Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01221/07.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Descritores:DEVER FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – Verifica-se falta de fundamentação quando o destinatário após notificação do acto impugnado fica sem conseguir perceber quais os motivos pelo qual determinada despesa não foi considerada elegível, pese embora, toda a documentação que a entidade administrativa posteriormente juntou aos autos com vista a proceder a uma fundamentação à posteriori.
II – A deficiente fundamentação não pode, pois, ser efectuada à posterior, antes se impondo a sua concretização no próprio acto impugnado, de forma a que o seu destinatário a possa perceber e defender-se de cada um dos segmentos do acto que lhe são desfavoráveis, sendo para isso imprescindível que lhe seja dado a conhecer a factualidade subjacente ao acto praticado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:03/25/2011
Recorrente:Gestor do Programa ...
Recorrido 1:Inter-Minho - Sociedade Gestora de Parques Empresariais, EM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO:

O GESTOR DO PROGRAMA O. … interpôs recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga proferida em 21 de Outubro de 2010, que anulou o seu acto de 08/05/2007 e o condenou a considerar elegível a despesa apresentada pela I. – SOCIEDADE GESTORA DE PARQUES EMPRESARIAIS, EM, a título de projectos de execução, no valor de 169.591.28€ assim julgando procedente a acção administrativa especial contra si intentada.
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Para o efeito o recorrente formula as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - Conforme se demonstrou nos articulados 9º a 111º das presentes alegações, através da contraposição dos factos alegados pelo Gestor em sede de contestação e factos valorados pelo douto Tribunal na sentença proferida, a decisão que ora se impugna padece claramente de erro de julgamento e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
2 - Na verdade, o Tribunal não deu como provados factos, que perante a prova produzida pelo ora recorrente em sede própria, deveriam ser dados como provados, logo e em suma o juiz do Tribunal a quo decidiu mal.
3 - Acresce que, perante a matéria de facto declarada como provada, na sentença que ora se impugna, o Tribunal a quo não poderia decidir conforme decidiu, situação que consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
4 - Saliente-se ainda o facto de o Tribunal ter extravasado os seus poderes de decisão violando os artigos 71º, nº 2 e, 95º, nº 3 ambos do CPTA.
5 - As normas invocadas dos Regulamentos Comunitários 438/2001 – artigo 4º - e 1260/1999 – artigos 30º e 38º, não vinculam o Gestor à prática do acto, conforme expendeu o tribunal.
6 - Do conteúdo das normas já supra citadas, verifica-se que a Autoridade de Gestão limitou-se a actuar em cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo artigo 4º do Regulamento 438/2001, lançando mão dos procedimentos por si definidos, dentro da discricionariedade técnica que lhe é conferida pelo citado artigo.
7 - Assim sendo, não poderia o tribunal, em cumprimento do disposto nos artigos 71º e 95º do CPTA, condenar o Gestor do Programa a considerar elegíveis as despesas, cuja inelegibilidade decorreu de irregularidades detectadas em sede de auditoria, em obediência ao artigo 4º do Regulamento 438/2001, com a consequente correcção financeira do valor em causa.
8 - A decisão do Gestor que recaiu sobre a panóplia de documentos, apresentadas pela aqui recorrida, extemporaneamente, sob a forma de reclamação está devidamente fundamentada, sendo totalmente perceptível para a recorrida o iter cognoscitivo do acto administrativo em apreço, porquanto bem sabia que não estava a elidir qualquer facto de que tinha conhecimento ab initio e plasmado na decisão final do Gestor que corroborou o Relatório de Auditoria.
9 - Tal como se demonstrou o Gestor manteve a sua anterior decisão (montante da despesa inelegível) porque as irregularidades se mantiveram (nos termos do art.º 4.º do Regulamento (CE) n.º 438/2001, da Comissão, de 02 de Março), já que não houve elementos que alterassem a prova que deu origem à decisão do Gestor do ON nesse contexto e que aqui se discute, até porque tal decisão se baseava em proposta da Unidade de Controlo de 1.º Nível muito anterior à reclamação».
