Termos em que, pelos motivos expostos supra, se requer a V. Exa. que este contabilista, cujo nome será de A… e cuja morada, ainda por apurar, se indicará posteriormente a ambos os processos, seja inquirido em audiência neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.”

“Nos termos do artigo 108.º, n.º(s) 1 e 3 do CPPT, todas as provas que não dependam de ocorrências supervenientes, devem ser oferecidas com a petição inicial. E ainda que venha alegar o conhecimento apenas nesta data da identidade da testemunha, cuja inquirição os impugnantes pretendem, o certo é que se reporta a factos ocorridos em 1985, 1986, 1987 e 1993, conforme o evidenciado pelos documentos juntos à petição inicial.
Acresce que, a substituição das testemunhas ou aditamento ao rol, nos termos do artigo 512.º-A do CPC, deverá acontecer sempre em momento anterior ao designado para o início da diligência aqui em curso, e tal faculdade foi concedida aos impugnantes, conforme se comprova e pode aferir, pelos requerimentos de substituição de testemunhas apresentados nos autos em 13/02/2008, fls. 131 do processo n.º 3354/2004, e o requerimento apresentado em 12/12/2006, fls. 42 do processo n.º 3355/2004, bem como em momento posterior à marcação da presente diligência, na sequência das notificações efectuadas em 04/05/2010.
Não sendo assim possível, por inadmissibilidade legal, a alteração ao rol de testemunhas apresentado pelos impugnantes, termos em que, se indefere o requerido.”

2. O Direito

Antes de mais, cumpre, então, apreciar a fundamentação do despacho interlocutório proferido em 23/06/2010. Não olvidamos que o recorrente peticiona a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a inquirição pelo Tribunal do TOC A…. No entanto, a análise de tal pedido reconduz-se a um controlo objectivo por parte deste tribunal, que passará sempre pela verificação e conhecimento da fundamentação ínsita no despacho recorrido; pois é, designadamente, em face das normas legais invocadas no despacho em crise que se poderá discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso. Em síntese, a fundamentação do despacho ditará se a motivação do tribunal a quo se adequa ao pedido do recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC) – correspondente ao anterior artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC – que se aplica com as necessárias adaptações aos despachos (cfr. artigo 613.º, n.º 3 do CPC), é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A jurisprudência tem-se mostrado reiterada no sentido de a nulidade ínsita na alínea b) apenas se verificar quando haja absoluta falta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não se encontrar adstrito à obrigação de apreciação de todos os argumentos das partes. Por outro lado, apenas abrange a falta de motivação da própria decisão e não a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
Em jeito de conclusão, tem sido uniformemente entendido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com apoio no texto desta disposição, só se verificar nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação.
Extrai-se do despacho recorrido:
“Nos termos do artigo 108.º, n.º(s) 1 e 3 do CPPT, todas as provas que não dependam de ocorrências supervenientes, devem ser oferecidas com a petição inicial. E ainda que venha alegar o conhecimento apenas nesta data da identidade da testemunha, cuja inquirição os impugnantes pretendem, o certo é que se reporta a factos ocorridos em 1985, 1986, 1987 e 1993, conforme o evidenciado pelos documentos juntos à petição inicial.
Acresce que, a substituição das testemunhas ou aditamento ao rol, nos termos do artigo 512.º-A do CPC, deverá acontecer sempre em momento anterior ao designado para o início da diligência aqui em curso, e tal faculdade foi concedida aos impugnantes, conforme se comprova e pode aferir, pelos requerimentos de substituição de testemunhas apresentados nos autos em 13/02/2008, fls. 131 do processo n.º 3354/2004 e o requerimento apresentado em 12/12/2006, fls. 42 do processo n.º 3355/2004, bem como em momento posterior à marcação da presente diligência, na sequência das notificações efectuadas em 04/05/2010.
Não sendo assim possível, por inadmissibilidade legal, a alteração ao rol de testemunhas apresentado pelos impugnantes, termos em que, se indefere o requerido.”

De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
É aqui pertinente o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”
Ora, analisando o pedido do recorrente e o teor do despacho recorrido, desde logo, ressalta não ter o tribunal a quo emitido pronúncia acerca da utilidade para a decisão do fundo da causa da realização da diligência de inquirição do mencionado TOC.
Deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado especificamente sobre a pertinência e utilidade da inquirição de A…, na qualidade de técnico oficial de contas, e, na eventualidade de prescindir desta inquirição, explicar a motivação subjacente, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.º da Lei Geral Tributária (LGT). O que não foi efectuado.
Não podemos considerar devida e suficientemente fundamentado um despacho que assenta na inadmissibilidade legal de alteração do rol de testemunhas. Tanto mais que o poder de realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados pode ser exercido em qualquer fase do processo em que o juiz aja na recolha da prova. Saliente-se que, apesar de este poder estar previsto oficiosamente, sempre poderá ser exercido a requerimento das partes ou do Ministério Público, não perdendo de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário – cfr. anotação ao artigo 99.º da Lei Geral Tributária, efectuada por António Lima Guerreiro, na página 413, na Edição de Rei dos Livros.
Note-se que relativamente ao que foi peticionado pelo recorrente inexiste qualquer fundamentação: no decurso da produção da prova testemunhal foi dado conhecimento ao tribunal da identidade do contabilista que elaborou os documentos que constituem os anexos I, II, III e IV, apresentando-se indícios fundados de que o seu depoimento poderá mostrar-se relevante para esclarecer cabalmente a realidade dos factos invocados nos artigos 1.º a 19.º da petição inicial, ou seja, poderá afigurar-se importante para a descoberta da verdade material.
Ora, a concretização do princípio do inquisitório em direito fiscal abstrai-se de aspectos formais, relevando somente, como vimos, averiguar se determinada diligência é substancialmente útil. Tendo o tribunal a quo optado unicamente por avocar aspectos estritamente formais, alheios à substância do pedido de inquirição (tendo em vista a busca da verdade material), falha na íntegra a fundamentação no despacho interlocutório em análise.

