Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/22.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE, SUSPENSÃO;
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA, NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO AO MANDATÁRIO;
INEXIGIBILIDADE, ILEGALIDADE DA DÍVIDA;
Sumário:
I - Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária, em que tenha sido constituído mandatário tributário, são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões.

II - A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, n.º 1, do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT.

III - A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.

IV - Consequentemente, não pode proceder com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT] a oposição à execução fiscal se a alegação que a suporta é a falta de notificação ao mandatário da liquidação adicional que deu origem àquela dívida.

V - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

VI - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação, está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.

VII – A suspensão do decurso do prazo de caducidade para liquidar, que se inicia como a inspecção externa, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção tem duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...66, e «BB», contribuinte fiscal n.º ...95, residentes na Estrada Nacional n.º ..., Bairro ..., freguesia ..., em ..., interpuseram recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 10/04/2023, que julgou improcedente a oposição deduzida contra o processo de execução fiscal n.º ...68 e apensos, instaurado pelo Núcleo de Execuções Fiscais da Direcção de Finanças de ..., para cobrança coerciva de IRS, referente aos anos de 2017 e 2018, no montante de €190.559,38.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Primeira: A obrigação de pagamento constante da liquidação, não era certa, pois não estava concretamente determinada em relação à sua qualidade, não se diferenciando do resto das obrigações fiscais dos oponentes, nem líquida, uma vez que os oponentes não conseguiam descortinar quais os exatos valores que constavam da execução e qual o iter cognoscitivo percorrido pela Administração Tributária para a eles chegar, como também ainda não era exigível, por não se encontrar vencida.
Segunda: Não obstante terem sido expressamente suscitadas, o Sr. Juiz do TAF recorrido não se pronunciou sobre essas concretas questões, sobre as quais tinha a obrigação de se pronunciar, apreciando, conhecendo e decidindo, o que não fez, ocorrendo assim ostensiva omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da sentença, que expressamente se argui e invoca.
Terceira: Afirmando a sentença que os então oponentes foram notificados da ordem de serviço que originou a inspeção em 16/09/2021, e que o prazo de caducidade do direito à liquidação esteve suspenso durante vários meses, a mesma não esclarece que prazo de suspensão foi esse, nem se o prazo de liquidação poderia estar eternamente suspenso, nem sequer porque motivo considerou improcedente a exceção de caducidade oportunamente suscitada, pese embora tenha considerado que os opoentes se considerariam notificados o mais tardar no dia 01/04/2022, não explicita, nem conclui porque motivo, nessa data, não havia caducado o direito à liquidação referente ao ano de 2017.
Quarta: Ocorre, de forma ostensiva e manifesta, a falta de atempada notificação, em 01/04/2022, da liquidação de impostos referente ao ano de 2017, face à verificação da exceção de caducidade daquela liquidação, que expressamente se argui e invoca;
Quinta: Os ora recorrentes suscitaram expressamente a ilegalidade do procedimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao recorrer a meras presunções, e a métodos indiretos e apenas indiciários, para proceder à liquidação dos impostos de 2017 e 2018, e afirmaram expressamente que a AT se estribara em meras suposições, em realidades que apenas ficcionou, sem que as mesmas se mostrassem devidamente fundamentadas, socorrendo-se de métodos cuja utilização a lei não lhe permite, cabendo-lhe o ónus da prova de que se mostravam verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, o que a Administração Tributária não fez.
Sexta: Não obstante terem sido expressamente suscitadas, o Sr. Juiz do TAF recorrido não se pronunciou sobre essa ilegalidade do procedimento e do recurso a meras presunções e métodos indiretos, questões sobre as quais tinha a obrigação de se pronunciar, apreciando, conhecendo e decidindo, o que não fez, ocorrendo assim ostensiva omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da sentença, que expressamente se argui e invoca.
Sétima: Contrariamente ao que anunciara e comunicara, a Autoridade Tributária não notificou o mandatário constituído pelos ora recorrentes, pese embora o tivesse expressamente advertido de que o iria fazer e preceitua a lei que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas, também, na pessoa deste, e no seu escritório, o que no caso concreto não aconteceu, constituindo essa omissão nítida preterição de formalismo legal, que se argui e invoca.
Oitava: Para que as liquidações dos impostos de 2017 e 2018 notificadas aos oponentes fossem julgadas válidas e eficazes, impunha-se que nelas constasse, designadamente, a forma como os ora recorrentes se poderiam opor a tais liquidações e quais os concretos meios de defesa que poderiam utilizar, para desse modo permitir o direito de defesa constitucionalmente garantido, o que não consta, preterição de formalidade que expressamente se argui e invoca.
Nona: Quando apresentaram a petição inicial, os ora recorrentes não tinham conhecimento dos factos alegados na contestação apresentada pela AT, razão pela qual só após este lhes ter sido notificado, e no exercício do seu direito ao contraditório relativamente ao vertido naquele articulado é que os ora recorrentes puderam pronunciar-se sobre aqueles factos, pelo que, contrariamente ao que se considera na sentença recorrida, não existiu qualquer modificação da causa de pedir, tratando-se, tão só, de factos supervenientes, relativamente aos quais foi devidamente explicitada a sua superveniência.
Décima: E mesmo que assim se não entendesse, então deveria o Sr. Juíz a quo, salvo o devido respeito, ter procedido à convolação do processo e ordenado o prosseguimento da ação, dando-se assim cumprimento ao disposto no artigo 208º do CPPT, uma vez que a consequência sempre seria a convolação para a forma processual adequada, uma vez que para tal inexistia qualquer impedimento.
