Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01084/20.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:DIVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL, PRESCRIÇÃO.
Sumário:I – O regime especial da enunciação das causas de interrupção e da suspensão da prescrição das dívidas à segurança social constante, sucessivamente, dos artigos 63º nº 3 da Lei nº 17/2000 de 8/8, 49º nº 2 da Lei nº 32/2002 de 20/12, 60º nº 4 da lei nº 4/2007 e 187º nº 2 do Código dos Regimes contributivos, aprovado pela Lei nº 110/2009 de 16/9 complementa-se, quanto aos efeitos dessas causas de interrupção (instantâneos ou duradouros), com recurso directo às normas do regime geral da prescrição contidas nos artigos 326º e 327º nº 1 do Código Civil, isto é, sem recurso as normas do artigo 49º da LGT.

2 – Quanto à comunicabilidade das causas de interrupção entre o devedor principal e devedores solidários ou subsidiários, aplicam-se os nºs 2 e 3 da do artigo 48º da LGT, já que não existem normas especiais nesta matéria para as dividas contributivas.

3 – A aplicação do artigo 327º nº 1 do CC às dívidas por contribuições à Segurança Social não ofende os princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídica, do direito à tutela jurisdicional efectiva, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público com respeito pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

Relatório

M., contribuinte (…), NISS (…), residente na Travessa (…), revertido no processo de execução fiscal nº 1601200601056379 do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, interpôs o presente recurso de apelação relativamente à de 11/12/2020 do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a sua reclamação contra a não declaração da prescrição das dívidas à Segurança Social ali exequendas, relativas a contribuições dos períodos de 2003/06 a 2007/03, totalizando, a quantia exequenda 17 586,14 €.

Do corpo da alegação transcrevemos os seguintes excertos:
«(…)
Os factos considerados assentes e provados pelo tribunal a quo, com os quais o recorrente concorda e aceita, são os seguintes:
(…)
Na esteira e seguimento do que já foi oportunamente alegado, invocado e suscitado, quer junto do órgão de execução fiscal, quer junto do tribunal a quo, e com vista à delimitação do objeto do presente recurso, a questão que se coloca à consideração deste venerando tribunal é a seguinte:
Apreciação da inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 327.º, nº 1, do Código Civil, por violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica, bem como do direito à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público, quando interpretado, directa ou indirectamente, por interpretação extensiva, analógica ou por qualquer outro tipo de interpretação, no sentido de que o acto de citação, realizado em processo de execução fiscal para cobrança de contribuições ou cotizações à Segurança Social, constitui um acto interruptivo do prazo de prescrição, que implica que um novo prazo de prescrição não possa começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal.

Remata a sua alegação com as seguintes conclusões:
Assim e em CONCLUSÃO:
A) O artigo 327. °, n° 1, do Código Civil não é passível de aplicação, seja a que título for, em matéria tributária, designadamente em matérias substantivas, como é o caso da prescrição;
B) Que, além do mais, é matéria sujeita ao regime de conhecimento oficioso;
C) A aplicação deste normativo em matéria tributária viola básicos e elementares princípios jurídico-tributários e origina resultados absolutamente disfuncionais e incoerentes;
D) Tal como sucede no caso sub judice.
E) Na medida em que, tendo decorrido um prazo muito superior a cinco anos, desde a ocorrência de último facto susceptível de resultar na interrupção do prazo legal de prescrição das dívidas à Segurança Social subjacentes a este processo de execução fiscal (citação, ocorrida no dia 6-10-2011), ainda assim esta não se mostra declarada ou reconhecida nos presentes autos.
F) Aliás, de acordo com a interpretação jurídico-normativa sustentada pelo tribunal a quo, que efectivamente reitera entendimento jurisprudencial maioritário, jamais este processo de execução fiscal poderá ser extinto por efeito da prescrição das correspondentes dívidas tributárias;
G) Atento o, artificialmente reconhecido, efeito interruptivo duradouro atribuído ao acto de citação em processo de execução fiscal, com fundamento no disposto no referido artigo 327.º, n° 1, do Código Civil.
H) Atentos os imperativos decorrentes do princípio da legalidade e da indisponibilidade, vigentes em matéria tributária, por via desta orientação jurisprudencial a Administração Tributária ficará absolutamente impedida de decretar a extinção, por efeito da prescrição, de qualquer processo de execução fiscal que envolva a cobrança de contribuições ou cotizações devidas à Segurança Social.
I) Promovendo uma potencial eternização temporal, com esse fundamento, de múltiplos processos de execução fiscal, tal como sucede com o processo de execução fiscal que está subjacente aos presentes autos;
J) Esvaziando de todo e qualquer sentido múltiplas normas legais, que regulam o regime legal da prescrição das dívidas à Segurança Social, entre as quais se incluem, designadamente, os artigos 175. ° e 176. °, n° 1, do CPPT; o artigo 63. °, n° 2, da Lei n° 17/2000, de 8/8; o artigo 49.°, da Lei n° 32/2002, de 20/12; o artigo 60.°, da Lei n° 4/2007, de 16/1 e o artigo 187.°, da Lei n° 110/2009, de 16/9;
K) Na verdade, o acto de citação em processo de execução fiscal não tem, sequer, o mesmo contexto jurídico-normativo do acto de citação a que se reporta o artigo 327. °, n° 1, do Código Civil;
L) Pela sua própria natureza, o processo de execução fiscal assume como objectivo a cobrança coerciva de dívidas tributárias;
M) E na esmagadora maioria dos casos, não está sujeito a qualquer acto jurisdicional, susceptível de transitar em julgado, para findar ou colocar um termo ao processo;
N) Tal como resulta das causas de extinção do processo de execução fiscal taxativamente previstas no artigo 176. °, n° 1, do CPPT;
O) Em face da matéria de facto que se mostra provada nos autos, é imperativa a conclusão no sentido de que já decorreu, há muito, o prazo de prescrição das correspondentes dívidas tributárias, que estão subjacentes ao mencionado processo de execução fiscal;
P) Devia, por isso, ter sido decretada a extinção desse processo, com este fundamento, ao contrário do que resultou da douta decisão recorrida;
Q) O referido artigo 327. °, n° 1, do Código Civil não é aplicável à matéria em discussão nos presentes autos;
R) Este normativo está ferido de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica, bem como do direito à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público( ), quando interpretado no sentido de atribuir ou reconhecer que o acto de citação, realizado em processo de execução fiscal para cobrança de contribuições ou cotizações à Segurança Social, constitui um acto interruptivo do prazo de prescrição, que implica que um novo prazo de prescrição não possa começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal;
*
Notificada, a Fazenda Pública não respondeu à alegação do Recorrente.
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O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, do qual parecer transcrevemos o essencial:
«….
A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida – art.º 63.º n.º 3 da Lei 17/2000 de 8 de Agosto.
Entre essas diligências temos a notificação para audiência prévia do potencial revertido que determinou, na data em que dela teve conhecimento, em 14 de Março de 2008, a inutilização para a prescrição do tempo anteriormente decorrido e o início da contagem de novo prazo de 5 anos.
Assim, devido a essa interrupção, o prazo de prescrição da dívida mais antiga completar-se-ia em 14 de Março de 2013.
Todavia, em 6 de Outubro de 2011 ocorreu a citação do revertido, ora reclamante, para a execução fiscal.
Logo, essa citação interrompeu o prazo de prescrição nos termos do art.º 323.º n.º 1 do Código Civil, prazo esse que não volta a correr enquanto estiver pendente o processo de execução fiscal por força do teor do art.º 327.º n.º 1 do Código Civil.
Assim, será de acolher a tese da sentença recorrida quando entende não se verificar a prescrição.
Quanto às suscitadas inconstitucionalidades, acompanhamos igualmente a sentença recorrida».

