Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01059/08.8.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS MINERO-MEDICINAIS; ALVARÁ; CONTRATO ADMINISTRATIVO; DIREITOS ADQUIRIDOS.
Sumário:1-Com os Decretos-lei 90/90 e 86/90, ambos de 16/03, as concessões para a exploração das nascentes de águas minero-medicinais deixaram de ser tituladas por alvará e de terem duração ilimitada, passando a impender sobre as concessionárias a obrigação de celebrar contrato administrativo como elemento fundamental de titulaçao dos direitos adquiridos, com a indicação obrigatória do prazo da concessão, subsistindo a anterior relação de modo precário, na condição da celebração do contrato e até à respetiva outorga.

2- A recusa da concessionária em celebrar o contrato traduz o incumprimento de um ónus de reformulação do título de concessão que determina a revogaçao do alvará e a extinção da concessão.

3- A previsão de um prazo de 50 anos no contrato administrativo para a concessão de exploração, suscetível de ser renovado por dois períodos de 20 anos cada um, não viola os direitos adquiridos da concessionária, cuja salvaguarda é expressamente acautelada nos artigos 46.º do DL 90/90 e 58.º do DL 86/90.

4-A proteção da confiança no sentido da preservação dos direitos adquiridos não possui o alcance de inviabilizar toda e qualquer alteração de regime jurídico, impondo concessões de exploração das águas minerais com carácter perpétuo e a título gratuito. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., S.A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I – RELATÓRIO

1.1. E., S.A., moveu ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO, pedindo a « anulação do despacho, assinado por C. em nome do Sr. Director-Geral da Direcção Geral de Energia e Geologia (adiante abreviadamente designada por DGGE) que concedeu à Autora o prazo de 60 dias para proceder à assinatura do contrato de concessão proposto pela DGGE sob pena de “revogação do Alvará e extinção da concessão”, notificado à Autora por ofício registado com AR, datado de 4.04.2008 e recebido em 9.04.2008 (DOC. 1 junto com a p.i.; O reconhecimento do direito da Autora à perpetuidade da concessão, a consagrar no novo contrato a outorgar ou, pelo menos, do direito a um prazo não inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos cada; Assim não se entendendo, a condenação do Réu no pagamento da indemnização devida pela alteração unilateral de um dos elementos essenciais da concessão – o prazo de vigência – em montante a liquidar em sede de execução de sentença.”

Para tanto, alegou, em síntese, que o despacho impugnado padece de erro nos pressupostos, por violar as disposições que regem esta matéria, e por violar princípios a que o agir administrativo se encontra vinculado, entre os quais os da legalidade, da proteção da confiança e da boa-fé, uma vez que, é titular de um direito de concessão à exploração das “Termas de (...)”, titulado por alvará que lhe atribuiu licença para essa exploração gratuita e perpetuamente, razão pela qual não podem os DL 90/90 e 86/90 alterar os seus direitos adquiridos, que, aliás, estão salvaguardados por disposições desses diplomas, forçando a autora à outorga de um contrato no qual se prevê a manutenção do seu direito à exploração das referidas “Termas de (...)” mas por um período de 50 anos, renovável por dois períodos de 20 anos cada um. Em seu entender, não resultando dos referidos diplomas nenhuma indicação quanto ao prazo, no mínimo esse prazo devia ser de 90 anos, com duas renovações de 20 anos cada uma, o que corresponderia a perpetuidade da concessão.
Para o caso de assim vier a ser entendido, então tem direito a perceber uma indemnização pelos prejuízos que daí derivam para a sua esfera jurídica.

1.2. Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que com a publicação dos D.L. n.ºs 86/90 e 90/90, de 16/03 que vieram proceder à alteração do regime jurídico do aproveitamento dos recursos geológicos e, em especial, das águas minerais naturais, impõe-se à autora a celebração de um contrato de concessão nos termos e condições previstas nos referidos diplomas, ou seja, sujeito à estipulação do prazo inicial de 50 anos para a concessão, renovável por dois períodos de 20 anos cada um, pugnando pela improcedência da ação.

1.3. Proferiu-se despacho saneador e ordenou-se a notificação das partes para alegarem, querendo.

1.4. As partes apresentaram alegações, reiterando no essencial a posição já enunciada nos respetivos articulados.

1.5. Em 09.02.2012 foi proferida sentença pelo juiz relator do TAF de Braga que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados, e condenado a autora em custas.

1.6. Inconformada com a referida sentença a autora interpôs recurso jurisdicional da mesma para o TCAN, invocando nas respetivas alegações, em síntese: (A) nulidade da sentença recorrida por (i) total falta de fundamentação, e por (ii) omissão de pronúncia, invocando ainda, (B) errónea interpretação e aplicação dos dispositivos legais e constitucionais aplicáveis ao caso submetido a julgamento

1.7. Notificado para os termos do recurso, o recorrido apresentou contra-alegações sustentando a inteira correção e legalidade da sentença proferida pelo TAF de Braga.

1.8. Proferiu-se despacho de admissão do recurso e os autos subiram ao Tribunal Central Administrativo do Norte.

1.9. Em 14.03.2103 o TCAN proferiu acórdão pelo qual decidiu não tomar conhecimento do recurso jurisdicional e ordenou a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância a fim do seu objeto ser apreciado, a título de “reclamação” pelo Coletivo de Juízes a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito nesta ação administrativa especial.

1.10. Recebidos os autos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em cumprimento do Acórdão proferido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e 92.º do CPTA, foram os autos remetidos a vistos aos Senhores juízes adjuntos que integram o coletivo de juízes, em ordem a apreciar os fundamentos da Reclamação apresentada.

1.11. Em 28.02.2014 o coletivo de juízes do TAF de Braga julgou a reclamação improcedente, nos seguintes termos:
«Pelo exposto, julga-se a Reclamação totalmente improcedente, mantendo-se inteiramente a decisão reclamada.
Sem custas