Décima Primeira: O Tribunal recorrido ignorou, positiva e ostensivamente, toda a factualidade alegada pelos opoentes e ora recorrentes para demonstrar a inexistência do imposto face às leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação, bem como a ilegalidade da liquidação, e bem como ignorou, na íntegra, o requerimento probatório apresentado pelos oponentes ora recorrentes, não cuidando de assegurar o efetivo exercício dos direitos de defesa dos opoentes ora recorrentes, escudando-se em questões formais, ao invés de, como deveria, ter procurado alcançar a verdade material.
Décima Segunda: Face ao supra exposto deveria ter sido dado como provado que a liquidação não era certa, liquida e exigível.
Décima Terceira: Deveria ter sido dado como provado que os valores que constam do relatório final são dispares dos valores das liquidações e estes valores.
Décima Quarta: Dar-se como provado que as liquidações não foram notificadas ao mandatário dos oponentes.
Décima Quinta: Que não consta das liquidações a concreta forma como os oponentes se poderiam opor e quais os concretos meios de defesa de que dispunha.
Décima Sexta: Desta forma, também neste ponto, devem ser atendidas as razões dos recorrentes, devendo, em consequência, na procedência do recurso, os autos baixar ao TAF de Mirandela para, aí sim, ser produzida a prova indicada pelos oponentes em sede de oposição, assim permitindo que os mesmos exerçam todos os seus direitos de defesa constitucionalmente garantidos e, após, ser proferida nova decisão, expurgada dos vícios suprarreferidos, de que agora padece a sentença recorrida.
Décima Sétima: Deve dar-se como provado que nunca os opoentes terem falado ou contatado o Sr. «CC», pessoa cuja identidade desconhecem e a frequência com que o oponente «AA» recebe castanhas, desconhecendo em absoluto os produtores das mesmas.
Décima Oitava: Deve dar-se como provado que nunca os opoentes terem pago qualquer quantia ao Sr. «CC», pagando sim aos ditos «ajuntadores», que expressamente identificaram, devendo ser esclarecidos os respetivos procedimentos.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e, a final, julgado procedente, determinando-se a baixa dos autos ao TAF de Mirandela para, aí, após produção da prova que ao caso couber, ser proferida nova decisão, expurgada dos vícios de que agora padece a sentença recorrida.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento ao considerar que é inviável a invocada ilegalidade da liquidação produzir o efeito pretendido de extinção do processo de execução fiscal e que os oponentes foram notificados das liquidações ainda no prazo de caducidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“A. Em 16-09-2021, o Oponente «AA» assinou as ordens de serviço n.ºs ...50 e ...51, pelas quais se procedeu à inspecção de âmbito externo, referente ao IRS dos anos de 2017 e 2018 respectivamente (doc. 3 junto com a contestação - Contestação (120260) Documento(s) (004492447) de 30/09/2022 11:42:18);
B. Em 07-03-2022, o Oponente «AA» recebeu cópia do Relatório Final de inspecção tributária a que se referem as ordens de serviço do ponto A do probatório - Petição Inicial (119360) Requerimento (004486062) Pág. 5 de 18/07/2022 19:47:01;
C. Em 09-03-2022, o mandatário dos Oponentes recebeu cópia do Relatório Final de inspecção tributária a que se referem as ordens de serviço do ponto A do probatório - Petição Inicial (119360) Requerimento (004486062) Pág. 1 de 18/07/2022 19:47:01;
D. Em 17-03-2022, a liquidação de IRS do ano de 2017 dos Oponentes foi remetida para a caixa de correio electrónica viaCTT dos Oponentes - Petição Inicial (119360) Requerimento (004486058) de 18/07/2022 19:47:00 Petição Inicial (119360) Requerimento (004486059) de 18/07/2022 19:47:00;
E. Em 17-03-2022, a liquidação de IRS do ano de 2018 dos Oponentes foi remetida para a caixa de correio electrónica viaCTT dos Oponentes - Petição Inicial (119360) Requerimento (004486060) de 18/07/2022 19:47:00 Petição Inicial (119360) Requerimento (004486061) de 18/07/2022 19:47:01;
F. Em 02-06-2022 foram emitidas citações no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...68 e aps., dirigidas aos Oponentes, para cobrança coerciva de IRS dos anos de 2017 e 2018 , com o valor total de 192.004,72 € - Petição Inicial (119360) Requerimento (004486049) de 18/07/2022 19:46:58 Petição Inicial (119360) Requerimento (004486050) de 18/07/2022 19:46:58 Petição Inicial (119360) Requerimento (004486051) de 18/07/2022 19:46:58 Petição Inicial (119360) Requerimento (004486052) de 18/07/2022 19:46:58;

Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar não provados.
A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC).
O demais alegado não foi nem julgado provado nem não provado por ser conclusivo, matéria de direito, ou não relevar para a decisão da causa.”

2. O Direito

Os Recorrentes começam por assacar à sentença recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que invocaram que a obrigação de pagamento constante da liquidação, não era certa, pois não estava concretamente determinada em relação à sua qualidade, não se diferenciando do resto das obrigações fiscais dos oponentes, nem líquida, uma vez que os oponentes não conseguiam descortinar quais os exatos valores que constavam da execução e qual o iter cognoscitivo percorrido pela Administração Tributária para a eles chegar, como também ainda não era exigível, por não se encontrar vencida; sem que o tribunal “a quo” tenha decidido estas questões.
