Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00632/21.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO DE OBRAS;
PEDIDO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO;
Sumário:
1-A pretensão urbanística da Autora foi objeto de uma decisão final expressa, datada de 14/10/2022, proferida na sequência de um conjunto de atos de trâmite que foram comprovadamente praticados, pelo que, não está em causa uma qualquer inércia/omissão de ação por parte do Município.

2- Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º1, al. b) do CPTA, a condenação á pratica de ato devido pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
1.1. «AA», residente na Rua ..., ..., ... ..., intentou a presente ação administrativa contra o Município ..., com sede na Praça ..., ... ..., de impugnação de atos administrativos, pedindo que sejam “(…) a)…declarados nulos, anuláveis ou ineficazes, de acordo com os diversos vícios invocados, os atos a que se alude nos pontos 28, 29, 30 e 32 desta PI. b) Ser o Réu, no prazo de 30 dias, condenado à prática do ato devido, isto é, licenciar/legalizar o pombal, nos moldes requeridos pela A. c) Ser o Réu condenado em custas (…)”.
Para tanto, alega, em síntese, que apresentou pedido de licenciamento de um alpendre, churrasqueira e pombal construídos no logradouro do seu prédio, sendo o pombal destinando ao exercício, pelo seu filho, de prática desportiva e federada da columbofilia;
Sustenta que o referido pedido foi indeferido pela Entidade Demandada, e os “atos administrativos” impugnados enfermam dos seguintes vícios:
(i) da ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo pois o seu marido deveria, juntamente com a Autora, ser destinatário dos despachos em crise por ser proprietário do prédio urbano onde se construiu o pombal;
(ii) incompetência da Entidade Demandada, pois a suspensão da atividade ou o encerramento do alojamento de animais é da competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária;
(iii) falta de fundamentação, por não indicarem as concretas razões do indeferimento do licenciamento requerido;
(iv) violação de lei, por entenderem que o pombal não se enquadra na previsão legal prevista no artigo 15.º, n.º 7 do PDM do Município ...;
Mais invoca que o despacho de indeferimento prolatado encontra-se ferido de inconstitucionalidade porque impossibilita o direito constitucional ao desporto/columbofilia.
Conclui, pugnando pela procedência da ação.
1.2. Citada, a Entidade Demandada contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, suscitou a inimpugnabilidade das decisões sindicadas, a caducidade do direito da ação e a ilegitimidade por falta de indicação dos contrainteressados.
Em relação à exceção da inimpugnabilidade sustenta que todos os atos que a Autora identifica nos artigos 28.º, 29.º, 30.º e 32.º da p.i. são inimpugnáveis, adiantando que : (i) o despacho proferido em 10/05/2021 refere-se a um projeto de indeferimento no qual a Autora foi notificada para o exercício do direito de audição prévia; (ii) o despacho proferido em 02/07/2021 apenas concede à Autora prazo para juntar documentos; (iii) quanto ao parecer e informação técnica datados de 06/01/2020 e 07/05/2021, trata-se de atos preparatórios de uma decisão final, pelo que, esses despachos não incorporam a prática de atos administrativos;
Quanto ao pedido de condenação à pratica de ato devido, sustenta que a Autora não intentou essa ação no prazo de um ano a contar da data de apresentação do pedido de legalização do licenciamento do pombal.
No que concerne à ilegitimidade por falta de indicação de contrainteressados, advoga que tendo sido apresentada uma exposição em 23/09/2019 por «BB», a comunicar que a Autora estaria a construir um pombal junto à sua habitação e que essa construção configuraria um foco de insalubridade, a procedência da presente ação poderá prejudica-la diretamente, assistindo-lhe toda a legitimidade para ser parte nos presentes autos, pelo que a sua falta, consubstancia uma exceção dilatória.
Defendeu-se por impugnação, contradizendo os factos articulados na p.i., alegando, no essencial, que os ” atos” impugnados não enfermam de nenhum dos vícios que lhe são imputados.
Adianta que o pombal cujo licenciamento foi pedido, dista menos de 150 m de edifícios residenciais que o rodeiam, e que configurando uma estrutura destinada à criação e abrigo de animais, o seu licenciamento é manifestamente ilegal, por violação do artigo 15.º do PDM ...;
Quanto à falta de notificação dos atos proferidos ao marido da Autora, sustenta que os mesmos apenas tinham de ser notificados à Autora, uma vez que qualquer comproprietário tem o poder de requerer o licenciamento, não sendo a licença de construção suscetível de modificar ou extinguir, de qualquer modo, os direitos reais sobre os imóveis em que se inserem, para além de que no processo apenas a Autora figurava como requerente;
Conclui, pugnando pela procedência das exceções e, para o caso de assim se não entender, pela improcedência da ação.
1.3. Notificada da contestação, a Autora replicou, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas, precisando que os atos administrativos objeto da presente ação são apenas os despachos proferidos pelo Vereador do Município ... datados de 2021/07/02 e 2021/05/10;
Requereu a citação, como contrainteressada, de «BB» (fls. 124 do SITAF).
1.4.Citada, a Contrainteressada contestou a ação, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.
1.5. Por requerimento que consta de fls. 250 do SITAF, a Autora requereu a ampliação do pedido, invocando que na pendência da ação foi proferido ato de indeferimento do pedido de licenciamento/legalização do pombal, datado de 14/10/2022, impugnando-o e assacando-lhe os mesmos vícios dos restantes atos.
1.6. O TAF de Penafiel, por despacho de 12/02/2023, deferiu a requerida ampliação do pedido, dispensou a realização de audiência prévia, fixou o valor da ação em € 30.000,01 e proferiu despacho saneador- sentença, em que julgou procedente a exceção da inimpugnabilidade dos despachos de 10/05/2021 e 02/07/2021, assim como procedente a exceção de intempestividade da ação quanto ao pedido de condenação à prática de ato devido de legalização/licenciamento do pombal.
Após, por decisão de 12/02/2023, o Tribunal a quo julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
« Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo procedente a presente ação administrativa e, em consequência, anulo o ato de indeferimento proferido em 14/10/2022.
Custas pela Entidade Demandada.
Registe e notifique.»
1.7. Inconformada com a decisão proferida que julgou a ação procedente, a Autora interpôs o presente recurso de apelação que encerra com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1-Nos presentes autos não está em causa a inércia da administração, concretamente que o Réu Município ..., no prazo de 45 dias, não tenha emitido pronuncia sob o pedido de licenciamento requerido pela A./Recorrente.
2-O Réu/ Município ... pronunciou-se no devido tempo sobre o pedido de licenciamento da A./Recorrente através dos despachos de indeferimento referidos nos pontos 28,29,30 e 32 da P.I., porém de forma inválida.
3-Não tem por isso cabimento, como acontece na sentença recorrida chamar à colação nos presentes autos o disposto no art.23º do RJEU.
4- O raciocínio dedutivo efetuado na sentença recorrida e que termina por concluir pela caducidade / intempestividade da ação, parte e tem por base de um pressuposto falso: a inércia do Município .... Dito isto,
5-Como resulta da petição inicial foi cumulado um pedido impugnatório(de anulação dos atos) com um pedido de condenação à prática de ato devido.