II- Questões a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Assim, as questões colocadas a este Tribunal consistem em apreciar se a interrupção do prazo de prescrição das dividas por contribuições à Segurança Social operada pela citação do revertido para o processo de execução fiscal em 6/10/2011 tem efeito duradouro, por força do o artigo 327º nº 1 do CC, devendo, no caso afirmativo, discutir-se a constitucionalidade material daquela norma, com esta interpretação, por ofensa dos “princípios da segurança e da confiança jurídica, bem como do direito à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público”.

III Apreciação do objecto do Recurso

Da sentença recorrida:

Convém transcrever, para melhor entendimento da discussão que segue, por serem os essenciais quanto à questão sub juditio, os seguintes excertos da sentença recorrida:
«Com relevo para a decisão a proferir na presente acção, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Correm termos na Secção de Processo Executivo de Viana do Castelo do IGFSS, IP (OEF) o processo de execução fiscal (PEF) n.° 1601200601056379 e apensos, por dívidas de contribuições/cotizações, relativas aos períodos de 2003.06 a 2007.03, instaurados contra “I., Lda..” (cfr. informação elaborada pelo OEF, constante de fls. 98/104 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
B) O PEF e apensos referido no ponto anterior foi instaurado para a cobrança das seguintes dívidas (cfr. informação elaborada pelo OEF, constante de fls. 98/104 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais):
(i) processo de execução fiscal n.° 1601200601056379 concernente a cotizações dos períodos de 2003.12 a 2005.04;
(ii) processo de execução fiscal n.° 1601200601056387 atinente a contribuições dos períodos de 2003.06 a 2005.11;
(iii) processo de execução fiscal n.° 1601200601068539 referente a contribuições relativas aos períodos de 2005.12 a 2006.06;
(iv) processo de execução fiscal n.° 1601200701024744 tocante a contribuições relativas aos períodos de 2007.01 a 2007.03;
(v) processo de execução fiscal n.° 1601200900093777 respeitante a contribuições relativas aos períodos de 2005.11 a 2006.12;
C) Em 18.04.2006 a sociedade referida em A) recebeu um documento designado “Citação”, relativo ao PEF n.° 1601200601056379 e apensos (Facto não controvertido e do conhecimento funcional do Tribunal, por consulta ao processo digital n.° 2322/ 16.0BEBRG na plataforma electrónica (SITAF);
D) Em 14.03.2008 o reclamante recebeu um documento com o assunto: “Notificação Audição Prévia respeitante ao PEF n.° 1601200601056379 e apensos (cf. Sentença proferida no processo n.° 2322/16.0BEBRG, nomeadamente o facto considerado provado n. ° 4 (SITAF), inserto a fls. 1/70 do SITAF);
E) Em 06.10.2011 o reclamante recebeu um documento com o assunto: “Citação’, respeitante ao PEF 1601200601056379 e apensos (Facto confessado pelo Reclamante no art. 10° da PI);
F) Em 20.11.2016 o ora reclamante deduziu uma reclamação judicial contra o despacho que não declarou a prescrição das dívidas exequendas, em cobrança no processo de execução fiscal referido em A), que correu termos neste tribunal sob o n.° 2322/16.0BEBRG (cf. informação elaborada pelo OEF, constante de fls. 98/104 do SITAF e do conhecimento funcional do Tribunal, por consulta ao processo digital n.° 2322/ 16.0BEBRG na plataforma electrónica (SITAF);
G) Em 16.01.2017 foi proferida sentença no processo judicial referido no ponto anterior (cfr. informação elaborada pelo OEF, constante de fls. 98/104 do SITAF e conhecimento funcional do Tribunal, por consulta ao processo digital n.° 2322/ 16.0BEBRG na plataforma eletrónica (SITAF);
H) Da sentença referida no ponto anterior consta, entre o mais, o seguinte (conhecimento funcional do Tribunal por consulta ao processo digital n.° 2322/ 16.0BEBRG na plataforma eletrónica SITAF):
“(…)
Pelo exposto se conclui que as dívidas exequendas não se encontram prescritas.
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo improcedente a presente reclamação.”;
I) Em 06.03.2020, no âmbito do processo de execução fiscal n. ° 1601200601056379 e apensos, deu entrada nos serviços da reclamada um requerimento apresentado pelo ora reclamante, nos termos constantes do documento n.° 1 junto à PI e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e no qual termina pedindo ao OEF a extinção do PEF “por efeito da prescrição”,
J) Em 17.07.2020 a PI da presente ação deu entrada nos serviços do OEF (cfr. carimbo aposto a fls. 2 do SITAF);
K) Em 27.07.2020 o OEF elaborou a informação n.° 03/2020, nos termos constantes de fls. 98/104 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido;
L) Em 27.07.2020 sobre a informação referida no ponto anterior recaiu despacho de concordância (cfr. despacho constante de fls. 98 do SITAF);
M) Em 30.07.2020 a PI foi remetida a este Tribunal, aqui dando entrada (cfr. fls. 1 do SITAF).
*
Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão a proferir.
(…)
3.2 DE DIREITO
Ao Tribunal incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, pelo IMMP, sem prejuízo da Lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras — cf. art. 121.° CPPT e art. 608.° n.° 2.° do CPC, ex vi artigo 2° alínea e) do CPPT.
Assim sendo, importa aferir se ocorre a prescrição das dívidas exequendas (PEF n.° 1601200601056379 e apensos).
Vejamos:
Antes de mais, importa sublinhar que a prescrição coloca em causa a exigibilidade da obrigação tributária.
Decorre do actual art.º. 187.° do Código Contributivo aprovado pela Lei 110/2009
que:
“1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.”
O mesmo prazo prescricional de 5 anos decorria já da Lei 17/2000 de 08.08, donde decorria igualmente que aquele prazo prescricional se interrompia “por qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou cobrança da dívida’ — Cf. art. 63. °, n°.3, da Lei 17/2000, de 8/8; art. 49. °, n°.2; da Lei 32/2002, de 20/12; art. 60.°, n°.4; da Lei 4/2007, de 16/1.
Este regime, foi posteriormente mantido, pelas Leis 32/2002, de 20 de Dezembro e 4/2007, de 16 de Janeiro, que em nada alteraram os aspectos essenciais do regime de prescrição das dívidas à Segurança Social.