Vejamos a respectiva invocação na petição inicial:
“I - Da inexistência de dívida certa, líquida e exigível
1° Afigura-se pacífico o entendimento de que o título executivo é a base de qualquer execução, sendo por ele que se determinam os limites da execução, a legitimidade ativa e passiva e percebe se a obrigação que se executa é certa, líquida e exigível.
2° Ora, nos presentes autos o ora oponente «AA» ainda nem sequer foi notificado do relatório final da ação inspetiva de que foi alvo, para, após, se assim entender, deduzir a competente impugnação judicial.
3° O oponente «AA» foi, tão só e apenas, notificado de um projeto de relatório.
4° Sobre o qual oportunamente exerceu o direito de audição prévia que lhe assiste.
5° Tendo esse projeto de relatório sofrido várias correções, não tendo os oponentes sido notificados do relatório final.
6° Desta forma, a obrigação ainda não é certa, pois não está concretamente determinada em relação à sua qualidade, não se diferenciando do resto das obrigações fiscais dos oponentes.
7º Como nem sequer é ainda exigível, pois não se encontra vencida.
8 ° Como também não é, ainda líquida, uma vez que os oponentes não conseguem descortinar quais os exatos valores que constam da execução e qual o iter cognoscitivo percorrido pela Administração Tributária para a eles chegar, isto é, como foram atingidos aqueles valores e não outros
9° O que se invoca para todos os efeitos e consequências legais. (…)”
Ressalta desta invocação na petição de oposição que são únicos factos alegados, que permitiriam conhecer a questão de a dívida não ser certa, líquida e exigível, ter sido notificado somente o projecto de relatório de inspecção tributária, sobre o qual foi exercido o direito de audição prévia, sem que os oponentes tenham sido notificados, subsequentemente, do relatório final de inspecção tributária.
Com a contestação da Fazenda Pública, foram carreados factos e documentos que infirmaram a alegação, mostrando-se reflectido na decisão da matéria de facto que tanto o oponente, como o mandatário dos oponentes, receberam cópia do Relatório Final de Inspecção Tributária – cfr. pontos B e C do probatório.
O que deixaria sem sustentação a alegação da petição inicial vertida nos artigos 1.º a 9.º. Porém, no exercício do direito ao contraditório, os oponentes, aqui Recorrentes, vieram dar a conhecer um novo e diferente circunstancialismo, tendo em vista manter a invocação da inexigibilidade da dívida.
No entanto, o tribunal recorrido considerou ter ocorrido modificação da causa de pedir, não admissível, e que os factos entretanto invocados não configuravam factos supervenientes, pelo que, com esta justificação, absteve-se de conhecer a questão em crise.
Transcrevemos de seguida o discurso fundamentador constante da sentença recorrida quanto a esta aspecto em análise:
“(…) i. Da modificação da causa de pedir
Os Oponentes vieram invocar questões adicionais em sede de requerimento apresentado em contraditório à contestação da Fazenda Pública.
Sumariamente, reconhecendo que a Autoridade Tributária remeteu as liquidações de imposto aos próprios Oponentes e que estes as receberam, defendem que deveriam ter sido notificadas ao seu mandatário constituído em sede de procedimento de inspecção tributária. Mais ainda dizem que estas notificações não cumprem com as formalidades legais e padecem de falta de fundamentação.
Ora, apesar de o argumento da eficácia da notificação da liquidação constituir um dos fundamentos de oposição à execução [enquadrável no art. 204.º/1/i) do CPPT], por originar a inexigibilidade da dívida exequenda, os Oponentes deviam ter invocado este argumento na sua petição inicial. O princípio da estabilidade da instância (hoje previsto no art. 260.º do CPC) impõe ao autor (ou, neste caso, aos Oponentes), o ónus de concentração dos seus argumentos na petição, de modo a permitir à Exequente o exercício efectivo do seu direito de defesa.
Este ónus só não ocorre nos casos em que os vícios alegados sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso presente (vide. Ac. TCAS de 28-09-2017, proc. 436/15.2BELRA), ou quando estejamos perante factos objectiva ou subjectivamente supervenientes (o que também não é aqui o caso).
Como explica Lopes de Sousa, a respeito do processo de impugnação judicial (CPPT Anotado e Comentado, vol. II, 2011, p. 209):
«A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120.º do CPPT. Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268. ° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.° 1 deste art. 108.º do CPPT).»
Veja-se ainda o Ac. do STA de 23-10-2013, proc. n.º 0150713, a respeito dos factos supervenientes:
“Em sede de impugnação judicial, perante factos supervenientes que impliquem conhecimento de vícios que o impugnante não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, é admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no art. 63º do CPTA, ex vi art. 2º, al. e), do CPPT, assim se permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.”
Estas considerações devem aplicar-se, por igualdade de razão, ao processo de oposição à execução fiscal. Relativamente a esta forma processual e às alegações do art. 120.º do CPPT, foi reconhecido pelo Ac. do TCAS de 14-01-2021, proc. 595/10.0BECTB:
Atendendo que a petição inicial é o articulado onde o oponente expõe os fundamentos da acção e formula o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 204º do CPPT), é na petição inicial que o oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, com os fundamentos taxativamente enunciados no art. 204º do CPPT, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o art. 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do art. 2º do CPPT.