6-Nos termos do art.º 4.º, n.º 2, do CPTA, qualquer pedido do tipo impugnatório pode ser cumulado com pretensões condenatórias visando a prática do ato devido.
7-A A./Recorrente limitou-se a reagir perante um ato de indeferimento na sua ótica nulo ou anulável e formulou um pedido de condenação à prática do ato que, na sua perspetiva, é o ato devido.
8-Não ocorre por isso qualquer exceção dilatória de intempestividade da ação devendo o Tribunal conhecer desse pedido.
9-No pedido de ampliação do objeto do processo e do pedido ref. ...65 a A./ Recorrente requereu a ampliação do objeto do processo e do pedido, nos termos do art. 63 nº 1 do CPTA e em consequência ser declarado nulo, anulável ou ineficaz, de acordo com os diversos vícios invocados, despacho do Vereador do Réu/Município datado de 14.10.2022.
10-Acontece que a sentença recorrida não se pronunciou sobre este pedido da A./Recorrente, apesar de ter sido admitida a ampliação.
11-Por essa razão nos termos das disposições conjugadas do Artigo 95.º nº 1 do CPTA e do Artigo 615.º nº 1 d) do CPC a sentença recorrida padece de nulidade.
12-Revogando a sentença recorrida e proferindo-se acórdão qua acolha as conclusões precedentes. »
1.8. O Réu não contra-alegou.
1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos senhores juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação deste TCAN reconduz-se a saber se o saneador-sentença recorrido enferma de nulidade por omissão de pronuncia e de erro de julgamento em matéria de direito, decorrente de ter julgado improcedente o pedido de condenação do Réu/Apelado a, no prazo de 30 dias, praticar o ato devido consubstanciado no licenciamento/legalização do pombal e demais anexos edificados, nos moldes requeridos pela A./Apelante, com a consequente absolvição do Réu da instância.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como provada a seguinte factualidade:
«1. A Autora e o seu marido, «CC», são donos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28-..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...19, sito na Rua ..., ...,... ..., .... documento n.º ... junto com a p.i. a fls. 33 do SITAF cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 10/12/2019 a Autora submeteu um pedido de legalização nos serviços da Entidade Demandada do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) OBJETO DO REQUERIMENTO VENHO REQUERER A V. EXA.º A APROVAÇÃO DO PROJETO DE ARQUITETURA DO PRÉDIO projeto de legalização SITO EM Rua ..., ..., (…) INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL SOB O ART.º N.º ...19, ... FREGUESIA ... (…) • USO alpendre, uma churrasqueira e um pombal (…) A OBRA PRETENDIDA É DE legalização (…)” - cf. p. 146 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. O pedido referido no ponto anterior foi acompanhado de vários documentos nomeadamente “Georefe”, “Planta”, “Projeto de Arquitetura”, “Projeto de Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel 14 Arranjos Exteriores”, “Condicionamento acústico”, “Planta de localização”, entre outros- cf. p. 147 a 164 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Em 06/01/2020 foi elaborado, pelos serviços da Entidade Demandada, um parecer com o assunto “Legalização de um alpendre, churrasqueira e um pombal”, cujo titular do processo é a aqui Autora, de cujo teor se extrai, ademais, o seguinte:
“(…) Analisado o presente processo propõe-se o indeferimento da pretensão, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, na redação do Decreto-Lei 136/2014, de 9 de setembro, atendendo a que o afastamento entre edifícios destinados à criação/abrigo de animais não pode ser inferior a 150 metros, nos termos do n.º 7 do artigo 15.º do Plano Diretor Municipal do concelho ....
Atendendo ao exposto anteriormente, deverá o requerente num prazo que for estipulado superiormente, reformular o presente processo de modo a legalizar as obras que realizou na sua propriedade sem a respetiva licença, sob pena de lhe serem aplicadas as sanções previstas pelo Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, na redação do Decreto-Lei 136/2014 de 9 de setembro.(…)” - cf. p. 166 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Em 07/05/2021 foi proferido, pelo Chefe da Divisão de Gestão Urbanística da Entidade Demandada, um despacho, referente ao assunto referido no ponto anterior, do qual se extrai, ademais, o seguinte:
“(…) Propõe-se que seja comunicado ao requerente a proposta de indeferimento de acordo com a informação anexa de que será de anexar cópia, para audiência prévia pelo prazo máximo de 10 dias, findos os quais sem que seja contestada de forma fundamentada em sentido contrário será o processo indeferido. Será também de acrescentar que existem no processo queixas de confrontantes com alegações de insalubridade provocadas no local pelo pombal em causa, não havendo por parte destes serviços norma regulamentar que possibilite a sua manutenção (…)”- cf. p. 166 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Em 10/05/2021 foi proferido despacho, pelo Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada, com o assunto “Legalização de um alpendre, churrasqueira e um pombal”, constando a Autora como requerente, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) Comunique-se ao requerente a proposta de indeferimento, podendo exercer no prazo máximo de 10 dias, o direito de audiência prévia nos termos da informação técnica datada de 2020/01/06, e parecer técnico do Chefe da Divisão de Gestão Urbanística datado de 2021/05/07, devendo remeter-se cópia. (…)”- cf. p. 167 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Em 11/05/2021 foi elaborado, pelos serviços do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada, um ofício com o n.º ...1..., e o assunto “PROCESSO N.º 372/..., DE «AA», SITO EM RUA ..., ..., ...”, dirigido à Autora, do qual se extrai, ademais, o seguinte:
“(…) De acordo com o meu despacho datado de 2021/05/10, informo V.Ex.ª o indeferimento, podendo exercer no prazo máximo de 10 dias o direito de audiência prévia nos termos da informação técnica datada de 2020/01/06, e parecer técnico do chefe da Divisão de Gestão Urbanística datado de 2021/05/07, que se anexa.(…)” - cf. p. 168 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Em 25/05/2021 a Autora apresentou, nos serviços da Entidade Demandada, um requerimento em resposta ao ofício referido no ponto anterior- cf. p. 171 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em 07/06/2021 foi emitido um parecer, pela Divisão de Gestão Urbanística da Entidade Demandada, relativo ao requerimento da Autora referido no ponto anterior, do qual se extrai, ademais, o seguinte:
“(…) propõe-se que o presente processo seja remetido à DAJ para indicação dos procedimentos a adotar” - cf. p. 172do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. Em 07/06/2021 foi proferido, pelo Chefe de Divisão de Gestão Urbanística, um despacho relativo ao parecer referido no ponto anterior, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) Propõe-se que seja solicitada informação da DAJ nos termos da informação que antecede” - cf. p. 172 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Em 08/06/2021 o despacho referido no ponto anterior foi objeto de concordância do Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada -cf. p. 166 do Processo Administrativo a fls. 172 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 12. Em 25/06/2021 foi elaborado um parecer, pela Divisão de Assuntos Jurídicos da Entidade Demandada, com o n.º 57/2021, tendo a Autora como titular do processo, dirigido ao Chefe da Divisão de Assuntos Jurídicos, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) O presente processo é referente ao pedido de licenciamento de um alpendre, de uma churrasqueira e de um pombal apresentado pela Senhora Dona «AA». Pelo ofício n.º ...1... foi a requerente notificada do despacho datado de 2021/05/10 o qual, consubstanciado nas informações técnicas da DGU, veio propor o indeferimento do respetivo pedido.
