Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02557/18.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/05/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO; RECURSO DE APLICAÇÃO DE COIMA; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; NOTIFICAÇÃO; EXTEMPORANEIDADE;
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
Sumário:1 - O prazo fixado para a dedução da acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.

2 - A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes [cfr. artigo 333.º, do Código Civil].

3 - O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no prazo de vinte (20) dias contados da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artigo 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [aplicável “ex vi” do artigo 3.º, alínea b), do RGIT], donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

4 - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

5 - O princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão da Recorrente seja conhecida quando ocorra a caducidade do direito de acção.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.., Lda
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO

R…, Ld.ª, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30 de outubro de 2018, que rejeitou o Recurso de Contra-ordenação por si intentado com fundamento na caducidade do direito de acção [e assim, julgou da extemporaneidade do recurso].

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 35 a 59 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“IV – CONCLUSÕES
A Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima no processo de contraordenação 39642018060000114873 por transmissão eletrónica de dados, no dia 25-07-2018.
No dia 11-09-2018 a Recorrente interpôs recurso da decisão da aplicação de coima no referido processo, e da decisão de aplicação de 63 coimas relativas a outros processos instaurados contra a arguida relativos à mesma infração.
Pese embora a Recorrente tenha sido notificada da decisão de aplicação de coima referente aos processos de contra ordenação e de que dispunha do prazo de 20 dias contados da notificação, para efectuar o pagamento ou recorrer da mesma, a verdade é que a mesma estava convicta que o prazo suspendia em férias judiciais e terminava o prazo de interposição dos recursos no dia 28-09-2018;
Isto porque, a Autoridade Administrativa incorreu em erro ao informar a arguida/Recorrente que deveria interpor o recurso até ao dia 28-09-2018, conforme o doc. 2 que ora se junta.
A Recorrente junta com o presente recurso o referido documento por se ter apercebido da necessidade de apresentação do mesmo após a prolação da douta sentença proferida nos autos;
Sendo que, da leitura da douta sentença proferida a fls..., resulta patente que o prazo do recurso não se suspendia em férias judiciais.
A errada indicação do termo do prazo para recorrer judicialmente impossibilitou a arguida/Recorrente de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa;
Tal impossibilidade constitui, pois, uma violação do direito à tutela jurisdicional, consagrada no artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa;
Assim, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro por não ter sido relevado o doc. 2, que ora se junta.
10º Acresce que, no dia 11-09-2018 a arguida/Recorrente interpôs recurso contra 64 processos de contraordenação instaurados contra a mesma com base na mesma infracção e encontravam-se na mesma fase administrativa (Doc. 3, já junto aos autos).
11º Nos recursos interpostos, a arguida fez referência há [à] pendência dos referidos processos de contraordenação.
12º Ora, a falta de aplicação do regime concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por não ter sido realizada a apensação dos processos de contraordenação que correm contra a mesma arguida e que estão na mesma fase processual nos termos do artigo 25º do RGIT, para a fixação de uma coima única.
13º Face a este meio de prova, a sentença impugnada deveria ter decidido em sentido diverso do que o fez.
14º Por tudo, ao decidir como decidiu, o Insigne Tribunal violou as normas previstas nos artigos 32º nº 10 da CRP, 25º, 63º e 79º todos do RGCO.
Nestes termos, e nos que V. Ex.as muito doutamente suprirão,
Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências,
Assim se fazendo JUSTIÇA.”
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Ministério Público apresentou Resposta ao recurso jurisdicional, tendo a final apresentado as Conclusões que seguem:

“III - Conclusões:
1. O prazo para impugnação judicial de decisão de aplicação de coima é um prazo substantivo e, suspende-se nos sábados, domingos e feriados (art 60º do RGIT);
2. Ocorrendo o seu termo em férias judicias, e nos termos do art. 279º alínea e) do Código Civil, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil após as férias judiciais
3. O recurso foi apresentado em 11.09.2018, sendo intempestivo;
4. O desconhecimento da lei não aproveita à arguida/recorrente, não tendo aceitação o argumento de que foi mal informada do prazo por parte da AT;
5. A arguida/recorrente foi regular e validamente notificada da decisão da coima aplicada, e que dispunha do prazo de 20 dias para impugnar judicialmente a coima, nos termos previstos no artigo 80.º do RGIT;
6. Atenta a rejeição liminar do recurso não tem o juiz que conhecer das questões suscitadas no mesmo
7. Não se verifica omissão de pronúncia, nem a sentença enferma de qualquer nulidade,
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.

Contudo, V. Exas, como sempre, farão melhor justiça.”
***
Colhidos os vistos das Ex.mas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [RGIMOS], ex vi artigo 3.º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias [RGIT], a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida proferida pelo Tribunal recorrido, sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

Não obstante, o objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal – CPP -, ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS], salvo quanto aos vícios que são de conhecimento oficioso.

Em torno do que vem suscitado nas Alegações de recurso por parte da Recorrente, cumpre a este Tribunal apreciar e decidir da invocada ocorrência de erro de julgamento na decisão que conheceu a caducidade do direito de acção, e dessa feita, consequentemente, veio a rejeitar o recurso de contra-ordenação.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela decisão recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Para o efeito, julgo documentalmente provados os seguintes factos:

1. Foi levantado, pela A.,,, auto de notícia contra a arguida pela prática de infracções de falta de pagamento de taxa de portagem, previstas no artigo 5.º, n.º 2 da Lei nº 25/06, de 30 de Junho, e punidas pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, autuado pelo Serviço de Finanças de (...) sob o n.º 39642018060000114598 – cfr. auto de notícia e autuação, de fls. 21 a 26 [verso] dos autos;
2. Em 19 de Julho de 2018 foi proferida decisão de fixação de coima - cfr. decisão, de fls. 28 a 32 dos autos;
3. Em 25 de Julho de 2018 foi realizada “Entrega de documento na caixa postal electrónica do Via CTT” da arguida - cfr. documentos de fls. 33 e 34 dos autos;
4. Em 11 de Setembro de 2018 foi apresentada no Serviço de Finanças de (...) a petição dos presentes autos - cfr. documentos de fls. 7 a 16 dos autos.

IIIii – Sobre a junção de documentos com as Alegações de recurso

No âmbito das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, a mesma juntou documentos [Cfr. fls. 47 a 55 dos autos em suporte físico], pelo que se impõe para já apreciar e decidir sobre se tal se mostra processualmente admissível.

Ora, na análise desta matéria seguiremos de perto a decisão já proferida no Acórdão deste TCAN, datada de 24 de janeiro de 2019, no Processo n.º 2829/18.4BEPRT, onde se apreciou e decidiu sobre esta eventualidade, num contexto em tudo igual ao que está em apreço nestes autos, e em que é Recorrente a mesma sociedade comercial.

Neste patamar.

Dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, página 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)”

Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.

Deste modo, e quanto à junção de documentos em sede de recurso jurisdicional, dispõe o artigo 425.º do CPC, que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, sendo que, por sua vez, o artigo 651.º, n.º 1 do mesmo diploma, determina que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Assim, em sede de recurso, e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só sendo consentida nos casos especiais previstos na lei, mormente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, e neste conspecto, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (quando se trate de documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (quando se trate de documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, página 191.

Como resulta dos autos, e assim já referimos supra, a ora Recorrente juntou documentos com as respectivas Alegações de recurso, que são atinentes, nomeadamente, a correspondência que lhe foi remetida por correio electrónico, datado de 28 de agosto de 2018, dirigida à legal representante da arguida [ora Recorrente - Cfr. fls. 48 a 54 dos autos em suporte físico], acompanhados de listagens de processos, donde constam as menções que para aqui se extraem como segue:

“Junto remeto a listagem dos processos activos em condições de recurso, sendo que por força das férias judiciais tem de interpor até 28/09/2018.
Quanto aos extintos nem deu para consultar, tal é a quantidade de processos.
Da notificação nos termos do artº 79º, diz que é possível o acesso aos documentos de origem no Portal das Finanças.” [Cfr. fls. 48 dos autos em suporte físico], e “Junto remeto a listagem dos processos extintos por extracção de dívida em condições de recurso, sendo que por força das férias judiciais tem de interpor até 28/09/2018.
Acho que são 26 e convêm entregar antes dos que estão activos, já para a semana.[…][Cfr. fls. 52 dos autos em suporte físico].

A decisão Recorrida nestes autos foi proferida no dia 30 de outubro de 2018, sendo que os documentos juntos com as Alegações foram produzidos em data anterior à da Sentença, mais concretamente em 28 de Agosto de 2018, pelo que, pelo mero confronto destas datas não se verifica por isso a superveniência objectiva dos mesmos, importando apreciar sobre a eventual ocorrência da sua superveniência subjectiva, ou seja, se se tratam de documentos cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão, ou que se tenham revelado necessários apresentar em virtude do julgamento proferido.

Conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 533-534, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida, sendo que o advérbio “apenas”, a que se reporta o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, significa que a junção só é possível num tempo futuro, se a necessidade do documento era imprevisível num tempo passado, ou seja, antes de proferida a decisão na 1.ª instância.

Como refere Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, página 95, a junção de documentos às Alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.

Na situação em apreço nos autos, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido rejeitou o recurso de contra-ordenação por caducidade do direito de acção (sem ter sopesado da valia dos documentos juntos, ou da alegação da Recorrente), e porque a Recorrente pretende fazer vingar a tese de que cumpriu indicações dadas pela Autoridade Administrativa no que é atinente ao termo do prazo para interpor o competente recurso, julgamos assim que a mesma [a ora Recorrente] não podia contar com a relevância da factualidade que subjazia a tais documentos para a decisão que veio a ser proferida nos autos.

Termos em que se admite a junção dos documentos que acompanham as Alegações de recurso.
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IIIii - DE DIREITO
Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30 de outubro de 2018, que rejeitou o recurso apresentado pela Recorrente, por extemporaneidade.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, tendo para tanto e em suma alegado que “[…] a legal representante da arguida/Recorrente foi informada pelo Serviço de Finanças – que o prazo de recurso teria de ser cumprido até ao dia 28-09-2018, por força das férias judiciais (...). Pese embora a Recorrente tenha sido notificada da decisão de aplicação de coima e que dispunha do prazo de 20 dias contados da notificação, para efectuar o pagamento ou recorrer da mesma, a verdade é que a arguida interpôs recurso atendendo ao facto de ter sido informada pelo Serviço de Finanças que o referido prazo terminava no dia 28.09.2018. (...) a errada indicação quanto ao termo do prazo para recorrer judicialmente impossibilitou a arguida/Recorrente de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa. (...) no dia 11-10-2018 a arguida/Recorrente deu entrada no Serviço de Finanças de…– de 64 recursos (…) que estavam relacionados com 64 processos de contra-ordenação instaurados contra a arguida, com a aplicação de coimas, com base na mesma infracção, e encontravam-se na mesma fase administrativa. (...) A falta de aplicação do regime [do] concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por vício da decisão da coima aplicada, por não ter sido realizada a apensação dos processos de contraordenação que correm contra a mesma arguida e que estão na mesma fase processual nos termos do artigo 25º do RGIT, devendo ter sido fixada uma coima única. […]”

Conforme já enunciamos supra, este Tribunal já apreciou e decidiu pelo Acórdão proferido no Processo n.º 2829/18.4BEPRT desta Secção [e diga-se também, em outros Processos em tudo semelhantes, dos quais elencamos os Processos n.ºs 2553/18.8BEPRT, 2645/18.3BEPRT, 2494/18.9BEPRT e 2547/18.3BEPRT] as várias questões que também neste recurso jurisdicional são suscitadas pela ora Recorrente, pelo que, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito [cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil], aqui acolhemos a argumentação jurídica aí aduzida, por não ocorrer justificação para nos afastarmos dessa jurisprudência, pelo que para aqui extraímos, por facilidade, a fundamentação vertida naquele Acórdão, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise, quando se justifiquem, como segue:
“[…]
Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº. 412, nº. 1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº. 3, al. b), do R.G.I.T., e do artº. 74, nº. 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
Se bem aquilatamos o alcance das alegações/conclusões de recurso, brande a recorrente contra a sentença a quo o erro de julgamento ancorada na alegação de que mau grado a entidade recorrida a ter notificado da decisão definitiva de aplicação da coima posta em crise nos autos, a posterior troca de correspondência com os serviços induziram-na em erro quanto ao termo final do prazo para interposição de recurso da decisão de aplicação de coima, pelo que não pode ser por ela prejudicada no seu direito de defesa.
A recorrente dissente, assim, do julgado alegando que apesar de devidamente notificada da decisão de aplicação de coima, na troca de correspondência com a Autoridade Administrativa foi a mesma informada de que o prazo terminaria a 28.09.2018, pelo que errou o Tribunal recorrido ao rejeitar o Recurso interposto por considerar esgotado o prazo legal para o efeito. Vejamos.
“O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artº. 333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº. 576, nº. 3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6038/12).
No que concerne, especificamente, ao recurso das decisões administrativas de aplicação de coimas, o requerimento de interposição de recurso visando decisão administrativa de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de vinte (20) dias após a data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artº.80, nº.1, do R.G.I.Tributárias, sendo o cômputo do referido prazo calculado nos termos do disposto no artº.60, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.Tributárias), e não sendo tal prazo de natureza judicial, que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artºs.138, nº.1, e 139, nº.5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. Por outro lado, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artº.279, al.e), do C.Civil (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/5/2014, rec.311/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc.8459/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).”
Do probatório resulta que a decisão de aplicação de coima foi notificada para a caixa postal electrónica da Recorrente em 25/07/2018.
Ora nos termos do art.º 39º, n.º 10, do CPPT, as notificações efectuadas para o domicílio fiscal electrónico consideram-se efectuadas no 5.º dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na caixa postal electrónica da pessoa a notificar, estabelecendo o n.º 11 do citado normativo que esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração da sua caixa postal electrónica.
In casu, do exame da factualidade constante dasalíneas A) e B) do probatório resulta que a Recorrente foi notificada da decisão de aplicação de coima por transmissão electrónica de dados, em 30/07/2018(5.º dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na caixa postal electrónica da pessoa a notificar), sendo que a petição do presente recurso apenas foi remetida o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia em 11/09/2018.
Ora, efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, temos que a data limite para a respectiva interposição, e de acordo com as datas de notificação e apresentação supra indicadas, seria o dia 28/08/2018, contudo, porque coincidente com as férias judiciais, o termo final do prazo transferiu-se para o dia03/09/2018, primeiro dia útil apósférias, conforme o preceitua o artigo 279º al. e) do Código Civil, (neste sentido vide o Acórdão do STA de 28/05/2014 lavrado in rec 0311/14 disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf.)
Resulta, assim, manifesto que o requerimento de recurso é intempestivo, uma vez que na data em que foi apresentado há muito que se esgotara o prazo legalmente fixado para o efeito.
Insiste, ainda assim, a Recorrente na tempestividade do recurso da decisão de aplicação de coima, ancorada na alegação de que, para além da convicção de que tal prazo se suspendia em férias, a Autoridade Administrativa induziu-a em erro ao indicar que o prazo para interposição de recurso terminaria em 28.09.2018, conforme documentos que junta com as respectivas alegações de recurso.
Todavia, esta alegação não merece acolhimento, porquanto se por um lado o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, por outro, os documentos juntos mostram-se imprestáveis para fazer vingar a tese da Recorrente, dado que as menções ali constantes, tal como resulta do supra exposto, são de natureza genérica, reportam-se a várias listagens extensas de processos que se encontram em distintos estádios, não sendo possível descortinar o objecto e função do pedido que a arguida fizera para que lhe fossem facultados tais elementos e a que processos se destinavam especificamente aquelas menções (controlo do número de processos? controlo das notificações? esclarecimentos quanto a prazos em curso? que prazos e relativos a que processos, 43? 26?). Ainda que as linhas manualmente apostas nas listagens apontem para os processos que alegadamente seriam alvo da análisee cuja decisão seria, eventualmente, objecto de recurso a interpor até à data ali indicada, estamos no campo da mera especulação, pois desconhece-se se em todos eles foi a arguida notificada e em que data.
Ainda que assim não fosse, certo é que não podia a Recorrente alhear-se do teor da notificação da decisão de aplicação de coima que lhe fora feita no âmbito do processo de contra ordenação a que se reporta o recurso em apreço,pois foi ela que definiu e determinou o quadro fáctico-jurídico em que a arguida se tinha que mover na defesa dos seus direitos, concretamente, ali se identificou expressamente o processo de contra ordenação a que se reporta, se esclareceu o objecto e função da notificação, se identificouo infractor, se descreveramos factos, se indicaram as normas violadas e punitivas, se fixoua coima, se indicouomontante das custas,os meios e prazos de defesa,bem como,foi feita a advertência de que a arguida deveria efectuar o pagamento ou recorrer da decisão no prazo de 20 dias, sob pena de se proceder à cobrança coerciva.
Por último, alega a Recorrente que tendo interposto recurso em 64 processos de contra ordenação instaurados contra a arguida pela prática da mesma infracção e que se encontram na mesma fase administrativa a falta de aplicação do regime do concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por não ter sido realizada a apensação dos processos nos termos do artigo 25º do RGIT.
Permitimo-nos adiantar que, também neste conspecto, carece a Recorrente de razão, porquanto, como resulta da decisão a quo, o recurso interposto pela Recorrente contra a decisão de aplicação de coima foi rejeitado liminarmente por extemporâneo. Logo, o recurso não chegou a ser conhecido, ou seja, não foi proferida qualquer decisão de mérito pelo que não faz sentido suscitar a questão concernente à apensação do presente processo a outros que eventualmente estejam em curso.
Destarte, na improcedência da totalidade das conclusões de recurso, não merece censura a decisão recorrida.
[…]
Efectivamente, em face da jurisprudência agora citada e que vem sendo extraída de modo uniforme e reiterado pela Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, julgamos assim, também, que é de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

E em torno do vertido nas Conclusões 7.º e 8.º, isto é quanto à invocada impossibilidade de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa e de que tal constitui uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP), também julgamos pela sua inatendibilidade, pois que a efectivação do direito à tutela judicial efectiva está dependente da prévia observância de regras disciplinadas pelo legislador, designadamente quanto ao uso do meio processual adequado, quanto ao estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos, o que visa alcançar segurança jurídica nas relações entre todos aqueles que tenham necessidade de recorrer ao Tribunal, pelo que, quando esteja fixado um prazo para a dedução de uma acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, a não exercitação desse direito no prazo definido, importa na sua caducidade.

A alegação empreendida pela Recorrente, de que foi induzida em erro por parte da Administração quanto ao prazo de impugnação, não altera de modo algum a importância do cumprimento desse prazo, ou de outro modo, a sua inobservância, pois que, como assim julgamos, foi devido à menor diligência da Recorrente que o prazo de impugnação da decisão sancionatória foi ultrapassado, prazo esse que é de caducidade, disposto pelo legislador ordinário, sendo-lhe, por isso, imputável. Com efeito, a Recorrente não podia alhear-se do teor da notificação da decisão de aplicação de coima que lhe foi feita no âmbito do processo de contraordenação a que se reporta o recurso ora em apreço [cfr. pontos 2 e 3 do probatório], e de que a sindicância da decisão condenatória está fixada em lei, seja quanto ao tempo, seja quanto aos pressupostos em que pode ser feita.

Daí que na improcedência das conclusões das Alegações da Recorrente, nos termos acima expostos, tem de improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Contra-ordenação; Recurso de aplicação de coima; Caducidade do direito de acção; Notificação; Extemporaneidade; Princípio da tutela jurisdicional efectiva.

1 - O prazo fixado para a dedução da acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.

2 - A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes [cfr. artigo 333.º, do Código Civil].

3 - O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no prazo de vinte (20) dias contados da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artigo 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [aplicável “ex vi” do artigo 3.º, alínea b), do RGIT], donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

4 - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

5 - O princípio da tutela jurisdicional efectiva não impõe que a pretensão da Recorrente seja conhecida quando ocorra a caducidade do direito de acção.
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IV - DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 05 de dezembro de 2019.



Paulo Ferreira de Magalhães
Cláudia de Almeida
Cristina da Nova