Dúvidas não subsistem que os factos relativos a declarações de substituição, a reclamações graciosas e falta de notificação das decisões dessas reclamações graciosas não foram, de todo, alegados na petição inicial mas apenas e só nas alegações escritas, sendo que os mesmos não revestem superveniência que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial.
Pese embora o artigo 588.º, números 1 e 2, do CPC abranja um núcleo de factos supervenientes capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado - factos ocorridos posteriormente (superveniência objectiva) e factos verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte (superveniência subjectiva) – a verdade é que, in casu, não pode aceitar-se a existência de uma superveniência, seja ela objectiva ou subjectiva, devidamente justificada.
Destarte, não constituindo questão superveniente nem de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT aplicável por remissão do nº 1 do art. 211º do CPPT, na medida em que implica alteração da causa de pedir, não é objecto de conhecimento, sob pena de ser violado pelo tribunal a quo, o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º do CPC.
Esta alegação visa um facto que era do conhecimento dos Oponentes à data de apresentação da presente p.i., não valendo como superveniência a não informação do mandatário constituído por parte destes dos documentos que tinham recebido.
Assim, as questões levantadas no requerimento de 17-10-2022 não poderão ser conhecidas nesta sede. (…)”
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Ora, como resulta da reprodução parcial da sentença recorrida que deixámos plasmada supra, o Meritíssimo Juiz “a quo” apontou razões para não apreciar a questão da inexigibilidade da dívida. Como vimos, a decisão da matéria de facto deixa a descoberto que, afinal, a versão final do relatório de inspecção tributária foi notificada e que os oponentes foram notificados das liquidações de IRS, de 2017 e 2018, em cobrança coerciva, e a decisão de fundo revela que não poderia conhecer das questões introduzidas inovadoramente no requerimento em que foi exercido o contraditório (de 17/10/2022) e que os respectivos factos sustentadores não tinham a natureza de “supervenientes”.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
In casu, o tribunal de primeira instância julgou explicitamente não poder tomar conhecimento da questão da inexigibilidade da dívida, uma vez que os respectivos factos sustentadores não foram invocados na petição inicial e não são nem objectivamente, nem subjectivamente, supervenientes. Mas tal opção e a deficiência de que possa eventualmente enfermar esta decisão coloca-se ao nível do erro de julgamento (questão que se situa no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não podendo dizer-se que ocorre a nulidade invocada nas conclusões primeira e segunda das alegações.
Neste recurso, os Recorrentes insistem que só tiveram conhecimento com a contestação dos valores das liquidações, salientando que os desconheciam na data em que apresentaram a petição inicial, logo, somente após esta notícia puderam invocar as divergências e disparidades dos valores liquidados em relação aos valores constantes do relatório de inspecção tributária e alertar que não foram informados dos prazos que tinham para se defender (referência genérica aos normativos legais) ou de quais os meios de defesa que tinham que utilizar (referência a siglas).
Portanto, os Recorrentes aludem a uma superveniência subjectiva dos factos ou seja, em conexão com o momento do seu conhecimento. Todavia, tal defesa apresenta-se muito frágil, considerando a própria alegação na petição inicial, nomeadamente, no artigo 23.º, a propósito da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
Aí se afirma que a AT notificou os oponentes, em 2022, da liquidação de impostos referentes ao ano de 2017, mencionando a falta de notificação atempada, o que deixa a descoberto que, afinal, houve notificação, mas que não terá sido atempada (dentro do prazo de caducidade).
Encontra-se, hoje, firmada a orientação jurisprudencial, entretanto adoptada pelo STA, no sentido de que a ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal. Assim, se, eventualmente, a própria liquidação foi efectuada depois de decorrido o prazo de caducidade, a liquidação é, ela mesma, ilegal, podendo o contribuinte impugnar, com tal fundamento, o acto de liquidação, ou seja, pode tal ser invocado em impugnação judicial, mas não impede que a falta de notificação dessa mesma liquidação do tributo no prazo de caducidade seja fundamento de oposição à execução fiscal, expressamente previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º, do CPPT e, quando se verifique, conduza à procedência da oposição e à extinção da execução.
Do referido artigo 23.º da petição inicial, parece claro que os oponentes pretendiam invocar a situação prevista no artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, tanto assim é que o indicam expressamente no ponto 3 dessa petição de oposição.
Nesta conformidade, a alegação da petição inicial é compatível com a existência de notificação, mas que não terá sido realizada no prazo de caducidade. O que inviabiliza a sustentação de nesse momento processual os oponentes não conhecerem as notificações e que só tomaram nota do seu teor após a contestação.
É nossa convicção a insustentabilidade da superveniência dos factos, pelo que o tribunal recorrido, também por via da motivação que indica na sentença, não poderia conhecer as questões colocadas no requerimento apresentado em 17/10/2022; pelo que a recolocação das mesmas neste recurso se mostra condenada ao insucesso, improcedendo as conclusões oitava, nona, décima segunda, décima terceira e décima quinta.
Independentemente do acerto da decisão recorrida, também para pacificar as partes, deixamos um apontamento acerca da questão essencial que cumpriria apreciar e decidir, na medida em que foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e tem vindo a ser decidida uniformemente, sempre no sentido de que ainda que o sujeito passivo tenha constituído mandatário em sede de procedimento de inspecção, o acto de liquidação que se tenha fundamentado no relatório da inspecção não tem que ser notificado senão ao sujeito passivo, não se impondo, para assegurar a eficácia desse acto tributário e respectiva exigibilidade, a notificação ao mandatário forense (Vide, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 167/18, de 22 de Janeiro de 2020, proferido no processo n.º 915/16.4BEBRG (183/18), de 20 de Abril de 2020, proferido no processo n.º 215/14.4BEPNF, de 14 de Outubro de 2020, proferido no processo n.º 66/15.9BEFUN (74/18), de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 892/18.7BELRA, de 16 de Fevereiro de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 071/19.6BEFUN).