Face ao exposto, o recurso merece provimento, e, por conseguinte, fica prejudicada a decisão do demais fundamento de recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.
Relembra-se que o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC. É manifestamente o caso dos presentes autos.
Vejamos.
Não questionando que, através do depoimento produzido na diligência de inquirição de testemunhas pela testemunha M…, foi identificada a pessoa que elaborou os documentos contabilísticos anexos à PI, o TOC A…, que foi reconhecido através da caligrafia dos documentos e da rubrica do mesmo aposta no canto esquerdo de todas as folhas do anexo 4; nem que o impugnante desconhecia a identidade da pessoa em causa, porquanto à data em que os documentos foram elaborados, em 1987, quem exercia a gerência efectiva da sociedade H… & Filhos, Lda. era o seu pai já falecido, H…; resulta evidente que o provimento do recurso interlocutório tem interesse para o recorrente, já que, na sua óptica, a audição do TOC identificado é essencial para alcançar o cabal esclarecimento dos factos alegados nos artigos 5.º a 19.º da P.I., ou seja, saber se os montantes constituídos a favor dos então sócios H… e I…, que estão na origem da liquidação do imposto sucessório impugnado, correspondem a verdadeiros créditos, ou apenas a créditos fictícios resultantes de deficiente contabilização de valores, resultantes da reavaliação do património da sociedade, efectuada à época.
Saliente-se que o tribunal a quo, para a decisão da causa, não logrou apurar se existia uma efectiva e real correspondência entre o diferencial de valor resultante da reavaliação do imobilizado corpóreo traduzido na divergência de valores entre 31/12/1986 e 01/01/1987 e a reduzida variação, por comparação com aqueles, dos valores de reservas nesses mesmos momentos, por erro de lançamento e atribuição de tal diferencial em partes proporcionais aos sócios da sociedade e inerente lançamento na conta de empréstimos obtidos daqueles.
Por outro lado, na sentença recorrida assumiu-se expressamente que a prova arrolada pelo Impugnante redundou manifestamente insuficiente para afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária determinantes do enquadramento dos montantes transferidos como saldos em seu favor decorrentes da transmissão gratuita das quotas de seus pais.
Na verdade, independentemente do eventual apuramento da verdade material poder vir a revelar-se favorável ou não ao impugnante, em primeira linha, estando em causa uma decisão que lhe é desfavorável, sempre o provimento do recurso interlocutório lhe interessa ostensivamente; podendo ou não, em segunda linha, reflectir-se em modificação da sentença recorrida.
O impugnante defende ser completamente alheio aos “créditos” que a Administração Fiscal considerou terem sido objecto de transmissão gratuita a favor do impugnante e da sua irmã, sustentando que os mesmos resultaram do deficiente lançamento contabilístico dos valores resultantes da reavaliação do património, não tendo resultado, designadamente, de suprimentos que tenham sido feitos à Sociedade.
Contudo, este tribunal de recurso poderá aferir, no contexto dos autos, a sugestão de inquirição da testemunha, ponderar se a diligência solicitada pelo impugnante é útil para o apuramento destes factos e se os mesmos poderão ter influência na decisão do mérito da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
Consta do teor da acta de inquirição de testemunhas – a fls. 153 a 158 dos autos – que foi dada a palavra à ilustre representante da Fazenda Pública para se pronunciar acerca do teor do requerimento para inquirição do referido TOC e que a mesma, no seu uso, disse nada ter a opor ao requerido pelo ilustre mandatário dos impugnantes.
Pelo que nos parece fundamental, para prova dos factos referidos supra e invocados nos artigos 5.º a 19.º da petição inicial, que a mesma possa ser efectuada através da inquirição do TOC identificado. Na verdade, tal inquirição afigurar-se razoável, adequada e útil, uma vez que, não obstante o longo período de tempo já decorrido, terá sido esse TOC que elaborou os elementos contabilísticos anexos à PI. Logo, potencialmente, o seu depoimento permitirá ao tribunal concluir acerca de eventual deficiente lançamento contabilístico dos valores resultantes da reavaliação do património.
Ora, passando a apreciação do mérito da causa por averiguar se determinadas quantias são reais e, por outro lado, se foram transmitidas a título gratuito; considerando a matéria que o tribunal a quo entendeu não apurada, a sua afirmação, na sentença, de inexistência de prova bastante que corroborasse a versão apresentada pelo impugnante e o facto de ambas as partes estarem de acordo quanto à inquirição, forçoso é concluir que se impõe atender o pedido de mais instrução formulado pelo impugnante.
Assim, reitera-se que o recurso merece provimento (cfr. artigo 660.º do CPC), e, por conseguinte, fica prejudicada a decisão do demais fundamento de recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

Conclusão/Sumário

Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.


III. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:
● conceder provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, anulando-o, bem como todos os actos subsequentes com ele incompatíveis;
● julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto relativamente à decisão final;
● ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a fim de se proceder à inquirição da testemunha A… e, após, prosseguirem os autos.
****
Sem custas.

D.N.

Porto, 30 de Setembro de 2014.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Flora
Ass. Pedro Vergueiro