Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00594/23.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:LISTA DE PREÇOS UNITÁRIOS;
ASSINATURA ELETRÓNICA;
EXCLUSÃO DE PROPOSTA ;
Sumário:
I – A submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou um documento de apresentação obrigatória [lista de preços unitários] não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento imposta pelo n.º 4 do art.º 57.º do CCP e pelo n.º 5 do art.º 54.º da Lei n.º 96/2015.

II - Apresentando-se distintivo que a Autora, aqui Recorrida, submeteu na plataforma eletrónica uma proposta assinada eletronicamente da qual consta um ficheiro pdf relativo à “lista de preços unitários” carecido de assinatura, deve concluir-se no sentido da existência um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do disposto no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP.

III- Tal desconformidade, à luz da jurisprudência uniformizada no Acórdão do S.T.A. de 25.11.2021, não pode ser qualificada como uma “irregularidade não invalidante determinante da exclusão da proposta”, desde logo, por tal solução não se poder considerar “desrazoável, por excessivamente formalista e acolhedora de uma leitura burocratizada da lei”, mas também por as especiais características dos procedimentos concursais determinarem que se dê prevalência à “regra explícita” que só deve ser afastada mediante uma alteração legislativa.

IV- Assim tem de ser, tanto mais que, como se colhe inequivocamente do disposto no artigo 72º, nº. 2 do CCP, a “prestação de esclarecimentos” não pode servir para contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, nem alterar ou completar os respetivos atributos, nem visar suprir omissões que determinam a sua exclusão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70º do CCP.

V- Logo, a irregularidade patenteada nos autos não podia ser objeto da prestação de esclarecimentos, por consubstanciar fundamento de exclusão nos termos do disposto no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP.

VI- E também não podia ser objeto de suprimento, pois, regra geral, esta possibilidade mostra-se reservada as irregularidades de propostas causadas por preterição de formalidades não essenciais, o que não é o caso da situação patenteada nos autos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou procedente a presente ação, e, em consequência, anulou “(…) o acto de exclusão da proposta da A. e adjudicação à Contrainteressada [SCom02...] e condenou o Réu a adjudicar à Autora o contrato relativo à “Aquisição de bens móveis - Fornecimento de Madeiras para o ano de 2023 (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

I. O Recorrente interpõe o presente recurso não por entender haver qualquer vício, mas por - respeitosamente - discordar dos fundamentos em que a sentença proferida é sustentada.

II. A sentença proferida pelo douto tribunal a quo assenta essencialmente numa linha jurisprudencial que, apesar de merecer o nosso inteiro respeito, não é consentânea com o entendimento jurisprudencial maioritário - ou mesmo, segundo cremos, com princípios basilares que devem nortear todo e qualquer procedimento de contratação pública.

III. Em causa está uma questão amplamente discutida: se a falta de aposição de assinatura digital qualificada a um dos documentos que integra a proposta constitui, ou não, causa de exclusão da mesma.

IV. No caso concreto, o Município Recorrente considerou que a falta de assinatura digital qualificada se tratou de preterição de formalidade essencial, o que determinou a exclusão da proposta apresentada pela Recorrida.

V. O juízo do júri do procedimento limitou-se justamente a acolher a lei vigente à data, o sentido maioritário e uniformizado da jurisprudência relevante e o disposto no Programa do Procedimento.

VI. A decisão respeita o disposto no artigo 68.°, n.° 4 e artigo 54.°, n.° 1 da Lei 96/2015, é consentânea com o disposto no Programa do Procedimento, concretamente no artigo 11.°, nºs. 3 e 7, e garante o respeito pelo princípio da segurança jurídica, da imparcialidade e da igualdade de tratamento dos concorrentes.

VII. A decisão é, ainda, sustentada por vasta jurisprudência de diferentes instâncias, geografias e relatores, incluindo, a jurisprudência recentemente fixada no Acórdão n.° 12/2023 do STA, a qual será aplicável ao caso, salvo melhor opinião.

VIII. Nesse acórdão uniformizador conclui-se que a assinatura de um ficheiro PDF “global”, que agrupa os vários documentos da proposta, não se estende a cada documento individualmente considerado. Isto é, será necessária a assinatura individualizada de cada documento.

IX. Se assim é, por maioria de razão, a assinatura que terá sido aposta pela Recorrida ao ato de submissão da proposta na plataforma eletrónica, não pode estender-se aos três documentos submetidos individualmente considerados (premissa da qual parece partir o douto tribunal a quo e da qual respeitosamente discordamos).