Salientamos, de entre a jurisprudência existente, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Fevereiro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 87/16.4BEFUN.
Não vislumbramos, pois, motivos para divergir desta posição do Supremo Tribunal Administrativo, que acolhemos, por concordarmos com a mesma:
Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões.
A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, n.º 1, do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT.
A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.
Consequentemente, não pode proceder com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT] a oposição à execução fiscal se a alegação que a suporta é a falta de notificação ao mandatário da liquidação adicional que deu origem àquela dívida.
Devendo, por isso, além do mais, ser consideradas improcedentes as conclusões sétima e décima quarta das alegações do recurso.
No entanto, os Recorrentes insistem na nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia acerca de outra questão.
Para tanto, afirmam ter suscitado expressamente a ilegalidade do procedimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao recorrer a meras presunções, e a métodos indiretos e apenas indiciários, para proceder à liquidação dos impostos de 2017 e 2018, bem como que a AT se estribara em meras suposições, em realidades que apenas ficcionou, sem que as mesmas se mostrassem devidamente fundamentadas, socorrendo-se de métodos cuja utilização a lei não lhe permite, cabendo-lhe o ónus da prova de que se mostravam verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, o que a Administração Tributária não fez.
E que, não obstante ter sido expressamente suscitado, o Meritíssimo Juiz “a quo” não se pronunciou sobre essa ilegalidade do procedimento e do recurso a meras presunções e métodos indirectos, questões sobre as quais, na sua perspectiva, tinha a obrigação de se pronunciar, apreciando, conhecendo e decidindo, o que não fez, arguindo, assim, omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da sentença.
Mais uma vez, o tribunal recorrido justifica a falta de apreciação, em concreto, das questões contendentes com a ilegalidade da dívida, decidindo que a ilegalidade do acto exequendo, fora das situações do artigo 204.º/1 do CPPT (como é aqui o caso), é inviável para produzir o efeito jurídico pretendido (a extinção do processo executivo) e, por isso, concluiu pela improcedência deste argumento.
Acentuamos, novamente, que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
In casu, o tribunal de primeira instância explicou cabalmente a razão para não ter convolado o processo em impugnação judicial, meio onde seria viável a apreciação da ilegalidade concreta da liquidação, aludindo às causas de pedir compatíveis com o meio utilizado - a oposição judicial - como sendo a inexigibilidade da dívida e a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, e ao facto de o pedido de extinção do processo executivo ser o pedido para o qual é adequada a forma processual de oposição à execução, pelo que concluiu não ocorrer erro na forma de processo.
Por tudo isto, o tribunal recorrido limitou-se a julgar improcedentes as questões relativas à ilegalidade das liquidações, não se verificando, por isso, nulidade da sentença recorrida.
Novamente, numa atitude pacificadora, sempre diremos que as liquidações que subjazem às dívidas exequendas não tiveram na sua base a determinação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos. Com efeito, dos elementos ínsitos nos autos, verifica-se que foram realizadas apenas correcções aritméticas, portanto, tendo a AT recorrido somente à avaliação directa; sendo, assim, destituído de sentido querer discutir a não verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos.
Salientamos que em nenhum momento os Recorrentes colocam em causa o seguinte julgamento realizado no tribunal de primeiro conhecimento:
“(…) ii. Da legalidade da dívida
Os Oponentes começam por invocar que não foram notificados do relatório final de inspecção tributária (pontos 2 a 5 da oposição), prosseguindo a sua argumentação na análise do conteúdo do presumível projecto de relatório, colocando em causa as várias conclusões que a Inspecção Tributária aí extraiu – v. os pontos 10 a 21 da oposição.
No ponto 24 e ss. os Oponentes invocam expressamente a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda como fundamento [subsumindo-a ao disposto no art. 204.º/1/h) do CPPT], onde defendem que as facturas em causa eram facturas de operações reais.
Nos pontos 25 e ss. da contestação, a Fazenda Pública contrapõe que não é possível a discussão da legalidade da dívida em sede de oposição à execução fiscal, na medida em que esta situação não se enquadra nas situações da al. h) ou i) do art. 204.º/1 do CPPT e que a listagem deste artigo é taxativa. Invoca excepção dilatória inominada.
A este respeito, a Digníssima Magistrada do Ministério Público veio invocar erro na forma de processo, precisamente por considerar que o meio processual adequado à discussão da legalidade da dívida é a impugnação judicial - art. 193.º do CPC.