Termina pedindo: “(…) deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão do Tribunal a quo, por erro de julgamento, insuficiência de prova para a matéria de facto e violação dos artigos 71º nº 2 e 95º nº 3 ambos do CPTA, quando decidiu pela condenação do Gestor à prática do acto, ordenando que o mesmo considerasse elegível a despesa de 124.421,80€ apurada como correcção financeira, por força do relatório de auditoria realizada pelo controlo de 1º nível da Gestão do Programa”.
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A recorrida I. – SOCIEDADE GESTORA DE PARQUES EMPRESARIAIS, EM, contra alegou no sentido da improcedência do recurso, formulando a final as seguintes CONCLUSÕES:
«1.ª – É pelo teor das conclusões que se afere o objecto do recurso.
2 - As conclusões devem sintetizar o alegado, mas de forma não genérica ou vaga e imprecisa que, só por elas, se fique sem saber o que de facto e concretamente o recorrente imputou à decisão sob censura.
3 - No caso em apreço, das conclusões do recorrente fica-se sem saber quais as críticas concretas que move à douta decisão recorrida, dada a sua imprecisão, generalidade e vacuidade.
4 - A douta decisão recorrida não padece dos invocados vícios de erro de julgamento e de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
5 - O Tribunal só considerou como provados os factos que o estavam e que tivessem interesse para a decisão de mérito tendo em consideração as soluções de direito.
6 - Não peca, por isso, a douta decisão recorrida por omissão de matéria de facto que tivesse sido alegada pelo recorrente.
7 - Nem do vício de ter julgado provada matéria de facto com insuficiência de prova.
8 - O Tribunal não extravasou, na douta decisão recorrida, os seus poderes de decisão.
9 - Só eram legalmente possíveis duas soluções: ou considerar elegíveis as despesas apresentadas pela recorrida, ou considerá-las inelegíveis.
10 - Como foram consideradas inelegíveis por pretensa falta de prova, e o Tribunal entendeu que houve prova bastante.
11 - Nada impedia que o Tribunal condenasse o recorrente à prática do acto devido que só podia ser o de considerar elegíveis tais despesas.
12 - De facto, a recorrente fez prova bastante – que os auditores não tiveram capacidade de entender, por insuficiência própria – da necessidade dos projectos de execução.
13 - De que, a despeito de não estar legalmente obrigada, consultou o mercado e adjudicou as prestações de serviços nas melhores condições.
14 - Que as obras foram executadas com base nesses projectos e estão à vista de toda a gente.
15 - Sendo fisicamente apreciáveis, quer os projectos quer as obras.
16 - De tudo apresentou a recorrida os documentos comprovativos, com aptidão inquestionada e inquestionável de prova.
17 - Razão porque as respectivas despesas só podiam e podem ser havidas como elegíveis.
18 - Vale isto por dizer que improcedem, na sua totalidade, as conclusões com que o recorrente remata as suas doutas alegações».
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para os efeitos previstos no artº 146º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento depois de colhidos os vistos legais.
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2.FUNDAMENTOS
2.1.MATÉRIA DE FACTO

Da decisão judicial recorrida resultam assentes os seguintes factos:
«A autora é uma entidade pública empresarial, sob a forma de empresa de capitais maioritariamente públicos.
Constitui objecto social da autora, de entre outras actividades, a construção e gestão de Parques Empresariais, na área do Concelho de V..
A razão principal que esteve na génese da criação da autora foi a construção do Parque Empresarial de V., cujos trabalhos preliminares já vinham a ser realizados pela Associação de Municípios do Vale do Minho e pela I. - Consultoria em Gestão, Ldª”.
A autora obteve um co-financiamento de 75% com vista à infra-estruturação do Parque Empresarial de V., bem como dos custos inerentes à elaboração dos projectos necessários à concretização do Parque, fiscalização da obra e Promoção do Parque através do Programa …, inserido no Quadro Comunitário de Apoio III na sequência de candidatura apresentada na Acção Integrada de Base Territorial do Minho-Lima (Medida 2.2 do ON – Operação Norte).
Para a execução de tal projecto foram, pela autora, adquiridos os seguintes projectos: projecto de execução da 1ª Fase, projecto de execução da 2ª Fase, revisão do Plano de Pormenor, projecto de execução do acesso entre o limite da 1ª Fase do Parque e a Estrada Nacional nº 13, projecto de loteamento e revisão dos projectos de licenciamento.
O relatório final da auditoria que foi realizada, no âmbito das operações de controlo do projecto, foi elaborado em 13 de Dezembro de 2005 e consta de fls. 668 a 746 do p.a., aqui se dando por reproduzido.
Em 31.03.2006 pelo Gestor do ON – Operação Norte foi proferido despacho de concordância com a informação nº 18/UC/2006 que propunha a correcção financeira de 190.781,38€ bem como a aprovação do relatório final de auditoria e seu envio, nomeadamente, à autora.
A autora foi notificada (oficio de 12.04.2006 assinado pelo Gestor do O.N. - Operação Norte) nos seguintes termos: “Para os devidos efeitos, na sequência da acção de controlo de 1º nível realizada ao Projecto mencionado em título, de acordo com o artº 10º do Regulamento (CE) nº 438/2001 da Comissão, de 2 de Março e após cumprimento do procedimento de contraditório nos termos dos artºs 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, junto envio a V.Exª extracto do Relatório Final de auditoria ao referido projecto. Relativamente às consequências financeiras resultantes da acção de controlo, não foi conferido valor probatório suficiente aos esclarecimentos subscritos por V.Exª, pelo que, foi considerado como despesa não elegível, a corrigir, o montante de €190.781,38 a que corresponde a comparticipação FEDER de 143.086,04€ a recuperar”.
A autora respondeu nos termos constante de fls. 600 a 603 do p.a. (oficio datado de 24.04.2006) que aqui se dão por reproduzidos.
A ficha de notificação de dívida foi remetida à autora através de ofício datado de 26.05.2006.
Por oficio de 14.06.2006, a autora solicitou à Entidade Desmandada a “suspensão do prazo constante dessa ficha de notificação de dívida até que sejam analisados e avaliados os argumentos que vamos apresentar” (…) referindo que “estamos neste momento a concluir a elaboração de um dossier em que é feita a identificação clara de cada uma das despesas com o correspondente serviço obtido, prova da sua materialização, necessidade e justificação do preço praticado” (…) mais requerendo, caso a Demandada o tivesse por conveniente “uma reunião conjunta com os técnicos da CCDR-N envolvidos neste processo, a decorrer durante a próxima semana, para aí apresentarmos a documentação relativa aos projectos relativos à nossa candidatura à AIBT Minho-Lima, e tornar clara, assim, a sua elegibilidade”.
Em 04.07.2006 pelo Gestor do ON foi proferido despacho determinando a suspensão do prazo de execução até à conclusão da reanálise cometida à unidade de controlo de 1º nível”.
Pela autora foi junto um dossier (pasta de argolas) que faz parte integrante do p.a. que se encontra apenso a estes autos contendo dezenas de documentos relativos a todos os projectos e planos em causa.
Em 22.08.2006 os auditores que procederam à auditoria pronunciaram-se novamente nos termos constantes de fls. 800 e 801 do p.a. que aqui se dão por reproduzidos.
Em 29.03.2007 o Director do ON - Operação Norte proferiu despacho concordando com a informação nº 002/UC/2007, considerando que a despesa no valor de 21.190,10€ deve passar a ser considerada elegível.
Por ofício de 08.05.2007 assinado pelo Gestor do ON – Operação Norte foi a autora notificada nos seguintes termos: “Para os devidos efeitos e na sequência da reclamação apresentada por V.Exª relativa ao Projecto acima referenciado, não se tendo acedido a novos factos que alterem a anterior deliberação no que concerne à elegibilidade da despesa na componente dos projectos de execução, cumpre-me remeter-lhe a Ficha de Notificação de Dívida (em anexo)”.
Nos termos de tal ficha, assinada pelo mesmo Gestor e datada de 03.05.2007, consta a seguinte origem e referência das irregularidades: “Conforme descrição no relatório de controlo de 1º Nível, não se acedeu a prova adequada e suficiente que suportasse a elegibilidade da despesa executada na componente projectos de execução no âmbito do artº 4º do Regulamento (CE) nº 438/2001, da Comissão de 2 de Março, o qual prevê procedimentos de gestão e de controlo para a verificação do fornecimento de bens e serviços” pelo que se considerou um montante total da irregularidade no valor de 169 591.28€ sendo a dívida FEDER no valor de 127 193,46€».
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2.2 - O DIREITO:
O recurso jurisdicional interposto pelo recorrente será apreciado à luz dos parâmetros estabelecidos nos artºs 660º, nº 2, 664º, 684º, nº 3 e 4, e 690º todos do CPC aplicáveis, ex vi, do artº 140º do CPTA e, ainda, artº 149º do mesmo diploma legal, uma vez que, o Tribunal de recurso, em sede de apelação, não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, dado que, ainda que a declare nula, decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” - cfr. o comentário a este propósito efectuado in “Justiça Administrativa”, Lições, pág. 459 e segs”, do Prof. Vieira de Andrade.
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Na presente acção administrativa especial, a A./ora recorrida pede a anulação do despacho proferido em 08/05/2007 pelo Gestor do Programa … [GPO/RN], e a condenação do mesmo a proferir novo despacho que considere elegível a despesa de 169.591.28€ a título de projectos de execução, alegando, em síntese que: “(…) uma das suas principais atribuições foi a construção do Parque Empresarial de V., cujos trabalhos preliminares já vinham a ser realizados, tendo obtido o compromisso de co-financiamento com vista ao início da infra-estruturação do Parque Empresarial de V., através do Programa …, inserido no Quadro Comunitário de Apoio III. Refere que promoveu a realização do projecto de execução da chamada 2.ª fase, relativa a área não contemplada nos projectos já, então, elaborados, e que incluía os lotes do Plano de Pormenor original e não considerados no Projecto de Execução da 1.ª Fase e que, uma vez orçamentado o Projecto de Execução da 1.ª Fase, detectou-se a necessidade de alterar a via principal prevista, a revisão do Plano de Pormenor, a reestruturação da dimensão dos lotes, de modo a permitir-se a instalação e o investimento de uma empresa-âncora, elaborou-se o projecto de execução do acesso entre o limite da 1.ª fase do Parque e a Estrada Nacional n.º 13, mandou-se elaborar o projecto de loteamento e, após a conclusão da obra da 1.ª fase, e for força das alterações efectuadas e supra referidas, teve a autora de rever os projectos de licenciamento a entregar nas entidades competentes para tal licenciamento (…) a equipa que procedeu à auditoria teve acesso a toda a documentação, os projectos elaborados eram essenciais para a prossecução do objectivo, foram pagos, e os preços das prestações de serviços relativos à elaboração de tais projectos foram os preços praticados no mercado”.
E fê-lo, imputando ao acto impugnado, falta de fundamentação [artigo 94º da petição inicial: continua sem perceber a autora porque decidiu a autoridade demandada que a despesa deixou de ser elegível, e determinou a restituição do que, a título da comparticipação devida, oportunamente lhe entregou], e erro na apreciação dos pressupostos de facto [artigo 95º da petição inicial: existe manifesto lapso na apreciação da conduta da aqui autora e na apreciação da prova que foi produzida perante a equipa que procedeu à auditoria].
O tribunal a quo decidiu anular o despacho impugnado por padecer de erro nos pressupostos de facto da aplicação do artigo 4º do Regulamento 438/2001, da Comissão, de 02.03.2001, e de falta da devida fundamentação, e ainda, condenar a entidade ré a substituir o acto anulado por outro que considere elegível a despesa apresentada pela autora a título de projectos.
E é contra esta decisão que o R./ora recorrente se insurge, apontando-lhe erro de julgamento de facto e de direito e ainda violação dos artigos 71º nº 2, e 95º nº 3, ambos do CPTA.
Cumpre decidir:
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto:
E verdadeiramente, confessamos que depois de lidas e relidas as alegações de recurso, não conseguimos descortinar quais são os verdadeiros factos que o recorrente entende que deviam constar da matéria assente.
Com efeito, o que parece resultar desta alegação é tão-somente o facto do recorrente entender que em determinados aspectos da matéria de facto provada, a ilação a tirar pelo julgador devia ser diferente da que efectivamente conduziu à decisão recorrida.
Na verdade, nada existe nos autos que impeça que o tribunal a quo tenha consignado no ponto 3 que “os trabalhos preliminares” já vinham a ser realizados pela Associação de Municípios do Vale do Minho e pela I., Ldª, assim como não é esta a sede própria para se estar a debater conceitos – como por exemplo saber se trabalhos preliminares são trabalhos preparatórios, ou procurar qualquer outro vocábulo que melhor se enquadre nos objectivos do recorrente, designadamente quanto à realização dos mesmos – verificando-se que na verdade o que o recorrente pretende é sindicar a decisão tomada, fazendo todos os esforços para que a decisão a proferir seja outra – em especial, alegando factos que o deviam ter sido em sede de procedimento administrativo e feitos constar no relatório final.
Deste modo, e porque o dever de concretizar os factos que entende deverem ser levados à matéria assente impende sobre o recorrente, verificando-se que o mesmo não cumpriu este ónus, julga-se, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcedente este segmento do recurso.
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Quanto ao mais e, porque em nosso entender se verifica de forma notória e evidente que o acto impugnado padece de falta de fundamentação, analisaremos prioritariamente esta ilegalidade.
(ii) Do dever de fundamentação:
Com efeito, basta uma simples leitura do acto impugnado para se constatar de imediato que o mesmo não cumpre os deveres de fundamentação de facto e de direito [e de tal forma esta constatação é evidente que o recorrente teve necessidade de vir agora em sede de alegações jurisdicionais alegar factos que nunca antes – nem no procedimento administrativo, nem na oposição apresentada - havia alegado].
Estabelece o artº 268º, nº 3 da CRP:
“Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, o artº 125º do Código de Procedimento Administrativo dispõe:
“1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Constitui jurisprudência dos tribunais superiores que a fundamentação pode variar "conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação" – cfr., por todos, o acórdão do STA de 25/6/08, in rec. 0194/08 e jurisprudência nele citada.
O dever de fundamentação dos actos administrativos tem, pois, na sua génese, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa de forma a facultar ao administrado a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
Ou seja, o dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática.
Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” – cfr. o supra citado acórdão do STA de 25/06/98.
Ou como se consignou no acórdão do STA de 24/03/2004, in rec. nº 01868/02, “o dever de fundamentação visa esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal — o bonus pater família e de que fala o artº 487, nº 2 do CC - fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida”.
No caso dos presentes autos, verifica-se que, efectivamente, quanto a esta ilegalidade, o recorrente veio nas alegações jurisdicionais tentar colmatar a deficiência de fundamentação de que padece o acto impugnado, tentando justificá-la através da apresentação de nova factualidade, nunca antes apresentada, quer nos autos, quer no procedimento administrativo que conduziu a esta decisão.
Impunha-se, pois, que o acto impugnado se desenvolvesse num iter cognoscitivo que permitisse à sua destinatária perceber porque motivo a despesa em causa não foi considerada elegível, impondo-se deste modo, que se explicitasse porque razão as dezenas de documentos “permitidos apresentar fora do prazo” não foram objecto de uma análise cuidadosa e aprofundada que explicitasse o motivo porque não foram considerados ou, pelo menos, não tiveram o condão, de fazer inverter a decisão anteriormente tomada, uma vez que não chega dizer-se que não tiveram nenhuma influência.
Dizer isto ou nada, é equivalente e não pode servir para fundamentar um acto que lesa os interesses dos administrados.
Na verdade, não é suficiente afirmar-se no relatório final que “Constatamos a existência de diversos montantes para projectos e revisões de projectos, sem que conste do dossier do projecto a identificação cabal de cada uma das despesas com o correspondente serviço obtido, prova da sua materialização, necessidade (prova de que não coexistem despesas sobre o mesmo objecto e prova do contributo para o objectivo do projecto, ainda que num horizonte temporal razoável) e justificação do preço praticado em comparação com o mercado. Assim, entendemos não ter acedido a prova apropriada e suficiente que suporte a elegibilidade da despesa executada da componente projectos de execução, no montante de 169.591.28€”.
E é esta conclusão constante do relatório final que dá origem à 1ª decisão proferida pelo recorrido – cfr. ofício nº 5902 cuja cópia constitui fls. 23 dos autos notificado à ora recorrida – onde se refere “Relativamente às consequências financeiras resultantes da acção de controlo, não foi conferido valor probatório suficiente aos esclarecimentos subscritos por V. Exª, pelo que, foi considerado como despesa não elegível, a corrigir, o montante de 190.781.38€ que corresponde a comparticipação FEDER de 143.086.04€, a recuperar” – cfr. nº 8 dos factos provados.
De seguida, constata-se que depois de aceitar a suspensão do procedimento, com vista a analisar a documentação que a ora recorrida se prontificou a entregar, o Gestor do Programa, limitou-se a notificar a A/recorrida do seguinte: Para os devidos efeitos e na sequência da reclamação apresentada por V. Exª relativa ao projecto acima referenciado, não se tendo acedido a novos factos que alterem a anterior deliberação no que concerne à elegibilidade da despesa na componente dos projectos de execução, cumpre-me remeter-lhe a Ficha de Notificação de dívida (em anexo)” – cfr. fls. 24 dos autos e ponto 16 dos factos provados.
Ora perante esta sequência factual, temos que, efectivamente, bem andou o tribunal a quo ao ter declarado verificado o vício de falta de fundamentação, pois, que a A/recorrida ficou sem conseguir perceber qual o motivo pelo qual a despesa não foi considerada elegível, pese embora, toda a documentação que juntou e todos os argumentos que rebateu, com vista a obter uma decisão diferente.
Assim, como se viu impossibilitada de impugnar, facto por facto o que terá conduzido àquela decisão
Aliás, esta falta de fundamentação é de tal forma patente e até de certa forma “assumida” pelo recorrente, que como já referimos, o mesmo se viu na necessidade, de vir agora, só agora, em sede de recurso jurisdicional, justificar elemento por elemento, e sindicar factura por factura, o nunca fez no procedimento administrativo.
Porém, as justificações agora apresentadas não podem servir para colmatar esta deficiente fundamentação, pois, impedem que o recorrente se possa defender, de forma a impugnar cada um dos novos fundamentos agora invocados.
Esta deficiente fundamentação não pode, pois, ser efectuada à posterior, antes se impondo a sua concretização no próprio acto impugnado, de forma a que o seu destinatário se possa perceber e defender de cada um dos segmentos do acto que lhe são desfavoráveis, sendo para isso imprescindível que lhe seja dado a conhecer a factualidade subjacente ao acto praticado [aliás, não deixa de ser curioso que no anterior recurso jurisdicional apresentado – no âmbito do Ac. deste Tribunal que revogou a anterior decisão, em tudo igual à que ora analisamos, por o julgamento não se ter efectuado em colectivo, mas antes, através de juiz singular – o recorrente ter admitido a verificação da falta de fundamentação].
Face ao exposto, impõe-se manter a decisão recorrida na parte que julga procedente a falta de fundamentação do acto impugnado e revogá-la quanto ao mais.
Só que, a procedência deste vício, implica que a entidade demandada tenha de proferir um novo acto, devidamente fundamentado, nos termos que supra se expuseram, e assim sendo, fica prejudicado o conhecimento das demais ilegalidades imputadas ao acto, designadamente o erro nos pressupostos de facto e de direito e a violação do disposto nos artºs 71º e 95º do CPTA.
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3 - DECISÃO:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
-Negar provimento ao recurso com os fundamentos supra expostos.
-Manter a decisão recorrida no que respeita à verificação da falta de fundamentação do acto impugnado e revogá-la quanto ao mais.
-Julgar procedente a acção administrativa especial por falta de fundamentação do acto impugnado, devendo o R./ora recorrente praticar novo acto devidamente fundamentado.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 138º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º, do CPTA).

Porto, 10 de Fevereiro de 2012
Ass. Maria do Céu Neves
Ass. Ana Paula Portela
Ass. José Augusto Araújo Veloso