X. Apesar de o entendimento sufragado pelo douto tribunal a quo merecer todo o respeito, e sem colocar em causa o mérito da teoria da degradação das formalidades essenciais, é nosso humilde entendimento que, neste caso concreto, a degradação da formalidade não conduz à melhor solução jurídica e ao resultado mais justo, atendendo à universalidade dos factos.

XI. Em suma: a decisão atacada nos autos afigura-se ser a todos os títulos incólume, considerando nomeadamente o tempo e quadro legal em que foi tomada.

XII. Assim, e não descurando o muito e devido respeito pelo entendimento do douto tribunal a quo, - cremos que não se impunha ao Município Recorrente outra decisão, a qual deverá, então, ser mantida (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. A Autora, aqui Recorrida, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual com vista à anulação dos atos de exclusão da sua proposta e de adjudicação concursal, e, bem assim, à condenação do Réu, aqui Recorrente, ordenar a proposta da Autora em primeiro lugar e a adjudicar-lhe o Fornecimento de Madeiras para o ano de 2023.

12. Substanciou a pretensão impugnatória formulada nos autos no entendimento de que a assinatura eletrónica aposta na proposta submetida na plataforma ANOGOV abrange todo o conteúdo do mesmo, designadamente abrange a “listagem de preços unitários”, pelo que a falta de assinatura de um dos ficheiros que compõem aquele documento singular assinado digitalmente não pode justificar a exclusão da proposta da Autora, sendo, por isso, ilegal tal exclusão.

13. Já no que tange à pretensão condenatória, defendeu que a proposta por si apresentada era a mais vantajosa, cumprindo todos os critérios de adjudicação, mostrando-se, por isso, devida a adjudicação do procedimento concursal descrito nos autos.

14. O T.A.F. do Porto, como sabemos, validou este entendimento, tendo julgado procedente a presente ação.

15. A ponderação de direito convocada para arrimar o juízo de procedência da presente ação foi, sobretudo, a seguinte: “(…)

Sobre esta temática, Pedro Costa Gonçalves escreveu que “(...) Os documentos da proposta devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar: artigo 57.°, n.°4.

(…)

O incumprimento das imposições dos n.°s 4 e 5 do artigo 57.° implica a exclusão da proposta: artigo 146.°. n.° 2, alínea e).

Nos termos da Lei das Plataformas Eletrónicas, os documentos submetidos na plataforma eletrónica pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada (artigo 54.°, n.° 1). Os documentos elaborados ou preenchidos pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais (cf. artigo 54.°, n.° 2). [p. 804 e 805].

(…)

Os termos a que deve obedecer a apresentação (carregamento e submissão) e a receção das propostas nas plataformas eletrónicas estão definidos na Lei das Plataformas Eletrónicas.

O carregamento das propostas é regulado no artigo 68°, cujo n.°1 estabelece que as plataformas eletrónicas devem permitir o carregamento progressivo, pelo interessado, da proposta ou propostas, até à data e hora prevista para a submissão das mesmas. Estabelece-se ainda que, quando o interessado realizar o carregamento de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada (n.°4). Em desvio a essa regra, conforme decisão do TCAS, e nos termos do n.° 5 do artigo 68°, os ficheiros que constituem a proposta não têm de estar encriptados e assinados eletronicamente antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, podendo ser carregados de forma progressiva, caso em que é suficiente a respetiva encriptação e assinatura eletrónica aquando da submissão da proposta (Ac. De 05/04/2018, 420/17.1BECTB). Esta doutrina foi confirmada pelo STA em Ac. de 06/12/2018, 0278/17.0BECTB (“enquanto no carregamento de “ficheiro fechado” o concorrente elabora a proposta localmente, no seu computador, inserindo os documentos em ficheiros que introduz na plataforma eletrónica depois de encriptados e assinados, no carregamento progressivo ou de “ficheiro aberto”, a que alude o n.°5 do art. 68.°da Lei n.° 96/2015, de 17/8, o ficheiro está em processo de carregamento até ao momento da submissão, não sendo a sua assinatura exigida até este momento”). [p. 814]

(...). - vd. «Direito dos Contratos Públicos», 5a Edição, Almedina, 2021, p. 804 e ss.

Com relevo para a apreciação desta questão, impõe-se considerar o que decidiu o Supremo Tribunal Administrativo: “(...) O citado art.° 68.°, sob a epígrafe “carregamento das propostas”, estabelece o seguinte, nos seus n°s. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 15:

“(…)”

Resulta deste preceito que há duas modalidades de carregamento das propostas: a normal, a que se referem os transcritos n°s. 1, 2, 3, 4, 6 e 15, geralmente denominada de carregamento de “ficheiro fechado” e a prevista no n.° 5 do mesmo normativo, denominada de carregamento progressivo ou de “ficheiro aberto”.