Regra geral, a legalidade do acto exequendo não é fundamento de oposição à execução, uma vez que se quis distinguir entre a fase executiva (de cobrança coerciva das dívidas tributárias) e fase administrativa (declarativa) dessas mesmas dívidas. Segundo Alberto Xavier (Conceito e Natureza do Acto Tributário, páginas 589-590, apud Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. III, 2011, p. 442-443) o legislador procurou traçar uma nítida linha de separação entre as duas vias paralelas de reacção ao acto tributário: uma, relativa à apreciação da sua correspondência com a lei no momento em que foi praticado - e que é o processo de impugnação; outra, respeitante aos fundamentos supervenientes que possam tornar ilegítima ou injusta a execução por falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências de sub-rogação em que a execução se traduz - e que é a oposição à execução fiscal. Num como noutro processo, o objectivo visado é fazer prevalecer a relação subjacente, a verdade material, sobre a abstracção própria do acto tributário. Mas no caso da impugnação, a abstracção destrói-se pela invocação da ilegalidade do acto; no caso da oposição, pela invocação da ilegitimidade superveniente desse mesmo acto na sua função de título executivo
Há então uma linha divisória clara entre estes dois momentos, e os direitos que se podem fazer valer em cada. Numa primeira fase, o administrado pode fazer a invocação da ilegalidade do acto; passada essa fase, apenas pode fazer valer a invocação da ilegalidade da sua execução coerciva.
Há aqui, todavia, três excepções.
A primeira surge logo na al. a) do art. 204.º/1 do CPPT, e prende-se com a «inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação», ou, por outras palavras, com a inconstitucionalidade ou violação do direito comunitário por parte da norma em que se funda a liquidação.
A segunda surge na al. b), onde se admite como fundamento, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
A terceira surge na al. h), e refere-se às situações nas quais não haja meio legalmente previsto de assegurar a impugnação ou recurso do acto de liquidação.
Como explica o Ac. STA de 16-01-2019, proc. 011/16.4BEAVR 0654/16 (sublinhado nosso),
Assim, as únicas situações que se acolhem à fatti species da referida alínea são aquelas em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou acto administrativo prévio [Situações muito raras, de que o único exemplo recente que conhecemos é aquele em que é instaurada execução com certidão de dívida à Segurança Social com fundamento na constatação da falta de entrega de determinadas quantias por falta de entrega dos meios de pagamento, no prazo legal subsequente ao envio das folhas relativas às remunerações de pessoal, situação em que a lei permite a extracção de certidão de dívida perante a constatação da omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação ...
Nas demais situações, conforme decorre da al. i) do art. 204.º/1 do CPPT, só são fundamento de oposição à execução, aqueles «que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda.»
Assim, e como decorre da jurisprudência supra citada, não é fundamento de oposição à execução fiscal a ilegalidade das liquidações para cuja discussão os Oponentes dispunham da impugnação judicial prevista no art. 102.º do CPPT.
Todavia, tal não se reconduz a erro na forma de processo. O erro na forma de processo, como é sabido, traduz uma desconformidade entre o pedido realizado e a forma processual utilizada – v. o Ac. do TCAN de 04-05-2006, proc. 79/03:
O erro na forma de processo, contemplado no art. 199º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado na acção.
Com efeito, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico Cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, ed., 1999, pág. 262; Antunes Varela, in RLJ 115, pág. 245 e segs; Acórdão do STJ de 12/12/2002, no Rec. 3981/02, in Sumários, 12/2002; Acórdão da R.Coimbra de 14/3/2000, in BMJ 495, pág. 371; Ac. R.Évora de 12/11/98, in Col.Jur. Ano XXIII, T5, pág. 256; Acórdão da R.Lisboa de 19/1/1995, in Col.Jur. Ano XX, T1, pág. 95, e Acórdão da R.Porto de 5/7/1990, in Col.Jur. Ano XV, T4, pág. 201. que é pelo pedido final formulado, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito, pelo que, no caso vertente, será pelo pedido formulado pelo impugnante na petição inicial que se terá de aferir do acerto ou erro do meio processual que utilizou para tal atingir tal desiderato.
Neste caso, como o pedido de extinção do processo executivo é pedido para o qual é adequada a forma processual de oposição à execução, não ocorre erro na forma de processo.
A ilegalidade do acto exequendo, fora das situações do art. 204.º/1 do CPPT (como é aqui o caso), é inviável para produzir o efeito jurídico pretendido (a extinção do processo executivo) e, por isso, deve concluir-se pela improcedência deste argumento – v., neste sentido, Ac. do STA de 18-06-2014, proc. 01549/13. (…)”
O presente recurso não ataca este julgamento, contudo, defende que o tribunal recorrido deveria ter operado a convolação da oposição judicial em impugnação judicial, esquecendo ter sido decidido inexistir erro na forma do processo. Ora, se o tribunal recorrido julgou não ocorrer erro na forma do processo, não se pode sequer falar em convolação, pois, afinal, estamos perante o meio processual adequado a fazer valer a pretensão dos oponentes, que seria a extinção do processo de execução fiscal.
Lembramos que, deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação, está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição – cfr. Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
Assim, no presente processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter, que é “a extinção da execução”; mas a concreta causa de pedir referente à ilegalidade da liquidação não é apta a alcançar tal pretensão. Saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o oponente alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do oponente.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pelos Recorrentes, observa-se que, com os fundamentos vertidos nos artigos 10.º a 21.º e 24.º a 52.º da petição, deve a presente oposição ser julgada improcedente, como o fez o tribunal recorrido, uma vez que essa causa de pedir aí descrita é própria de um processo de impugnação do acto de liquidação.
Nesta conformidade, bem andou a sentença recorrida ao decidir não se verificar o erro na forma do processo. Ora, se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
Nestes termos, impõe-se julgar improcedentes as conclusões quinta, sexta, décima, décima primeira, décima sexta, décima sétima e décima oitava.