Decorria do seu art. 49. °, sob a epígrafe “Prescrição das contribuições, que:
“1 - A obrigação do pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prago de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida
Depois, a já enunciada Lei n.° 4/2007, de 16 de Janeiro, veio, através do seu art. 109. °, revogar a Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, passando o regime de prescrição, a constar do seu art. 60. °, que, do ponto de vista substantivo, em nada alterou o regime até aí vigente.
Estabelecia o citado art. 60. °, sob a epígrafe, “Restituição e cobrança coerciva das contribuições ou prestações, o seguinte:
1 - As quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objecto de cobrança coerciva nos termos legais.
2 - As prestações pagas aos beneficiários que a elas não tinham direito devem ser restituídas nos termos previstos na lei.
3 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
4 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.
Este regime veio posteriormente a ser desenvolvido e densificado no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, designadamente no citado art. 187.°.
Na verdade, o prazo de prescrição da obrigação de pagamento das cotizações e contribuições para a Segurança Social foi fixado em 5 anos pelo n.° 2 do art. 63.° da Lei n.° 17/2000, de 8.8, que também estabeleceu que a contagem do prazo se faz “a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida’, regime que se manteve, quer quanto ao prazo quer quanto ao termo inicial do prazo, com a Lei n.° 32/2002, de 20.12 (art. 49.°, n.° 1) e com a Lei n.° 4/2007, de 16.01 (art. 60.°, n.° 3), regimes legais aplicáveis in casu.
Como se vê, no caso em apreço, o prazo a aplicar é de 5 (cinco) anos, constituindo facto interruptivo da prescrição qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida.
Diligências administrativas, para este efeito de obstar à prescrição, são todas aquelas que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor, designadamente a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a intenção de contra si reverter a execução (audiência prévia), assim como a notificação do acto que a decide, etc.
Em súmula, o prazo de prescrição aplicável às dívidas à segurança social é de 5 anos a contar da data em que a obrigação devia ser cumprida, as quais são objecto de disciplina especial em relação às demais dívidas tributárias no que ao prazo e factos interruptivos da prescrição respeita (Cf. os n.°s 1 e 2 do art. 49.° da Lei n.° 32/2002, de 20.12, os n.°s 3 e 4 do art. 60.° da Lei n.° 4/2007, de 16.01 e os n.°s 1 e 2 do art. 187° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16.09).
Determinado que está o prazo de prescrição, cumpre de seguida verificar da ocorrência de factos susceptíveis de influir na contagem desse prazo.
Nos termos da lei, a prescrição, consoante já se avançou, interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida (cf. art. 49.°, n.° 2, da Lei 32/2002, de 20.12; art. 60.°, n.° 4, da Lei 4/2007, de 16.01).
(…)
Ora, o prazo de prescrição deverá ser contado a partir do momento em que a obrigação de pagamento devia ter sido cumprida, de acordo com o previsto no art. 10.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 199/99, de 08.06 e do art. 6.° do Decreto-Regulamentar n.° 226/99, de 27/10, ou seja, a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito (atualmente a partir do dia 20 nos termos do art.° 43.° do Código do Regime Contributivo que entrou em vigor no dia 01.01.2010).
Assim, in casu, a obrigação de pagamento tornou-se certa, líquida e exigível a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito.
Isto posto, importa enfrentar a nossa análise, iniciando a mesma pela quantia exequenda relativa ao mês de junho de 2003 (a dívida mais antiga que se encontra em cobrança no processo de execução fiscal n.° 1601200601056379 e apensos — cfr. alínea B) do probatório).
Assim, a quantia exequenda referente ao mês de junho de 2003 deveria ser paga até 15.07.2003, dia após o qual se verifica o termo inicial da contagem do prazo de prescrição (16.07.2003).
Sendo assim, se nenhuma causa obstasse ao decurso do prazo prescricional de 5 anos, o mesmo completar-se-ia em 15.07.2008.
Porém, informa-nos o probatório que o aqui reclamante foi notificado para efeitos de audição prévia relativamente ao projecto de reversão em 14.03.2008, logo se conclui que o prazo prescricional em curso (de 5 anos) foi interrompido (cfr. alínea D) dos factos provados).
Tal interrupção tem efeito meramente instantâneo, de inutilizar para a prescrição o tempo até então decorrido e de determinar o início de novo prazo, nos termos previstos no art. 326. ° do CC, por não haver suporte legal para que lhe seja atribuído igualmente o efeito duradouro, apenas previsto excepcionalmente para os casos elencados no n.° 1 do seu art. 327.° (cf. Ac. do STA de 20.05.2015, proferido no proc. n.° 01500/14, disponível em www.dpsi.pt).
Por conseguinte, a notificação para audiência prévia do potencial revertido determinou, na data em que dela teve conhecimento (14.03.2008) a inutilização para a prescrição do tempo anteriormente decorrido e o início da contagem de novo prazo de 5 anos.
Deste modo, e atento a este facto interruptivo, o prazo de prescrição da dívida mais antiga completar-se-ia em 14.03.2013.
Todavia, notícia o probatório que em 06.10.2011 ocorreu a citação do revertido, ora reclamante, para a execução fiscal (cf. alínea E) dos factos provados).
Ora, a citação para a execução fiscal tem um efeito interruptivo da prescrição, de carácter duradouro, inutilizando para a prescrição o tempo antes decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o processo executivo no qual aquela interrupção se verificou, nos termos previstos no n.° 1 do art. 327. ° do CC.
Como se lê no Ac. do STA de 29.01.2014, proferido no proc. n.° 01941/13, disponível em www.dgsi.pt. cuja fundamentação se adere sem reservas, “(...).
III - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327. ° n.° 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal
De facto, o efeito interruptivo duradouro resultante da citação implica que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cf. art. 327.° n.° 1 do CC).
Sustenta o reclamante no ponto 11 da PI que o processo de execução fiscal e apensos sobredito esteve e está parado por períodos sucessivos superiores a um ano, por facto que não lhe é imputável.
Se bem vemos o que pretende o reclamante é que seja aplicável ao caso em apreço o n.° 2 do art.° 49.° , visto que nos autos está em causa um processo de execução fiscal iniciado antes da entrada em vigor da alteração introduzida ao art. 49.° da LGT pela Lei n° 53°-A/2006, de 29.12.
Cremos que não.
Como se sabe, o problema da sucessão de leis no tempo tem de ser resolvido, em primeiro lugar, através das normas de direito transitório especial (normas da lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo), depois pelas normas de direito transitório sectorial (normas que regulam a aplicação no tempo das leis sobre certa matéria) e, finalmente, pelas normas de direito transitório geral (que definem o modo de aplicação no tempo da generalidade das leis, independentemente da matéria sobre que versam) como é o caso da norma ínsita no art. 12.° do CC.
Assim sendo, como é, quando se tratar de saber qual a lei aplicável ao prazo de prescrição em curso (que aqui não se coloca), há que convocar, não a regra geral sobre a aplicação da lei no tempo prevista no art. 12.° do CC, mas a regra plasmada no artigo 297.° do mesmo Código.
Quanto à sucessão no tempo das demais normas tributárias, designadamente aquelas que disciplinam os restantes aspectos do instituto da prescrição das obrigações tributárias (causas interruptivas/suspensivas), tem de ser resolvida pela aplicação da regra contida no art. 12.° da LGT e, subsidiariamente, pela regra geral de direito firmado no nosso sistema jurídico e constante do artigo 12.° do CC, das quais resulta que a lei nova apresenta, em regra, eficácia prospectiva. Dito de outro modo, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.
De facto, as normas da LGT que instituíram causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição sem correspondência com as previstas na lei antiga (cf. art.° 49.°), não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram. Por outras palavras, essas normas conexionam-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação e da respectiva prescrição, pelo que nada obsta à aplicação dessas normas da LGT às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor (cf. Acs. do STA de 13.01.2010, proferido no proc. n.° 01148/09; de 27.07.2011, proferido no proc. n.° 0710/11, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, a Lei n.° 53°-A/2006, de 29.12, revogou o n.° 2 do artigo 49.° da LGT, tendo entrado em vigor no dia 01.01.2007, nos termos do seu art. 163.°, pelo que estando em causa factos interruptivos ocorridos em 2008 (notificação para audição prévia à reversão) e em 2011 (citação para a execução fiscal), ou seja, após a entrada em vigor da nova lei, é esta que se mostra aplicável, ficando afastadas as consequências da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, independentemente da data da instauração do processo de execução fiscal (cfr. alíneas D) e E) dos factos provados).
Ademais, argumenta o reclamante que nos termos do disposto no art. 49°, n° 3 da LGT, a interrupção da prescrição só pode ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (artigo 24° da PI).
Desde já se adianta que não assiste razão ao reclamante, senão vejamos:
Sendo certo que o art. 49.°, n.° 3 da LGT, na redação dada pela Lei n° 53-A/2006, de 29.12, dispunha que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar também é verdade que o mesmo dispositivo legal “tem de ser lido/interpretado com respeito pela harmonia que decorre do seu conjunto normativo. O seu número 3) tem uma ligação intrínseca ao seu número 1) onde não se integra a notificação do valor da dívida exequenda (diligência administrativa que tem efeito interruptivo sim, mas sem a limitação decorrente do n° 3 do artigo 49° da LGT). Ou seja: esta norma é aplicável à interrupção da prescrição das dívidas à segurança social, porém com adaptações, decorrentes de estarem tipificadas ou não no referido número um do preceito a que nos vimos referindo.
Assim, deve entender-se que a limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas valha para os factos interruptivos referidos no artigo 49° n° 1 da LGT designadamente a citação para os termos do processo executivo.
Ora, verifica-se que, no caso dos autos, a primeira interrupção da prescrição, decorre não da citação, mas antes da notificação para pagamento, concretizada em 04/07/2007, mas, porque não prevista no n° 1 do art° 49° da LGT, não lhe é aplicável a norma do n.° 3 do artigo 49.° da LGT e daí que não possa desconsiderar-se a citação para os termos da execução fiscal ocorrida em 26/02/2008. Esta, tem efeito interruptivo da prescrição, e efeito duradouro, já que com esta nova interrupção da prescrição, se inutiliza o tempo antes decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o respectivo processo executivo?”(ff (C f. Ac. do STA de 29.06.2016, proferido no processo n° 0984/16, disponível em www.dgsi.pt, - sublinhado nosso).
Na verdade, enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.° 1 do artigo 49.° da LGT têm todos eles efeito duradouro, assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, alguns dos quais - como a notificação para audiência prévia -, têm efeito meramente instantâneo, enquanto outros têm também efeito duradouro, como a citação para a execução aqui em causa, ex vi do disposto no n.° 1 do artigo 327.° do CC (cfr. Ac. do STA de 20.05.2015, proferido no proc. n.° 1500/14; in www.dgsi.pt; Jorge Lopes de Sousa, in ob. cit., págs. 57/58 e 69/72).
Por conseguinte, temos para nós que a contagem do prazo de prescrição foi interrompida em 06.10.2011 aquando a citação do reclamante para a execução (cfr. alínea E) dos factos provados), facto interruptivo este que reveste efeito duradouro, mantendo-se até ao final do processo executivo.
Aqui chegados, e ante o exposto, conclui-se que não se encontrando prescritas as dívidas mais antigas, por maioria de razão, não se encontram prescritas as dívidas mais recentes.