(...)

O art.° 7°, n.° 1, do DL n.° 290-D/99, de 2/8, na redação resultante do DL n.° 88/2009, de 9/4, prevê que a aposição de uma assinatura eletrónica equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) a pessoa que apôs a assinatura é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva titular da assinatura eletrónica; b) a assinatura foi feita com intenção de assinar o documento eletrónico; c) o documento eletrónico não foi alterado desde a aposição da assinatura.

Correspondendo estas presunções legais aos fins prosseguidos pela exigência da assinatura eletrónica qualificada, é de entender que esta tem uma função identificadora, finalizadora ou confirmadora e de inalterabilidade.

Assim, o que há que apurar é se estas funções foram asseguradas pela assinatura eletrónica dos ficheiros na plataforma aquando da submissão da proposta.

Ora, estando provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária “B ” foram assinados através de um certificado qualificado de assinatura eletrónica àquela pertencente, é de concluir que estão preenchidas as referidas funções identificadora e finalizadora, por não haver dúvidas quanto à autoria daqueles ficheiros e à vinculação de quem assinou o seu conteúdo.

Quanto à função de inalterabilidade, o que importa averiguar é se o facto de os ficheiros não conterem uma assinatura eletrónica qualificada quando são carregados na plataforma permite garantir que após a sua assinatura o respetivo conteúdo não foi alterado.

(...)’ - vd. Acórdão proferido em 06.12.2018, no âmbito do processo n.° 0278/17.0BECTB.

E, mais recentemente, sobre questão similar, o mesmo Supremo Tribunal decidiu: “(...)

2.1. No que concerne aos factos provados respeitantes à decisão de mérito, consta do acórdão recorrido o seguinte:

(…)

E) O documento relativo ao “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabelecimento” que integra a proposta do Autor foi assinado eletronicamente aquando da sua submissão na plataforma eletrónica em que foi tramitado o procedimento concursal - Plataforma “SaphetyGov”, sem estar previamente assinado eletronicamente, com recurso a assinatura eletrónica qualificada - admitido por acordo (...).

(...)

Resulta do exposto que, apesar de ter reconhecido que o Ac. deste STA de uniformização de jurisprudência de 25/11/2021 não abrange a situação que está em causa nos autos, o acórdão recorrido atendeu a algumas considerações dele constantes para sustentar o entendimento contrário ao adotado pela sentença.

O recorrente, na presente revista, alega que o aludido acórdão de uniformização não é aqui aplicável e que, face ao incumprimento do disposto no n.° 4 do art.° 68.° da Lei n.° 96/2015, de 17/8, haveria que recorrer, como entendera a sentença, à teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, vertida atualmente no art.° 163.°, n.° 5, al. b), do CPA, para reconhecer que os objetivos subjacentes à formalidade que fora omitida haviam sido cumpridos, não se justificando, por isso, a exclusão da sua proposta.

A única questão a decidir é, assim, a de saber se, por recurso à teoria das formalidades não essenciais, consagrada no art.° 163.°, n.° 5, al. b), do CPA, aprovado pelo DL n.° 4/2015, de 7/1, se deve afastar a exclusão da proposta do ora recorrente por os objetivos subjacentes à exigência decorrente do n.° 4 do art.° 68.° da Lei n.° 96/2015 terem sido alcançados com a assinatura do documento denominado “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabelecimento” no momento da submissão da sua proposta.

Vejamos.

Conforme notou a sentença, a questão que está em discussão nos autos é idêntica à que foi decidida no Ac. deste STA de 6/12/2018 - Proc. n.° 0278/17.0BECTBR (o qual foi objecto de anotação concordante de Débora Melo Fernandes na Revista de Direito Administrativo, n.° 5, pág. 115), onde, após se referir que o que estava em causa era a modalidade de carregamento das propostas aludida no citado art.° 68.°, n°s. 1, 2, 3, 4, 6 e 15, denominada de carregamento de “ficheiro fechado” - e não a do n.° 5 deste preceito, qualificada como de carregamento progressivo ou de “ficheiro fechado” - e que a assinatura de um documento apenas no momento da submissão da proposta correspondia nesse caso ao incumprimento de uma formalidade que era essencial por legalmente prescrita, se entendeu que “tendo-se provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária foram assinados através de um certificado de assinatura eletrónica a ela pertencente e garantindo a plataforma a possibilidade de aferir se uma cópia eletrónica que dela tenha sido extraída corresponde ao documento original submetido pelo concorrente, é de concluir que o facto de os ficheiros não terem sido assinados na altura determinada pela lei, mas só em momento posterior, se degrada em formalidade não essencial”.