De acordo com as informações emitidas pelos técnicos desta edilidade o projeto de licenciamento não reunia condições para ser deferido, nomeadamente porque, não respeitava o n.º 7 do artigo 15.º do PDM ... o qual determina que o afastamento entre os edifícios destinados à criação/abrigo de animais não pode ser inferior a 150 metros e tendo em consideração também, as várias denúncias apresentadas pelos confrontantes das construções em causa, relativamente à insalubridade do local.
Nesse seguimento, e no âmbito do exercício do Direito de Audiência, a requerente do processo veio solicitar o deferimento da respetiva pretensão alegando que o despacho proferido em 2021/05/10 carece de fundamentação, desde logo porque, aquele só menciona o pombal não fazendo qualquer referência às restantes construções (alpendre e churrasqueira) cujo licenciamento foi também solicitado.
Para além disso, a requerente veio também alegar que, o mencionado pombal destina-se ao exercício desportivo e federado da columbofilia cuja atividade, edificação e instalação de pombais se rege pelos Estatutos e Regulamentos da Federação Portuguesa de Columbofilia através dos Decretos Lei n.º 36767 de 26 de fevereiro e 37469 de 5 de julho de 1949, os quais vieram conferir o estatuto de utilidade pública ao pombo correio e à respetiva modalidade desportiva.
A exponente veio ainda dizer que o disposto n.º 7 do artigo 15.º do PDM ... destina-se a disciplinar o afastamento de vacarias, pocilgas, cabris, ovis ou aviários, não estando incluído nesse rol os pombais.
Por fim, a requerente alegou que o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 36767 consagrou a livre instalação de pombais apenas com o respeito das condições exigidas na matéria pela Federação Portuguesa de Columbofilia.
Nestes termos foi o processo remetido a esta Divisão para emissão do respetivo parecer. Começamos por referir que os serviços técnicos competentes desta Autarquia devem especificar e pronunciar-se também em relação à churrasqueira e ao alpendre cujo licenciamento foi igualmente requerido pela titular do presente processo.
Na verdade, a notificação feita à requerente dando conhecimento do indeferimento da pretensão nada refere quanto à viabilidade técnica ou não das supracitadas construções, pelo que entendemos que os técnicos da Autarquia devem pronunciar-se inequivocamente em relação a essa matéria.
Relativamente à questão da regulamentação e instalação dos pombais urge dizer que, efetivamente a atividade de columbofilia rege-se pelos Decretos-Lei n.º 36767 de 26 de fevereiro e 37469 de 5 de julho de 1949, tendo de facto, o legislador reconhecido as caraterísticas próprias do pombo correio e conferindo-lhe o estatuto de utilidade pública, assegurando-lhe a necessária proteção. Contudo, apesar de nos citados diplomas estarem regulamentadas as condições mínimas para a instalação dos pombais, em concreto no que respeita nomeadamente à escolha do local e dos materiais utilizados para a construção do pombal, além dos requisitos de natureza Higino-sanitárias para obtenção da respetiva licença federativa, tais preceitos não dispensam o cumprimento das normas urbanísticas aplicáveis.
Ora, caso a construção de um pombal não venha a respeitar os afastamentos legais, ou se vier violar regras de construção de loteamento ou mesmo do Plano Diretor Municipal ou de Ordenamento nestes casos, a lei atribuiu competência às Autarquias para fazer a respetiva tutela nessas matérias.
Assim, compete ao Município, no âmbito da legalização da construção dos pombais, zelar pelo cumprimento e pela salvaguarda dessas normas, assim como proteger determinados valores como a saúde, sossego, enquadramento estético e da visibilidade dos condutores de veículos automóveis ou de aviões.
É assim incontestável o facto de as Câmaras Municipais serem os órgãos legalmente competentes para efeitos de licenciamento dos pombais e no que concerne em concreto à questão da construção do pombal não respeitar os afastamentos legais em relação a outras construções urge referir que o RGEU estipula que, entre as novas construções, e as já existentes deve mediar uma distância de, pelo menos, 3m, de forma a salvaguardar valores coletivos tais como a garantia em condições satisfatórias da ventilação, iluminação natural e insolação das construções já existentes e das que se vão construir.
Para além disso, o RGEU estabelece no artigo 115.º que “as instalações para alojamento de animais (qualquer que seja a espécie) somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou nas suas imediações quando construídas em condições de não originarem direta ou indiretamente qualquer prejuízo para a salubridade ou conforto das habitações”.
Portanto a questão da utilidade pública dos pombos correio é relativa à questão da respetiva proteção da espécie com intuito de fomentar o desenvolvimento desportivo da columbofilia, de evitar que esses animais sejam molestados e evitar que possam ser usados para atividades ilícitas. Contudo, esse estatuto não significa que a construção dos pombais não deve ser fiscalizada pelas autarquias, nomeadamente, no que respeita ao cumprimento das normas urbanísticas.
Posto isto entendemos que os argumentos aduzidos pela requerente não colhem no que respeita à questão do licenciamento do pombal uma vez que, essa construção terá de respeitar as normas urbanísticas aplicáveis, não obstante, existir a instituída proteção legal e a utilidade pública dos pombos correio.