1.12. Inconformada com a decisão proferida pelo TAF de Braga, a Autora interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
«
1. A decisão recorrida, ao remeter parra o entendimento sufragado no Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 1994, sufragou entendimento claramente ilegal por contrário à lei e à Constituição;
2. Note-se, por outro lado, que a Autora, ora Recorrente, juntou nos presentes autos, um Parecer do ilustre Constitucionalista Professor Gomes Canotilho, em sentido contrário ao parecer da Procuradoria, o qual foi, pura e simplesmente, ignorado pelo tribunal recorrido.
3. Sendo certo que, havia já apresentado junto do Réu, outros quatro pareceres jurídicos, de ilustres e reconhecidos administrativistas, que constam igualmente dos autos, a saber os pareceres do Dr. Mário Esteves de Oliveira, do Dr. José Osvaldo Gomes, Parecer do Professor Freitas do Amaral e do Dr. Vítor Alves Coelho, os quais foram totalmente ignorados pelo tribunal recorrido.
4. Da evolução legislativa do regime jurídico das concessões de exploração de águas minero-medicinais resulta que inicialmente previa as águas minero-medicinais e respectivas nascentes eram objecto de propriedade privada;
5. O Código Civil de Seabra admitiu a possibilidade de imposições e restrições de natureza administrativa, prevendo que nesse caso, as restrições aos direitos de natureza privada dariam lugar ao pagamento de indemnizações aos seus titulares;
6. Com o Decreto de 30 de Setembro de 1892, o aproveitamento dos depósitos das substâncias minerais estava dependente de autorização do Governo que assumiria a forma de alvará ou de contrato de concessão consoante se tratasse de águas inseridas no domínio público ou no domínio particular, sendo certo que tal autorização assumia sempre carácter perpétuo;
7. Com a entrada em vigor do Decreto nº 5 787-F, de 10 de Maio de 1919, são integradas no domínio público do Estado as nascentes de águas minero-medicinais cuja exploração podia ser entregue a particulares através de titulo definitivo, tendo-se dado, assim, com o referido Decreto nº 5 787-F, de 10 de Maio de 1919, uma autêntica expropriação dos direitos dos até então proprietários privados das nascentes de águas minerais, devendo entender-se, em nossa opinião, que tal expropriação conferia, por efeito do disposto no artigo 445º do Código de Seabra, direito ao pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes desta regulação administrativa;
8. A generalidade dos diplomas que foram sendo publicados sobre esta matéria previram a salvaguarda dos títulos de concessão anteriormente emitidos;
9. O regime descrito manteve-se, na essência, até à entrada em vigor dos Decretos-lei nºs 86/99 e 90/90, de 16 de Março que vêm estabelecer que a exploração das nascentes de águas minero-medicinais é feita através de contrato de concessão temporalmente limitado;
10. Ao contrário do que sucede para a generalidade das concessões, os diplomas em causa não contêm a imposição de pagamento de uma taxa como contrapartida pela concessão, não obstante preverem a possibilidade de inclusão, no contrato de concessão, como obrigação do concessionário, do pagamento de compensações ao Estado (artigo 20º, al. d), ponto II do Decreto-lei nº 86/90);
11. Os diplomas em causa também não definem um prazo de duração mínimo ou máximo para as concessões;
12. De todo o exposto resultam, como alterações mais significativas decorrentes destes diplomas em relação ao regime anterior à sua vigência:
a) a alteração da natureza do título jurídico-administrativo de atribuição da exploração — de licença para contrato de concessão;
b) o estabelecimento da duração limitada da concessão por contraposição ao carácter perpétuo resultante dos diplomas anteriores, ainda que sem definição de um prazo máximo para as concessões;
c) a previsão da atribuição de compensações ao Estado pelos concessionários ainda que com natureza meramente facultativa;
13. Atenta a existência de múltiplas concessões anteriores à entrada em vigor dos diplomas em análise — algumas delas com mais de um século de existência como a da Autora - o legislador expressamente consagrou um regime transitório aplicável às concessões pré-existentes.
14. O artigo 46º do Decreto-lei nº 90/90 veio dispor que "O regime das concessões existentes passará a ser o previsto neste diploma, devendo ser celebrados os respectivos contratos, sem prejuízo dos direitos adquiridos" e que "será concedido, em casos justificados, o regime de adaptação que se mostre indispensável";
15. Por seu turno, dispõe o artigo 58º do Decreto-Lei nº 86/90 que: "os titulares dos direitos adquiridos ao abrigo da legislação anterior ao Decreto-lei no 90/90, de 16 de Março, serão notificados pela Direcção-Geral para a celebração dos contratos previstos no mesmo diploma legal" e que "serão respeitados os direitos adquiridos e concedido o período de adaptação que se mostrar justificado pelas circunstâncias de cada caso concreto";
16. Estas disposições resolvem, assim, directamente, os problemas decorrentes da sucessão de leis, ou seja, constituem disposições de direito transitório, nos termos das quais o novo regime fixado aplica-se para o futuro mas abrange também as situações constituídas no passado e que subsistem à data da entrada em vigor, que devem ser adaptadas de acordo com a nova disciplina;
17. Das disposições citadas resulta que:
1. as concessões anteriores passam a reger-se pelos Decretos-lei nos 86/90 e 90/90;
2. ficam, no entanto, salvaguardados os direitos adquiridos;
3. é concedido um período de adaptação a definir em cada caso concreto de acordo com as respectivas circunstâncias específicas.
18. A previsão da salvaguarda dos direitos adquiridos constitui, como se sabe, um corolário do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, ínsitos no Estado de Direito Democrático;
19. O respeito pelos direitos adquiridos constitui em si mesmo um limite ou parâmetro de interpretação das normas jurídicas e não pode deixar de atender ao conteúdo essencial de um determinado direito previamente constituído;
20. A comparação dos regimes de concessão de exploração de recursos geológicos deverá, pois, perspectivar-se sob um modelo de análise essencialmente material, só secundariamente relevando o que respeita ao modo, forma e instrumento jurídico de atribuição. Com efeito, seja por alvará seja através de contrato administrativo o que releva, essencialmente, será o complexo dos direitos e obrigações do concessionário, gerais, resultantes da lei, e especiais, fixados para cada concessão específica, interessando aqui, muito particularmente, o prazo de concessão e as condições de rescisão;
21. Assim, para efeitos apuramento do conceito de direitos adquiridos relevante será apenas ensaiar uma aproximação ao modelo previsto para disciplinar as situações abrangidas pela transição de regimes, interpretando o conceito-chave utilizado como núcleo de ponderação para as situações de passado - "sem prejuízo dos direitos adquiridos" - conforme estipula o artigo 46º, nº 2 do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março;
22. Ou seja, o princípio do respeito pelos direitos adquiridos não é um princípio de teor meramente formalista não podendo entender-se, no caso concreto, que o mesmo respeita apenas à manutenção da concessão e não também ao seu conteúdo;
23. "Salvaguarda dos direitos adquiridos" tem que ser algo mais do que salvaguarda das concessões anteriores à data da entrada em vigor dos diplomas, pelo que Direitos adquiridos, para efeitos da disposição transitória do artigo 46º, nº 1 do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março, serão, assim, não apenas as situações jurídicas em que estavam investidos os titulares de concessões para exploração de recursos geológicos nos termos do respectivo alvará de concessão (situações jurídicas subjectivas), mas também os elementos essenciais que permitem caracterizar tal situação jurídica subjectiva e distingui-la das que são objecto de regulamentação pelo novo regime;
24. Dito de outro modo, as disposições transitórias do novo regime jurídico pretendem, inequivocamente, ressalvar não apenas a aquisição do direito de concessão mas também as principais condições específicas que moldavam e acompanhavam o próprio direito;
25. Deve, por isso, entender-se que o conceito de direitos adquiridos neste contexto se refere ao conteúdo do direito de concessão, ou seja, às suas condições e termos e não apenas à existência do direito de exploração, em abstracto;
26. Ora, atendendo ao conteúdo das concessões pré-existentes — condições constantes do título e condições, legais — e às principais alterações introduzidas por virtude dos Decretos-lei 86/90 e 90/90 supra identificados não pode deixar de entender-se que o legislador pretendeu salvaguardar, precisamente, o conteúdo essencial dos anteriores direitos de exploração e as suas principais condições, em especial, a perpetuidade da concessão;
27. Ao contrário do que parece pressupor o Réu, a perpetuidade em si mesma não atenta contra o interesse público, na medida em que a administração mantém a faculdade de rescindir o contrato quando o mesmo se revele incompatível com o interesse público actual, nos termos gerais estabelecidos na alínea c) do artigo 180º do Código do Procedimento Administrativo, além de continuar a deter o poder de resgate da concessão, nos termos previstos no artigo 36º do Decreto-lei nº 86/90;
28. Apesar de a regra, actualmente, ser a da concessão de uso privativo dos bens dominiais por determinado prazo pré-definido, admite-se a existência de situações de uso perpétuo que nalgumas situações estão legalmente previstas, nomeadamente, o artigo 1386º, nº 1, al. e) do Código Civil que fala "águas públicas concedidas perpetuamente para regas ou melhoramentos agrícolas" e o caso dos jazigos e sepulturas que são unanimemente considerados situações de concessões perpétuas;
29. Não podendo afirmar-se a incompatibilidade entre a dominialidade e a perpetuidade das concessões, a análise tem então que ser feita nos seguintes moldes: aplicando a doutrina da protecção dos direitos adquiridos importa avaliar se a protecção da confiança no caso em análise implica a manutenção da perpetuidade visto ser essa a solução com que os destinatários poderiam razoavelmente contar;
30. No caso concreto é manifesta a violação da confiança e das legítimas expectativas da Autora, pois o regime da perpetuidade foi o que vigorou ao longo de mais de um século e foi o regime que se manteve mesmo depois da dominialidade dos recursos geológicos e minerais;
31. Com efeito, e como referido supra, mesmo depois da publicização da propriedade das nascentes de águas minerais, o legislador continuou a entender que as concessões seriam perpétuas ou definitivas, assim se mantendo até à entrada em vigor dos Decretos-lei nos 86/90 e 90/90. Sendo certo que esta solução não é sequer repudiada pelo texto constitucional que a este propósito é totalmente omisso;
32. Mesmo em face do Decreto-lei nº 86/90 nada permite concluir pela alegada limitação temporal da concessão, pois o diploma em causa não estabelece qualquer prazo máximo de duração do contrato de concessão;
33. Acresce que, ao contrário do que parece fazer crer o Réu, nem mesmo posteriormente foi legalmente estipulado qualquer prazo limite às concessões como sucedeu, por exemplo, com as concessões de recursos hídricos que passaram a ter um prazo legal máximo de 75 anos em virtude do Decreto-lei nº 226-A/2007 de 31 de Maio;
34. Por outro lado, situações há em que o prazo de concessão é claramente superior a 50 anos como é o caso das estradas recentemente concessionadas à Estradas de Portugal, S.A.. Aliás, independentemente da legalidade do procedimento de alteração do prazo inicialmente previsto para esta concessão, o certo é que o prazo inicialmente previsto no diploma que aprovou o contrato de concessão era de, praticamente 92 anos, e na resolução de Conselho de Ministros que redefiniu tal prazo, este é de 75 anos;
35. Em suma, não existe um critério definido na lei quanto à duração das concessões e à sua compatibilização com o interesse público, devendo tal duração ser estipulada, caso a caso, de acordo com o interesse público subjacente à concessão, à ponderação entre o interesse público e o interesse privado e aos demais princípios que regem as relações jurídico-administrativas;
36. Ou seja, em rigor, e em termos conceptuais, poderão ser estipulados prazos iguais ou superiores a 100 anos o que, em termos práticos, em nada difere de uma concessão definitiva;
37. Em qualquer caso, mesmo admitindo que os novos contratos de concessão terão necessariamente que conter um prazo de duração, não se vê porque razão tal prazo tem de ser de 50 anos como alega a DGGE e consta da minuta de contrato que se pretende que a Autora assine sob pena de revogação do alvará. Pois, como referido supra, existem no ordenamento jurídico português inúmeros casos de concessões com prazo superior;
38. Em suma, todos os elementos de interpretação disponíveis concorrem para considerar a perpetuidade do direito de exploração que é natural e inquestionavelmente um direito adquirido dos concessionários de concessões anteriores à entrada em vigor do Decreto-lei nº 90/90;
39. O facto de os artigos 22º, nº1 do Decreto-Lei nº 90/90 e 24º do Decreto-Lei nº86/90 estipularem que, do conteúdo do contrato, deve constar a referência ao prazo de concessão, nada diz acerca da limitação temporal da vigência de tais contratos. Pois o que ali se pretende é elencar os elementos que devem ser regulados no contrato, nada se dizendo, no entanto, quanto ao conteúdo de tal regulação.
40. Mesmo entendendo-se que o prazo seria um elemento essencial do novo contrato administrativo a celebrar por constar do elenco de elementos contratuais referidos no artigo 24º do Decreto-Lei nº 86/90 é manifesto que a norma do artigo 58º do mesmo diploma deve prevalecer sobre aquele dispositivo pois tem, claramente, natureza especial em face da norma geral do prazo;
41. Pois, a lei não impôs qualquer prazo máximo para a celebração do contrato e não fixou a caducidade dos títulos anteriores em virtude da não celebração dos novos contratos;
42. Em qualquer caso, atendendo ao espírito da lei e à salvaguarda dos direitos adquiridos, o mesmo prazo teria, por imperativos constitucionais decorrentes também do princípio da igualdade — na sua vertente de tratamento diferenciado de situações diferentes e do princípio da proporcionalidade — que ser substancialmente mais alargado do que o prazo contratualmente previsto para as novas concessões outorgadas após a entrada em vigor do novo regime jurídico da exploração das águas mineromedicinais;
43. Com efeito, se, para os contratos de concessão outorgados posteriormente à entrada em vigor dos Decreto-lei 86/90 e 90/90 foi estabelecido um prazo de 50 anos renovável por dois períodos sucessivos de 20 anos (num total de vigência de 90 anos), então, necessariamente se terá que concluir, atendendo à lógica dos direitos adquiridos e aos referidos princípios da igualdade e proporcionalidade, que o prazo das concessões constituídas antes da entrada em vigor daqueles diplomas terá que ser substancialmente maior;
44. A Autora tem direito a que o contrato de concessão seja celebrado por um prazo superior aos das concessões posteriores à entrada em vigor dos Decretos-lei nos 86/90 e 90/90.
45. Ou seja, em obediência aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, o prazo de duração do novo contrato a celebrar com a Autora nunca poderá ser inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos.
46. Assim não se entendendo, e concluindo-se que a Autora se encontra vinculada ao prazo definido no despacho impugnando — o que em mera hipótese e por dever de patrocínio de pondera - sempre se dirá que, o Estado não poderá impor uma alteração de um elemento determinante da relação jurídica contratual sem indemnizar pelos prejuízos daí decorrentes.
47. Ao impor a modificação do contrato, seja com fundamento em alteração legislativa, seja com fundamento na sua avaliação do interesse público em cada momento, a entidade pública frustra as expectativas económico-financeiras do co-contratante. Terá, por isso, que o indemnizar.
48. No caso sub judice, pois a Administração pretende proceder unilateralmente a uma modificação de um elemento essencial do contrato que é o seu prazo de vigência. Elemento que é, manifestamente, determinante no equilíbrio dos interesses contratuais envolvidos, pois, como é óbvio, toda a exploração e investimentos levados a cabo pela ora Autora ao longo da vigência do alvará régio de que é titular têm vindo a ser feitos contando com a perpetuidade da concessão e não com base num prazo de vigência de 50 anos;
49. Os prejuízos decorrentes da referida alteração contratual unilateral, pela complexidade das operações envolvidas e por ainda não estar determinado qual o prazo a que ficará subordinada a concessão, ainda não se encontram integralmente apurados, pelo que a sua liquidação será efectuada em execução de sentença nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e no artigo 471º, nº1 al. b) e nº 2 do CPC/1961 (cuja redação foi mantida pelo artigo 556.º do CPC/2013), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
50. Em suma, a decisão recorrida violou os artigos 22º e 46º do Decreto-lei nº 90/90 e os artigos 58º e 24º do Decreto-Lei nº 86/90, bem como os princípios da proteção da confiança e os princípios da igualdade e da proporcionalidade, todos constitucionalmente consagrados.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, deve:
a) Anular-se o despacho, assinado por C. "Pelo Director-Geral da Direcção Geral de Energia e Geologia", que concedeu à Autora o prazo de 60 dias para proceder à assinatura do contrato de concessão proposto pela DGGE sob pena de "revogação do Alvará e extinção da concessão"; datado de 4.04.2008 e recebido pela Autora em 9.04.2008;
b) Reconhecer-se o direito da Autora à perpetuidade da concessão, a consagrar no novo contrato a outorgar ou, pelo menos, o direito a um prazo não inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos cada;
c) Assim não se entendendo, condenar-se o Réu no pagamento da indemnização devida pela alteração unilateral de um dos elementos essenciais da concessão — o prazo de vigência — em montante a liquidar em sede de execução de sentença nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e no artigo 471º, nº1 al. b) e nº 2 do CPC/1961 (cuja redação foi mantida pelo artigo 556.º do CPC/2013), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.»