Por sua vez, o aludido acórdão uniformizador de 25/11/2021, proferido ao abrigo do art.° 152.°, n.° 7, do CPTA e, por isso, sem qualquer influência na decisão da causa, resolveu um conflito jurisprudencial sobre a interpretação do n.° 5 do art.° 54.° da Lei n.° 96/2015, fixando a seguinte doutrina:

“A submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos não assinados eletronicamente não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento imposta pelo n.° 4 do art.° 57.° do CCP e pelo n.° 5 do art.° 54.° da Lei n.° 96/2015”.

Assim, enquanto no citado Ac. de 6/12/2018 se entendeu que, face às circunstâncias do caso, se deveria considerar que se degradava em formalidade não essencial o incumprimento da formalidade da assinatura eletrónica de um documento previamente ao carregamento da proposta na plataforma onde era tramitado o concurso quando essa assinatura vem a ser associada ao documento no momento da submissão da proposta, no acórdão uniformizador entendeu-se que um ficheiro em formato PDF agregador de vários documentos não constitui um documento único, pelo que, perante o teor literal dos referidos art.° 54.°, n.° 5 e 57.°, n.° 4, era de concluir que, no momento da submissão da proposta, todos eles têm de estar assinados eletronicamente, não bastando a assinatura do PDF que os contém.

Não há, pois, como reconhece a própria decisão recorrida, qualquer contradição entre os mencionados acórdãos que decidem questões distintas.

É certo, porém, que o acórdão uniformizador apreciou a questão de saber se a assinatura do ficheiro PDF desacompanhada da dos documentos que contém se poderia reconduzir a uma “irregularidade não invalidante”, concluindo pela negativa por a solução contrária não se poder considerar “desrazoável por excessivamente formalista e acolhedora de uma leitura burocratizada da lei” e por as especiais características dos procedimentos concursais determinarem que se dê prevalência à “regra explícita” que só deve ser afastada mediante uma alteração legislativa.

Mas, ao contrário do que considerou o acórdão recorrido, cremos que da fundamentação utilizada nada se pode extrair quanto à não aplicação da denominada “teoria das formalidades não essenciais” à situação em apreço, com o fundamento que o incumprimento da formalidade abstratamente invalidante - ou seja, geradora da exclusão da proposta - deixa de o ser se, no caso concreto, os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar tiverem sido alcançados.

Efetivamente, não só nada se retira no sentido que o incumprimento da formalidade do n.° 4 do art.° 68.° da Lei n.° 96/2015, tem sempre como consequência a exclusão da proposta, como a aplicação da aludida teoria depende da formalidade que no caso foi preterida e dos interesses que esta visa acautelar e assegurar, bem como das circunstâncias concretamente verificadas, relativamente às quais não se verifica qualquer identidade de situações.

Refira-se, finalmente, que ainda que se considerasse que o acórdão uniformizador continha uma pronúncia no sentido que a não aposição de assinatura no documento na altura da submissão da proposta correspondia sempre ao incumprimento de uma formalidade essencial insuscetível de se degradar em não essencial, é manifesto que continuava a não existir contradição com a posição que se sustentou no Ac. de 6/12/2018, onde, relembre-se, estava em causa uma situação de não assinatura do documento apenas num momento anterior àquele que, no entanto, veio a ser suprida.

Face ao exposto, não vemos motivo para alterar o entendimento defendido neste Ac. de 6/12/2018, considerando que, como aí se referiu, mesmo no carregamento com base em ficheiros fechados, a submissão da proposta só se efetiva com a sua assinatura eletrónica, sendo este o momento em que ela se considera completa e apresentada a concurso, ficando o concorrente finalmente vinculado ao compromisso aí assumido, pelo que não é por os documentos não se encontrarem assinados antes do seu carregamento na plataforma que o A. deixava de se considerar vinculado ao que deles constava, o que é demonstrativo da irrelevância do incumprimento dessa formalidade em relação à firmeza do compromisso que assumiu (cf. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, págs. 903 e 904) e uma vez que se mostram preenchidas as funções da assinatura eletrónica (identificadora, finalizadora ou confirmadora e de inalterabilidade) que, aliás, não são postas em causa. (…)’’ - vd. Acórdão proferido em 30.06.2022, no âmbito do processo n.° 0446/21.0BELSB (com um voto de vencido).