No que concerne à questão da falta de fundamentação/imprecisão do despacho datado de 2021/05/10, cremos que assiste razão à requerente e nesse sentido entendemos que os serviços técnicos desta Autarquia devem informar em relação à viabilidade ou não das restantes construções requeridas (alpendre e churrasqueira). (…)”- cf. p. 173 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. Em 30/06/2021 foi proferido, pelo Chefe da Divisão de Assuntos Jurídicos da Entidade Demandada, um despacho dirigido ao Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) Como se informa, existindo regras definidas para a proteção dos pombos, tal não afasta a competência dos Municípios (M) no referente à verificação do cumprimento das determinantes urbanísticas aplicáveis, designadamente afastamentos, de forma a salvaguardar, por exemplo, a ventilação, a iluminação natural, a insolação das construções, mas também a saúde, o sossego, o enquadramento estético. Importa ainda realçar a necessidade de o M se pronunciar sobre os diferentes pedidos apresentados (alpendre e churrasqueira) e não apenas à questão referente ao pombal (…)” - cf. p. 173 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Em 30/06/2021 o Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada proferiu despacho referente ao ponto anterior, remetendo a informação ao gestor do processo - cf. p. 173 do Processo Administrativo a fls. 117 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Em 02/07/2021 o Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada proferiu parecer propondo que se estipulasse um prazo para a Autora apresentar “(…) peças desenhadas com a devida legendagem das áreas relativas aos anexos existentes a legalizar (total e parcial da churrasqueira e alpendre) de modo a demonstrar o cumprimento do artigo 77.º do PDM (…)” - cf. p. 29 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Em 02/07/2021 o Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada proferiu despacho estipulando o prazo de 60 dias para cumprimento do disposto no ponto anterior- cf. p. 30 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. Em 06/07/2021 foi elaborado, pelos serviços da Entidade Demandada, o ofício n.º ...1..., com o assunto “PROCESSO N.º 372/..., DE «AA», SITO EM RUA ..., ..., ...”, dirigido ao mandatário da Autora, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) De acordo com o meu despacho datado de 2021/07/02, informo V.Ex.ª que no prazo de 60 dias, deverá dar cumprimento à informação técnica datada de 2021/07/02, que se transcreve:
“Propõe-se que seja superiormente estipulado um prazo para que o requerente apresente peças desenhadas com a devida legendagem das áreas relativas aos anexos existentes a legalizar (total e parcial da churrasqueira e alpendre) de modo a demonstrar o cumprimento do artigo 77.º do PDM (…)”- cf. p. 31 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. Em 04/02/2022 foi elaborado, pelos serviços do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada, um parecer, dirigido à Chefe de Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística, propondo, face à ausência de resposta da Autora, a estipulação de novo prazo de 30 dias para que a Autora desse resposta ao ofício referido no ponto anterior- cf. p. 33 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19. Em 07/02/2022 o Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada proferiu despacho de concordância com a proposta referida no ponto anterior- cf. p. 34 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. Em 08/02/2022 foi remetido, por carta registada com aviso de receção, pelos serviços da Entidade Demandada, o ofício n.º ...2..., com o assunto “PROCESSO N.º 372/..., DE «AA», SITO EM RUA ..., ..., ...”, dirigido à Autora, com a informação referida no ponto anterior- cf. p. 35 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. Em 10/02/2022 a Autora rececionou o ofício referido no ponto anterior- cf. p. 36 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. Em 14/02/2022 o Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada elaborou um parecer, dirigido ao Vereador do Pelouro, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) Face à informação de indeferimento comunicada através do ofício n.º ...1 de 2021/05/11, verificando-se que a infratora não mostrou interesse em resolver a ilegalidade detetada, propõe-se que seja concedido um último prazo, que se assim for entendido superiormente se propõe de 60 dias para que a mesma dê resposta às diversas notificações relativamente à reposição da legalidade, no que se refere à demolição do pombal e à reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da execução das referidas obras. (…) Caso a proposta supra obtenha a anuência superior, deverá o requerente ser informado da mesma, sendo que dispõe de 10 dias úteis para se pronunciar, conforme previsto no artigo 121.º do Código de procedimento Administrativo Audiência de Interessados, se não se pronunciar então será notificado nos termos do artigo 100.º (responsabilidade criminal) e 107.º (posse administrativa e execução coerciva) nos termos do referido decreto-lei n.º 555/99 de 16 de dezembro, na redação atualizada.(…)” - cf. p. 46 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. Em 15/02/2022 o Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demanda proferiu despacho no sentido de dever ser comunicado à Autora “(…) pessoalmente, via Polícia Municipal, que no prazo de 60 dias(…)” deverá dar cumprimento à informação referida no ponto anterior- cf. p. 47 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 24. Em 15/02/2022 os serviços do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demanda elaboraram o ofício n.º ...2..., concedendo à Autora o prazo de 60 dias fixado no despacho referido no ponto anterior para cumprimento da informação técnica referida no ponto 22)- cf. p. 48 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
25. Em 19/02/2022 foi a Autora notificada, pela Polícia Municipal, do ofício referido no ponto anterior- cf. p. 49 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. Em 02/03/2022 deu entrada, nos serviços da Entidade Demandada, um requerimento de audiência prévia, subscrito pela Autora- cf. p. 55 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Em 04/07/2022 a Divisão de Assuntos Jurídicos emitiu o Parecer DAJ/SBP n.º 106/2022, do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…)Entretanto a titular do processo veio apresentar um requerimento requerendo a revogação do despacho datado de 15.02.2022, que lhe tinha sido notificado pelo ofício n.º ...2... (…) O requerente veio exercer o direito de audiência prévia em relação ao supramencionado despacho alegando em suma que:
1.O despacho aqui em crise é idêntico ao despacho datado de 2021/05/10 e pelas mesmas razões deste, aquele também é nulo, desde logo porque os citados despachos não foram regularmente notificados ao cônjuge da titular do processo – o Senhor «CC», e por essa razão existe a preterição do litisconsórcio necessário passivo, determinando assim a nulidade do despacho;
2.Por outro lado, a requerente alega que o despacho é nulo também por incompetência pois o despacho de indeferimento do pombal determina a suspensão da atividade de columbofilia e o encerramento do pombal e essa competência é do Diretor Geral de Alimentação e Veterinária. Por essa razão a requerente entende que o despacho é nulo por o conteúdo do mesmo ser estranho às suas atribuições;
3.A requerente argumenta ainda que o despacho é nulo por falta de fundamentação, também por haver vício de violação de lei, por existir falta de fundamento legal e por o mesmo estar ferido de inconstitucionalidade, porque o indeferimento do licenciamento do pombal impossibilita o exercício de um direito constitucional-desporto/columbofilia.
Ora, no que concerne aos argumentos aduzidos pela requerente, sumariados nos pontos 1 e 2 supra, entendemos que os mesmos não colhem.
No que concerne à preterição do litisconsórcio necessário passivo, cremos que em concreto não existe qualquer vício, pois, o litisconsórcio só releva para efeitos de legitimidade na interposição da respetiva ação judicial, não se aplicando ao caso das notificações do titular do processo de licenciamento, pois esse comprovou à cabeça a respetiva legitimidade quando veio submeter em seu nome, a operação urbanística.
Por outro lado, e no que respeita ao citado ponto 2 cumpre dizer que a regulamentação e instalação dos pombais assim como a atividade de columbofilia rege-se pelos Decretos-Lei n.º 36767 de 26 de fevereiro e 37469 de 5 de julho de 1949 e na verdade o legislador reconheceu as caraterísticas próprias do pombo correio e conferindo-lhe o estatuto de utilidade pública, assegurando-lhe a necessária proteção.
Não obstante isso, apesar de nos citados diplomas estarem regulamentadas as condições mínimas para a instalação dos pombais, em concreto no que respeita nomeadamente à escolha do local e dos materiais utilizados para a construção do pombal, além dos requisitos de natureza Higino-sanitárias para obtenção da respetiva licença federativa, tais preceitos não dispensam o cumprimento das normas urbanísticas aplicáveis.
Pelo que compete ao Município, no âmbito da legalização da construção dos pombais, zelar pelo cumprimento e pela salvaguarda dessas normas, assim como proteger determinados valores como a saúde, sossego, enquadramento estético e da visibilidade dos condutores de veículos automóveis ou de aviões.
É assim incontestável o facto de as Câmaras Municipais serem os órgãos legalmente competentes para efeitos de licenciamento dos pombais e no que concerne em concreto à questão da construção do pombal não respeitar os afastamentos legais em relação a outras construções urge referir que o RGEU estipula que, entre as novas construções, e as já existentes deve mediar uma distância de, pelo menos, 3m, de forma a salvaguardar valores coletivos tais como a garantia em condições satisfatórias da ventilação, iluminação natural e insolação das construções já existentes e das que se vão construir.
Para além disso, o RGEU estabelece no artigo 115.º que “as instalações para alojamento de animais (qualquer que seja a espécie) somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou nas suas imediações quando construídas em condições de não originarem direta ou indiretamente qualquer prejuízo para a salubridade ou conforto das habitações”.