1.13. O Réu contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«
1. Ao invés do que a Recorrente alega, resulta demonstrado que o Tribunal na sua decisão teve em consideração os Pareceres que a Recorrente juntou aos autos e nos quais alicerçou a defesa da sua pretensão.

2. O Tribunal interpretou as normas jurídicas aplicáveis em conformidade com o respeito pelos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

3. A necessidade da fixação de um prazo na concessão decorre da alteração do regime jurídico constante de um Decreto-lei, elaborado no âmbito do poder legislativo, que se impõe à administração e a todas as concessões existentes e consequentemente alheio à vontade das partes da relação jurídica de base contratual,

4. Não acarretando responsabilidade civil do Estado susceptível de gerar direito a qualquer indemnização.

5. Aliás, a Recorrente acaba por aceitar a outorga de um contrato de concessão com um prazo não inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos cada, deixando "cair" a questão da perpetuidade da concessão.

6. O Acórdão impugnado não padece dos vícios que lhe são imputados, já que fez uma correcta aplicação da lei e do direito, pelo que deve ser mantido.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão impugnado.»

1.14. O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n. º1 do artigo 146.º do CPTA emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

1.15. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão proferida pelo TAF de Braga fez errada interpretação e aplicação do direito, por:
a- não se conformar com o disposto nos artigos artigos 22º e 46º do Decreto-lei nº 90/90 e nos artigos 58º e 24º do Decreto-leinº86/90, violando o princípio da proteção da confiança.
b- violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade, todos constitucionalmente consagrados.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. O Tribunal a quo deu por assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
«1. Por Alvará Régio de 2 de Março de 1893 foi concedida licença, definitivamente e por tempo ilimitado, a B., Visconde de Semelhe para exploração das nascentes das águas minero-medicinais denominadas de (…) (cfr. doc nº 2, junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. Por alvará publicado no Diário do Governo, nº 17, II Série, de 2 de Janeiro de 1920 foi aprovada a transmissão da supra referida licença para a Empresa das Águas Minero-Medicinais de (...), nos seguintes termos: “(...) Hei por bem, conformando-se com os pareceres expressos nas mencionadas consultas, conceder definitivamente, por tempo ilimitado, ao Visconde de Semelhe, licença para explorar as nascentes de águas minero-medicinais denominadas Thermas de Caldelas, situadas na freguesia de S- Tiago de Caldellas, concelho de Amares, districto de Braga, ficando a concessionária sujeita a todos os encargos e obrigaçàes impostas pelo mencionado decreto com força de lei de trinta de Setembro de mil oitocentos e noventa e dois e a todas as leis e regulamentos que de futuro vierem a ser promulgados. (…)”
3. É com base nesse alvará que a Autora procede à exploração daquelas águas minero-medicinais de Caldelas desde o início do século XX até à presente data.
4. Em Março de 1990 foram publicados os Decretos-Lei nºs 86/90 e 90/90, de 16 de Março que vieram proceder à alteração do regime jurídico do aproveitamento dos recursos geológicos e, em especial, das águas minerais naturais.
5. Na sequência da entrada em vigor daqueles diplomas, o Estado, através do Instituto Geológico e Mineiro (adiante abreviadamente designado de IGM) e, posteriormente, da Direcção-Geral de Geologia e Energia (DGGE) tem vindo a exigir à Autora a celebração de um contrato de concessão nos termos e condições previstas nos referidos diplomas.
6. Na Informação nº 4/GAJ/CL/92, de 29 de Janeiro de 1992, o IGM concluiu pela obrigatoriedade de celebração de contrato administrativo sujeito a prazo de vigência, salvaguardando-se como direitos adquiridos o direito à exploração e à área concedida, os quais permaneceriam intocados (cfr. doc. nº 3 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido);
7. Em reunião realizada no dia 10 de Fevereiro de 1992, o IGM informou a Autora sobre a sua posição formalizada no referido parecer e de que, por força do artigo 46º, nº 1 do Decreto-Lei nº 90/90, o alvará deveria ser substituído por um contrato de concessão.
8. Em 1995 o IGM formalizou a sua posição (cfr. doc. nº 3 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido), sendo que a Associação das Termas de Portugal tem manifestado a sua contestação ao entendimento do IGM defendendo, fundamentalmente, que o conceito de direitos adquiridos no Decreto-Lei nº 90/90 inclui:
a. O direito à exploração e aproveitamento da água mineral natural nos locais demarcados por alvará;
b. A perpetuidade das concessões;
c. A gratuitidade das concessões;
9. Nesse sentido, foram apresentados ao IGM diversos pareceres jurídicos os quais sustentam a posição da Associação e da ora Autora, a saber:
(i) Parecer do Dr. Mário Esteves de Oliveira, designado “Apontamentos escritos sobre a aplicação do regime dos Decretos-Lei nºs 90/90 e 86/90 às anteriores concessões de exploração de águas minerais naturais”, datado de Maio de 1991 (cfr, doc. nº. 4 junto com a que aqui se dá como integralmente reproduzido);
(ii) “Nota” do Dr. José Osvaldo Gomes, de1992 (cfr. doc. n.º 5 junto com a p. i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
(iii) Parecer do Professor Freitas do Amaral, (cfr. doc, nº. 6 junto com a p, i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
(iv) Parecer do Dr. Vitor Alves Coelho, de 5 de Dezembro de 1994 (cfr. doc. 7 junto com a p. i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
10. Em 28 de Outubro de 2005 a DGGE entregou à Autora uma minuta de contrato de concessão para assinatura (cfr. doc. nº. 8 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido), do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
ARTIGO QUARTO
(PRAZO DA CONCESSÃO)
1. A concessão de exploração é dada por um período inicial de 50 (cinquenta) anos, contados da data da assinatura deste contrato.
2. Este período será prorrogado por despacho ministerial, pelo prazo de (vinte) anos, desde que a SAC tenha cumprido as obrigações legais e contratuais a que se encontre vinculada e o requeira nos termos do número seguinte.
3. O requerimento será apresentado na DGGE, até 6 meses antes do termo do prazo referido no número um, devendo indicar o período de prorrogação pretendido e vir acompanhado dos seguintes elementos:
a) relatório descrevendo a situação do aquífero e captações utilizadas, bem como de eventuais alterações da exploração e da ocupação da área demarcada;
b) o programa geral de trabalhos que se propõe realizar no período de prorrogação;
c) outros elementos julgados pertinentes à apreciação do pedido.
4. Atentos os princípios estabelecidos no nº 2 será concedida nova prorrogação pelo prazo de 20 (vinte) anos, desde que a SAC a requeira nos termos do número anterior.
(...) (cfr, doc. nº. 8 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
11. Por carta datada da 23.02.2007, a DGGE notificou a Autora de que “relativamente ao assuno supra mencionado e, reportando-me à reunião realizada nestes serviços no dia 28 de Outubro de 2005, solicito a V Exa. que informe esta Direcção-Geral da posição actual da concessionária, uma vez que decorrem cerca de 17 anos após a publicação dos Decretos-Lei 90790 e 86/90, ambos de 16 de Março e o Alvará de Concessão ainda não foi substituído pelo respectivo Contrato, conforme previsto no Artº 46º do citado Decreto-Lei nº 90/90” (cfr. doe. nº. 9 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
12. Em resposta, a Autora comunicou à DGGE, por carta o seguinte:
“Exmo. Senhor,
Acusamos a recepção do v. oficio supra identificado, que agradecemos.
Sobre a minuta de contrato de concessão que nos foi fornecida, informamos que não podemos concordar integralmente com o seu conteúdo, atendendo, sumariamente, a que:
a) Os Decretos-Lei nºs 86/90 e 90/90 salvaguardam os direitos adquiridos pelos anteriores titulares de concessões, o que inclui, nomeadamente, a garantia da perpetuidade das concessões;
b) Mesmo entendendo-se que o prazo é um elemento essencial do contrato administrativo a celebrar nos termos do artigo 24º do Decreto-Lei nº 86/90, a norma do artigo 58º do mesmo diploma deve prevalecer sobre aquele dispositivo pois tem, claramente, natureza especial em face da norma geral do prazo;
c) A extensão do conceito de direitos adquiridos deve ser aferida tendo em conta as normas constitucionais e os princípios gerais de direito civil em matéria de sucessão de lei e tutela da confiança e segurança jurídicas;
d) Do artigo 56º, nº 2 do Decreto-Lei nº 86/90, resulta expressamente que do contrato administrativo deve constar o leque de direitos adquiridos pelos anteriores concessionários, o que significa que por direitos adquiridos não pode entender-se apenas o título, devendo entender-se também o conteúdo do direito; Ora, do clausulado proposto não consta qualquer referência aos direitos adquiridos ao abrigo do anterior alvará;
e) O artigo 58º, nº 2 do mesmo diploma legal determina expressamente a existência de um período de adaptação adequado às circunstâncias do caso concreto, o que também não é acautelado na minuta proposta;
f) O artigo 180º do Código do Procedimento Administrativo determina que a modificação unilateral do contrato pela Administração apenas pode ocorrer com respeito do equilíbrio financeiro do contrato e que a rescisão unilateral do contrato de concessão confere ao concessionário o direito à justa indemnização;
g) A substituição do alvará válido e em vigor de que a empresa é titular pelo contrato ora proposto não pode deixar de respeitar os princípios e regras referidos, sob pena de consubstanciar materialmente uma rescisão da concessão anterior e a sua substituição unilateral por um contrato integralmente novo, que apenas coincide com o anterior no respectivo objecto e área de exploração.
Deste modo, em face das razões sumariamente expostas, e tendo em conta o princípio do encontro de vontades subjacente aos contratos, a empresa encontra-se a preparar um clausulado alternativo à minuta proposta que acautele os direitos e expectativas legítimas decorrentes da sua posição de concessionário com título jurídico válido e em vigor.
Assim, logo que estejamos em condições de apresentar um clausulado alternativo, e o mais brevemente possível, voltaremos à presença dessa Direcção-Geral para dar seguimento ao procedimento de adaptação da concessão à legislação vigente”
(cfr. doc. nº 10 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
13. Em 2.03.2008, a Autora entregou, em mão, uma proposta de minuta alternativa de contrato de concessão, acompanhada de parecer jurídico sobre questão dos direitos adquiridos, em especial, sobre o prazo da concessão (cfr. doc, nº 11 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
14. Na minuta de contrato de concessão apresentada pela Autora, consta o seguinte:
ARTIGO QUARTO
(PRAZO DA CONCESSÃO)
1. A presente concessão da exploração não está sujeita a qualquer prazo.
2. Sem prejuízo do disposto no número um da presente cláusula, o concessionário deverá apresentar na DGGE, até ao termo de cada período de 50 anos de vigência do presente contrato, os seguintes elementos.
relatório descrevendo a situação do aquífero e captações utlizadas, bem como de eventuais alterações da exploração, e da ocupação da área demarcada;
programa geral de trabalhos que se propõe realizar no subsequente período de 50 (cinquenta) anos.
(cfr. doc. nº 11 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
15. Por ofício datado de 4.04.2008 e recebido pela Autora em 7.04.2008, a Autora foi notificada pela DOGE do despacho segundo o qual:
“(…)
Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe e reportando-me à carta de Y. Exa. de 8 de Março p.p. informo:
1. Decorridos mais de 18 anos sobre a publicação dos Decretos-Lei 90/90 e 86/90, ambos de 16 de Março, 95% dos concessionários já fizeram o enquadramento legal das suas concessões, isto é, procederam à substituição dos respectivos Alvarás por Contratos de Concessão;
2. Em todos os contratos assinados foi estabelecido um prazo, as condições para eventuais prorrogações (tal como previsto na alínea d) do Artigo 20º do Decreto-Lei nº 86/90, de 18 de Março), e fixado um valor da caução, de acordo com o estabelecido no ponto IX) da alínea a) do mesmo código;
3. Como V. Exa compreenderá, a actuação da Administração deve pautar-se pela aplicação da Lei e por uma equidade de critérios, Foi dentro deste princípio que foi preparada a minuta do contrato oportunamente remetida a V. Ex.º, isto é, consagrou prazos e fixa uma caução;
4. Lembra-se V. Ex.ª que o parecer nº 77/93, de 18 de Agosto de 1994 da Procuradoria-Geral da República, também citado na vossa carta, determina que a Administração deve notificar os concessionários, fixando-lhes um prazo para proceder á assinatura do contrato de concessão.
Assim, e para os devidos efeitos, vimos notificar V. Ex.ª, nos termos do nº 1 do Artº 46º do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março, para, no prazo de 60 dias contados da recepção deste ofício, proceder à assinatura do contrato de concessão, expressa ou por falta de resposta tendente à sua marcação, no prazo fixado, a mesma determina a revogação do alvará e a extinção da concessão, tal como previsto no ponto 5 das conclusões do referido Parecer da Procuradoria-Geral da República”
16. A referida notificação vem assinada “Pel’o Director-Geral”, Carlos A. A. Caxaria (cfr. doc. nº 1 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
17. Em 6.05.2008 realizou-se reunião na DGGE;
18. Nessa sequência, por carta datada de 7.05.2008, a Autora comunicou à DGGE o seguinte:
“Exmos. Senhores,
No dia dois de Março de 2008, conforme combinado previamente, entregámos a V. Exa. um clausulado alternativo à minuta de contrato de concessão que nos foi apresentada na reunião havida nesses serviços no dia 28 de Outubro de 2005. A minuta apresentada tinha por base a inicial, tendo sido introduzidas alterações quanto a algumas das suas cláusulas, respeitando os Decretos-lei nºs 86/90 e 90/90 e suportadas por parecer que enviámos em anexo.
Em resposta foi-nos enviada uma carta datada de 4 de Abril, sem contra­proposta e sem qualquer fundamentação jurídica, notificando-nos para proceder à assinatura do contrato de concessão no prazo de 60 dias, caso contrário procederiam à revogação do Alvará e à extinção da concessão.
Solicitámos uma reunião por forma a nos inteirarmos até que ponto estariam disponíveis para negociar a minuta de contrato por vós apresentada, uma vez que, em conversações havidas anteriormente, nos foi transmitido que a minuta em vigor não seria a que nos foi entregue em 28 de Outubro de 2005, mas uma com melhores condições, nomeadamente, no que concerne à não reversão para o estado dos bens afectos à concessão.
Na reunião, a qual ocorreu no passado dia 6, V Exa. mostrou-se aberto a alterar a minuta do contrato no que diz respeito ao valor da caução, às obrigações do concessionário e à não reversão para o Estado dos bens afectos á exploração, contudo foi irredutível em relação ao prazo do contrato, ponto que nos tem separado ao longo destes 17 anos por acharmos que a perpetuidade está englobada nos direitos adquiridos referidos no DL nº 90/90 conforme defendido por juristas em diversos pareceres.
Quanto ao prazo, e estamos certo que este ponto chave da discussão, propusemos a constituição de um tribunal arbitrai para resolver este diferendo. V. Exa. recusou e disse que não estaria disposto a conceder mais do que 90 anos (50+20+20), conforme por vós estipulado para todas as concessões de águas, e se achássemos que nos assistia razão que não assinássemos, que nos seria retirada a concessão, e que depois poderíamos sempre recorrer aos tribunais para saber se a perpetuidade faz ou não faz parte dos direitos adquiridos referidos no nº I do art. 46º do DL 90/90, de 16 de Março.
Uma vez que discutir em tribunal este assunto após nos ter sido revogado o alvará e extinta a concessão está completamente fora de questão, e se esta, como afirmou, for a única forma de o fazer, sentir-nos-emos coagidos à assinatura do contrato e certamente o faremos.
Assim, solicitamos que nos seja enviada a minuta com as alterações respeitantes ao valor da caução, às obrigações do concessionário e à não reversão para o Estado dos bens afectos à exploração, para que a possamos estudar” (cfr, doc. nº 12 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
19. Por carta datada de 20.05.2008, a DGGE envia à Autora nova minuta de contrato de concessão, sem alteração do prazo de concessão, informando que “a referida minuta deverá ser devolvida, devidamente rubricada, a fim de ser submetida a despacho ministerial.” (cfr. doc. nº 13 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
20. Nessa sequência, a Autora remeteu à DGGE a carta junta aos autos como doe. nº 14 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido);
***
Os factos foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível e no teor dos documentos supra referidos, juntos aos autos.»
**
III-B. DE DIREITO.
3.2. A apelante pretende que este TCAN reaprecie a decisão sob sindicância imputando-lhe erro de julgamento quanto á decisão de mérito, de modo a que a mesma seja revogada e substituída por outra que (i) anule o despacho , assinado pelo Diretor Geral da Direção Geral de Energia e Geologia, que lhe concedeu o prazo de 60 dias para proceder à assinatura do contrato de concessão proposto pela DGGE sob pena de "revogação do Alvará e extinção da concessão", datado de 4.04.2008, que (ii) reconheça o direito da Autora à perpetuidade da concessão, a consagrar no novo contrato a outorgar ou, pelo menos, o direito a um prazo não inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos cada e (iii) para o caso de assim se não entender, que condene o Réu no pagamento da indemnização devida pela alteração unilateral de um dos elementos essenciais da concessão — o prazo de vigência — em montante a liquidar em sede de execução de sentença nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e no artigo 471º, nº1 al. b) e nº 2 do CPC/1961 (cuja redação foi mantida pelo artigo 556.º do CPC/2013), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
Na compreensão da apelante o Tribunal a quo ao não reconhecer a sua pretensão decidiu mal, afrontando o disposto nos artigos 22º e 46º do Decreto-lei nº 90/90 e nos artigos 58º e 24º do Decreto-leinº86/90, e em violação dos princípios da proteção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade, todos constitucionalmente consagrados.
Vejamos se lhe assiste razão.
*

3.3. Do erro de julgamento da decisão recorrida em virtude de a mesma não se conformar com o disposto nos artigos 22º e 46º do Decreto-lei nº 90/90 e nos artigos 58º e 24º do Decreto-leinº86/90, violando o principio da proteção da confiança.
3.3.1.A apelante insurge-se contra a decisão recorrida, começando por alegar que apresentou diversos pareceres jurídicos que não foram tomados em consideração pelo Tribunal a quo mas simplesmente ignorados.
Mas sem razão, como desde já se antecipa.
A decisão recorrida, no ponto 9 dos factos assentes, deu como provado que a autora apresentou ao IGM diversos pareceres jurídicos que sustentam a sua posição, donde resulta que o julgador a quo tomou conhecimento da existência dos mesmos. Assim, não pode a apelante sustentar que os mesmos foram ignorados pelo Tribunal a quo, o que, contudo, não significa que a tese defendida nos mesmos tivesse de ser acolhida pelo julgador ou que sobre o julgador impendesse a obrigação de os rebater na fundamentação jurídica que adotou para a decisão proferida.
3.3.1.1. Com efeito, sobre o tribunal impende a obrigação legal de decidir todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes a julgamento sob pena de não o fazendo incorrer em omissão de pronúncia, o que nem sequer vem invocado pela apelante, mas já não lhe incumbe apreciar todas as razões ou argumentos que por elas sejam invocados na defesa do seu ponto de vista.
Já Alberto dos Reis defendia que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção…São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam» Cfr. Alberto dos Reis, Cód.Proc.Civil Anot., V vol, pág. 142 e 143, e ainda, no mesmo sentido Ferreira de Almeida “ Direito de Processo Civil”, Vol. II, Almeida, 2015, pág. 371; Ac. STJ, 30.10.2103, processo 03B3024; 11.10.2005, processo 05B2666; 15.12.2005, processo 05B3974..
3.3.1.2.Logo, dir-se-á que tendo o tribunal a quo analisado necessariamente as várias posições jurídicas vertidas nos vários pareceres sobre as diversas questões que lhe estavam submetidas pelas partes a julgamento, nada impedia que aquele viesse solucionar essas questões de acordo com as teses jurídicas expendidas num ou em várias desses pareceres, sem prejuízo de a solução jurídica adotada sobre essas questões poder padecer de erro de direito, o que se for o caso, configurará erro que incumbe à apelante atacar em via de recurso e que incumbirá a este TCAN solucionar.
Resulta do que se vem dizendo, que não invocando a apelante qualquer nulidade da decisão recorrida, por omissão ou excesso de pronúncia, sequer se vislumbrando que aquela padeça de qualquer desses ou de outros vícios determinativos da respetiva invalidade, a questão suscitada pela apelante é, de todo, irrelevante para a economia da presente apelação, onde o que releva é o saber se a decisão proferida padece ou não de erro de facto ou de direito.
3.3.2. Depois argumenta que a decisão sob sindicância acolheu integralmente o parecer da PGR (n.º 77/93, datado de 16.08.1994, de que foi relator o Conselheiro HENRIQUES GASPAR), o qual é contrário á Lei e á Constituição.
Mas também sem razão.
3.3.2.1.É que, embora seja verdade que a decisão sob sindicância se louvou no antedito parecer da PGR o mesmo não é contrário, nem á Lei, nem á Constituição, conforme melhor veremos, desde já se antecipando, que a fundamentação jurídica e as conclusões expandidas nesse proficiente parecer merecem a nossa total concordância.
3.3.3. Mas a questão decisiva em discussão neste recurso jurisdicional, e que constitui a razão pela qual a apelante se move contra a decisão sob escrutínio prende-se com o entendimento que o TAF de Braga sufragou de acordo com o qual não assiste à autora o direito a ver mantida a natureza de perpetuidade da concessão de que é titular relativamente à exploração das “Termas de (...)”, por tal não ser admissível em face das alterações introduzidas pelos Decretos-lei 90/90 e 86/90, ambos de 16 de março, e a tal não obstar a proteção dos direitos adquiridos de que a autora é titular relativamente à citada concessão de exploração.
3.3.4.De acordo com o entendimento que a apelante veicula, a perpetuidade daquela concessão não pode ser colocada em crise pela publicação dos Decretos-lei n.ºs 90/90 e 86/90, ambos de 16 de março, que introduziram alterações ao regime jurídico do aproveitamento dos recursos geoglógicos e, em especial, das águas mineromedicinais, máxime, prevendo a necessidade de celebração de um contrato de concessão no qual se estabeleça um prazo máximo de duração para essas concessões, salvaguardando-se apenas como direitos adquiridos o direito á exploração e à área concedida.
A apelante crê que o conceito de direitos adquiridos acolhido no D.L. 90/90 contempla o (i) direito à exploração e aproveitamento da água mineral natural nos locais demarcados por alvará, a (ii) perpetuidade das concessões e a (iii) sua gratuitidade.
A apelante começa por referir - ponto 9 das suas conclusões, que os Decretos-lei 90/90 e 86/90, vêm estabelecer que a exploração das nascentes de águas mineromedicinais é feita através de contrato de concessão temporalmente limitado, mas onde não é definido um prazo de duração mínimo ou máximo para as concessões, prevendo-se, porém, um regime transitório para as concessões pré-existentes, que assegura o respeito pelos direitos adquiridos.
Na sua ótica, da nova legislação resulta que: (i) as concessões anteriores passam a reger-se pelos Decretos-lei 90/90 e 86/90, de 16 de março; (ii) ficam, no entanto, salvaguardados os direitos adquiridos; (iii) é concedido um período de adaptação a definir em cada caso concreto de acordo com as respectivas circunstâncias específicas.
Essa proteção dos direitos adquiridos pelos anteriores titulares de concessões inclui, nomeadamente, a garantia da perpetuidade das concessões.
Sublinha que o respeito pelos direitos adquiridos não é um princípio de teor meramente formalista, e por isso o mesmo respeita não apenas à manutenção do direito da autora à exploração da concessão mas também ao conteúdo do direito adquirido, ou seja, à manutenção do seu direito à perpetuidade da referida concessão, perpetuidade que não atenta contra o interesse público.
Para a apelante a "Salvaguarda dos direitos adquiridos" tem que ser algo mais do que salvaguarda das concessões anteriores à data da entrada em vigor dos diplomas, pelo que Direitos adquiridos, para efeitos da disposição transitória do artigo 46º, nº 1 do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de março, serão, assim, não apenas as situações jurídicas em que estavam investidos os titulares de concessões para exploração de recursos geológicos nos termos do respetivo alvará de concessão (situações jurídicas subjectivas), mas também os elementos essenciais que permitem caracterizar tal situação jurídica subjetiva e distingui-la das que são objeto de regulamentação pelo novo regime, não podendo deixar de entender-se que o legislador pretendeu salvaguardar, precisamente, o conteúdo essencial dos anteriores direitos de exploração e as suas principais condições, em especial, a perpetuidade da concessão;
A extensão do conceito de direitos adquiridos deve ser aferida tendo em conta as normas constitucionais e os princípios gerais de direito civi em matéria de sucessão de lei e tutela da confinaça e segurança jurídicas.
Ademais, a perpetuidade em si mesma não atenta contra o interesse público, na medida em que a administração mantém a faculdade de rescindir o contrato quando o mesmo se revele incompatível com o interesse público atual, nos termos gerais estabelecidos na alínea c) do artigo 180º do Código do Procedimento Administrativo, além de continuar a deter o poder de resgate da concessão, nos termos previstos no artigo 36º do Decreto-lei nº 86/90, não havendo incompatibilidade entre dominialidade e perpetuidade.
Pese embora a regra que decorre da citada legislação seja a da concessão por determinado prazo, em relação às concessões pré-existentes a aplicação de prazo viola a confiança e as legitimas expectativas da autora, acrescentando, que ainda assim, não há um critério definido na lei quanto à duração das concessões.
Segundo a autora, o artigo 58.º do DL 86/90 deve prevalecer sobre o seu art. 24 por ter natureza especial, asseverando que lhe assiste o direito á celebração do contrato de concessão por um prazo superior ao das concessões posteriores à entrada em vigor dos Decretos-lei 86/90 e 90/90, de 16 de março, que equivalha a uma situação de perpetuidade.