Finalmente, não colhe a posição do reclamante quanto à invocada violação dos princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica, da tutela jurisdicional efectiva, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público em torno do instituto da prescrição das obrigações tributárias.
Como efeito, o Tribunal Constitucional já se pronunciou expressamente, e por diversas vezes, sobre a evolução dos regimes legais que disciplinam as causas de interrupção e suspensão da prescrição, pronunciando-se no sentido da não violação do princípio da protecção da confiança em matéria fiscal (cfr. entre outros, Acs. 592/12, de 5.12.2012, e Acórdão 6/14 de 7.01.2014, ambos in www.tribunalconstitucional.pt.).
Acresce que, conforme se disse, no Ac. do TCAS de 19.09.2017, proferido no proc. n.° 06294/13, “As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4a. Edição, 1°. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac. Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac. Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
Já o princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado arf.266, n°.2, da C.R Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr. art°.5, n°.2, do anterior C.PA.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4a. Edição, 2°. Volume, Coimbra Editora, 2010,pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr. José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4a. edição, 2000, pág.67, em anotação ao art.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do art°.55, da L.G. Tributária, tendo expresso desenvolvimento no art.46, do C.P.P. Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações procedimentais que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4a. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Areas Editora, 6a. edição, 2011, pág. 449 e seg.).
Por último, a Constituição da República consagra no seu art.266, os princípios fundamentais por que se deve reger a actividade da Administração Pública, entre os mesmos surgindo, após a revisão constitucional de 1997, o princípio da boa-fé (cfr.n°.2). A expressa menção deste princípio, desenvolvido no direito civil (cfr. v.g. art°s.227, 334 e 762, do C. Civil), significa que ele foi erigido pela Constituição à categoria de princípio jurídico autónomo de direito público. Mas não é transparente a sua especificidade dentro do âmbito dos princípios vinculativos da Administração.
Também não é líquido se o princípio da boa-fé é aqui recortado como princípio autónomo em relação ao princípio da protecção da confiança, há muito considerado pela doutrina e jurisprudência como uma dimensão material do princípio do Estado de Direito. Já no domínio da lei ordinária, vamos encontrar a boa-fé reconhecida no art°.59, da L.G. Tributária, normativo que consagra o princípio da colaboração entre a A. Fiscal e os contribuintes, o qual tem como núcleo essencial os deveres de informação recíprocos dos mesmos intervenientes no procedimento tributário gracioso, mais presumindo a boa-fé na actuação de ambas as partes. Esta presunção de boa-fé da actuação da Administração Tributária terá efeitos, essencialmente, ao nível da responsabilidade civil da administração perante os particulares, incluindo a que se traduz no pagamento de juros indemnizatórios, impondo aos que se considerem lesados a prova dos pressupostos em que assenta essa responsabilidade. Esta exigência recíproca de relacionamento segundo as regras da boa-fé já constava, igualmente, do arf.6-A, n°.1, do anterior C.P. Administrativo (cfr. ac.T.CA.Sul-2a.Secção, 29/1/2013, proc.6337/13; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 17/03/2016, proc.9282/16; J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4a. Edição, 2°. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.803 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4a. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.495 e seg.).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Estas considerações, que se reiteram, são perfeitamente transponíveis para o caso vertente e conduzem inevitavelmente à improcedência dos argumentos invocados pelo reclamante.
*
Aqui volvidos, ressalta a conclusão que a reclamação deduzida pelo reclamante é totalmente improcedente.»


Transcrito o essencial da sentença em crise, nos aspectos relevantes para a crítica de lhe vem feita, apreciemos as questões acima enunciadas:

1ª questão:
Há que apreciar se, por força do o artigo 327º nº 1 do CC, tem efeito duradouro a interrupção do prazo de prescrição das dividas por contribuições à Segurança Social operada pela citação do Recorrente, como revertido, para o processo de execução fiscal em 6/10/2011.

A sentença recorrida faz uma exaustiva exposição do estado da jurisprudência no que respeita à aplicabilidade do artigo 327º nº 1 do CC às dívidas tributárias, stricto sensu, concluindo por esta aplicabilidade.

O Juiz a quo afronta também o problema dos efeitos, ante o disposto no nº 2 do artigo 49º da LGT, revogado pela mesma lei, de uma paragem do processo por mais de um ano, não imputável ao Reclamante, designadamente, concluindo que tais efeitos, ainda que tivessem ocorrido, deixaram de ser consideráveis, com a revogação daquela norma.

Labora no entendimento de que também o artigo 49º da LGT se aplica aos efeitos da interrupção da prescrição das dívidas quejandas, sustentando, no entanto, que o nº 3 do artigo 49º da LGT, na versão resultante da lei 53-A/2006 de 29/12, com a inadmissibilidade de novas interrupções, aí previstas, só se aplica aos factos interruptivos mencionados no nº 1 do artigo 49º, pelo que a citação para a execução ocorrida em 6/10/2011 voltou a interromper o prazo de prescrição, alias, duradouramente, nos termos do artigo 327º nº 1 do CC.

Ora:
A necessidade desta interpretação correctiva, no limiar do “contra legem” do artigo 49º da LGT em ordem a assegurar o efeito duradouro da interrupção da prescrição por via da citação para a execução fiscal é, ela mesma, um sinal de que este artigo do regime geral da prescrição das dívidas tributárias não se aplica às dívidas de contribuições à Segurança Social. Outro sinal dessa inaplicabilidade reside na própria literalidade do nº 1 desse artigo, pois, à excepção da citação, os factos ali previstos são apenas equacionáveis relativamente a tributos “stricto sensu”. Note-se: no procedimento de formação da dívida contributiva não há um momento lógico nem um acto administrativo de liquidação do tributo.

Na verdade, a existência de um diferente e suficiente regime especial de prescrição desta espécie de dívidas para com o Estado, regime, até, mais intensamente tutelador da preservação e da exequibilidade das mesmas, derroga o artigo 49º da LGT.

Vejamos:
A norma do artigo 49º nº 2 da lei nº 32/2002 de 20/12, que passou intacta para o artigo 60º nº 4 da Lei nº 4/2007 d e16/1 e, por fim, para o nº 2 do artigo 187º, embora com acrescentamento do nº 3, do actual Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, aprovado pela lei nº 110/2008 de 16 de Setembro, regulava e regula de modo diferente esta matéria; e em tais termos que uma aplicação do artigo 49º da LGT apareceria como uma compressão do seu dispositivo, pelo que se tem de considerar derrogada por regime especial.

Rezava assim, a referida norma especial:
“O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” Com o advento do “Código dos Regimes Contributivos” foi lhe acrescentado o seguinte: “e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação”

Esta norma específica do direito da Segurança Social, ao invés de identificar determinados actos procedimentais ou do processo, limitando a esses o efeito da interrupção do prazo prescricional, confere eficácia interruptiva da prescrição a toda uma espécie de factos, designada geral e abstractamente; e fá-lo em termos literais tais que obrigam o interprete a conclui que sempre e quantas vezes um acto individual dessa espécie ocorrer, a prescrição interrompe-se: é o que decorre da expressão “qualquer diligência administrativa, …”. Isto é, sempre que ocorrer qualquer diligência no procedimento ou no processo, de execução ou outro, conducente à liquidação ou à execução da dívida, com conhecimento do responsável pelo pagamento, o prazo de prescrição interrompe-se e começa a correr “ab initio”, (se não estiver suspenso ou duradouramente interrompido (cf. infra).

O desígnio legislativo de estabelecer e manter um regime especial e ainda mais protector destas dívidas do que o regime geral das dívidas fiscais mostra-se ainda mais claramente revelado nos termos em que foi transposto para o artigo 187º do Código Contributivo, o qual dispõe expressa, discriminada e diversamente sobre o prazo (nº 1) a interrupção (nº 2) e a suspensão (nº 3) da prescrição das contribuições para a Segurança Social.

Da natureza especial desta norma (e das suas antecessoras) relativamente ao artigo 49º 1 daa LGT, resulta, ainda, que tão pouco as alterações introduzidas neste artigo em matéria dos factos interruptivos da prescrição e seus efeitos buliram com aquele especial regime, segundo a máxima metodológica de que a norma geral não revoga a especial se não o dispuser expressamente.

Outra consequência lógica desta especialidade do regime da prescrição quanto às dívidas à Segurança Social consiste em que as normas gerais a serem tidas subsidiariamente em conta em matéria dos efeitos das interrupções da prescrição são, não as contidas no artigo 49º das LGT em qualquer das suas sucessivas redacções, mesmo as introduzidas mais recentemente pela Lei nº 13/2016 de 23/5, gizadas, que foram, em função do nº 1, mas sim as do Código Civil.

Ora diz-nos o nº 1 do artigo 326º do CC que “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”.

Portanto, a regra geral é o efeito instantâneo. Assim, “quaisquer diligências administrativas realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”, que tenham ocorrido, têm efeito interruptivo instantâneo, isto é, começa a correr ab initio outro prazo de prescrição.

Por outro lado, em regra, começarão a correr desde o início tantos prazos quantos os factos legalmente previstos como interruptivos que se sucederem no tempo. Mas isto é assim a não ser que algum facto interruptivo ocorrido tenha efeito duradouro, conforme a excepção contemplada no artigo 327º nº 1 do CC. Com efeito, o citado artigo 326º do CC logo salvaguarda o disposto, entre o mais, no nº 1 do artigo seguinte (artigo 327º), isto é: “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Assim, nomeadamente, sendo a diligência administrativa conducente à cobrança da dívida for um acto de citação, inclusive a citação para uma execução fiscal, a interrupção do prazo de prescrição da dívida à Segurança Social tem efeito duradouro, no sentido de que só terminará com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que ocorreu a citação, tudo nos termos do sobredito nº 1 do artigo 327º do CC, termos, aliás, directamente aplicáveis, segundo a regra de que onde não regula lei especial regula a lei geral.

Logicamente, a ocorrência de um facto interruptivo, de entre estes outros, especificamente referidos no nº 1 do artigo 327º do CC prejudica a possibilidade de ocorrerem novas interrupções, pois não se interrompe o que nem mesmo começou.

Com a publicação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela lei nº 110/2009 de 16/9, a relação sistemática que temos vindo a expor não só se mantém como vem expressamente pressuposta, quando se dispõe, no nº 3 do artigo 187º, que o prazo de prescrição se suspende “nos termos previstos neste código e na lei geral”.

Note-se, ainda:
Se o artigo 49º da LGT não é aplicável às contribuições e quotizações para a Segurança Social, atenta a suficiência, quanto à matéria objecto deste, do regime de prescrição próprio, já o mesmo não sucede quanto aos nºs 2 e 3 do artigo 48º daquele diploma.
Com efeito, na legislação especifica da Segurança Social vigente até hoje, inclusive no entretanto aprovado código dos regimes contributivos (Lei nº 110/2009 de 16 de Setembro, cf. artigo 187º) nada se prevê relativamente aos efeitos daqueles factos interruptivos da prescrição relativamente a responsáveis solidários e ou subsidiários.
Aqueles números do artigo 48º da LGT rezam e sempre rezaram assim:
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
Não havendo, na constituição da obrigação de contribuição ou de quotização para a Segurança Social, um momento específico de liquidação, estas normas têm de interpretar-se adaptadamente, no sentido de que, onde se lê “data da liquidação” se tem de ler “data em que a obrigação devia ter sido cumprida”, em consonância com o disposto no 60º nº 3 da Lei nº 4/2007 e as sobreditas normas suas antecessora e sucessora.

Postos estes enquadramento normativo e pressupostos hermenêuticos, que concluir quanto ao estado dos prazos de prescrição das dívidas sub juditio, no que respeita ao reclamante, em face da selecção de factos provados, expressamente aceite pelo recorrente?
Vejamos:
Não está em causa que o primeiro prazo prescricional da dívida mais antiga – a de Junho de 2003 – começou a correr em 16 de Julho de 2003.

Com a citação para a execução fiscal nº 1601200601056379 e seus apensos, da devedora principal, que ocorreu em 18/4/2006, o prazo interrompeu-se duradouramente relativamente, desde logo, à devedora principal.

Não se interrompeu, então, com qualquer espécie de efeito, relativamente ao Reclamante, porque este só viria a ser citado para a execução, como revertido, em 6/10/2011, bem mais de cinco anos após a data em que a contribuição mais antiga devia ter sido paga: cf. nº 2 do artigo 48º da LGT acima transcrito.

O Prazo de prescrição relativamente ao Reclamante interrompeu-se uma primeira vez, com efeito instantâneo (nos termos da conjugação dos artigos 60º nºs 3 e 4 da lei nº 4/2007 e 326º do CC) em 14/3/2008, quando ele foi notificado para audiência prévia relativamente à preconizada reversão da execução fiscal contra si (faltavam quatro meses para se completarem cinco anos sobre a data em que a contribuição mais antiga devia ter sido paga).

No mesmo dia 13 começou a correr, ab initio, novo prazo de cinco anos que viria a ser interrompido com a citação do reclamante para a execução principal e apensos, no dia 6/10/2011 (então já por força do artigo 187º nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, entretanto aprovado perla lei nº 110/2009 de 16/9).
Desta feita, nos termos, agora expressos, do nº 3 do mesmo artigo 187º e do artigo 327º 1 do CC, não começará a correr novo prazo de prescrição enquanto não transitar em julgado decisão que ponha termo ao processo de execução fiscal.
Por maioria de razão esta é a conclusão a tirar relativamente a todas as demais contribuições exequendas, todas posteriores.

2ª questão
Inconstitucionalidade material do artigo 327º 1 do CC se interpretado como aplicável às dívidas à Segurança Social.

Uma vez que, sendo, assim, é efectivamente da aplicação do artigo 327º nº 1 do CC que resulta não estar prescrita qualquer das dívidas exequendas, cumpre abordar a alegação de inconstitucionalidade material desta norma, quando aplicada às dívidas por contribuições à Segurança Social.

A sentença recorrida, diga-se, cita douta jurisprudência sem, contudo, revelar um iter valorativo próprio de que aquela fosse esteio, precipitando da citação, sem mais, uma “conclusão” pela improcedência da alegação de inconstitucionalidade.

Segundo o Recorrente, a inconstitucionalidade material reside numa violação dos princípios “da segurança e da confiança jurídica, bem como do direito à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público”. Porém, o recorrente não desenvolve minimamente esta alegação, não explicando por que modo é ofendido cada um destes princípios, chegando ao minimalismo de nem mesmo as normas constitucionais alegadamente violadas indicar.

Tanto bastaria, em rigor, para o recurso improceder, pois é ónus do recorrente, entre o mais, indicar os fundamentos por que pede a alteração da decisão e, sendo o recurso sobre matéria de direito, as normas jurídicas violadas: artigo 639º do CPC.

Induzindo, pro accione, a partir da conclusiva alegação, os argumentos premissa, sempre diremos o seguinte:

O princípio das Segurança Jurídica é um corolário do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição.

Por força da aplicação do artigo 327º nº 1 do CC às dividas por contribuições à Segurança Social, a exigibilidade das mesmas pode durar, se o responsável tiver sido citado para a execução fiscal, enquanto esta não tiver sido declarada finda, isto é, na prática, por um tempo a priori indeterminável. Porem isso sucede, potencialmente, com qualquer execução de qualquer dívida de qualquer natureza, por força precisamente do artigo 327º nº 1 do CC. Depois, uma execução judicial comum, embora tenha causas de extinção não de todo coincidentes com as da execução fiscal (cf. artigos 849º do CC e 269º a 275º, maxime 274º do CPPT) – diversidade que é corolário lógico de a quantia exequenda na execução fiscal ser, em regra, indisponível – também pode prolongar-se por muito tempo, sendo também indeterminável, em abstracto, o seu termo.

Por outro lado, não se vê que abale a segurança da relação contributiva para com a Segurança Social o facto de a prescrição não ocorrer em prazo cujo termo seja determinável ab initio, desde que a Lei defina, como define, os factos que permitirão, caso a caso, situação a situação, determina-lo virtual, concreta e individualmente.

O princípio da Igualdade tem sede no artigo 13º da Constituição e releva de um conceito material e, mais ainda, social de Igualdade.
A realização de tal princípio, quer na Lei ordinário quer na sua interpretação, implica que o que é desigual seja tratado em conformidade com essa desigualdade e que a legislação ordinária, inclusive a relativa à Segurança Social, implemente a protecção dos cidadãos no desvalimento e uma real igualdade de oportunidades.
Neste sentido, tratar dívidas indisponíveis, cujo credor é, em abstracto, o Estado de Direito Social, com reforço da protecção quanto à sua exequibilidade, não é mais do que cumprir tal princípio de igualdade, pelo que, se do especial regime de execução de tais dívidas acabar por resultar, na prática, uma reforçada protecção delas contra a erosão do tempo, é ainda esse principio de igualdade, proactivo e socialmente empenhado, que surte realizado, ao invés de violado.

Os princípios da prossecução do interesse público (no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos), da proporcionalidade e da justiça referem-se à actuação, não directamente vinculada por lei, da Administração Pública nas relações com os administrados, tal como decorre dos termos do artigo 266º nº 2 da Constituição.
Assim, não se dirigem imediatamente ao Legislador, embora acabem por constituir também limite e princípio informador da legislação infra-constitucional sobre tal objecto.

Destes especiais natureza e objecto daqueles princípios e bem assim do que já vai dito a propósito do respeito pelo princípio da igualdade, decorre que da aplicação do artigo 327º 1 do CC às dividas à Segurança Social não resulta qualquer injustiça nem excessivo gravame para os interesses dos devedores.

Tão pouco vemos, ante o que ali foi reflectido, injustificada compressão desse interesse legalmente protegido do devedor de contribuições à Segurança Social. É certo que, em geral, o instituto da prescrição dos créditos é objecto de um interesse legalmente protegido do cidadão devedor. Contudo, não só não resulta, do artigo 327º 1 do CC, que haja injustificada discriminação negativa dos devedores à segurança social, no seu interesse legalmente protegido em que ocorra a prescrição do crédito, como uma tutela reflexamente – por via do regime própria da execução fiscal - mais forte das dívidas à Segurança Social não deixa de ser justificada, atenta a natureza pública e os fins sociais e solidários do credor.

O direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva dos interesses legalmente protegidos tem sede, com diversas concretizações, no artigo 20º da Constituição.

Deste artigo, são aparentemente confrontáveis com a pretensão do Recorrente os nºs 4 e 5:
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

A conexão é, porém, apenas aparente, pois o artigo 327º nº 1 do CC, ao reger sobre o efeito da interrupção da prescrição das dívidas em geral, abrangendo, nessa disposição, também as dívidas à Segurança Social, não coloca legislativamente em causa, de modo algum, o direito do Recorrente a uma decisão justa em tempo razoável, seja no processo de execução fiscal, seja na oposição que aí deduza. Esse direito pode estar posto em causa pela morosidade concreta do processo, mas não pelo regime jurídico, geral e abstracto, que, para a prescrição das dívidas, resulta do artigo 327º 1 do CC.

Por tudo o ora exposto, era improcedente a alegação de inconstitucionalidade material do artigo 327º nº 1 do CC, quando interpretado no sentido de ser aplicável às dívidas por contribuições à Segurança Social.

E assim sendo o recurso improcede na totalidade.

Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes que compõe este colectivo em julgar improcedente o Recurso.
*
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que, eventualmente, tenha sido ou venha a ser concedido: artigo 527º do CPC.
*
Porto, 25/2/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Ana Paula Santos