Portanto a questão da utilidade pública dos pombos correio é relativa à questão da respetiva proteção da espécie com intuito de fomentar o desenvolvimento desportivo da columbofilia, de evitar que esses animais sejam molestados e evitar que possam ser usados para atividades ilícitas, contudo, esse estatuto não significa que a construção dos pombais não deve ser fiscalizada pelas autarquias, nomeadamente, no que respeita ao cumprimento das normas urbanísticas.
Posto isto entendemos que os argumentos aduzidos pela requerente no que respeita à incompetência por o conteúdo do despacho em crise ser estranho às suas atribuições e existir no mesmo vício de violação de lei, não colhem.
O mesmo se diga relativamente à alegada inconstitucionalidade do despacho, apesar de o exercício do direito constitucional ao desporto/columbofilia estar reconhecido, logicamente esse direito só pode ser exercido quando estão cumpridos os requisitos legais e regulamentares aplicáveis à tipologia do desporto em causa, no caso, se a instalação do pombal não cumpre com as normas urbanísticas, necessariamente que se encontra comprometido o exercício regular da respetiva prática desportiva.
Pelo que será igualmente de não considerar os argumentos apresentados pela requerente, no que tange à alegada inconstitucionalidade do despacho.
Entendemos também que a requerente foi notificada várias vezes e de forma regular, tendo sido oportunamente esclarecida das razões concretas de facto e de direito que fundamentaram a decisão de indeferimento pelo que, cremos que, será de também, não aceitar o argumento da requerente, no que respeita à alegada falta de fundamentação do despacho.
É verdade que, em determinada altura no processo, a questão do pombal acabou por se evidenciar relativamente ao global do projeto de licenciamento, tendo as notificações feitas à visada especificado em particular essa construção mas, cremos que tal, situação não compromete a fundamentação da proposta decisória. Assim propomos o indeferimento do requerimento apresentado pela titular do processo no âmbito do respetivo exercício de direito de audiência, uma vez que não foram invocados factos novos suscetíveis de alterar o sentido da proposta de indeferimento do projeto de licenciamento.(…)” - cf. p. 57 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
28. Em 12/10/2022 a Chefe de Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Entidade Demandada proferiu proposta da qual se extrai, ademais, o seguinte:
“(…) Propõe-se o indeferimento do presente requerimento e atentos a que não foi presente matérias de facto e de direito que alterassem o sentido da proposta de indeferimento da operação urbanística, propõe-se que a mesma se torne definitiva, dando-se conhecimento aos intervenientes, nos termos da informação técnica infra e do parecer da DAJ.
Mais se propõe que seja determinada a reposição da legalidade no prazo de 60 dias de acordo com a informação técnica que antecede (…)”- cf. p. 58 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
29. Em 14/10/2022 o Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Entidade Demandada proferiu despacho de concordância com o teor do parecer e proposta referidos nos pontos 27) e 28) - cf. p. 59 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
30. Em 17/10/2022 os serviços da Entidade Demandada remeteram à Autora o ofício n.º ...2... do qual se extrai, de entre o mais, o seguinte:
“(…) De acordo com o meu despacho datado de 2022/10/14, informo V.Ex.ª do indeferimento do pedido, devendo no prazo de 60 dias repor a situação, nos termos do parecer da Chefe de Divisão, Dra «DD», datado de 2022/10/12 e informação técnica datada de 2022/10/12 que se transcreve:
"Atendendo ao exposto, propõe-se que seja notificado o requerente do parecer da DAJ, cujo teor lhe deve ser transmitido. Neste caso, devem a requerente e o respetivo mandatado. (assim como os queixosos, caso existam) ser notificados do indeferimento do requerimento apresentado no âmbito do exercício de audiência e informados da decisão final de indeferimento do projeto apresentado.
Assim, uma vez que a exposição em sede de audiência prévia apresentada não veio trazer alterações àqueles que foram os fundamentos da informação referida anteriormente, face ao exposto, propõe-se que seja superiormente estipulado um prazo para que proceda à demolição da construção ilegal e à reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da execução das obras ilegais, nos termos do n.° 1, do artigo 106°, do Decreto-Lei .555/99, de 16 de dezembro, na redação do Decreto-Lei 13612014. de 9 de setembro.
Mais se propõe que sejam notificados a requerente e o respetivo mandatário de que o não cumprimento atempado da referida determinação camarária ou a sua violação posterior, constitui crime de desobediência nos termos do n°1, do artigo 100, do Decreto-Lei 555/99 de 16 de dezembro na redação do Decreto-Lei 136/2014, de 9 de setembro, conjugado com o artigo 348° do Código Penal, e que dispõe de 15 dias úteis para se pronunciar, conforme previsto no n°3 do artigo 106° do Decreto-Lei 555/99 de 16 de dezembro, na redação do Decreto-Lei 136/2014. de 9 de setembro.
" Anexo cópia do parecer emitido pela Divisão de Gestão Urbanística e cópia das informações técnicas (…).”- cf. p. 60 do Processo Administrativo a fls. 312 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS.
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.»
**
III.B.DE DIREITO
b.1. Da nulidade do saneador-sentença recorrido por omissão de pronúncia: alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC .
3.2.Nas conclusões de recurso que a Apelante formula sob os pontos 9 a 12, aquela assaca à decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia, alegando que o Tribunal a quo, pese embora tenha admitido a ampliação do objeto do processo que requereu para conhecimento dos vícios assacados ao despacho do Senhor Vereador do Réu/Município datado de 14/10/2022, não se pronunciou sobre este pedido da A./Recorrente, razão pela qual, nos termos das disposições conjugadas do Artigo 95.º nº 1 do CPTA e do Artigo 615.º nº 1 d) do CPC, «a sentença recorrida padece de nulidade».
Sem razão. Vejamos.
3.3.Entre as causas de nulidade da decisão judicial elencadas no artigo 615º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA conta-se, para o que releva para o caso em análise, a omissão de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidade que se relaciona com o preceituado nos artigos. 608º, n.º 2 do CPC e 95º, n.º 1 do CPTA, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – artigos 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Em boa verdade, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não conheceu) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia.
Não a constitui omissão de pronúncia a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Neste sentido veja-se Ferreira de Almeida- in “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371- para quem “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
As “questões”, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária, tratando-se antes dos pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia existente entre elas e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença- Cfr. Acs. do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09); e Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; de 04/03/2004, Proc. 04B522; de 31/05/2005, Proc. 05B1730; de 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos acessíveis in base de dados da DGSI.
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na decisão, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão que lhe é colocada e não quando a aprecia de forma forma sintética e escassamente fundamentada- Cfr. Acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07; de 11.9.2007, recurso 059/07; de 10.09.2008, recurso 0812/07; de 28.01.2009, recurso 0667/08; de 28.10.2009, recurso 098/09; de 07/11/2012, recurso 01109/12; 19.02.2014, recurso 126/14; processo nº 01035/12, de 11-03-2015; processo n.º 0930/12.7BALSB, de 12.06.2018; Ac. do STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443; 13/07/2007; Proc. 07A091, in base de dados da DGSI.