Mas sem razão, pelas razões que constam da decisão sob sindicância, que, como bem refere a apelante, se reconduzem aos fundamentos jurídicos adiantados no parecer n.º 77/93, da PGR, sendo que, sobre uma situação similar á que está em apreciação, também este TCAN já foi chamado a pronunciar-se no âmbito do processo n.º 00995/08.6BEVIS, tendo decidido em termos que reforçam a correção da decisão sob escrutínio, como veremos.

3.3.5. Está provado que por alvará Régio de 2 de março de 1983 foi concedida licença definitivamente e por tempo ilimitado, a B., Visconde de Semelhe para exploração das nascentes das águas minero-medicinais denominadas de Caldelas e que, por sua vez, por alvará publicado no Diário do Governo, n.º17, II Série, de 02 de janeiro de 1920 foi aprovada a transmissão da antedita licença para a E. nos termos da qual se concedeu definitivamente, por tempo ilimitado licença para explorar as nascentes de águas minero-medicinais das “Thermas de Caldelas” á autora ( pontos 1 e 2 dos factos assentes).
Provou-se igualmente que a apelante, com base nesse alvará, tem vindo a explorar aquelas águas minero-medicinais desde o início do século XX até à presente data (ponto 3 dos factos assentes).
Sucede que a 16 de março de 1990, foram publicados os Decretos-lei 90/90 e um conjunto de diplomas complementares, entre os quais o Decreto-lei 86/90, que introduziram uma panóplia de alterações de relevo no domínio da disciplina aplicável ao aproveitamento dos recursos geológicos e, em especial, das águas mineromedicinais.
Na sequência das alterações introduzidas pelos sobreditos diplomas, a apelante foi notificada para proceder à outorga de um contrato administrativo sujeito a prazo de vigência, salvaguardando-se como direitos adquiridos o direito à exploração e à áera concedida, os quais permaneceriam intocados ( vide ponto 6 dos factos assentes) mas , conforme consta da minuta do contrato que lhe foi enviada, a concessão de exploração passaria a ser-lhe atribuída por um período de 50 anos, contados da data da assinatura do contrato, prazo que poderá ser prorrogado por dois períodos de 20 anos cada um ( vide ponto 10 dos factos assentes).

3.3.6. Sucede que a apelante entende assistir-lhe o direito à perpetuidade da referida concessão da exploração das “Termas de (...)”, sustentando que os Decretos-lei 90/90 e 86/90 salvarguardam os direitos adquiridos pelos anteriores titulares de concessões, o que inclui, nomeadamente, a garantia da perpetuidade das concessões.
Essa sua pretensão de tutela judiciária foi recusada pelo TAF de Braga e agora, com o presente recurso jurisdicional, a apelante pretende que este TCAN, reapreciando aquela decisão, a revogue, e decida a seu favor, o que implica reconhecer que afinal lhe assiste um direito à celebração de um contrato de concessão perpétuo, ou pelo menos, em que o prazo inicial da concessão seja de 90 anos, prorrogável por dois períodos sucessivos de 20 anos cada um, o que basicamente equivaleria a um direito perpétuo segundo palavras da apelante.

Ora, como vimos, a decisão recorrida acolheu, a propósito das várias questões que foram suscitadas pela autora/apelante a resposta que às mesmas encontrou no parecer n.º 77/93, do Conselho Consultivo da PGR, de que foi relator o senhor do Conselheiro HENRIQUES GASPAR.E bem.
3.3.7. Numa breve resenha cronológica, verificamos que pese embora no Código de Seabra se começasse por consagrar um direito de propriedade privada sobre as águas medicinais, na base do princípio segundo o qual a fruição do solo abarcava o subsolo (cfr. artigo 445.º), logo o Decreto de 30 de setembro de 1892 cuidou de prever a possibilidade do depósito de substâncias minerais poder ser concessionada pelo Governo para o aproveitamento de algumas daquelas substâncias ( vide artigo 2.º), prevendo também que qualquer indivíduo, empresa ou corporação pudesse fazer pesquisas para reconhecer nascentes de águas minerais ainda que em terrenos alheios. Note-se que no domínio desta legislação, a exploração das águas minerais já estava sujeita à concessão do Governo, ainda que tratando-se de águas propriedade de particulares. Cfr. Ana Raquel Gonçalves Moniz, in “O Dominío Público. O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade”, Almedina, 2006, pág. 79 e segts;

Posteriormente, com a aprovação do Decreto n.º 5787-F, de 10 de maio de 1919, a titularidade de toda as águas minerais passaram para a dominialidade do Estado, e a sua exploração passou a poder ser concessionada a empresas, de acordo o disposto no artigo 88.º, sempre que Estado se dispensasse de o fazer diretamente.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 15 401, de 17 de Abril de 1928 (alterado pelos Decretos-Lei 44 437 de 30 de Junho de 1962 e o Decreto-Lei n.º 48 440, de 21 de Junho de 1968), e de acordo com o disposto no artigo 28.º, a exploração das águas minerais passou a estar dependente de autorização do Governo, através da concessão de alvará definitivo e por tempo ilimitado, embora sem a exigência de qualquer contrapartida ao concessionário, que não estava assim obrigado ao pagamento de nenhuma taxa.
Era a seguinte a redação do artigo 28º: «O Governo, ouvido o Conselho Superior de Minas e Serviços Geológicos sobre o processo de concessão, [...], deliberará, concedendo-lhe definitivamente, por tempo ilimitado, por meio de alvará e com as condições gerais e especiais que julgar convenientes, ou denegando a concessão pedida [...]».
Por sua vez, o artigo 31º elencava as condições gerais de concessão, determinando também que, «no alvará de concessão poderão impor-se aos concessionários quaisquer condições especiais, além das condições gerais constantes da lei».
Entretanto, foi publicado o D.L. 477/89, de 15.10, que no seu art.º 4.º, al.g), não só manteve como clarificou a integração das nascentes de águas mineromedicinais no domínio público.
Por fim, a própria Constituição, com a revisão de 1989 e de 1993, passou a prever a inclusão no domínio público das nascentes minero-medicinais (Cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 84.º da CRP na revisão de 1989 e n.º 1 do artigo 49.º da CRP na revisão de 1993).
3.3.8. Não se ignora que como características marcantes do regime legal sobre o aproveitamento de águas mineromedicinais, antes do complexo normativo constituido pelo D.L. 90/90 e diplomas especificos complementares, sobressaíam, em síntese: que quem pretendesse assegurar o direito à exploração teria de apresentar nota de manifesta na Câmara Municipal; efetuado o registo, o interessado dispunha de doze meses para proceder às pesquisas e requerer a concessão; a concessão era atribuída, definitivamente, por tempo ilimitado, por meio do alvará; no alvará podiam ser impostas condições especiais, além das Condições gerais previstas na lei; finalmente, previam-se os casos que determinam a perda do direito à concessão.
No âmbito deste regime, a duração da concessão constituía um elemento relevante no complexo de direitos do concessionário e a mesma era, então, tendencialmente, ilimitada.
3.3.9. Este panorama alterou-se com a publicação do DL 90/90, de 16 de março, que foi complementado por vários diplomas, de que destacamos o DL 86/90, que teve como finalidade não só a atualização da legislação sobre o aproveitamento e exploração dos recursos geológicos passiveis de utilização económica, como a sistematização de legislação que se econtrava dispersa e fragmentada em vários diplomas.
Dos vários diplomas complementares ao DL 90/90, que foram publicados ( que respeitam ao regime de exploração das águas de nascente, às águas minero-industriais, às águas minerais, aos recursos geotérmicos, aos depósitos minerais e às pedreiras, respetivamente, Decretos-Leis nºs 84/90, 85/90, 86/90, 87/90, 88/90 e 89/90, todos de 16 de março), interessa-nos particularmente o DL 86/90 que se reporta às águas minerais.
3.3.10. Em face deste novo regime e como seus traços relevantes (DL 90/90) podemos salientar os seguintes: a concessão de exploração adquire-se por contrato administrativo, que terá de ser obrigatoriamente reduzido a escrito (artigo 9.º, n.º2) e não, como até aí se verificava, titulada por alvará; os direitos e obrigações dos concessionários, que conformam o contrato, resultam da lei , restando como elementos próprios, a definir contratualmente, a fixação da área abrangida, as condições especificas de cada caso e o estabelecimento do prazo e condições de prorrogação.
3.3.11.O DL 90/90, contém normas de direito transitório destinadas a regular a situação das concessões já existentes à data da sua entrada em vigor, como acontece na situação em juízo, dispondo-se no artigo 46.º que:
«1- O regime das concessões existentes passará a ser o previsto neste diploma, devendo ser celebrados os respetivos contratos, sem prejuizo dos direitos adquiridos.
2- Será concedido, em casos justificados, o perído de adapatação que se mostre indispensável».
Decorre deste preceito, que as alterações ao regime jurídico sobre o aproveitamento e exploração de recursos geológicos se aplicam imediatamente, e a todas as situações existentes à data da sua entrada em vigor.
Por conseguinte, o modo como se passa a regular o aproveitamento e, bem assim, o modo como se passam a disciplinar as concessões, aplica-se também às concessões pre-existentes, e não somente às concessões futuras.
A clareza do texto que traduz a previsão do artigo 46.º não deixa margem para qualquer dúvida sobre o alcance da aplicação da disciplina vertida neste novo complexo normativo, como abrangendo as situações constituídas antes da sua entrada em vigor.
Conforme se escreve no parecer da PGR, seguido pela sentença recorrida «A norma do artigo 46.º, n.º1 não suscitará, a este respeito, dúvida relevante: o regime das concessões existentes passará a ser o previsto no diploma.
A aplicação do “regime previsto no diploma” é, pela sua própria extensão, omnicompreensiva; a norma não restringe o alcance a qualquer aspeto particular da concessão, mas refere-se ao “regime”. Isto é, ao regime global, tal como definido no diploma, que compreende a natureza, os direitos e deveres do concedente e concessionários, os elementos estruturantes, as causas de extinção e, também, neste âmbito, a própria forma de titulação de exploração»