Assim, ante o enquadramento jurisprudencial exposto, maxime no Acórdão proferido no âmbito do processo n.° 0446/21.0BELSB que aqui se acolhe, o Tribunal julga que, no caso concreto, o facto do ficheiro “listagem de preços unitários” não se encontrar assinado previamente ao seu carregamento na plataforma, ainda que tal exigência constitua uma formalidade essencial por legalmente prescrita; a verdade é que, verificando-se que aquando do carregamento e submissão da referida proposta - composta por três ficheiros - na plataforma em uso, a mesma foi devidamente assinada, pelo que tal formalidade se degrada em não essencial.

Em suma, estribado na teoria das formalidades não essenciais que resulta do preceituado no artigo 163° n.5 alínea b) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que as finalidades visadas pela exigência do artigo 68° n.4 da Lei n.° 96/2015 são alcançadas com a assinatura do documento “listagem de preços unitários” no momento da submissão da proposta, o Tribunal julga procedente a alegação da A.

(…)

Destarte, à luz do enquadramento exposto, o Tribunal julga que não se verifica a causa que determinou a exclusão da proposta da A. “(...) fundamentada pelo imposto no n° 7 do artigo 11° do programa de concurso e pelo artigo 54 da Lei 96/2015 de 17 agosto, (...)”; e, como tal, procede a sua alegação a este respeito.

Em consequência, determino a anulação do acto de exclusão da proposta da A. e por conseguinte a adjudicação à contrainteressada [SCom02...].

De notar, que pese embora pela Contrainteressada [SCom02...] venha invocado, em sede de contestação, que a proposta da A. não cumpre as exigências legais e processuais contidas no programa de concurso; no caso em apreço, uma vez que tal não foi causa de exclusão da proposta da A. [cfr. pontos H) e J) do probatório] e, a Contrainteressada não impugnou o referido acto com essa fundamentação, tal não constitui questão a apreciar nesta lide (…).

Cumulativamente com o pedido anulatório, a A. peticiona, também, a condenação do R. “(…) c) (…) a ordenar a proposta da Autora em primeiro lugar e a adjudicar-lhe o Fornecimento de Madeiras para o ano de 2023, como é de INTEIRA JUSTIÇA. (...)”.

(...)”.

Vejamos, pois.

A apreciação e valoração das propostas constitui uma tarefa do júri do procedimento, a quem se reconhece discricionariedade para tal, onde apenas se justifica a ingerência do Tribunal em caso de existência de erro grosseiro.

In casu, em face da anulação do acto de exclusão da proposta da A. e da adjudicação da proposta da Contrainteressada [SCom02...], atento o critério de adjudicação definido como o da proposta economicamente mais vantajosa a avaliar, tão-só, pelo fator do preço mais baixo [cfr. ponto B) do probatório] uma vez que a proposta da A. é a que apresenta o preço mais baixo [cfr. ponto F) do probatório], revela-se como única atuação legalmente possível a adjudicação do contrato à aqui A..

Procede, por isso, o pedido condenatório formulado pela A. no que respeita à condenação do R. na adjudicação da sua proposta (…)”.

16. Temos, pois, assim que o Tribunal a quo, fazendo apelo à jurisprudência que ressalta dos aresto do Tribunal Cúpula desta Jurisdição de 06.12.2018 e 30.06.2022, tirada nos processos nº. 0278/17.0BECTB e 0446/21.0BELSB, respetivamente, firmou juízo decisório no sentido de que “(…) no caso concreto, o facto do ficheiro “listagem de preços unitários” não se encontrar assinado previamente ao seu carregamento na plataforma, ainda que tal exigência constitua uma formalidade essencial por legalmente prescrita; a verdade é que, verificando-se que aquando do carregamento e submissão da referida proposta - composta por três ficheiros - na plataforma em uso, a mesma foi devidamente assinada, pelo que tal formalidade se degrada em não essencial (…)”, dessa sorte, anulando o acto de exclusão da proposta da Autora, mais condenando o Réu na adjudicação do procedimento concursal à Autora em virtude desta apresentar a proposta de mais baixo preço.

17. O Apelante não se conforma com a sentença recorrida, pois considera que a mesma “(…) assenta essencialmente numa linha jurisprudencial que, apesar de merecer o nosso inteiro respeito, não é consentânea com o entendimento jurisprudencial maioritário – ou mesmo, segundo cremos, com princípios basilares que devem nortear todo e qualquer procedimento de contratação pública (…)”.

18. E, efetivamente, considera bem.

19. Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, sublinhando, desde já, que os presentes autos respeitam a ação administrativa de contencioso pré-contratual, envolvendo um procedimento concursal lançado pelo MUNICÍPIO ..., em 02.12.2022.

20. Quer isto tanto significar que o regime processual aplicável é o constante do Código dos Contratos Públicos, na redação dada pelo DL n.º 78/2022, de 07/11 [19º versão], portanto, antes da versão vigente [DL n.º 54/2023, de 14/07].

21. É o seguinte o teor dos artigos 56º, 57º, 70º, e 146º do CPC, na redação aplicável aos autos: “(…)

Artigo 56.º

Noção de proposta

1 - A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.

2 - Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.

Artigo 57.º

Documentos da proposta

1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:

a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;

b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;

c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;

d) (Revogada.)

2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:

a) Uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução;

b) Um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361.º, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução;

c) Um cronograma financeiro, quando o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução, contendo um resumo dos valores globais correspondentes à periodicidade definida para os pagamentos, subdividido pelas componentes da execução de trabalhos a que correspondam diferentes fórmulas de revisão de preços;

d) Um estudo prévio, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 43.º, competindo a elaboração do projeto de execução ao adjudicatário.

3 - Integram também a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente apresente por os considerar indispensáveis para os efeitos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1.

4 - Os documentos referidos nos nº. s 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.

5 - Quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, os documentos referidos no n.º 1 devem ser assinados pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à proposta os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, devem ser assinados por todos os seus membros ou respetivos representantes.

6 - Nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é apresentado, em substituição da declaração do anexo i do presente Código, o Documento Europeu Único de Contratação Pública

(…)”.

Artigo 70.º

Análise das propostas

1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.

2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:

a) Que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;

b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs. 10 a 12 do artigo 49.º;

c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;

d) Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6;

e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;

f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;

g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.

3 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea e) do número anterior, bem como a existência de indícios de práticas restritivas do comércio, ainda que não tenham dado origem à exclusão da proposta, devem ser comunicadas à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

4 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea g) do n.º 2, bem como a existência de indícios de práticas restritivas da concorrência, ainda que não tenham dado origem à exclusão da proposta, devem ser comunicadas à Autoridade da Concorrência.

5 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea e) do n.º 2, devido ao facto do operador económico ter obtido um auxílio estatal e não poder provar que o mesmo é compatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, deve ser comunicada à Autoridade da Concorrência e, quando o anúncio do respetivo procedimento tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia, também à Comissão Europeia.

6 - No caso de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação em que todas as propostas tenham sido excluídas, o órgão competente para a decisão de contratar pode, excecionalmente e por motivos de interesse público devidamente fundamentados, adjudicar aquela que, de entre as propostas que apenas tenham sido excluídas com fundamento na alínea d) do n.º 2 e cujo preço não exceda em mais de 20 /prct. o montante do preço base, seja ordenada em primeiro lugar, de acordo com o critério de adjudicação, desde que:

a) Essa possibilidade se encontre prevista no programa do procedimento e a modalidade do critério de adjudicação seja a referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º;

b) O preço da proposta a adjudicar respeite os limites previstos no n.º 4 do artigo 47.º;

c) A decisão de autorização da despesa já habilite ou seja revista no sentido de habilitar a adjudicação por esse preço.

(…)

Artigo 146.º

Relatório preliminar

1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.

2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:

a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;

b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;

c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;

d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 57.º-A;

e) Que não cumpram o disposto nos nºs. 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º;

f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;

g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base;

h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base;

i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º;

j) (Revogada.)

l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;

m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;

n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;

o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º

3 - Nos casos previstos nas alíneas f) e i) do número anterior, o júri deve propor a exclusão de todas as propostas variantes, a qual não implica a exclusão da proposta base.

4 - Do relatório preliminar deve ainda constar referência aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes nos termos do disposto no artigo 72.º

5 - Quando, nos termos do disposto na secção seguinte, seja adotada uma fase de negociação aberta a todos os concorrentes cujas propostas não sejam excluídas, o júri não deve aplicar o critério de adjudicação nem propor a ordenação das propostas no relatório preliminar para efeitos do disposto no n.º 1. (…)”.

22. Conforme emerge grandemente do que sem de transcrever, ademais e especialmente da normação constantes do artigo 146º, nº.2, alínea a) e nº.s 1 e 4 do artigo 57º do C.C.P, após a análise das propostas apresentadas, o júri concursal, no relatório preliminar, deve propor a exclusão das propostas, designadamente e para o que ora nos interessa, que integrem documentos exigidos não assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar [quanto à forma de assinar, veja-se o preceituado na Lei nº. 96/2015, de 17 de agosto, donde emerge que os documentos submetidos na plataforma eletrónica pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada [artigo 54.º, n.º 1], devendo os documentos elaborados ou preenchidos pelos operadores económicos ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais [cf. artigo 54.º, n.º 2].

23. Pois bem, um desses documentos exigidos pelo artigo 57º do C.C.P. é precisamente, a “lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução”, conforme se alcança manifestamente da sua alínea a) do seu nº. 2.

24. Apresentando-se distintivo que a Autora, aqui Recorrida, submeteu na plataforma eletrónica a sua proposta - que assinou eletronicamente -, mas da qual consta um ficheiro pdf relativo à “lista de preços unitários” carecido de assinatura individualizada nos termos e com o alcance supra referidos, deve equacionar-se a existência um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do disposto no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP.

25. Realmente, o n.º 4 do artigo 57.º do CCP é claro e inequívoco na exigência da assinatura dos documentos legalmente exigidos, o que afasta qualquer espetro de dúvida no tocante à possibilidade de se admitir situações contrastantes com tal previsão legal, como é caso da situação retratada nos autos.

26. De facto, é nosso entendimento que a circunstância da proposta mostrar-se eletronicamente assinada não tem o condão de derrogar a legal exigência de assinatura individualizada dos documentos legalmente exigíveis aquando da sua apresentação, como é o caso da “lista de preços unitários”.

27. Mas se dúvidas houvessem quanto a este cenário, elas ficariam absolutamente dissipadas com a evidência de que, em 25.11.2021, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão de uniformização de jurisprudência - em que é acórdão recorrido o acórdão do STA proferido no proc. nº 201/18.4BELLE e é acórdão fundamento o acórdão do STA proferido no proc. nº 322/16.9BEFUN - no sentido de que “A submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos não assinados eletronicamente não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento imposta pelo n.º 4 do artigo 57.º do CCP e pelo n.º 5 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015.”.

28. Conforme ressuma grandemente da linha jurisprudência assim uniformizada, a assinatura eletrónica da proposta não basta para cumprir a legal exigência da assinatura individualizada dos documentos que integram a mesma, impondo-se igualmente a assinatura individualizada dos documentos legalmente exigíveis aquando da submissão da mesma.

29. Perante este quadro, não sentimos qualquer hesitação em assumir a situação retratada nos autos - submissão de uma proposta assinada eletronicamente mas da qual consta um ficheiro pdf relativo à “lista de preços unitários” carecido de assinatura individualizada nos termos e com o alcance supra referidos – configura um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos do disposto no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP.

30. A questão que se equaciona no imediato é a de saber se tal patologia procedimental é [ou não] suscetível de regularização procedimental, dessa forma evitando-se a exclusão da proposta da Autora.

31. Esta questão foi também abordada no Acórdão de uniformização de jurisprudência supra citado, tendo o colendo S.T.A. firmado juízo decisório no seguinte sentido: “(…)

Em suma, a solução vertida no acórdão recorrido, embora dê garantias de integralidade material do cumprimento das exigências do artigo 57.º do CCP, não assegura o cumprimento das exigências formais (assinatura de todos os documentos) e importa ainda saber se esse incumprimento deve considerar-se invalidante da proposta apresentada por violação de desígnio legal ou se pode reconduzir-se ao desvalor de uma irregularidade não invalidante, atento, também, o teor menos claro do disposto no n.º 5 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015.

Em outras palavras, cabe, derradeiramente, perceber se uma solução como a professada no acórdão fundamento e naquela que era a jurisprudência pacífica do STA se pode considerar desrazoável, por excessivamente formalista e acolhedora de uma leitura burocratizada da lei.

Ora, é nossa opinião que a interpretação jurídica no âmbito de normas administrativas reguladoras de procedimentos de forte pendor burocrático (caracterizado por estar assente em regras e princípios explícitos), por expressa opção do legislador (por considerar que a burocracia é, neste caso, uma dimensão da garantia dos administrados, leia-se, dos concorrentes), radicada no carácter massificado da sua utilização e na circunstância de a ele estarem obrigados sujeitos jurídicos (públicos e privados, incluindo entidades adjudicantes e co-contratantes) muito diversificados, também nas suas qualificações jurídicas e habilitações técnicas para o uso de meios informáticos, impõe que o teor literal da regra tenha um peso determinante nas soluções.

É precisamente neste tipo de procedimentos, pelas suas características e pelas especiais exigências que estão subjacentes à sua aplicação que a regra explícita (a burocracia) e os formalismos ganham qualidades adicionais. A regra explícita e o "modelo de administração fordista" (baseado em actos repetitivos e sem margens para interpretação ao aplicar as regras) é, neste especial circunstancialismo, medida de garantia da materialidade da decisão, por proporcionar um tratamento igualitário e não discriminatório.

Vale isto por dizer que a reserva de acto legislativo, no sentido de obediência estrita ao teor literal da regra legal, é aqui especialmente intensa e que uma modificação do sentido de uma regra explícita há-de resultar de uma modificação legislativa expressa (uma alteração na redação da lei) e não de uma operação hermenêutica, porque só a primeira tem a força necessária para impor, com segurança jurídica, a alteração do comportamento e da praxe burocrática (seja de quem apresenta a proposta, seja de quem a aceita ou exclui) e só ela pode assegurar a uniformização na aplicação do direito e a plena realização dos princípios materiais (in casu, a concorrência e a igualdade de tratamento) subjacentes às regras (…)”.

32. Não se pode, portanto, concluir-se no sentido da patologia procedimental descrita configurar uma “irregularidade não invalidante determinante da exclusão da proposta”, desde logo, por tal solução não se poder considerar “desrazoável, por excessivamente formalista e acolhedora de uma leitura burocratizada da lei”, mas também por as especiais características dos procedimentos concursais determinarem que se dê prevalência à “regra explícita” que só deve ser afastada mediante uma alteração legislativa.

33. Assim tem de ser, tanto mais que, como se colhe inequivocamente do disposto no artigo 72º, nº. 2 do CCP, a “prestação de esclarecimentos” não pode servir para contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, nem alterar ou completar os respetivos atributos, nem visar suprir omissões que determinam a sua exclusão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70º do CCP.

34. Logo, a irregularidade patenteada nos autos não podia ser objeto da prestação de esclarecimentos, por consubstanciar fundamento de exclusão nos termos do disposto no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP.

35. E também não podia ser objeto de suprimento, pois, regra geral, esta possibilidade mostra-se reservada as irregularidades de propostas causadas por preterição de formalidades não essenciais.

36. Por “formalidades não essenciais”, e na senda da jurisprudência tirada pelo Tribunal de Contas no processo nº. 04/2022 - que aqui se acolhe inteiramente -, deve entender-se aquelas que não colidam com os princípios gerais que regem os procedimentos concursais, mormente da transparência e da concorrência.

37. Já as “formalidades essenciais” serão aquelas que colidam com tais princípios, apontando-se neste patamar, desde logo, as exigidas pelo bloco legal aplicável relativamente às quais o legislador comina a sua inobservância com a exclusão da candidatura ou da proposta do concorrente.

38. Considerando a cominação estatuída no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do CCP, impera concluir pela qualificação da exigência de assinatura individualizada da “lista de preços unitários” como sendo uma “formalidade essencial”, o que nos transporta para a evidência da inaplicabilidade do artigo 72º, nº. 3 do C.C.P ao caso versado.

39. E nada disto bule com a posição maioritária acolhida no aresto do S.T.A. de 30.06.2022, no processo nº. 0829/18.3BEAVR, melhor evidenciada na sentença recorrida, já que a situação ali tratada contende com uma irregularidade procedimental conexa com a eventual falta de assinatura do documento denominado “Estudo do Projeto de Requalificação do Estabelecimento”, que – contrariamente ao documento visado nos autos, isto é, a “lista de preços unitários” -, não integra a lista de documentos de apresentação e assinatura obrigatória, nos termos do nº 1 e 4 do artigo 57º do C.P.T.A, escapando, por isso, à malha sancionatória prevista no artigo 146º, nº. 2, alínea e) do C.C.P e, nessa esteira, à qualificação da preterição da falta da assinatura do mesmo como sendo uma formalidade essencial.

40. Perante este quadro e tudo o quanto ante ficou exposto, entendemos ser forçosa a conclusão que não andou bem o Tribunal a quo a julgar de forma diversa.

41. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e a presente ação ser julgada improcedente.

42. Assim se decidirá.

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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar a presente ação improcedente.

Custas em ambas instâncias pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 02 de fevereiro de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia em substituição
Helena Maria Mesquita Ribeiro