Também não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz tenha erroneamente considerado que o conhecimento de uma outra questão de que conheceu e decidiu prejudicou a apreciação daquela outra em relação à qual se acusa a falta de pronúncia.
Do mesmo modo, não há omissão de pronúncia quando o Tribunal não tenha conhecido de questão que lhe competia conhecer oficiosamente.

Nestes casos, o que existe é uma situação de erro de julgamento (uma decisão que do ponto de vista jurídico está errada), atacável em via de recurso, onde esse erro, a verificar-se, terá de ser corrigido pelo tribunal ad quem- Cfr.Ac. STJ. de 28/10/2008, Proc. 08A3005; 21/05/2209, na mesma base de dados.
3.4.Partindo das considerações que antecedem, e tendo em atenção a fundamentação que consta da decisão recorrida, assim como o respetivo segmento decisório, a alegação da nulidade da sentença por omissão de pronúncia com o invocado fundamento é incompreensível. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre o referido despacho de 14/10/2022 e conheceu os vícios que a Apelante assacou a esse despacho, tendo julgado procedente o vício de forma decorrente de falta de fundamentação, constando do segmento decisório o seguinte dispositivo: « Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo procedente a presente ação administrativa e, em consequência, anulo o ato de indeferimento proferido em 14/10/2022».
Ademais, conforme se extrai da decisão recorrida, o Tribunal a quo julgou inimpugnáveis os atos a que a Autora se refere nos pontos 28,29,30 e 32 da p.i., donde resulta que, caso a Apelante não tivesse pedido a ampliação do objeto da ação ao despacho proferido em 14/10/2022, que indeferiu o pedido de licenciamento do pombal, churrasqueira e alpendre que apresentou com vista à respetiva legalização, e aquela ampliação não tivesse sido admitida pelo Tribunal a quo, a presente ação terminaria com uma decisão de absolvição da instância do Réu, mas não foi isso que sucedeu. Coligida a decisão recorrida, quer a sua fundamentação, quer o respetivo segmento decisório, reafirma-se, não deixam margem para dúvidas quanto á apreciação que o Tribunal a quo efetuou, a qual incidiu sobre o despacho de 14/10/2022.
Assim sendo, dispensamo-nos de considerações adicionais sobre a falta de razão da Apelante, impondo-se julgar improcedente a invocada nulidade.
b.2. Do erro de julgamento em matéria de direito quanto à caducidade do direito de ação em relação ao pedido de condenação à prática de ato devido.
3.5. A Apelante impetra erro de julgamento em matéria de direito à decisão recorrida no segmento em que o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de condenação do Réu/Apelado a, no prazo de 30 dias, praticar o ato devido consubstanciado no licenciamento/legalização do pombal e demais anexos edificados, nos moldes requeridos pela A./Apelante, com a consequente absolvição do Réu da instância, quando, a seu ver, não ocorre a referida exceção.
Vejamos.
3.6.Em 10/12/2019 a Autora/Apelante apresentou nos competentes serviços da Ré/Apelada um pedido de licenciamento, tendo em vista a legalização de obras que levou a cabo sem prévio licenciamento, a saber: um pombal, uma churrasqueira e um alpendre.
Em 24/09/2021, a Autora intentou a presente ação administrativa, na qual pediu que fossem declarados nulos, anuláveis ou ineficazes « os atos a que se alude nos pontos 28, 29, 30 e 32 desta PI.» e, bem assim, a condenação do Réu a no prazo de 30 dais « licenciar/legalizar o pombal, nos moldes requeridos pela A.».
Na sua contestação, o Município Réu arguiu a intempestividade da formulação do pedido de condenação da Ré à prática do ato devido, uma vez que, dispondo a Administração Municipal de 45 dias para se pronunciar sobre o projeto de arquitetura ( artigo 23.º, n.º1, al. c) do RJUE), a Autora dispunha do prazo de um ano a contar do termo desse prazo para pedir a condenação da Ré à prática do ato devido, prazo esse que foi ultrapassado tendo em conta a data em que a presente ação foi instaurada.
No elenco das exceções dilatórias enumeradas exemplificativamente pelo n.º 4 do artigo 89.º do CPTA consta a decorrente da «Intempestividade da pratica do ato processual» - ver alínea K).
Nos termos do n.º 2 do CPTA as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso e obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar á absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3.7.No julgamento que efetuou, o Tribunal a quo julgou a referida exceção dilatória procedente, acolhendo, no essencial, a argumentação oferecida pela Ré na respetiva contestação.
Lê-se na decisão recorrida, a este respeito, a seguinte fundamentação:
«Preceitua o artigo 69.º n.º 1 do CPTA, na redação dada pelo Decreto -Lei n.º 214G/2015 de 2 de outubro, que em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido.
Prevê o artigo 23.º n.º 1 alínea c) do RJUE que a câmara municipal delibera sobre o pedido de licenciamento no prazo de 45 dias, no caso de obras sujeitas a licença administrativa como as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor (artigo 4.º n.º 2 alínea c) do RJUE), estabelecendo o n.º 4 alínea a) do normativo que esse prazo conta-se da data da apresentação dos projetos das especialidades e outros estudos ou da data da aprovação do projeto de arquitetura se o interessado os tiver apresentado juntamente com o requerimento inicial.
Decorre do probatório que em 10/12/2019 a Autora submeteu um pedido de legalização nos serviços da Entidade Demandada acompanhado de vários documentos nomeadamente “Projeto de Arquitetura”, entre outros (pontos A) e B) dos factos provados) pelo que deveria a Entidade Demandada ter emitido pronúncia até 17/02/2020 [10/12/2019 + 45 dias].
Não se tendo pronunciado sobre o pedido de licenciamento, e atendendo ao disposto no artigo 69.º n.º 1 do CPTA, que a Autora teria um ano para propor a ação, o mesmo teria o seu término em 17-02-2021 caso inexistissem causas de interrupção ou de suspensão. Nos termos do artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, em virtude da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, os prazos processuais ficaram suspensos entre os dias 09-03-2020 e 02-06- 2020. Por sua vez, o artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, refere que o mesmo produz efeitos a 09-03-2020, no que se refere à prática de atos processuais. Também a Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no artigo 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão, tendo vigorado de 22/01/2021 a 06/04/2021.
Ora, conjugando as normas acima citadas, constata-se que o prazo de um ano de que a Autora dispunha para intentar a presente ação terminaria no dia 04/08/2021 [17-02- 2020+93 dias+75 dias], sendo que transita para o dia 01/09/2021 [por se tratar de período de férias judicias], pelo que, tendo a presente ação sido intentada a 24/09/2021 (ponto G) dos factos provados), é a mesma intempestiva, procedendo a exceção dilatória, e absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido de condenação no licenciamento do pombal.»
3.8.Ora, salvo o devido respeito, esta decisão não pode manter-se.
Em primeiro lugar, é seguro que quando a Autora propôs a presente ação, como resulta do elenco dos factos provados, ainda estava a decorrer o procedimento administrativo relativo à pretensão urbanística formulada pela Autora, sobre a qual ainda não tinha sido proferida nenhuma decisão final, designadamente, de indeferimento.
Compulsada a matéria de facto provada, na sequência do despacho datado de 10/05/2021, verifica-se que a Autora foi notificada da proposta de indeferimento do licenciamento do pombal e para exercer o seu direito de audiência prévia, tendo aquela, em 25/05/2021 apresentado a sua defesa em sede de audiência prévia, na qual assacou diversos vícios à proposta de indeferimento, dando ainda nota de que a mesma nada referia quanto ao pedido de licenciamento da churrasqueira e do alpendre, limitando-se ao pombal.
Nessa sequência, foi elaborado parecer jurídico pelos competentes serviços da Ré que apontava no sentido de que os seus serviços técnicos deveriam também pronunciar-se sobre o pedido de licenciamento/legalização da churrasqueira e do alpendre, vindo a Autora a ser notificada para juntar ao processo as peças desenhadas das áreas relativas aos referidos anexos, através de ofício datado de 06/07/2021.
A Autora não respondeu a esse ofício, nem aos posteriores que lhe foram enviados, o último dos quais em 08/02/2022, vindo a ser notificada da proposta de indeferimento da sua pretensão e para proceder à demolição das aludidas construções, na sequência do que, realizada a audiência prévia, foi proferido o despacho de 14/10/2022, que indeferiu a referida pretensão de licenciamento/legalização.
3.9.Resulta dos factos assentes que o processo administrativo relativo à pretensão urbanística da Autora, quando a mesma intentou a presente ação, estava a ser tramitado pelos competentes serviços da Ré em ordem à prolação da decisão final, estando em curso prazos que foram concedidos à Autora para juntar documentos ( peças desenhadas). Logo, não se pode afirmar que entre o momento em que a Autora formulou a sua pretensão urbanística e o momento em que intentou a presente ação se tenha assistido a uma inércia da Ré na respetiva instrução/apreciação, mas antes que estavam a ser praticados atos instrutórios com vista à emissão da decisão final.
4.Acresce referir que, como a Ré invocou na contestação e o Tribunal a quo acabou por julgar na decisão recorrida- segmento não impugnado, e que por isso transitou em julgado- nenhum dos atos questionados pela Autora nos artigos 28,29,30 e 32 da p.i. são atos administrativos impugnáveis, pelo que, também por este prisma, se mostra incontroverso concluir não só que no momento em que a ação foi proposta estava em curso o procedimento administrativo de licenciamento, no âmbito do qual estavam a ser praticados atos instrutórios tendo em vista a decisão final, como ainda que, nessa data, a decisão final ainda não tinha sido proferida.
4.1. Ademais, é incontornável nos autos que o ato administrativo que decidiu com eficácia externa a pretensão urbanística da Autora/Apelante foi o despacho do Senhor Vereador do Pelouro das Obras datado de 14/10/2022, que foi proferido e notificado à Autora na pendência da presente ação e, em relação ao qual, a Autora requereu, e o Tribunal a quo admitiu, a ampliação do objeto do processo em ordem à sua impugnação no âmbito da presente ação.
4.2. Sendo assim, não podia o Tribunal a quo dar como provada a exceção da intempestividade da dedução do pedido de condenação á pratica de ato devido com fundamento no decurso do prazo de mais de um ano entre a data da propositura da presente ação e o termo do prazo de que a Administração dispunha para decidir a pretensão da Autora, uma vez que, a pretensão da Autora estava a ser objeto de análise, tendo essa pretensão sido objeto de ato expresso de indeferimento datado de 14/10/2022.
Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º1, al. b) do CPTA, a condenação á pratica de ato devido pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado.
4.3.Ora, no caso, é incontestável que o ato final do procedimento administrativo de licenciamento iniciado com a apresentação do pedido de licenciamento no dia 10/12/2019, esteve a ser tramitado pelos serviços técnicos do Réu, vindo a ser objeto de decisão final em 14/10/2022, . E sendo assim, só a partir desta data é que se iniciaria o prazo para a Autora deduzir o adequado pedido de condenação à prática de ato devido, o qual, no caso, não seria de um ano, mas de três meses a contar da respetiva notificação- cfr. artigo 67.º do CPTA.
Vejamos.
4.4.A respeito do artigo 67.º do CPTA, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha – in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Almedina, pp.487 e segts- afirmam que esse preceito prende-se com o pressuposto processual do interesse em agir, esclarecendo que o mesmo «depende da existência de uma situação concretizada de incumprimento do dever de decisão por parte da Administração ou de decisão ilegal de pretensão dirigida à prática de um ato administrativo» - sublinhado nosso.
Note-se que nas situações em que é proferido um ato de indeferimento, como sucede in casu, importa ter presente que o processo não deixa de ser « um processo impugnatório, na medida em que existe (i) a imposição legal de um ónus de reação contra o ato negativo, que é, assim, assumido como um ato administrativo que define unilateralmente a situação do interessado e tende a estabilizar-se- ainda que dentro dos limites decorrentes do artigo 13.º, n.º 2 do CPA- se não for objeto de reação no prazo de três meses ( cfr. artigo 69.º, n.º2), associado ao (ii) reconhecimento da existência de um inarredável momento lógico( ainda que implícito)de eliminação do ato negativo…».
4.5.Na presente ação, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, reafirma-se, não está em causa uma qualquer inércia/omissão de ação por parte do Município, uma vez que a pretensão urbanística da Autora foi objeto de uma decisão final expressa, proferida na sequência de um conjunto de atos de trâmite que foram comprovadamente praticados, embora de sentido negativo, e na ótica da Autora, em termos que ofendem o direito que considera assistir-lhe.
Sendo assim, a tempestividade da dedução do pedido de condenação à pratica de ato devido é incontestável, pelo que se impõe julgar procedente o presente fundamento de recurso. Consequentemente, impõe-se revogar a decisão recorrida, e em substituição, julgar improcedente a invocada exceção dilatória da intempestividade do pedido de condenação à prática de ato devido.
4.6.Aqui chegados, põe-se a questão de saber quais as consequências que decorrem da tempestividade da formulação do pedido de condenação à prática de ato devido, tendo em conta que nos termos da decisão recorrida o ato de indeferimento da pretensão da Autora foi anulado apenas com fundamento num vício de forma.
Coligida a decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo, com exceção do vício de forma por falta de adequada fundamentação, julgou improcedentes todos os demais vícios assacados ao despacho de 14/10/2022, designadamente, o vício e violação de lei. Ademais, constata-se que a Apelante não impugnou a decisão proferida quanto ao julgamento dos vícios que impetrou ao ato impugnado. Resulta das conclusões de recurso que a Apelante apenas impugnou o segmento da decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória da intempestividade do pedido de condenação á prática do ato devido, deixando intocável a decisão recorrida quanto ao que nela se julgou sobre a procedência /improcedência dos vícios assacados ao de 14/10/22.
4.7.Considerando que o ato de indeferimento foi anulado por vício de forma, importa saber se à luz da teoria do aproveitamento os atos, hoje consagrada no n.º5 do artigo 163.º do CPA, faz sentido, sob o prisma da utilidade daí decorrente, condenar o Apelado a repetir o ato, fazendo dele constar a fundamentação que o Tribunal a quo julgou inexistir em relação ao despacho de 14/10/2022.
Prevê-se no n.º5 do art.º 163.º do CPA que o tribunal não invalide o ato, ou o contrato, quando se demonstre inequivocamente que o vício de que padece não implicaria uma modificação subjetiva, nem uma alteração do seu conteúdo essencial.
Apesar da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo ter um campo de aplicação privilegiado no domínio dos atos administrativos que enfermem de vícios formais e procedimentais (alínea b), do n.º 5 do artigo 163.º), também pode aplicar-se a atos que enfermem de vícios de outra natureza, designadamente materiais, desde que se verifiquem os pressupostos legais previstos (vide alíneas a) e c), do n.º5 do artigo 163.º).
Tenha-se presente que diferentemente do que sucedia antes da entrada em vigor o artigo 163.º, n.º5 do novo CPA, este dirige-se quer ao tribunal, quer à Administração Pública, constituindo agora para o juiz, não uma faculdade mas um imperativo não anular o ato sempre que se verifiquem os pressupostos previstos na lei.
De qualquer forma, concordamos com Luiz S. Cabral de Moncada, quando adverte que « uma ampla abertura do juiz para a desconsideração de vícios de natureza formal leva a um automatismo de soluções que enfraquece o significado outrossim substancial daqueles vícios e elimina a ponderação a fazer em cada caso concreto».Cfr. Ob. citada, pág. 449;
Tal como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão prolatado em 07/02/2002, recurso 46 611: « O princípio do aproveitamento do ato administrativo é, no domínio de apreciação de invalidade dos atos administrativos, o corolário do princípio da economia dos atos públicos, refração do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula utile per inutile non vitiatur, servindo o interesse de que não devem ser tomadas decisões sem alcance real para o impugnante, porque a economia de meios é, também em si, um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões indispensáveis do interesse (Cfr. acerca da razão de ser do aproveitamento dos actos administrativos pelo juiz, Prof. Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 332 e sgs).
O seu âmbito de aplicação não se determina mecanicamente pela antítese vinculação <-> discricionariedade, em termos de sempre ser de excluir no domínio dos atos praticados no exercício de um poder discricionário. Limitando-nos ao erro (nos pressupostos ou na base legal) porque é desse tipo o vício em causa, há erros respeitantes a atos praticados no uso de um poder discricionário cuja anulação o juiz administrativo pode abster-se de decretar por invocação do referido princípio, atendendo à razão que o justifica. Mesmo neste domínio, o tribunal pode negar relevância anulatória ao erro, sem risco de substituir-se à Administração
(Cfr. Prof. Afonso Queiró, RLJ-117º, pags. 148 e sgs.), quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário.»
Com a aprovação das alterações ao Código do Procedimento Administrativo pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, o princípio do aproveitamento do ato obteve consagração legal (foi positivado) no n.º 5 do art.º 163.º, inserido na Secção III, “Da Invalidade do ato administrativo”, aí se encontrando estabelecidas as situações em que não se produz o efeito anulatório do ato.
4.8. Para Mário Aroso de Almeida- in Manual de Processo Administrativo, 2017, 3.ª Edição, pp.96- afigura-se-lhe « claro que o destinatário de um ato negativo não fundamentado tem direito a um ato que, ainda que negativo, seja devidamente fundamentado e, portanto, assiste-lhe, em tese, o direito a exigir em tribunal a substituição do ato negativo ilegal de que foi objeto por outro que não incorra na mesma ilegalidade: a nosso ver, nisto se concretiza, in casu, o seu direito à prática de um ato administrativo devido. E é neste contexto que se coloca, então, a questão de saber se, tal como sucede no domínio da impugnação de atos administrativos, também neste domínio se justifica obrigar a Administração a substituir o ato negativo por outro, num contexto em que, por haver vinculação, o novo ato teria necessariamente o mesmo conteúdo daquele que foi praticado, embora com vício de forma ou de procedimento….». E conclui: « Ora, quanto a esta questão, não vemos motivo para adotar orientação diferente daquela que, já no regime anterior do CPTA, era seguida pelos tribunais administrativos, no âmbito da impugnação contenciosa dos atos de conteúdo negativo, que à época existia: parece-nos, pois, justificado aplicar os critérios que tradicionalmente presidem à orientação jurisprudencial do aproveitamento dos atos administrativos, recusando a condenação quando ela conduziria necessariamente, por haver vinculação, à substituição do ato negativo por outro ato com o mesmo conteúdo».
4.9.Na situação em análise, considerando os factos provados e a decisão recorrida, que transitou em julgado relativamente ao que nela se decidiu sobre a invalidade do despacho de 14/10/2022, (por falta de impugnação) não pode senão concluir-se não ter sentido condenar o Município à repetição do ato, por ser inequívoco que a Apelante não pode aspirar à emissão de um ato de conteúdo diferente do ato negativo que foi praticado com vício de forma. Ou seja, não assiste à Apelante o direito à pratica de um ato de conteúdo positivo, razão pela qual se nos afigura que não lhe assiste o direito a obter a condenação do Réu á substituição do ato negativo ilegalmente praticado.
Vejamos.
5.Considerando a matéria de facto assente, conclui-se que a Apelante não deu cumprimento às notificações que lhe foram efetuadas pelo Apelado no sentido de trazer ao processo administrativo de licenciamento os elementos solicitados ( peças desenhadas relativamente às áreas dos anexos constituídos pela churrasqueira e alpendre), sem o que a apreciação da pretensão relativamente a esses anexos não pode ser efetuada, e esta situação não se alterará com a repetição do ato impugnado.
Por outro lado, estando também em causa como está um licenciamento com vista à pretendida legalização do pombal, não vemos como a decisão do município se alterará em função da nova fundamentação do ato impugnado que venha a ser aditada ao mesmo, conquanto, conforme resulta dos factos assentes, os pareceres técnicos e jurídicos que constam do processo de licenciamento elucidam claramente as razões pelas quais o Apelado considera não estarem reunidas as condições legais para a legalização dessa construção, tratando-se nesse conspecto de aspeto vinculado do ato em causa.
Ademais, o próprio Tribunal a quo julgou improcedente o vício de violação de lei assacado pela Apelante ao despacho impugnado no que se refere ao indeferimento do licenciamento do pombal.
É consabido que os atos de licenciamento são atos que contêm aspetos vinculados, em relação aos quais a Administração Municipal não detém poderes de conformação autónoma, pelo que, não será com a repetição do ato de indeferimento com a fundamentação que dele devia constar que se alterará a avaliação técnica efetuada pelos serviços da Ré sobre a impossibilidade legal de legalização do pombal em causa e que o Tribunal a quo acabou por acolher da decisão recorrida ao julgar improcedente o vício de violação de lei assacado pela Apelante ao ato impugnado.
Em face do que antecede, impõe-se absolver o Apelado do pedido de condenação à prática de ato devido.
**
IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência: () revogam a decisão no segmento em que a 1.ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da intempestividade do pedido de condenação á prática de devido, e em substituição, julgam a referida exceção improcedente, por não provada; (ii) absolvem a entidade demandada do pedido de condenação à prática de ato devido, com fundamento nas razões que antecedem.
*
Custas pela Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*

Porto, 13 de setembro de 2023

Helena Ribeiro
Ricardo de Oliveira e Sousa
Nuno Coutinho