3.3.12. Por sua vez, no diploma complementar aplicável à situação em juízo, o DL 86/90, prevê-se no artigo 58.º, sob a epígrafe “Direitos adquiridos”, o seguinte:
«1. Os titulares de direitos adquiridos ao abrigo da legislação anterior ao Decreto-Lei nº90/90, de 16 de Março, serão notificados pela Direcção-Geral (10) para a celebração dos contratos previstos no mesmo diploma legal.
2. Nos contratos a celebrar serão respeitados os direitos adquiridos e concedido o período de adaptação que se mostrar justificado pelas circunstâncias de cada caso concreto».

3.3.13. Resulta assim do disposto nos Decretos-lei 90/90 e 86/90, que a concessão é titulada não por alvará, mas por um contrato administrativo de concessão de exploração, deixando-se de conceber a existência de um direito à concessão de exploração sem a celebração do respetivo contrato, de forma que, o contrato passou a constituir o título de aquisição do direito à concessão de exploração.
Assim, por força do disposto no art.º 46.º do DL 90/90 e 58.º do DL 86/90, também relativamente às concessões de exploração que já existiam antes da entrada em vigor deste novo quadro legal, que eram tituladas por alvará, como é caso da concessão de exploração de que a apelante é titular, passou a impender sobre a apelante a obrigação de celebrar contrato administrativo nos termos em que o mesmo se encontra previsto nesta nova legislação, cujo conteúdo tem de respeitar os elementos essenciais nela assinalados, entre os quais, a indicação do prazo da concessão.
Em suma, passou a haver um ónus de contratar sobre o concessionário que foi assim colocado como que numa situação de estado de sujeição à celebração de um contrato. Na verdade, por força da nova legislação, o alvará que titulava a concessão da exploração, deixará de subsistir em consequência da aplicação do novo regime, passando a existir um dever de celebrar o contrato como «elemento fundamental de titulação dos “direitos adquiridos”, subsistindo a anterior relação de modo precário, na condição da celebração do contrato e até à respetiva outorga.
E o respeito pelos direitos adquiridos da apelante, situar-se-á na definição do conteúdo e do objeto do contrato, pressupondo necessariamente a celebração do contrato.» - cfr. Parecer da PGR, n.º 77/93.
Quanto à consequência para a não celebração do contrato por parte do concessionário, a mesma não foi expressamente prevista nos referidos diplomas legais, tratando-se de uma lacuna que carece de ser integrada mediante recurso ao mecanismo do 10.º do Cód. Civil, ou seja, mediante apelo a casos análogos.
A este respeito, salienta-se no referido parecer da PGR n.º 77/93 que caso o concessionário não respeite a exigência de celebrar o contrato então «não cumprirá um dever inteiramente análogo aqueles que, se existisse já o contrato, determinariam a extinção deste por rescisão. Ou, de outro modo, não satisfaz um ónus que a lei impõe como condição de titulação da sua posição de concessionário da exploração.
Por isso, a recusa da celebração do contrato por parte do concessionário, constituirá, assim, motivo de extinção da concessão.».
3.3.14. Aqui chegados, não susbiste qualquer dúvida, que impendia sobre a Administração o dever de notificar a apelante, enquanto concessionária das “Termas das (...)” para celebrar o contrato administrativo, configurando a recusa da concessionária o incumprimento de um ónus de reformulação do título de concessão decorrente do DL 90/90 e DL 86/90, que determina a revogaçao do alvará e a extinção da concessão.
3.3.15.E esse contrato, tinha de prever, um prazo. Com efeito, resulta do disposto nos artigos 22º, nº1 do Decreto-Lei nº 90/90 e 24º do Decreto-Lei nº86/90, que do conteúdo do contrato, deve constar a referência ao prazo de concessão, constituindo a sua previsão um elemento essencial do novo contrato administrativo a celebrar.
E a previsão de um prazo de 50 anos no contrato administrativo para a concessão de exploração, suscetível de ser renovado por dois períodos de 20 anos cada um, diversamente da posição que a apelante sustenta, não viola os seus direitos adquiridos, cuja salvaguarda é expressamente acautelada nos artigos 46.º do DL 90/90 e 58.º do DL 86/90.
3.3.16. A proteção aos direitos adquiridos pelos anteriores titulares de concessões, como é o caso da apelante, não inclui a garantia da perpetuidade e da gratuitidade das concessões.
Não se olvida que antes da vigência dos Decretos-lei 90/90 e 86/90 a apelante era titular de uma concessão de exploração titulada por alvará que lhe conferia uma licença para a exploração das “Termas de (...)” tendencialmente definitiva, de duração ilimitada e gratuita e que, agora, por força da nova disciplina legal introduzida pelos referidos diplomas, a concessão de exploração terá de ser sujeita, além do mais, a um prazo de vigência, embora muito dilatado, porquanto a Adminstração estabeleceu um prazo de 50 anos, suscetível de ser renovado duas vezes, por períodos de 20 anos de cada vez.
Porém, a proteção da confiança no sentido da preservação dos direitos adquiridos não possui o alcance de inviabilizar toda e qualquer alteração de regime jurídico, impondo concessões de exploração das águas minerais com carácter perpétuo e a título gratuito.
Pese embora o princípio geral em matéria de aplicação das leis no tempo, seja o de que a lei apenas dispõe para o futuro ( n.º1, 1.ª parte, do artigo 12.º do Cód. Civil), não só não está excluído que o legislador ordinário atribua eficácia retroativa à nova lei ( 2.ª parte do referido preceito legal), como é certo que o princípio geral de que a lei só dispõe para futuro cede quando a lei nova dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Em tais casos, entender-se-á que o âmbito de aplicação da lei nova abrangerá as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor ( n.º2, 2.ª parte do mesmo dispositivo).
Em relação ao artigo 46.º do DL 90/90 escreve-se no referido parecer da PGR, que «o novo regime fixado aplica-se para o futuro - e este é o principio resultante da aplicação da regra geral de direito transitório formal contido no artigo 12º, nº 1 do Código Civil -, mas abrangendo também as situações constituídas no passado e que subsistem à data da entrada em vigor, que devem ser adaptadas de acordo com a nova disciplina. O novo regime não projecta os seus efeitos para o passado, mas, ao projectá-los para o futuro, abrange situações constituídas no passado e ainda subsistentes; não tem aplicação retroactiva própria, mas efeitos retrospectivos ou de retroactividade imprópria ou inautêntica … O conceito de direitos adquiridos tem sido construído como instrumento de garantia da esfera jurídica dos destinatários dos ordenamentos jurídicos face à sucessão de normas no tempo ou à concorrência de normas no espaço….Grosso modo, tem como subjacente a ideia de que tudo aquilo que se radicou na esfera jurídica com um certo grau de firmeza à sombra de certo ordenamento, deve ser respeitado por ordenamento diferente.Tem sido, porém, acentuada a controvérsia na dogmática jurídica quanto à densificação do conceito, abundando a diversidade de critérios para o distinguir de outras realidades, nomeadamente do que se designa por simples expectativas jurídicas…
De todo o modo, construindo o conceito como instrumento de garantia nos casos de sucessão de regimes legais, para temperar, no plano subjectivo, os efeitos da retroactividade (autêntica ou imprópria) do regime legal posterior, o plano da confiança, ou da protecção da confiança constitui um elemento permanente de referência na concretização e integração do conceito …“Rigorosamente, na técnica jurídica, quando se fala em direito adquirido tem-se em vista o título aquisitivo desse direito e não o seu próprio conteúdo”
O conteúdo do direito desdobra-se em situações jurídicas objectivas ou poderes legais, criados imediatamente pela lei e que, consequentemente, acompanham todas as modificações da lei criadora sem que haja ofensa do princípio da não retroactividade.
Tratando-se, porém, do título aquisitivo do direito, poder-se-á dizer que se subjectivizou uma determinada situação jurídica (situação jurídica subjectiva) no uso dos poderes legais, dizendo-se, em consequência disso, adquirido um direito.
O que interessa para a subjectividade é o título aquisitivo e não o conteúdo do direito…): são as relações jurídicas que se constituíram (definitivamente), e não as situações jurídicas objectivas não derivadas de actos de vontade ou poderes legais previstas e criadas imediatamente pela lei..»
3.3.17.E concluiu-se no referido parecer que « Direitos adquiridos, para efeitos da disposição transitória do artigo 46º, nº I do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março, serão, assim, as situações jurídicas em que estavam investidos os titulares de concessões para exploração de recursos geológicos nos termos do respectivo alvará de concessão, (situações jurídicas subjectivas), isto é, em tudo quanto não resultasse objectiva ou directamente da própria lei. A ressalva da referida disposição refere-se claramente ao título de aquisição do direito de concessão, e também às condições específicas que moldavam e acompanhavam o próprio título, subjectivizadas nos titulares de direito, mas não já os elementos objectivos, previstos e resultantes directamente da lei, e que objectivamente conformam a própria disciplina e o conteúdo da relação de concessão.»
Referindo-se especificamente a situações de retrospetividade ou retroatividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90 afirma solenemente não haver «um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados.
(…)O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos um investimento de confiança na manutenção do regime legal».
Também no acórdão n.º 285/92, de 22/07/1992, o TC reafirmou que “não há, com efeito, um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes”, acrescentando que “o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal” (sublinhado nosso).».
Este entendimento é também aquele que é afirmado pelo professor Joaquim Gomes Canotilho no parecer que elaborou sobre o regime jurídico da prospecção, pesquisa e exploração dos recursos geológicos, em especial das águas minerais Cfr. Joaquim Gomes Canotilho, in Parecer elaborado sobre o regime jurídico da prospecção, pesquisa e exploração dos recursos geológicos, em especial das águas minerais, pp. 310, constante de fls 294 a 324 do processo 00995/08.6BEVIS, referido no Acórdão do TCAN de 19.04.2018., proferido no referido processo, disponível in base de dados da dgsi.pt., quando adverte que: “… o Tribunal Constitucional [ Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro] entende que não existe um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal das relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados…”, continuando a referir que “…uma aplicação constitucionalmente orientada a disciplina transitória prevista pelos Decretos-Leis n.º 86/90 e n.º 90/90 de 16 de Março nem sequer conduz a uma frustração das expectativas jurídicas. A salvaguardada dos direitos adquiridos ficará satisfeita com a previsão de um longo prazo de concessão, susceptível de renovações…”.
3.3.18. Aqui chegados, não divisamos que se mostrem lesados ou violados quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos de que a apelante fosse titular, com a previsibilidade da necessidade do estabelecimento de um prazo – longo, nos contratos de concessão de exploração de águas mineromedicinais.
Como bem referem os senhores juízes do TAF de Braga no acórdão em que julgaram a reclamação para a conferência do aresto sob sindicância «No que tange ao pedido do reconhecimento do direito à Autora da perpetuidade da concessão, a consagrar no contrato, ou de pelo menos, para que seja fixado no clausulado do contrato um período de concessão mínimo de 90 anos, cumpre somente realçar que, não obstante o direito à exploração configurar um direito adquirido (ainda que a subsistência de tal direito se mostre sujeita ao ónus de celebração de contrato de concessão), tal direito não se mostra dotado da perpetuidade sustentada pela Reclamante, resultando, de forma objectiva e directa, do novo regime jurídico aprovado em 1990, a limitação temporal da concessão enquanto elemento essencial do contrato (cfr. art.º 22', n.'1, do Decreto -Lei n.' 90/90, de 16 de Março).
Daí que, e tendo presente o espaço de livre conformação das partes, no que tange à liberdade de contratar, e quanto à fixação de prazo, a proposta apresentada (concessão por 50 anos, e de duas prorrogações por períodos de 20 anos) para efeitos de celebração do contrato de concessão, se não mostre desconforme com quaisquer princípios por que se rege o agir administrativo, nomeadamente dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, nem põe em causa quaisquer direitos da Autora, e posto se não demonstrar que, perante situações idênticas a administração tenha proposto condições diversas daquelas que resultaram propostas à Autora.
Assim, não pode obter valimento a pretensão que, a este respeito, é formulada pela Reclamante.»
Também em sentido concordante com o entendimento perfilhado na decisão recorrida, pronunciou-se o Senhor Procurador Geral, junto deste TCAN, no seu parecer, aí se podendo ler que «… numa breve menção ao que consideramos ser a melhor interpretação das normas constantes dos DLs 86/90 e 90/90, tal como bem se aponta na decisão recorrida, não está em causa que o direito à exploração possa ser qualificado como um direito adquirido. Mas a conformação e subsistência de tal direito não pode ser, (como nem no direito de plena propriedade é) infinita e ilimitada, por força da lei. E o certo é que no quadro legal vigente tal direito não se mostra dotado da perpetuidade, pois a Lei estabelece que a limitação temporal da concessão é elemento essencial do contrato, desde logo conforme previsto no artigo 22º, n.º1, do Decreto -Lei n.º 90/90, de 16 de Março)».

Neste sentido, veja-se ainda o Acórdão deste TCAN, de 19.04.2018, proferido no processo 00995/08.6BEVIS, que numa situação em tudo idêntica à que constitui objeto dos presentes autos discorreu do seguinte modo: « (…)Já no que respeita aos direitos adquiridos, importa não esquecer que o anterior regime foi revogado, aplicando-se imediatamente o novo regime legal, pelo que não faz qualquer sentido que se altere a lei mantendo-se, contudo, em vigor, as normas já revogadas, dado que se verifica uma verdadeira modificação da relação jurídico-administrativa. O que a lei prevê é um regime de transição, no âmbito do qual o título de aquisição do direito de concessão passa a ser o contrato administrativo, ao invés do que sucedia anteriormente, em que tal direito era titulado por alvará. Os direitos adquiridos que se visa proteger com as invocadas normas referem-se à obrigação/ónus que impende sobre a Administração, de contratar, tal como sucede do lado do concessionário que, caso não celebre novo contrato, vê extinta a concessão respectiva. Aliás é o próprio artigo 46º do DL 90/90 que alicerça a actuação vinculada por parte da Administração, ou seja, a conclusão de que o acto administrativo objecto dos autos é um acto vinculativo. Donde facilmente se compreende que não basta celebrar um novo contrato nos exactos termos em que o anterior havia sido celebrado, nomeadamente face à pretendida perpetuidade, dado que se verifica a necessidade de uma “titulação adequada” dos direitos adquiridos, aplicando-se de imediato o regime de concessões actualmente vigente. De facto, as situações constituídas no âmbito da anterior legislação devem ser adaptadas de acordo com a nova disciplina jurídica vigente, reguladora do exercício da actividade e aplicável ao universo dos concessionários de águas minerais naturais isto é “ (…) o contrato deve ser celebrado, os elementos essenciais estão enunciados (direitos e obrigações, área abrangida, prazo, condições exigidas), as causas de extinção referem-se ao contrato. Revogado o anterior regime, e enquadradas normativamente as soluções no plano contratual, o regime definido não contém disposições ou soluções que se refiram à relação jurídica anterior, subsistente até à celebração do contrato, nomeadamente que respeitem às causas da sua extinção” - contrapõe, e bem, o Réu/Recorrido. E acrescenta: rigorosamente, na técnica jurídica, quando se fala em direito adquirido tem-se- em vista o título aquisitivo desse direito e não o próprio conteúdo; é que “direitos adquiridos, para efeitos da disposição transitória do artigo 46º/1 do DL 90/90, de 16/3, serão as situações jurídicas em que estavam investidos os titulares de concessões para exploração de recursos geológicos nos termos do respectivo alvará de concessão, (situações jurídicas subjectivas), ou seja, em tudo o que não resultasse objectiva ou directamente da própria lei, referindo-se assim, ao título de aquisição do direito de concessão, bem como às condições específicas que o moldavam e acompanhavam o próprio título, subjectivizadas nos titulares de direito, mas não já aos elementos objectivos, previstos e resultantes directamente da lei, e que objectivamente conformam a própria disciplina e o conteúdo da relação da concessão.
Constitui, assim, direito dos concessionários explorar os recursos nos termos da lei e do contrato (vide artigo 23º/1/alínea a) do DL 90/90), pelo que esse direito só pode obviamente ser exercido no âmbito da disciplina que na lei vigente regula o contrato administrativo. Donde, não existem dúvidas quanto à qualificação do direito à exploração como direito adquirido, ou seja, quem adquiriu o direito de explorar ao abrigo da legislação anterior, mantém esse direito ao abrigo da nova legislação. Já a pretendida duração ilimitada da concessão enquanto elemento objectivo, remete directamente para a disciplina e conteúdo da relação de concessão, não abrangidos pelo conceito de direitos adquiridos.
Na realidade, sempre se dirá que, no âmbito da lei vigente, a actividade de exploração de recursos geológicos integrados no domínio público é exercida no âmbito de um prazo a fixar nos contratos de concessão, estatuindo a legislação em causa que as situações constituídas no passado devem pois ser adaptadas de acordo com a nova disciplina, ou seja o direito adquirido de exploração na área territorial concedida deve ser adaptado à disciplina jurídica vigente reguladora do exercício da actividade e aplicável ao universo dos concessionários de águas minerais naturais. Por outro lado, dispõe o artigo 20º do DL 86/90, que deverão figurar no contrato o prazo da concessão e as condições exigidas para eventuais prorrogações, sendo que, quer o artigo 29º/alínea a) do DL 90/90, quer o artigo 33º/1/ alínea a) do DL 86/90, preveem a extinção do contrato por caducidade (decurso do prazo de vigência). Note-se que, no âmbito da lei vigente, e de acordo com o princípio da prossecução do interesse público, os contratos de concessão de exploração de bens integrados do domínio público do Estado, em a que as situações em apreço se deverão conformar, têm, neste caso, prazo de vigência, sendo imperativa a norma relativa às cláusulas contratuais (vide artigos 22º/1 do DL 90/90 e 20º/alínea d) do DL 86/90), pelo que o prazo de vigência do contrato é elemento essencial do mesmo.

3.3.19. Em face de tudo quanto vem alegado, forçoso é concluir que a apelante não tem direito a que este TCAN reconheça a sua pretensão, uma vez que, a celebração do contrato administrativo nos termos que lhe foi proposto pelo apelado, proteje os seus direitos adquiridos em cujo âmbito não se inclui a garantia da perpetuidade da concessão de que é titular, sequer a sua gratuitidade. Antes, o que resulta do complexo normativo dos Decretos-lei 90/90 e 86/90, ambos de 16 de março, é que se impõe à apelante a obrigação de outorgar o referido contrato administrativo, nos termos em que o mesmo lhe vem proposto pelo apelado e do qual resultam salvaguardos os seus direitos adquiridos que, no caso, se cingem à garantia do direito à exploração e à área concedida, que permanecem intocados.
Termos em que improcedem os apontados fundamentos de recurso.
*
4. Do erro de julgamento decorrente da violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
4.1. Sustenta ainda a apelante que a fixação do prazo que lhe foi comunicado para a concessão de exploração das “Termas de (...)” viola o princípio da igualdade, na sua vertente de tratamento diferenciado de situações diferentes e do princípio da proporcionalidade.
A seu ver, o prazo para a concessão de que é titular, terá de ser substancialmente mais alargado do que o prazo contratualmente previsto para as novas concessões outorgadas após a entrada em vigor do novo regime jurídico da exploração das águas mineromedicinais.
Com efeito, se, para os contratos de concessão outorgados posteriormente à entrada em vigor dos Decreto-lei 86/90 e 90/90 foi estabelecido um prazo de 50 anos renovável por dois períodos sucessivos de 20 anos (num total de vigência de 90 anos), então, necessariamente se terá que concluir, atendendo à lógica dos direitos adquiridos e aos referidos princípios da igualdade e proporcionalidade, que o prazo das concessões constituídas antes da entrada em vigor daqueles diplomas terá que ser substancialmente maior.
Assim, do ponto de vista da apelante, a mesma sustenta que tem direito a que o contrato administrativo de concessão seja celebrado por um prazo superior ao das concessões posteriores à entrada em vigor dos Decretos-lei nos 86/90 e 90/90, ou seja, em obediência aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, o prazo de duração do novo contrato a celebrar nunca poderá ser inferior a 90 anos prorrogáveis por dois períodos sucessivos de 20 anos que, a bem dizer, seria como que estabelecer a perpetuidade da concessão.
Mas sem razão.
4.2. Estabelece o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março que o contrato de concessão deve conter, entre outros elementos, o prazo. Também a alínea d) do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 86/90, de 16 de março, diploma relativo ao aproveitamento de águas minerais naturais, prescreve que o respetivo contrato de concessão deve conter o seu prazo de vigência e eventuais prorrogações.
Pese embora não decorra das referidas disposições legais dos Decretos-lei 90/90 e 86/90, que contêm a disciplina legal aplicável às concessões de exploração da jaez da que é titular a apelante, qual o prazo a estabelecer para a vigência das concessões, essa determinação é da competência da Administração e, desde que se trate de um prazo suficientemente longo, como se constata que é o prazo indicado na minuta de contrato enviada à apelante, não há razão para que a apelante se oponha ao prazo definido.
A questão da definição do prazo, é matéria que o legislador reservou à liberdade negocial das partes, salvaguardados os limites a que nos referimos acima reportados aos direitos adquiridos, no sentido de não ser violador do princípio da confiança («permitindo ao concessionário amortizar ou recuperar os investimentos efectuados até 1990 – data da nova lei - com base no alvará perpétuo anteriormente detido»).
4.3.Como resulta das considerações que tivemos o ensejo de efetuar a propósito da questão de saber se a proposta de contrato apresentada à apelante, na qual se previa o estabelecimento do prazo de 50 anos para a vigência da concessão, com a possibilidade da sua renovação por duas vezes, por um período de 20 anos cada uma, o que, no fundo, se traduz num prazo de 90 anos para a dita concessão de exploração, violava o leque dos seus direitos adquiridos, verificamos que o direito direito à celebração de um contrato perpétuo não está englobado no conceito de direitos adquiridos. E no que concerne à sua pretensão de ver esse prazo da concessão fixado em 90 anos, com a possibilidade de ser renovado duas vezes, por um período de 20 anos de cada vez, é patente que esse direito não lhe assiste.
Conforme se sumaria no citado Acórdão deste TCAN, de 19-04-2018 «I.2-também não pode admitir-se a hipótese defendida por esta, nos termos da qual deverão ser fixados diferentes prazos consoante se tratem de concessões outorgadas antes ou após a entrada em vigor da legislação aplicável, exactamente por questões de igualdade e de proporcionalidade, princípios que invoca para fundamentar a sua pretensão e que considera terem sido violados.» (sublinhado nosso)»
4.4. O prazo que foi definido pelo apelado, estabelecido no exercício de amplos poderes discricionários que lhe foram claramente facultados pela lei, conforme resulta da previsão legal de cada um daqueles normativos, impõe-se à apelada, que apenas teria o direito de sindicar a definição desse prazo caso o mesmo afrontasse os elementares princípios da proporcionalidade e adequação, o que, ante a longevidade desse prazo, de todo não sucede.
Na verdade, perante um prazo de 50 anos para a vigência da concessão, com a possibilidade de duas renovações por 20 anos cada uma, o que pode conferir à concessão um prazo de vida de 90 anos, não divisamos qualquer violação ao princípio da proporcionalidade, uma vez que, esse prazo permite não só salvaguardar os investimentos que a apelante tenha efetuado na base do direito de que era titular a uma concessão que lhe franqueava um horizonte ilimitado de durabilidade, como ainda preparar-se para o projetado fim dessa concessão, na pior das hipoteses a 50 anos de distância e, na melhor das hipoteses, a 90 anos de distância.
4.5. No que concerne à alegada violação do princípio da igualdade, é também manifesta a falta de razão da apelante, desde logo, por não se não demonstrar que, perante situações idênticas a administração tenha proposto condições diversas daquelas que foram oferecidas á apelante.
Conforme assinala o apelado, no ofício datado de 04.04.2008, recebido pela apelante em 07.04.2008 « Decorridos mais de 18 anos sobre a publicação dos Decretos-lei 90/90 e 86/90, ambos de 16 de Março, 95% dos concessionários já fizeram o enquadramento legal das suas concessões, isto é, procederam à substituição dos respetivos Alvarás por Contratos de Concessão» e «Em todos os contratos assinados foi estabelecido um prazo com as condições para eventuais prorrogações ( tal como previso na alínea d) do Artigo 20.º do Decreto-lei nº 86/90…» ( ponto 15 dos factos assentes).
Com interesse para esta questão, dada a similitude das situações, não podemos deixar de invocar novamente o citado Acórdão deste TCAN, de 19.04.2018 no qual se afirma que «… todas as concessões que estavam outorgadas em 16 de março de 1990, data em que é publicada a legislação sobre os recursos geológicos, sofreram já as devidas adaptações à lei vigente, tendo os respectivos alvarás sido substituídos pelos contratos de concessão de exploração, faltando unicamente a concessão de Caldelas, cujo processo, informa o Recorrido, se encontra em discussão junto do TAF de Braga e a concessão da Curia - em causa nos presentes autos - sendo que, em todos os contratos assinados foi aplicado o princípio da equidade, tendo sido fixado um prazo contratual, com um período inicial de 50 anos, prorrogado por dois períodos sucessivos de 20 anos cada, razão pela qual não faz qualquer sentido que o MEE, através da DGEG, venha agora negociar com os dois referidos concessionários, nomeadamente no que respeita à ora Recorrente, prazos diferentes daqueles que foram aceites pelos restantes concessionários, em respeito pelo enquadramento legal aplicável às respectivas concessões, incorrendo, desse modo, em manifesta violação do princípio da igualdade, invocado, a despropósito, pela Autora/Recorrente. Na verdade, a ser agora negociado com a Recorrente um contrato com um período inicial de 50 anos, esta ficaria, claramente, numa situação de vantagem sobre aqueles concessionários que deram enquadramento legal às concessões em 1990, tendo aceitado esse período de 50 anos, já há mais de 20 anos!!! E como bem refere o acórdão recorrido “… é um prazo razoável para salvaguardar o regime transitório dos direitos adquiridos, sem esquecer que tratando-se de prestações duradouras/situações mais ou menos continuadas e de vida longa, não seria razoável que ficassem indefinidamente ligadas ao facto que lhe deu origem.” - o que, aliás, decorre do disposto na 2ª parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil.»
A ofensa ao principio da igualdade só se verifica quando perante situações iguais a administração trate diferenciadamente os destinatários das suas decisões, na condição dessa sua atuação estar em conformidade com o principio da legalidade, uma vez que, não há igualdade na ilegalidade.
No caso, as situações preexistentes à data da entrada em vigor dos dos Decretos-lei 90/90 e 86/90 foram alvo do mesmo tratamento que se se propõe para a apelante, pelo que não há qualquer violação do princípio da igualdade.
Termos em que improcedem os apontados fundamentos de recurso.
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5. Do direito à perceção de uma indemnização
5.1. Para o caso, como sucede, de se entender que a apelante se encontra vinculada ao prazo definido no despacho impugnando, a mesma advoga que nessa hipótese terá direito a ser indemizada pelos prejuizos decorrentes da alteração de um elemento determinante da relação jurídica contratual, como é a fixação de um prazo para a concessão da exploração de que é titular.
Nas suas conclusões ( 46,47, 48 e 49) aduz que ao impor a modificação do contrato, seja com fundamento em alteração legislativa, seja com fundamento na sua avaliação do interesse público em cada momento, a entidade pública frustra as expetativas económico-financeiras do co-contratante, adiantando estar em causa uma modificação de um elemento essencial do contrato que é o seu prazo de vigência, que é manifestamente, determinante no equilíbrio dos interesses contratuais envolvidos, uma vez que toda a exploração e investimentos levados a cabo por si ao longo da vigência do alvará régio de que é titular têm vindo a ser feitos contando com a perpetuidade da concessão e não com base num prazo de vigência de 50 anos.
Assim, pretende que lhe seja reconhecido o direito á condenação do Réu no pagamento da indemnização devida pela alteração unilateral de um dos elementos essenciais da concessão — o prazo de vigência — em montante a liquidar em sede de execução de sentença nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e no artigo 471º, nº1 al. b) e nº 2 do CPC/1961 (cuja redação foi mantida pelo artigo 556.º do CPC/2013), aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
5.2. Mas sem razão, conforme bem decidiu o TAF de Braga no acórdão que apreciou a reclamação contra o aresto recorrido, e que aqui reproduzimos:
«De igual sorte, no que concerne à pretensão indemnizatória que, a título subsidiário, é deduzida pela Autora.
Neste particular, mais uma vez se salienta que o direito à exploração que havia sido concedido à Autora se manterá com a outorga do contrato, assim a Autora o deseje, não tendo aqui aplicabilidade uma eventual responsabilização do Estado, por uma alegada alteração dos elementos essenciais da anterior relação jurídica.
Neste particular, a situação jurídica anterior não resulta contrato de concessão, o que torna imprestável, a previsão do art.º 180º, alínea a), do CPA, posto se não estar nem em presença de uma alteração uma relação jurídica de base contratual, não se mostrando sequer a anterior situação jurídica caracterizada por qualquer bilaterialidade das prestações do Estado e da Autora, mostrando-se ausente qualquer ideia de equilíbrio das prestações que pudesse permitir o equacionar de uma qualquer indemnização motivada pela necessidade de reposição de um alegado equilíbrio financeiro.
E não pode deixar de se anotar que a tese esgrimida pela Autora, de que o DL 90/90, teria convertido, ope legis, a situação jurídica anterior numa relação de tipo contratual, carece de qualquer fundamento, e posto a relação de base contratual depender da outorga do contrato cuja celebração pretende a Autora obstar com a presente acção.»
5.3. Decorre das considerações que antecedemente se efetuaram, que a necessidade da fixação de um prazo na concessão é determinada pela alteração do regime jurídico constante dos Decretos-Lei 90/90 e 86/90, ambos de 16 de março, elaborado no âmbito do poder legislativo, que se impõe à administração e a todas as concessões existentes.
Essas alterações, que impõem a vinculação das partes à celebração de um contrato administrativo com o estabelecimento de um prazo para a vigência da concessão de exploração, não acarretam qualquer responsabilidade civil do Estado suscetível de gerar um direito a uma qualquer indemnização, posto que, como vimos, os direitos adquiridos pela apelante ficam salvaguardados com a proposta de contrato que lhe foi comunicada pelo apelado, sendo certo que no leque dos direitos adquiridos não se inclui a proteção da perpetuidade da concessão de exploração que decorria do anterior regime que tinha como aspeto marcante, efetivamente, a durabilidade ilimitada das concessões, que eram então tituladas por um alvará.
Nesse sentido, aponta também o Ac. do TCAN, de 19.04.2018, processo 00995/08.6BEVIS nele se tendo decidido que « …improcede o alegado quanto ao pedido indemnizatório porquanto não só o Recorrido se limita a respeitar a lei, numa actuação vinculada, como a Recorrente, não logra demonstrar os pressupostos de facto e de direito e respectivos fundamentos em que alicerça o pedido indemnizatório para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado por, segundo aquela, ter sofrido um dano especial e anormal conforme o acórdão sob escrutínio bem apreciou e decidiu.»

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente apelação, por soçobrarem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, devendo confirmar-se o aresto recorrido.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelas Apelantes, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Registe e notifique.
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Porto, 15 de maio de 2020.


Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro