Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00347/19.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ATO DEVIDO; ATO LEGALMENTE DEVIDO PORQUE A SUA PRÁTICA DERIVA DA LEI, DEPENDENDO DA INTERMEDIAÇÃO DE JUÍZOS DE MÉRITO OU DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE ADMINISTRATIVA;
FALTA DE PRÉVIA APRESENTAÇÃO, JUNTO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE, DE UM REQUERIMENTO DIRIGIDO À PRÁTICA DO ATO PRETENDIDO;
FALTA DO PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE INTERESSE EM AGIR EM JUÍZO/ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA DOS RÉUS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
SINDICATO DOS MÉDICOS DO NORTE, com sede na Rua ..., ..., Porto, propôs Ação Administrativa contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP, DIREÇÃO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DO EMPREGO PÚBLICO, ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, IP, INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL, EPE, CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, EPE, CENTRO HOSPITALAR ENTRE DOURO E VOUGA, EPE, HOSPITAL DISTRITAL DE OVAR DR. FRANCISCO ZAGALO, UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE MATOSINHOS, CENTRO HOSPITALAR TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, EPE, CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO, EPE, CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO, EPE, CENTRO HOSPITALAR DO TÂMEGA E SOUSA, EPE e CENTRO HOSPITALAR PÓVOA DE VARZIM/VILA DO CONDE, EPE, todos melhor identificados nos autos, pedindo:
“Termos em que deve a presente Acão proceder por provada e serem as RR condenadas a:
a) A reconhecer a diferença entre os conceitos “regime de trabalho” e “alteração de posicionamento remuneratório” enquanto, este último, exclusivamente afeto a categoria, escalão/nível para efeitos de aplicação da lei 114/2017.
b) Condenar as 1ª a 3ª RR a absterem-se de emanar orientações que contrariem o disposto na lei 114/2014 na interpretação supra aduzida.
c) aplicar a todos os médicos que transitaram das 35 horas para as 40 horas o disposto no art.º 18 da lei 114/2018 para efeito de valorização remuneratória pelo total do período temporal de exercício de funções dentro da categoria e nível/escalão remuneratório.
d) à prática dos actos devidos de comunicação de pontos com respeito por todo o período temporal de exercício das funções dentro da categoria e nível remuneratório.
e) Reconhecer que a pontuação a atribuir releva na categoria e nível em que o médico está inserido, independentemente de ter alterado o respectivo regime de tempo do trabalho de 35 horas para 40 horas.”
Por decisão proferida pelo TAF do Porto julgou-se verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e absolvidos os Réus da instância.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.
O A./Recorrente não pode conformar-se com a decisão produzida pelo Tribunal “a quo” ao pronunciar-se pelo conhecimento da excepção dilatória de falta de interesse em agir, na medida em que, na sua douta pronuncia, o Recorrente deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 67 n.º 1 do C.P.T.A. com a prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática do acto. Estamos na presença de um erro de julgamento.
Dos Pedidos formulados pelo A./Recorrente
2.
O Recorrente formula 5 pedidos, sendo que o primeiro é o verdadeiro pedido da acção, enquanto os restantes decorrem e actuam apenas e no pressuposto do primeiro pedido proceder.
3.
O primeiro pedido é claramente um pedido interpretativo que assenta na necessidade do tribunal se pronunciar sobre a distinção entre regime de trabalho, enquanto sistema normativo que estabelece, nomeadamente, o período normal de trabalho de 35 horas ou 40 horas e as necessárias diferenças remuneratórias por força dos diferentes períodos de trabalho semanal e a aplicação da Lei 114/2017 no seu artigo 18 que estabelece a impossibilidade de se procederem a “progressões e ou valorizações remuneratórias” se no período a que faz referencia o diploma (congelamento das carreiras e proibição de aumentos remuneratórios) os trabalhadores aqui enquadrados tiverem progredido na carreira ou sofrido aumentos remuneratórios por força da respectiva progressão.
4.
As instituições demandadas ARS, ACSS e DGAEP consultadas pelos Hospitais emanaram orientações que determinam a impossibilidade dos médicos que transitaram do regime de trabalho das 35 horas para as 40 horas serem pontuados/avaliados em termos de avaliação de desempenho para efeitos de progressão na carreira, interpretando esta alteração de regime como uma valorização remuneratória.
Este é de facto o cerne da questão. Nos termos do art.º 18 da Lei 114/2017 quando o legislador se refere a progressão ou valorização remuneratória está não a referir-se a alteração de posicionamento dentro da mesma categoria por referencia aos diferentes níveis remuneratórios, ou a passagem do médico de um período de trabalho de 35 horas para as 40 horas, dentro da mesma categoria e nível/escalão, com a consequente alteração de remuneração que mais não é do que o pagamento do acréscimo de horas, deve ser entendido como uma progressão ou valorização remuneratória?
Esta a questão jurídica que levou o A./Recorrente em representação dos médicos seus associados a pedir ao tribunal que se pronunciasse.
5.
Tem interesse em agir o Recorrente/A., dado necessitar de tutela judiciária, o sujeito processual que pretende ver distinguidos os conceitos que confundem regime de trabalho/tempo de trabalho com progressão na carreira/valorização remuneratória, considerando o disposto no art.º 18 da Lei 114/2017 (LOE), assim tutelando a possibilidade jurídica dos seus associados (interesse jurídico) serem abrangidos pelo referido normativo e progredirem na carreira (escopo da norma) aplicando-se a estes o descongelamento previsto na lei.
Artigo 18.º
Valorizações remuneratórias
1 - Para os titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, são permitidas, nos termos dos números seguintes, a partir do dia 1 de janeiro de 2018 e não podendo produzir efeitos em data anterior, as valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes dos seguintes atos:
b) Alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e
mudanças de nível ou escalão;
...//...
2 - Aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, e sem prejuízo do disposto no artigo 42.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, nas situações por este abrangidas, é atribuído um ponto por cada ano não avaliado, ou menção qualitativa equivalente, nos casos em que este seja o tipo de menção aplicável, sem prejuízo de outro regime legal vigente à data.
3 - Aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos.
4 - O número de pontos atribuído ao abrigo dos números anteriores é comunicado pelo órgão ou serviço a cada trabalhador, com a discriminação anual e respetiva fundamentação.
...//...
6 - Nas alterações obrigatórias do posicionamento remuneratório a efetuar após a entrada em vigor da presente lei, quando o trabalhador tenha acumulado até 31 de dezembro de 2017 mais do que os pontos legalmente exigidos para aquele efeito, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório.
7 - As valorizações remuneratórias resultantes dos atos a que se refere a alínea a) do n.º 1 produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018, sendo reconhecidos todos os direitos que o trabalhador detenha, nos termos das regras próprias da sua carreira, que retoma o seu desenvolvimento.
12 - Aos trabalhadores de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, bem como aos titulares dos cargos e demais pessoal que, integrando o setor público empresarial, não se encontre abrangido pelo disposto no artigo 23.º, é aplicável o disposto nos n.os 1 e 8, com as necessárias adaptações, a definir no decreto-lei de execução orçamental.
13 - Os atos praticados em violação do disposto no presente artigo são nulos e fazem incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar.
14 - Para efeitos da efetivação da responsabilidade financeira a que se refere o número anterior, consideram-se pagamentos indevidos as despesas realizadas em violação do disposto no presente artigo.
6.
A Lei dispõe a necessidade da administração agir praticando efectivamente um acto, o acto de contabilização e atribuição de um ponto por cada ano não avaliado em respeito pela determinação legal e a sua comunicação é obrigatória a cada trabalhador (art.º 67 n.º 4 al. a) do C.P.T.A.).
Para além do exposto, e contrariamente ao vertido na douta sentença, impunha-se, na perspetiva do A./Recorrente, a necessidade interpretativa e não similar a discricionária de contrariar a posição da tutela e das restantes RR/Recorridas demandadas de que o normativo em causa se aplicava aos médicos apenas a partir da data em que tivessem alterado o seu regime de trabalho de 35h para as 40 horas considerando que desta forma, apesar de se manterem dentro da mesma categoria e nível/escalão, tinham tido uma alteração remuneratória enquadrável no disposto no art.º 18 da Lei 114/2017.
7.
O pressuposto processual do interesse em agir traduz-se na necessidade objectiva e justificada como é o presente caso de recorrer à acção judicial.
“O interesse processual ou interesse em agir, embora não seja expressamente referido pela lei, consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para, dessa forma, obter um benefício directo, com uma repercussão positiva imediata e actual na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.”
“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso apresenta um benefício para o autor uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “O interesse processual na Acção Declarativa”, 1989, página 6.
No fundo, sobre o interesse em agir, a jurisprudência tem consignado o entendimento de que, é uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há-se ser “digna de tutela jurisdicional” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/01/04, proferido no processo n.º 1761/02.”.
8.
A Recorrente, associação sindical visa assim, através do reconhecimento de direito que peticionou na ação, obter para os médicos seus associados que transitaram do regime de trabalho de 35 horas para as 40 horas semanais, afectados nos seus interesses pela interpretação dada ao art.º 18 da LOE de 2018, por via da desaplicação da mesma, com fundamento que “os médicos que passaram do regime de 35 horas para 40 horas semanais, de acordo com o n.º 6 do art.º 5 do Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de dezembro,...transitaram para uma nova estrutura remuneratória..” o descongelamento da sua progressão na carreira, através da contagem de todo o tempo de serviço dentro da mesma categoria e nível, sem rutura pela alteração do regime de trabalho.
9.
Não pode, assim, em face dos concretos pedidos formulados e da respectiva causa de pedir, tal como configurada na petição inicial, perante as circunstâncias alegadas, deixar de conduzir, a actuação das diferentes entidades demandadas, a um tratamento injusto e injustificado dos médicos que transitaram de regime em relação aos seus colegas que se mantiveram nas 35 horas, abrangidos pela totalidade do tempo dentro da mesma categoria e que lhes permite a subida de escalão ou nível remuneratório.
10.
Esta vantagem/” beneficio” e utilidade do pedido existe e decorre dos médicos aqui representados poderem beneficiar do descongelamento das respectivas carreiras e respectiva progressão, decorrentes da correcta aplicação do art.º 18 da Lei 114/2017.
11.
O conhecimento da excepção dilatória do interesse em agir resulta numa recusa de pronuncia obstando ao conhecimento do mérito da ação.
Nos artigos 27.º a 48.º da PI o A./Recorrente estabelece não só a factologia/ causa de pedir como fundamenta e alega as diferentes responsabilidades das RR. demandadas.
12.
O A./Recorrente anexou documentos da ACSS, ARS e DGAEP e bem assim de inúmeras entidades demandadas confirmando quer a não comunicação de pontos atempadamente e ou comunicação com recusa de aplicação, quer, no que a esta acção diz respeito, a orientação emanada pela DGAEP e seguida pela ACSS e ARS e por sua vez pelas restantes RR de recusar a aplicação da LOE de 2018 (art.º 18) aos médicos que transitaram do regime das 35 horas para as 40 horas.
Da douta fundamentação da sentença de que se recorre resulta que o tribunal “a quo” considerou que o Autor/Recorrente “não alegou nem demonstrou a apresentação de requerimento consentâneo com os pedidos de condenação à prática de acto devido, em especial o primeiro...”. Segundo o mesmo segmento da fundamentação ...” foram apenas apresentados requerimentos esparsos atinentes unicamente à avaliação de desempenho/atribuição de pontos...”.
13.
Sem prejuízo do Autor/Recorrente manter a desnecessidade de apresentação de requerimento alicerçado no disposto no art.º 67, n.º 4 al. a) do C.P.T.A., sempre se dirá que, o Autor apresentou requerimentos para cada uma das entidades demandadas com excepção da tutela, requerimentos esses dos seus associados, ou na ausência de requerimento escrito o comprovativo da resposta de recusa dada ao médico. Não é despiciente afirmar também que os requerimentos referentes “unicamente à avaliação de desempenho/atribuição de pontos” mais não são do que o pedido de aplicação do art.' 18 da LOE de 2018, na interpretação sufragada pelo Autor/Recorrente.
No segundo segmento o tribunal “a quo” fundamenta a falta de interesse em agir na inaplicabilidade do art.º 67, n.º 4, al. a) do C.P.T.A., afirmando que o mesmo “não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que este preceito legal se destina a situações em que a emissão de acto administrativo resulte, sem margem para dúvidas, de norma legal...”.
O art.º 18 da LOE de 2018 é sem dúvida uma norma legal, imperativa de aplicabilidade imediata que inclusive prevê o sancionamento das próprias condutas omissivas, ou contrárias ao aí determinado. (Vd. n.ºs 4 e 13 do art.º 18 da Lei 114/2017)
Concluindo, a falta de cumprimento do art.º 18 LOE de 2018 deve-se ao facto das primeira a terceira RR./Recorrentes terem orientado as demais demandadas no sentido de não haver lugar a progressão na carreira quando os médicos tivessem transitado do regime das 35 para as 40 horas, período que remonta a 2013 (D.L. 266-D/2012 de 31.12), logo impossibilitando a contabilização dos 10 pontos necessários para a progressão, o que na óptica dos mesmos tornava desnecessário qualquer comunicação.
14.
A presente sentença de que se recorre padece de vício de erro de julgamento.
Termos em que e nos mais que suprirão deve a Douta Sentença de que se recorre ser revogada, admitindo-se o prosseguimento do presente procedimento para conhecimento de mérito com a consequente baixa de processo e improcedência da excepção dilatória de falta de interesse em agir,
Com o que se fará Inteira e Sã Justiça.
O MF juntou contra-alegações, concluindo:
1 - O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir, que obsta ao conhecimento de mérito absolvendo os Réus da Instância.

2 - Inconformado com a douta sentença do Tribunal “a quo”, o Recorrente vem alegar que a mesma padece de erro julgamento, que a inquina e tornam necessária a sua Revogação.

3 – Mas, sem que lhe assista razão, como se explicitará infra.

4 - Na sua petição inicial, veio o Autor “(...) defender e solicitar por via interpretativa a condenação da RR supra referenciadas à prática de um ato nos termos da lei e do vinculo contratualmente assumido, que coloque os trabalhadores médicos com Contrato de Trabalho em Funções Públicas que transitaram do regime das 35 horas para o regime das 40 horas ( art.º 5.º n.º 6 do DL 266-D/2012)

5 - Do supra exposto resulta claro, que o pedido do Autor configura uma ação de condenação à prática do ato devido, nos termos do artigo 66.º n.º 1 do CPTA, segundo o qual, “A Acão administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.”

6 - Uma vez que estamos perante um ato legalmente devido porque a sua prática deriva da lei, dependendo da intermediação de juízos de mérito ou de conveniência e oportunidade administrativa, podendo, como efetivamente ficou demonstrado, o órgão administrativo recusar o ato.

7 - Assim sendo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 67.º do CPTA, a propositura da correspondente ação administrativa de condenação à prática de ato devido pressupõe a prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática do ato pretendido, cuja ausência implicará, por falta do pressuposto processual de interesse em agir em juízo a absolvição da instância dos Réus.

8 – Tendo ficado demonstrado que o Autor não apresentou previamente o requerimento dirigido às entidades, terá que se concluir que não se encontra preenchido o pressuposto para a propositura da presente ação, logo não estamos perante uma situação que mereça tutela judicial, nem por conseguinte, interesse em agir em juízo.

9 - Nestes termos, andou bem o Tribunal “a quo”, quando julgou verificada a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir, com a consequente absolvição das Entidades Demandadas da instância, cfr. previstos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578, 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil (CPC) e 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPTA).

10 – Mesmo que o Autor tivesse procedido à entrega do requerimento, o que não se concebe, o Tribunal “a quo” teria sempre que analisar as demais exceções invocadas em sede de contestação pelos Réus, nos seguintes termos:

A) Exceção Dilatória – Ilegitimidade Ativa:

11 - De acordo o artigo 30.º do CPC é parte legitima quem tiver interesse em demandar do lado ativo, aferindo-se pela utilidade que a respetiva ação possa produzir, devendo a utilidade aferir-se em função dos factos trazidos para os autos, pelas partes, independentemente do enquadramento jurídico gizado nos respetivos articulados tendo em vista a procedência de um determinado pedido formulado.

12 - O A., um sindicato, intentou uma ação alegando fazê-lo em “(...) defesa dos direitos e interesses coletivos e para defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos (...)” dos seus associados.

13 - Ora, no caso da ação em apreciação, as pretensões aqui deduzidas apenas interessam a um grupo restrito de trabalhadores e não a todos os trabalhadores sindicalizados.

14 - Em conformidade com o exposto, no caso dos interesses individuais, o trabalhador é em primeira linha quem titula tal relação, que lhe é própria, que é pessoal e em que o Sindicato age em sua representação.

15 - Logo, para poder demonstrar ter interesse em representar o trabalhador, ou trabalhadores individualmente considerados, em juízo, para dirimir a sua relação material controvertida, o sindicato carece de identificar em concreto o, ou, os trabalhadores e os seus interesses individuais ou pessoais.

16 - Desta feita, a legitimidade ativa dos sindicatos, não obstante dever ser amplamente reconhecida, não os desonera, no caso de figurarem em juízo com uma ação em que a causa de pedir e os pedidos visam a tutela coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que visam representar, de virem a juízo identificar esses concretos trabalhadores, a fim de se poder apreciar da sua legitimidade ativa enquanto representantes daqueles, do interesse em agir e dos restantes pressupostos processuais.

17 - A ilegitimidade ativa resulta numa exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da ação e que, caso não seja suprida dará lugar à absolvição da instância, nos termos dos n.ºs 1 e 2, e alínea e) do n.º 4, todos do artigo 89.º do CPTA.

B) Sucessão legal de Entidades

18 – Decorrente da Lei Orgânica do XXII Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro, a área Governamental atinente a Modernização do Estado e Administração Pública que em anterior modelo Governativo integrava a área Governamental das Finanças, deixou de integrar esta área governamental, como resulta das disposições conjugadas das alíneas d) e h) do artigo 2.º, n.º 5 e 9 do artigo 3.º, e artigos 17.º e 21.º do diploma acima referido.

19 - Assim, em resultado das referidas alterações, a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) que à data da propositura da ação, encontrava-se integrada no Ministério das Finanças, por força da alínea g) do artigo 4.º da lei orgânica do Ministério das Finanças, com as alterações entretanto introduzidas, passou a estar integrada no âmbito do Ministério da Modernização do Estado e Administração Pública, cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro.

20 - Razão pela qual se nos afigura terem cessado supervenientemente, por força da lei acima mencionada, os pressupostos para o Ministério de Estado e das Finanças continuar como entidade demandada nos presentes autos.

21 - Assim sendo e afigurando-se-nos estarmos perante uma sucessão legal entre áreas Governativas, solicita-se que os autos prossigam apenas contra o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, invocando-se expressamente para o efeito o disposto nos artigos 88.º e alínea e) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, devendo o MEF ser absolvido da presente instância, ou então, com as devidas adaptações ser declarada a sucessão entre áreas Governamentais, por força do disposto nos artigos 262.º e 351.º e seguintes do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Caso assim não se entenda, o que não se concebe,

C) Exceção Dilatória – Ilegitimidade Passiva

22 - O Ministério das Finanças não é parte na relação material controvertida, porquanto não lhe pode ser pedido para praticar os atos que o sindicato pretende ver praticados.

23 - Atenta a missão da DGAEP, é sua atribuição a emissão de orientações gerais no âmbito das politicas de gestão de recursos humanos.

24 - Não possuindo quaisquer atribuições para analise e definição de medidas específicas para os estabelecimentos e serviços de saúde do Ministério da Saúde.

25 - Termos em que, não possui igualmente quaisquer competências para a decisão de situações concretas do âmbito laboral daquele setor da saúde.

26 - Sendo que, apenas a ACSS é competente para emitir orientações e instruções, sobre as matérias laborais atinentes à área da saúde.

27 - Como sejam, entre outras “Promover a aplicação das medidas de política de organização e de gestão de recursos humanos definidas para a Administração Pública, coordenando e apoiando os serviços e organismos do MS na respetiva implementação, bem como emitir pareceres em matéria de organização, recursos humanos e criação ou alteração de mapas de pessoal;”, vide https://www.sns.gov.pt/entidades-de-saude/administracao-central-do-sistema-de-saude/.

28 - Assim sendo, este MF não teve qualquer intervenção, nem tão só no âmbito da emissão de orientações cuja competência será sempre da ACSS, nem tão pouco no âmbito da relação material controvertida.

29 - Razão pela qual este MF não deve constar como Réu, uma vez que não pode apreciar ou emitir qualquer decisão sobre a matéria controvertida por carecer de competência para o efeito, sob pena de podermos estar perante um ato inválido, proferido em violação de lei.

30 - Assim sendo, os atos jurídicos cuja eventual prática se peticiona na presente, não se referenciam a atribuições do MF, termos em que, a este não pode ser assacada qualquer eventual responsabilidade seja pela prática, seja pela omissão, ou dever de praticar qualquer ato.

31 - A ilegitimidade, neste caso passiva, do MF, consubstancia uma exceção dilatória, que é de conhecimento oficioso, dando lugar à absolvição da instância, vide n.º s 1 e 2 e alínea e) do n.º 4, todos do artigo 89.º do CPTA.

32 - Em face de todo o exposto bem andou o Tribunal “a quo” ao julgar verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir, e em consequência absolver os Réus da Instância.

33 - Mais, se diga, que mesmo que o Autor tivesse apresentado o referido requerimento, o que não se concebe, teriam sempre que ser julgadas verificadas as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, invocadas em sede de contestação;

34 – E por último, estando nós perante uma sucessão legal entre áreas Governativas, os autos deveriam prosseguir apenas contra o ministério da Modernização do Estado e da administração pública, cfr o disposto nos artigos 88.º e alínea e) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA devendo o MF ser absolvido da presente instância, ou então, com as devidas adaptações ser declarada a sucessão entre áreas Governamentais, por força do disposto nos artigos 262.º e 351.º e seguintes do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o suprimento, deverá a decisão recorrida ser mantida, por legal, não se concedendo provimento ao presente recurso.
Com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça!

Também ACSS, IP juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se in totum o Despacho Saneador, com as legais consequências.
O Senhor Procurador Geral Adjunto não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) O Autor, enviou os seguintes requerimentos, dirigidos a alguns dos Réus, juntos com a Petição Inicial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
DE DIREITO
É objecto de recurso o saneador - sentença que ostenta este discurso fundamentador:
Atento o pedido deduzido, a presente ação não pode deixar de ser configurada como uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido, com o fundamento de que a entidade administrativa não proferiu decisão dentro do prazo legalmente estabelecido, nos termos do disposto no artigo 67.°, n.° 1, do CPTA, e, em concreto, da sua alínea a), que estabelece que “1 - A condenação à prática de ato administrativo pode ser pedido quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir: a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido (...)” .
Um dos tipos de situações em que pode ser deduzido o pedido de condenação à prática de ato administrativo é, precisamente, aquele que se encontra previsto no n.° 1 do artigo 67.° do CPTA.
Assim, sempre que um interessado seja titular do poder de exigir a prática de um ato administrativo, a propositura da ação de condenação à prática desse ato pressupõe, portanto, nos termos do n.° 1 do artigo 67.° do CPTA, a prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática desse ato. O artigo 67.°, n.° 1, do CPTA, para que o processo possa ser utilizado, começa por exigir um procedimento prévio, de iniciativa do interessado, em regra, um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter a prática de um ato administrativo.
Segundo Mário Aroso de Almeida “Da apresentação do requerimento depende a constituição da Administração no dever de praticar o acto devido – pelo menos para o efeito (processual) de habilitar o interessado à propositura da correspondente acção de condenação, dado que a apresentação de requerimento representa, nestes casos, um requisito de cuja observância depende a existência de uma situação de necessidade de tutela judicial e, portanto, a constituição de um interesse em agir em juízo. Na ausência da apresentação de requerimento, faltará, portanto, no tipo de situação a que nos estamos a referir, o requisito do interesse processual, pelo que uma eventual acção de condenação que seja proposta nessas circunstâncias deverá ser, em princípio, rejeitada por falta desse pressuposto processual” – cfr. autor cit., Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2.ª edição, 2016, páginas 306 e 307. No mesmo sentido, cfr, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa Lições, Almedina, 14.ª edição, 2015, páginas 266 e 267.
O interesse em agir, que Manuel de Andrade apelida de “interesse processual” [cfr. Noções Elementares do Processo Civil, 1979, página 79] havendo quem fale de “causa legítima da acção” [Invrea, «Interesse e Azione» na «Revista di Diritto Processuale Civile», V , 1928, I, p 320], ou em “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir ou necessidade de tutela jurídica” – consiste, basicamente, e como resulta de todas estas designações, no interesse de utilizar a máquina judiciária, ou na necessidade de recorrer ao processo. Por isso, diz Manuel de Andrade, o mesmo consiste em estar “o direito do demandante carecido de tutela judicial; é o interesse de utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo”.
No caso concreto, o Autor não alega, nem demonstrou, após convite do Tribunal para o efeito, a apresentação de requerimento consentâneo com os pedidos de condenação à prática de ato devido, em especial o primeiro (foram apenas apresentados requerimentos esparsos atinentes unicamente à avaliação de desempenho/atribuição de pontos), ónus esse que lhe competia (artigo 342.°, n.° 1, do Código Civil). Mesmo que tivesse apresentado aquele requerimento, que não se concebe, ainda assim teria ainda de se apreciar se se encontravam cumpridos os prazos de propositura da ação, bem como diga-se, a restante matéria de exceção invocada.
Inexistindo requerimento que tivesse sido rececionado nos serviços das Entidades Demandadas, impera concluir que as mesmas não ficaram constituídas no dever legal de decidir, para o efeito de habilitar o Autor à propositura da presente ação de condenação.
Logo, não se verifica na situação em apreço necessidade de tutela judicial, nem, por conseguinte, interesse em agir em juízo.
De igual forma não procede a argumentação do Autor de que a presente ação foi apresentada à luz da alínea a) do n° 4 do art° 67° do CPTA, uma vez que aquele preceito legal, dispensando a apresentação de requerimento quando “não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei”, não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que este preceito legal se destina a situações em que a emissão de ato administrativo resulte, sem margem para dúvidas, de norma legal, sem qualquer necessidade de pronúncia discricionária/interpretativa da administração, o que não sucede no caso concreto, atentos os pedidos condenatórios apresentados e alegação do Autor, designadamente no art° 4° da Petição Inicial, no qual se refere que se pretende a condenação dos Réus à prática do ato devido “por via interpretativa”.
(…)
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É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, cremos que carece de razão o Recorrente.
Vejamos,
O saneador - sentença ora em crise afigura-se como correto e não merecedor de qualquer censura.
Assim, e em mero acrescento da decisão recorrida, cabe referir o seguinte:
O Recorrente fundamenta o presente recurso no facto de o Tribunal a quo ter errado ao não aplicar in casu o artigo 67.º/4/a) do CPTA, por entender que as ações de condenação à prática de ato administrativo podem ser intentadas quando, mesmo não tendo sido apresentado requerimento, a entidade demandada não tenha emitido um ato administrativo que resultava da lei.
Porém, sem razão, porquanto o regime referido no mencionado artigo 67.º/4/a) do CPTA não é aqui aplicável.
Note-se que, com os presentes autos, o Autor pede que as entidades demandadas sejam condenadas a “(...) reconhecer a diferença entre os conceitos “regime de trabalho” e “alteração de posicionamento remuneratório” enquanto, este último, exclusivamente afeto a categoria, escalão/ nível para efeitos de aplicação da lei 114/2017”.
Naturalmente, e atendendo ao pedido de condenação das Entidades Demandadas em emitirem ato devido onde efetuam um determinado reconhecimento interpretativo, isso significa que a prolação do ato pretendido envolve um juízo, a prolação de um juízo discricionário / interpretativo.
Assim, e seguindo a jurisprudência deste TCAN, constante do Acórdão proferido em 13.11.2020, no âmbito do processo nº 01283/16.0BEAVR, é manifesto que o referido artigo não aplicável ao caso dos presentes autos. Isto porque, no referido acórdão, conclui-se que todos os atos que não sejam estritamente vinculados e que dependem “de um conjunto de apreciações que se façam, não só quanto ao sentido da decisão, mas também e principalmente quanto ao momento dessa eventual efetivação”, não está excluídos da “necessidade de prévia apresentação da pretensão junto da Entidade Administrativa competente”.
Desta forma, bem andou o Tribunal a quo ao considerar e decidir que,
“De igual forma não procede a argumentação do Autor de que a presente ação foi apresentada à luz da alínea a) do nº 4 do artº 67º do CPTA, uma vez que aquele preceito legal, dispensando a apresentação de requerimento quando “não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei”, não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que este preceito legal se destina a situações em que a emissão de ato administrativo resulte, sem margem para dúvidas, de norma legal, sem qualquer necessidade de pronúncia discricionária/interpretativa da administração, o que não sucede no caso concreto, atentos os pedidos condenatórios apresentados e alegação do Autor, designadamente no artº 4º da Petição Inicial, no qual se refere que se pretende a condenação dos Réus à prática do ato devido “por via interpretativa”.
Em suma,
Na petição inicial, veio o Autor “(...) defender e solicitar por via interpretativa a condenação dos RR supra referenciados à prática de um ato nos termos da lei e do vínculo contratualmente assumido, que coloque os trabalhadores médicos com Contrato de Trabalho em Funções Públicas que transitaram do regime das 35 horas para o regime das 40 horas ( art.º 5.º n.º 6 do DL 266-D/2012);
Do supra exposto resulta claro, que o pedido do Autor configura uma ação de condenação à prática do ato devido, nos termos do artigo 66.º n.º 1 do CPTA, segundo o qual, “A Acão administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.”;
Uma vez que estamos perante um ato legalmente devido porque a sua prática deriva da lei, dependendo da intermediação de juízos de mérito ou de conveniência e oportunidade administrativa, podendo, como efetivamente ficou demonstrado, o órgão administrativo recusar o ato;
Assim sendo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 67.º do CPTA, a propositura da correspondente ação administrativa de condenação à prática de ato devido pressupõe a prévia apresentação, junto da autoridade administrativa competente, de um requerimento dirigido à prática do ato pretendido, cuja ausência implicará, por falta do pressuposto processual de interesse em agir em juízo a absolvição da instância dos Réus;
Tendo ficado demonstrado que o Autor não apresentou previamente o requerimento dirigido às entidades, terá que se concluir que não se encontra preenchido o pressuposto para a propositura da presente ação, logo não estamos perante uma situação que mereça tutela judicial, nem por conseguinte, interesse em agir em juízo;
“É pacífico que o pressuposto processual do "interesse em agir" exige "a verificação objectiva de um interesse real e actual, isto é, da utilidade na procedência do pedido. - cfr. Vieira de Andrade in A Justiça Administrativa, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pág. 268;
No mesmo sentido se pronunciam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha ao afirmarem que “o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de uma qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto ou com um interesse meramente académico de ver o caso definido pelos tribunais, exigindo-se uma situação de incerteza objectiva e grave, que resulte de um facto exterior e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria” (...) “ Este pressuposto exige, portanto, a verificação objectiva de um interesse real e actual, que se deverá traduzir na utilidade da procedência do pedido, e que se encontra interligado à ideia de economia processual” - em Comentário ao CPTA, 3ª ed. revista, 2010, pág. 260” e o Acórdão do TCA Sul de 21/03/2019, proc. 317/18.8BELSB-A;
“O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.”;
O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”.
Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão” - Acórdão deste TCA Norte de 21/05/2021, proc. 01606/19.0BEPRT;
“Existem duas razões ponderosas que justificam a autonomização do interesse em agir: evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo para organizarem a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e evitar a sobrecarga dos tribunais, com acções desnecessárias.” - Acórdão do TCAN de 15/10/2010, proc. 00049/10.5BECBR;
Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou se fazer prosseguir a ação - mas não mais do que isso (cfr. Varela, Antunes, Bezerra, J. Miguel e Nora, Sampaio em “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 181), [necessidade essa], que só existe quando o interessado puder retirar do processo uma vantagem imediata para si;
“Terá de existir uma real e actual necessidade de lançar mão do processo (como assinala Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Almedina, vol. I, 1981, pág. 13, nota 1, “Não existe acção para as meras questões de direito, os chamados moot-cases”, desprovidos de utilidade prática), para obter uma “utilidade ou vantagem imediata” (art.° 39°, n.° 1, do CPTA); o processo não é instrumento de simples indagação académica; o tribunal também não é órgão de consulta.” - Acórdão deste TCAN de 27/11/2020 no proc. 00756/15.6BECBR.
Nestes termos, andou bem o Tribunal a quo, quando julgou verificada a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir, com a consequente absolvição das Entidades Demandadas da instância, (cfr. os artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578, 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil (CPC) e 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPTA).
Improcedem as Conclusões das alegações o que culminará na manutenção no ordenamento jurídico da decisão sob escrutínio.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Sem custas, uma vez que o Recorrente delas se encontra isento (artigos 527º do CPC e 4º/1/f) do RCP).
Notifique e DN.

Porto, 19/01/2024

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Rogério Martins (com o seguinte “voto de vencido”:

Voto vencido a posição que fez vencimento neste acórdão pelas seguintes razões:

No caso não se verifica a falta de interesse em agir porque os Réus não reconhecem o direito arrogado pelo Autor em relação aos trabalhadores que representa, tanto assim que apresentaram contestação na acção e contra-alegações no presente recurso.

Poderia considerar-se a verificação de uma excepção inominada, pela falta de apresentação de requerimento em sede administrativa que seria pressuposto substantivo para a acção.

Mas nem esta se verifica.

Como se refere no recente acórdão de 15.12.2023 no processo 50/22.6 PNF:

“E se é certo que, como regra, deve o particular apresentar previamente requerimento que constitua o órgão competente no dever legal de decidir – n.º1 deste preceito – também se prevê que a condenação à prática do acto devido pode ser pedida sem ter sido apresentado previamente requerimento quando, numa de duas hipóteses, não tenha sido cumprido o dever de emitir acto administrativo que resultava directamente da lei, como é o caso da continuidade da inscrição do Autor na Caixa Geral de Aposentações – n.º 2 alínea a) do mesmo preceito.”

No caso concreto está em causa um direito que, segundo alegado pelo Autor, resulta directamente da lei, “(...) reconhecer a diferença entre os conceitos “regime de trabalho” e “alteração de posicionamento remuneratório” enquanto, este último, exclusivamente afeto a categoria, escalão/ nível para efeitos de aplicação da lei 114/2017”.

O arrogado direito resulta de uma determinada interpretação da lei, mas, em todo o caso, resulta directamente da lei.

Não há aqui qualquer discricionariedade técnica, administrativa ou de oportunidade de aplicação ou não, ou quando, da lei.

Julgaria por isso improcedente esta excepção e determinaria a baixa dos autos para conhecimento de mérito se nada mais a tal obstasse.)