Resta, então, apreciar o disposto nas conclusões terceira e quarta das alegações do recurso:
Afirmando a sentença que os então oponentes foram notificados da ordem de serviço que originou a inspeção em 16/09/2021, e que o prazo de caducidade do direito à liquidação esteve suspenso durante vários meses, a mesma não esclarece que prazo de suspensão foi esse, nem se o prazo de liquidação poderia estar eternamente suspenso, nem sequer por que motivo considerou improcedente a exceção de caducidade oportunamente suscitada, pese embora tenha considerado que os opoentes se considerariam notificados o mais tardar no dia 01/04/2022, não explicita, nem conclui por que motivo, nessa data, não havia caducado o direito à liquidação referente ao ano de 2017.
Ocorre, de forma ostensiva e manifesta, a falta de atempada notificação, em 01/04/2022, da liquidação de impostos referente ao ano de 2017, face à verificação da exceção de caducidade daquela liquidação, que expressamente se argui e invoca.
Vejamos a decisão que gera inconformismo nos Recorrentes, estando, desta feita, somente em causa a liquidação relativa ao ano de 2017:
“(…) iii. Da caducidade do direito à liquidação
Alegam os Oponentes que o direito à liquidação caducara, nos pontos 22 e 23 da oposição.
A Fazenda Pública veio contrapor que os Oponentes foram notificados das liquidações de IRS através da caixa de correio postal electrónica viaCTT. Mais invocou o art. 46.º/1 da LGT para avançar que no caso ocorreu uma causa de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação – razão pela qual este prazo não se completara ainda aquando da notificação das liquidações.
O Ministério Público apresentou raciocínio idêntico ao da Fazenda Pública, lembrando o efeito suspensivo da inspecção tributária realizada.
Vejamos.
De acordo com o art. 45.º da LGT (Lei Geral Tributária):
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
No caso em apreço não se duvida que o prazo aplicável é o prazo de 4 anos, contados a partir do termo do ano em que o facto tributário (a obtenção de rendimento) ocorreu – ou seja, a partir de 31-12-2017 para o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) de 2017 e de 31-12-2018 para o IRS de 2018.
Assim poderia efectivamente parecer que o direito a liquidar o IRS de 2017 se encontraria caduco, uma vez que a liquidação só foi remetida por viaCTT em 17-03-2022, e os 4 anos contados a partir de 2017 terminariam em 31-12-2021.
Todavia, como invoca a Fazenda Pública, há ainda que considerar as causas de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade, mais concretamente previstas no art. 46.0 da LGT:
1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspecção.
Pode verificar-se que, no caso sub iudice, os Oponentes foram notificados do relatório de inspecção tributária em 07-03-2022, e o seu mandatário poucos dias depois, em 09-03­2022. Como os Oponentes também foram notificados da ordem de serviço que originou a inspecção em 16-09-2021, verifica-se que, durante este período de tempo, o prazo de caducidade do direito à liquidação se encontrava suspenso (durante vários meses).
Aqui devemos chamar à colação o disposto no art. 39.0/13 do CPPT. Aí se prevê que o referido artigo 39.0 não prejudica a aplicação do disposto no art. 45.0/6 da LGT. De acordo com este normativo:
Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Destarte, para efeitos da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação não há que ter em conta as formalidades e as especificidades do art. 39.0 do CPPT. A lei prevê um regime especial, simplificado, para efeitos da contagem do prazo de caducidade, que se foca na actuação da administração fiscal e se abstrai de acontecimentos subsequentes (p. ex., se o destinatário acede ou não à caixa de correio electrónica).
Tal compreende-se em face da finalidade da caducidade do direito, que se prende com o não uso por parte do titular do direito – art. 298.0 do CC.
Com a remessa das liquidações por viaCTT em 17-03-2022, deve considerar-se que estas foram concretizadas em 21-03-2022 [dia 20 foi domingo – art. 279.º/e) do CC], não tendo caducado o direito à liquidação.
Ainda que se considerasse que estes só tiveram conhecimento das liquidações no 15.º dia subsequente, é claro que o prazo de caducidade não decorrera quando estas foram notificadas das liquidações (v. art. 39.º/10 do CPPT: «As notificações efectuadas para o domicílio fiscal electrónico consideram-se efectuadas no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas, sendo que a contagem só se inicia no primeiro dia útil seguinte, no sistema de suporte ao serviço público de notificações electrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal electrónica da pessoa a notificar.») Os Oponentes deveriam considerar-se notificados o mais tardar dia 01-04-2022.
Não têm razão os Oponentes. (…)”
A questão suscitada, da verificação da caducidade do direito à liquidação na situação de inspecção tributária para apuramento da matéria colectável, não é nova e foi, de facto, já apreciada pelo STA, designadamente nos acórdãos que proferiu em 16/9/2009 no processo n.º 0473/09, em 20/10/2010 no processo n.º 112/10, em 30/11/2010 no processo n.º 669/10, em 3/4/2012 no processo n.º 103/12, em 21/11/2012 no processo n.º 594/12, e em 18/5/2016 no processo n.º 1948/13. Acórdãos onde se firmou jurisprudência no sentido de que a suspensão do decurso do prazo de caducidade, que se inicia com a inspecção externa, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção tem duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final.
Seguindo a jurisprudência supra referida, que se subscreve, e dando atenção ao probatório, desde já se adianta que o presente recurso, também nesta parte, não pode lograr provimento.
A jurisprudência supra referida foi reiterada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 21/09/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01475/15, aí se tendo deliberado o seguinte:
“(…) Jurisprudência que aqui se reitera e sufraga, com a argumentação jurídica já vertida no mencionado acórdão de 20/10/2010, do seguinte teor:
«[…] há que atentar, desde logo no art. 45º da LGT, cujo nº 1 estatui que «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» e cujo nº 4 dispõe, ainda, que o prazo de caducidade se conta, «nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data e que o facto tributário ocorreu...».
E no que aqui releva, há, igualmente, que considerar,
- quer o disposto no nº 1 do art. 46º da LGT, que dispunha, na redacção original, o seguinte:
«1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, de início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação», sendo que, posteriormente, a Lei nº 32-B/2002, de 30/12, alterou a redacção deste nº 1, no sentido de que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação;
- quer o disposto no nº 1 do art. 61º do RCPIT: «1 - Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento», bem como o estatuído no art. 62º deste mesmo diploma:
«1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.
2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.»
Refira-se, finalmente, o disposto no artigo 36º do RCPIT, que, sob a epígrafe «Início e prazo do procedimento de inspecção», dispõe o seguinte:
«1 - O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
2 - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.
3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:
(...)».
Ora, conjugando o teor de todos estes normativos, não pode concluir-se pela razão da recorrente.
Com efeito, como bem aponta o MP, embora estas normas, bem como a norma do art. 36º do RCPIT, também invocado pela recorrente, exprimam alguma imprecisão terminológica na utilização das expressões acção de inspecção e procedimento de inspecção, trata-se de expressões que designam conceitos com conteúdos distintos, mas sem que dessa distinção se possa extrair a consequência jurídica pretendida pela recorrente: de que a suspensão do prazo de caducidade da liquidação cessa com a notificação ao inspeccionado da conclusão dos actos de inspecção e não com a elaboração do relatório final de inspecção (art. 61º nº 1 e 62º nº 1 do RCPIT).
É que, procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62º nºs. 1/2 al. i) RCPIT).
Veja-se, aliás, a jurisprudência a este respeito firmada no ac. de 16/9/2009, rec. nº 0473/09, desta secção do STA, no sentido de que, no que respeita à caducidade do direito à liquidação do imposto e à forma de contagem do prazo de suspensão daquele prazo de caducidade em consequência de acção inspectiva determinada e notificada ainda no decurso daquele primeiro prazo de caducidade, é bem clara a estatuição constante dos arts. 45º e 46º da LGT e 60º e 61º do RCPIT e que «... nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.
Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só (...) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - artigo 45º da LGT -, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.
Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º nº 1 e 2 do RCPIT.»
E veja-se, igualmente, a jurisprudência constante dos acs. deste STA, de 7/12/2005 e de 2/2/2006, nos recs. nºs. 993/05 e 769/05, respectivamente, com o entendimento de que a norma constante do nº 1 do art. 46º da LGT deve ser interpretada com o sentido de que a suspensão do prazo de caducidade se mantém apenas até à data da notificação do relatório final da inspecção (correspondente à conclusão do procedimento inspectivo), se esta se verificar antes do termo do prazo de seis meses, contado a partir da notificação ao contribuinte do início de acção de inspecção externa.
É de concluir, portanto, que não colhe nem a argumentação assente no elemento literal que a recorrente pretende retirar do nº 1 do art. 46º e do nº 3 do art. 63° da LGT, bem como dos arts. 36º e 63º do RCPIT, nem a argumentação assente nos elementos teleológico, histórico e sistemático, também invocados.».
Em consonância com o exposto é, pois, de concluir que, como se julgou no acórdão recorrido, a suspensão do decurso do prazo de caducidade, que começa na data em que se inicia a inspecção externa, nos termos do artigo 46º, nº1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção externa tem uma duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final. E, nesta óptica, estando em causa uma liquidação de IRC do ano de 2003, e estando o decurso do prazo de caducidade suspenso entre 26/11/2007 e 17/4/2008, por via da inspecção externa, mais não restava concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que a notificação da liquidação, em 15/5/2008, ocorreu antes de se completar o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º, nº 1, da LGT.” [fim de citação]
Ora, esta jurisprudência aplica-se integralmente ao caso dos autos onde a notificação do relatório final da inspecção se deve ter por realizada antes do decurso do prazo de 6 meses, prazo limite para a realização da inspecção externa (cfr. pontos A, B e C do probatório).
Assim sendo, uma vez que o início da acção inspectiva foi notificada aos Recorrentes em 16/09/2021 e o relatório do procedimento notificado em 09/03/2022, temos que concluir que o prazo de caducidade se suspendeu pelo período de 174 dias, o que equivale a concluir que o prazo de caducidade do direito de liquidação só terminaria em 24 de Junho de 2022, mas devendo considerar-se notificada a liquidação em 01 de Abril de 2022 (o que não se mostra questionado no recurso), a mesma ocorreu ainda no período de caducidade de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
Por tais razões, falecem por completo as conclusões de recurso dos oponentes, sendo de negar provimento ao mesmo.

Conclusões/Sumário

I - Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária, em que tenha sido constituído mandatário tributário, são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões.
II - A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, n.º 1, do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do CPPT.
III - A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.
IV - Consequentemente, não pode proceder com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT] a oposição à execução fiscal se a alegação que a suporta é a falta de notificação ao mandatário da liquidação adicional que deu origem àquela dívida.
V - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
VI - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de impugnação, está o juiz impedido de ordenar a convolação em processo de impugnação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
VII – A suspensão do decurso do prazo de caducidade para liquidar, que se inicia como a inspecção externa, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção tem duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 07 de Dezembro de 2023

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida