Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00074/21.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:TEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA;
SUSPENSÃO DO PRAZO;
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO; LEGISLAÇÃO COVID-19;
Sumário:
I. No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa.

II. A Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos não estabeleceu particular referência aos “Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares” cumpre aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.

III. valendo in casu o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, cujo termo se iniciaria no período da suspensão, esteve ab initio suspenso desde 29.04.2020 até 02-06-2020, iniciando a correr os seus termos normais, a partir de 03.06.2020, de modo que, tendo a Recorrida apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 07.09.2020, a mesma não é extemporânea.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Autoridade Tributária), notificada da decisão (saneador sentença) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 25 de junho de 2021, que julgou procedente a acção administrativa especial proposta pela Recorrida ([SCom01...] Unipessoal, Ld.ª) visando a anulação do despacho que rejeitou liminarmente a reclamação graciosa por si apresentada por intempestiva e, em consequência, a condenou apreciar a reclamação graciosa no pressuposto de que a mesma é tempestiva, inconformada vem apresentar o presente recurso.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« (...)
a) Entende a Recorrente, com o devido respeito, que a decisão proferida pelo Mmo. Juíz a quo, não pode ser mantida, porquanto a decisão proferida pelo tribunal a quo incorre em erro de julgamento por não ter interpretado corretamente os normativos aplicáveis ao objeto da lide.
b) O n.º 10 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, teve por fito concretizar/delimitar quais aos atos a praticar pelos particulares, em sede de procedimento tributário, se mostravam abrangidos pela suspensão prevista na alínea c) do n.º 9, do mesmo normativo legal, não se afastando, pois, do regime suspensivo ali previsto.
c) A suspensão prevista na alínea c) do n.º 9 do susodito artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, respeita a prazos procedimentais, dos procedimentos administrativos e tributários.
d) A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e apenas no âmbito dos procedimentos administrativos e tributários, revogou a suspensão extraordinária de prazos que se encontrava em vigor, estabelecendo, por um lado, que todos os prazos procedimentais (por oposição aos processuais), ou seja, todos os prazos administrativos (procedimento administrativo e tributário), cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão extraordinária se considerariam vencidos no vigésimo dia útil posterior à sua entrada em vigor (n.º 1 do art.º 5.º) e que, por outro lado, os prazos administrativos(procedimentais) cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor do diploma, caso a suspensão extraordinária não tivesse tido lugar, se considerariam vencidos nos termos do n.º 2 do seu artigo 5.º.
e) Embora a epígrafe do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, se reporta a «prazos administrativos», entende o ora Recorrente, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que este artigo deve ser interpretado habilmente e, necessariamente, em interdependência com a suspensão cujo regime de cessação regula, o qual respeita à prática de atos por particulares nos procedimentos administrativos e tributários.
f) É certo que os prazos do procedimento tributário, são contínuos e se contam nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil, ex vi n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, em consonância, de resto, com o disposto no n.º 3 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT),
g) Porém, não é menos verdadeiro que, por este facto, este prazo não deixa de ser um prazo procedimental, no sentido em que respeita a um procedimento (administrativo) tributário (cf. artigo 54.º, n.º 1, al. f) da LGT).
h) Com efeito, e conforme referido in Contencioso Tributário, Volume I, Procedimento, Princípios e Garantias, 2017 Almedina, página 527 (Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade) “Relativamente aos prazos para a apresentação da reclamação graciosa, cabe ainda referir que estes são de natureza procedimental (…)”, logo, é inegável que face a um prazo para apresentação da reclamação graciosa estamos perante um prazo no âmbito do procedimento tributário, ou seja, um prazo “de natureza procedimental”.
i) Por outro lado, e ao contrário do sustentado na sentença ora recorrida, não estamos na presença de um prazo substantivo de caducidade do direito de ação, que visa determinar o período do exercício de um direito, bem como, não estamos perante uma reclamação graciosa necessária, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, qualificada como obrigatória para abrir a via contenciosa.
j) No caso dos presentes autos, estamos perante uma reclamação graciosa, apresentada nos termos do artigo 102.º do CPPT e que cujo prazo para a sua apresentação (nos termos dos artigos 70.º e 102.º do CPPT) não configura um prazo substantivo de caducidade do direito de ação.
k) Assim, e atendendo ao facto de que “o prazo previsto no artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 é um prazo procedimental…” (conforme referida na sentença ora recorrida), e que os prazos para a apresentação da reclamação graciosa são, igualmente, de natureza procedimental, é deverás evidente que o artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, é aplicável, no que concerne à cessação da suspensão quanto à prática de atos por particulares, nos procedimentos administrativos e tributários.
l) Por outro lado, o facto da contagem dos prazos de cessação da suspensão – regulada no artigo 5.º da Lei n.º 16/2020 – estipular um termo final que se conta em dias úteis, em nada interfere com a forma de contagem dos respetivos procedimentos administrativos ou tributários, porquanto são regimes e contagens distintas.
m) Ora, no caso dos presentes autos, tendo o termo original do prazo ocorrido no dia 26 de agosto de 2020, é de concluir que o prazo para apresentação da reclamação graciosa considera-se vencido nesta data, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.
n) Nesta medida, e atendendo ao facto de que estamos perante um prazo procedimental (no caso tributário) “previsto no artigo 5.º da Lei n.º 16/2020”, é de concluir, sem quaisquer dúvidas, de que a ora Recorrida - [SCom01...] Unipessoal Lda - deveria ter apresentado a Reclamação Graciosa até dia 26 de agosto de 2020 e não, como refere a sentença ora recorrida até dia “30/09/2020.”
o) Bem se compreende, por isso, a legalidade do despacho anulado pela sentença objeto do presente recurso, ficando, deste modo, justificado o erro na interpretação e aplicação do direito, evidenciando um manifesto erro de julgamento
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser considerado procedente, e a douta Sentença revogada, assim se fazendo Justiça.»
1.2. Notificado o Ministério Público da interposição do presente recurso, o mesmo apresentou resposta (fls. 244 a 250 do processo SITAF) no qual conclui a final:
«(...) Com efeito, e conforme referido in Contencioso Tributário, Volume I, Procedimento, Princípios e Garantias, 2017 Almedina, página 527 (Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade), relativamente aos prazos para a apresentação da reclamação graciosa, cabe ainda referir que estes são de natureza procedimental./ Acresce que, não estamos na presença de um prazo substantivo de caducidade do direito de ação, que visa determinar o período do exercício de um direito, bem como, não estamos perante uma reclamação graciosa necessária, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, pelo que, modestamente entendemos que, nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser considerado procedente, e a douta Sentença revogada, assim se fazendo Justiça.»
1.3. A Recorrida, notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
2. A discórdia da recorrente assenta na (in) aplicabilidade do art.º 5 da Lei n.º 16/2020 ao prazo que a recorrida dispunha para dedução da reclamação graciosa que, tendo sido objecto de rejeição liminar, fundou a presente acção administrativa.
3. A reclamação graciosa foi proposta tempestivamente.
4. Nos termos do art.º 7º n.º 1, n.º 2 al c) e n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, as reclamações graciosas ficaram sujeitas ao regime das férias judiciais, ou seja, ficou suspenso o prazo para a prática do acto (Cfr. art. 138º do CPC).
5. Este regime de suspensão dos prazos entrou em vigor em 9 de Março de 2020, nos termos do 5º da Lei 4-A/2020 de 6 de Abril, ou seja, antes do inicio da contagem do prazo de 120 dias para dedução da reclamação graciosa, e veio a ser revogado pela Lei 16/2020 de 29 de Maio, que entrou em vigor no dia 3 de Junho de 2020, nos termos do seu art.º 10º
6. Á luz deste regime excepcional, a contagem do prazo para a autora reclamar quer do indeferimento do reembolso de IVA quer da liquidação adicional teve o seu início no dia 3 de Junho de 2020, ocorrendo o seu termo no dia 30 de setembro de 2020.
7. Andou bem a douta sentença recorrida ao decidir nos termos em que o fez, porquanto, efectivamente, o artigo 5º da Lei 16/2020 de 29 de Maio não é aplicável ao prazo aqui em causa.
8. O art.º 5º da Lei 16/2020 de 29 de Maio reporta-se, tal como resulta, desde logo, da sua epígrafe, aos prazos administrativos.
9. Ora, os prazos do art.º 70.º e do art.º 102.º do CPPT são de natureza substantiva, correndo continuadamente, sem qualquer interrupção ou suspensão de acordo com o art.º 279.º do CC por força do art.º 20.º do CPPT.
10. Ou seja, o prazo para dedução de reclamação graciosa é um prazo de natureza substantiva.
11. Pela epígrafe e letra dos normativos aqui em causa é possível apreender a concluir pela clara distinção entre prazos administrativos e tributários visada pelo legislador.
12. A alínea c) do n.º 6 do art.º 7º da Lei 1-A/2020 refere “ prazos administrativos e tributários”, resultando, pois, da sua letra que são prazos de natureza diferente.
13. Em abono do que vem dito, no n.º 7 do mesmo normativo, o legislador especifica quais os prazos tributários a que se aplica o regime da suspensão. Na letra deste normativo refere apenas prazos tributários e não já prazos administrativos, reforçando a ideia que uns e outros são de natureza diferente.
14. Que o modo de tratamento e contagem dos prazos administrativos e tributários foi diferenciado pelo legislador, resulta ainda, da epígrafe da norma em discórdia. Com efeito, a epígrafe do art.º 5º da Lei 16/2020 de 29 de Maio refere apenas “ prazos administrativos”.
15. Fosse intenção do legislador aplicar esta norma também aos prazos tributários, tal qual definidos no n.º 7 do art.º 7º da Lei 1-A/2020, a sua epígrafe seria certamente “ prazos administrativos e tributários”, tal qual, aliás, o fez na alínea c) do n.º 6 do art.º 7º da Lei 1-A/2020.
16. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – Cfr. art.º 9º nº 3 do Código Civil.
17. Desta sorte, inexistindo norma especial que regule a cessação da suspensão do prazo para deduzir reclamação graciosa, instituída pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março é aplicável, in casu, o art.º 7º n.º, n.º 2 al. c e 7º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março e a norma revogatória consagrada no art.º 10º da Lei 16/2020 de 29 de Maio.
18. O prazo previsto no art.º 120º do CPPT, é um prazo de natureza substantiva ou de caducidade, pois que se trata do prazo para o uso de um meio impugnatório contra um acto tributário destacável.
19. O prazo em causa é um prazo substantivo, de caducidade, pois que integra a própria relação jurídica material controvertida e visa determinar o período para o exercício de um direito, sendo que o seu decurso extingue o direito.
20. Sendo o prazo para a dedução da reclamação graciosa de 120 dias, o não exercício de tal meio impugnatório, ainda que facultativo, em tal prazo, preclude o direito de o fazer posteriormente. É essa, justamente, a definição de caducidade do direito de acção.
21. Assim, à luz deste regime excepcional, a contagem do prazo para a autora reclamar quer do indeferimento do reembolso de IVA quer da liquidação adicional teve o seu inicio no dia 3 de Junho de 2020, ocorrendo o seu termo no dia 30 de setembro de 2020;
Nestes termos; e, sobretudo naqueles que Vossas Excelências doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao recurso mantendo-se, em conformidade, a douta sentença recorrida; Com o que Vossas Excelências farão seguramente JUSTIÇA»

1.4. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal.
1.5. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao considerar tempestiva a reclamação graciosa, por erro de interpretação e aplicação do previsto no artigo 5.º da Lei n.º 16/2020.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1) No dia 09/03/2020 a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de reembolso de IVA que a Autora lhe havia apresentado relativamente ao período de 2019/11M e, em 10/03/2020, liquidou adicionalmente à Autora IVA no montante € 5.936,69 (conforme ofício de notificação Petição Inicial (228096) Documentos da PI (004756237) Pág. 1 de 12/02/2021 19:04:26 e demonstração de liquidação de IVA Petição Inicial (228096) Documentos da PI (004756237) Pág. 2 de 12/02/2021 19:04:26);
2) A data limite de pagamento do montante referido no ponto anterior era 28/04/2020 (conforme demonstração de liquidação de IVA Petição Inicial (228096) Documentos da PI (004756237) Pág. 2 de 12/02/2021 19:04:26);
3) No dia 07/09/2020 a Autora apresentou reclamação graciosa contra o indeferimento do pedido de reembolso de IVA e da liquidação adicional referidos no ponto 1 (conforme petição de reclamação graciosa Processo Administrativo "Instrutor" (229335) Processo Administrativo "Instrutor" (004764290) Pág. 5 de 13/04/2021 11:04:52 e registo dos CTT – Correios de Portugal Petição Inicial (228096) Documentos da PI (004756237) Pág. 11 de 12/02/2021 19:04:26);
4) No dia 10/11/2020 a Autoridade Tributária rejeitou liminarmente a reclamação graciosa apresentada pela Autora por intempestividade (conforme despacho e informação Petição Inicial (228096) Documentos da PI (004756237) Pág. 6 de 12/02/2021 19:04:26).
II. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem outros factos ou ocorrências processuais, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.
III. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A convicção do tribunal baseou-se nos articulados, nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo, conforme referido a propósito de cada ponto.»

2.2. De direito
Importa apreciar se a decisão recorrida que julgou procedente a acção administrativa especial proposta por [SCom01...] Unipessoal, Ld.ª (Recorrida), visando a anulação do despacho que lhe rejeitou liminarmente por intempestividade a reclamação graciosa que apresentara contra o indeferimento do pedido de reembolso de IVA que havia apresentado relativamente ao período de 2019/11M e a consequente liquidação adicional de IVA que a Autoridade Tributária lhe efetuou no montante € 5.936,69, padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente (Autoridade Tributária).
Alega a Entidade Demandada e ora Recorrente, em suma, que o termo original do prazo ocorreu em 26.08.2020, é de concluir que o prazo para apresentação da reclamação graciosa considera-se vencido nesta data, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio. n) Nesta medida, e atendendo ao facto de que estamos perante um prazo procedimental (no caso tributário) “previsto no artigo 5.º da Lei n.º 16/2020”, é de concluir, sem quaisquer dúvidas, de que a ora Recorrida - [SCom01...] Unipessoal Lda - deveria ter apresentado a Reclamação Graciosa até dia 26 de agosto de 2020 e não, como refere a sentença ora recorrida até dia “30/09/2020.” [cf. conclusões m) e n) das alegações de recurso], pelo que, a reclamação graciosa apresentada em 07.09.2020 é manifestamente intempestiva.
Sobre os factos não há controvérsia, nem foram impugnados em sede de recurso.
A sentença julgou procedente a acção. Para tanto, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1 do CPPT a reclamação graciosa “será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º”, sendo que um dos factos previstos nesta última norma é o “Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (artigo 102º, n.º 1, alínea a) do CPPT).
E esse prazo conta-se “de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil” (artigo 20º, n.º 1 do CPPT), ou seja, “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr” e “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo” (artigo 279º, alíneas b) e e) do Código Civil, respetivamente).
No caso dos autos, a data limite de pagamento do montante da liquidação adicional de IVA era 28/04/2020.
Pelo que – se mais nenhum elemento fosse de ponderar nestes autos – o respetivo termo final teria ocorrido no dia 26/08/2020 (aplicando as regras referidas anteriormente).
No entanto, no dia 09/03/2020 tinha começado a produzir efeitos o artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 (conforme remissão do seu artigo 10º para o artigo 37º do Decreto-Lei n.º 10- A/2020, de 13/03, na interpretação autêntica efetuada pelo artigo 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04), o qual dispôs que “aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito d[e] processos e procedimentos … aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV -2 e da doença COVID -19” (n.º 1) e que este regime se aplicava, “com as necessárias adaptações, a: Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares” (n.º 6, alínea c)), especificando que “Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários” (n.º 7).
Ou seja: sendo uma das consequências de se aplicar o regime das férias judiciais a suspensão dos prazos (conforme artigo 138º, n.º 1 do CPC), constata-se que no dia 29/04/2020 – primeiro dia do prazo para a Autora intentar a reclamação graciosa – o prazo de 120 dias não começou a contar-se.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, em 07/04/2020 (conforme o seu artigo 7º), a situação não se alterou.
De facto, o artigo 2º da Lei n.º 4-A/2020 deu nova redação ao artigo 7º da Lei n.º 1- A/2020, o qual passou a dispor que “todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito d[e] processos e procedimentos … ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID - 19” (n.º 1), que este regime se aplicava “com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em: Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares” (n.º 9, alínea c)) e que “A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles” (n.º 10).
Ou seja, e em termos práticos, manteve-se a suspensão do prazo para a Autora intentar a reclamação graciosa.
É com a Lei n.º 16/2020, de 29/05 que termina o regime de suspensão instituído pelos decretos citados, tendo o artigo 8º desta Lei revogado o artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, na redação que lhe tinha sido conferida pela Lei n.º 4-A/2020.
Deste modo, dado que a Lei n.º 16/2020 entrou em vigor no dia 03/06/2020 (inclusive, de acordo com o seu artigo 10º), o prazo de reclamação graciosa começou a contar-se neste dia, pelo que, em princípio, o prazo de 120 dias terminava no dia 30/09/2020.
Em princípio, porque há que sopesar a aplicação ou não do artigo 5º da Lei n.º 16/2020, sendo neste entendimento que as Partes dissentem.
Como vimos, caso não tivesse sido instituído o regime de suspensão analisado, o prazo para a Autora intentar a reclamação graciosa terminaria no dia 26/08/2020. Ora, o artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Lei n.º 16/2020 estatuiu que “Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram–se vencidos: Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei”.
Como o vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020 (em 03/06/2020) era o dia 02/07/2020 e como o último dia do prazo da Autora (sem suspensão) era 26/08/2020, o Réu sustenta a aplicabilidade ao caso dos autos do artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Lei n.º 16/2020 citado, propugnando que, em consequência, o prazo para a Autora intentar a reclamação graciosa terminou no dia 26/08/2020.
Ao invés, a Autora sustenta que esse artigo não se aplica ao caso dos autos, dado que o mesmo apenas se aplica aos prazos administrativos e o prazo para a dedução de reclamação graciosa é um prazo de natureza substantiva.
E a Autora tem razão quanto à asserção que faz, dado que deve entender-se que o artigo 5º da Lei n.º 16/2020 não se aplica à contagem do prazo que a Autora dispunha para intentar a reclamação graciosa.
De facto, o artigo 5º da Lei n.º 16/2020 tem como epígrafe “Prazos administrativos” e estipula um termo final que se conta em dias úteis.
Ou seja, indicia desde logo que constitui um prazo procedimental, à semelhança dos previstos no Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), cuja contagem não inclui, precisamente, os sábados, domingos e feriados (artigo 87º, alínea c) do CPA).
Afasta-se, assim, da contagem dos prazos substantivos previstos no artigo 279º do Código Civil e dos prazos processuais contemplados no artigo 138º do CPC, os quais contam-se de modo contínuo.
E, como vimos, o artigo 20º, n.º 1 do CPPT determina expressamente que o prazo para intentar uma reclamação graciosa conta-se de modo contínuo.
Daí que, e em conformidade com esta diferente natureza, o artigo 7º da Lei n.º 1- A/2020 tenha destrinçado bem entre prazos administrativos e prazos tributários (na redação original) ou entre procedimentos administrativos e procedimentos tributários (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2020), tendo especificado um regime particular para os prazos ou procedimentos tributários (nos números 7 e 10 das duas redações que teve, respetivamente).
E tem de ter-se em conta que o prazo em causa é atinente à apresentação de uma reclamação graciosa, cujo decurso tem como consequência a caducidade do direito de ação da Autora.
Ora, como salienta a doutrina, “Não se inclui, obviamente, no conceito de prazos procedimentais, o próprio prazo estabelecido na lei como condição de exercício (factor de caducidade ou prescrição) do direito ou da posição jurídica, a cuja atribuição ou reconhecimento o procedimento tende. É um prazo não procedimental” (de acordo com Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição – 3.ª reimpressão da edição de 1997 - Almedina, anotação ao artigo 72º, página 368).
Daí que, devendo considerar-se que o prazo previsto no artigo 5º da Lei n.º 16/2020 é um prazo procedimental, o mesmo não se aplica à contagem do prazo que a Autora dispunha para intentar a reclamação graciosa, pelo que, tendo esta sido apresentada em 07/09/2020, foi-o em tempo, dado que o prazo que dispunha para o efeito terminava em 30/09/2020.» (fim de transcrição).
A Recorrente não se conforma com esta decisão defendendo que como o último dia do prazo da Autora (sem suspensão) era 26.08.2020, sustenta a aplicabilidade ao caso do artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Lei n.º 16/2020, propugnando que o prazo para a Recorrida intentar a reclamação graciosa se mantém no dia 26.08.2020.
Cumpre estabelecer o enquadramento legislativo em que nos movemos, antes do mais.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, veio aprovar medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID19, e ratificar os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (cf. sumário e artigo 1º da lei citada).
Destas medidas excecionais e temporárias sobressai, no que aqui interessa, o disposto no artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, com a epígrafe Prazos e diligências, que foi posteriormente alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.
Através da citada Lei n.º 1-A/2020, o legislador determinou a aplicação do regime das férias judiciais aos atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito de processo e procedimentos que corriam termos, nomeadamente, nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos órgãos da execução fiscal.
Posteriormente, através da Lei n.º 4-A/2020, a referência ao regime das férias judiciais foi substituída e determinada a suspensão dos prazos, fixado o seu termo inicial a partir de 9 de março de 2020.
Assim, nos termos deste artigo 7º, n.º 1 da Lei nº 1-A/2020, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais ficaram suspensos, terminando esta suspensão com a cessação da situação excepcional provocada pela doença COVID-19.
O nº 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, com a alteração introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, ficou com a seguinte redação:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
(…)
9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:
a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;
c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.
10 - A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
(…)
Temos então, que entre 9 de março de 2020 (cf. o artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020) e a data ainda a definir por Decreto-Lei, no qual se declararia o termo da situação excecional (nº 2 deste artigo 7º) não se iniciavam nem corriam quaisquer prazos para a prática de atos procedimentais e processuais em processos não urgentes.
Com a revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, pelo artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, esta suspensão terminou no dia 3 de junho de 2020. Com efeito, a Lei nº 16/2020, dizia no artigo 10º: A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.
E, entre o mais, na Lei nº 16/2020, de 29 de maio, determina:
Artigo 5.º Prazos administrativos
1 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação original e na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
2 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos:
a) No vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data;
b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
3 - O disposto no presente artigo não se aplica aos prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional.
Artigo 6.º Prazos de prescrição e caducidade
Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
A questão base submetida à apreciação do Tribunal Tributário reconduz-se a saber os efeitos da suspensão dos prazos, mais concretamente da contagem do prazo após a cessação daquele efeito suspensivo, o que por si envolve saber se tem aplicação o disposto no artigo 5º da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, ou se pelo contrário, se considera apenas que a suspensão em curso foi revogada nos termos do artigo 8º do citada Lei.
A contenda foi analisada e objecto de decisão em recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.11.2022, proferido no âmbito do processo nº 090/21.2BEBRG, a cuja fundamentação se adere integralmente e sem qualquer reserva, tomando-se a mesma, cujo teor se passa a citar:
« (…) no âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa e, posteriormente, a Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos, nos seguintes termos: (i) os prazos que terminassem durante o regime de suspensão consideram-se vencidos no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei (isto é, após 3 de Junho); (ii) quanto aos prazos que terminassem após 3 de Junho, os mesmos passam a terminar, consoante o que ocorra primeiro, (ii.1) no 20º dia útil após a entrada em vigor daquela lei ou (ii.2) na data em que deveriam terminar caso não tivesse ocorrido a suspensão (portanto, se o seu termo sempre fosse posterior ao 20º dia útil após 3 de Junho, na prática, tudo se passa como se, quanto a estes prazos, não tivesse havido suspensão).
(...)
Desde logo, estando assente que o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, não é menos verdade que o legislador de Março de 2020 (Lei nº 1-A/2020, de 19-03) e de Abril de 2020 (Lei nº 4-A/2020, de 06-04) entendeu especificar nesta sede os denominados Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, tendo ainda, vamos dizer, a preocupação de particularizar que os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos actos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de actos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.
Ora, o legislador de Maio de 2020 (Lei nº 16/2020, de 29-05), para além de revogar o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 (art. 8º) que continha o regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, nomeadamente com referência à matéria apontada no parágrafo anterior, estabeleceu antes, no seu art. 5º, com a epígrafe “Prazos administrativos”, o fim da suspensão dos prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção original e na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, fixando, para o efeito, nos termos do seu nº 1, o prazo de 20 dias (úteis) a contar da entrada em vigor desta Lei de Maio de 2020.
Neste ponto, a Recorrente aponta que, tendo em conta que a anterior legislação considerava/fazia equiparar o prazo para interposição de reclamação graciosa como um prazo tributário, interpretou essa norma como não sendo aplicável ao prazo para interposição de reclamação graciosa, pois que, nesta última alteração, o legislador nada esclareceu relativamente ao prazo para interposição de reclamação graciosa.
E cremos que tem razão.
Se o legislador, vamos dizer, de partida, entendeu por bem fazer uma particular referência aos Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares, sendo que em relação aos prazos tributários acabou até por misturar prazos processuais e prazos procedimentais, temos por adquirido que o legislador, de chegada, não poderia deixar de ter em conta tal realidade (e não era difícil), sendo que, não o tendo feito, resta apenas aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.
E de nada vale dizer, agora, que “carece de fundamento a distinção entre prazos administrativos e prazos tributários, no sentido de restringir apenas àqueles o regime contido no art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, na exacta medida em que o prazo tributário aqui em causa, concretamente relacionado com o prazo para deduzir reclamação graciosa, se reconduzir a um prazo administrativo/procedimental”, porquanto, não é essa a essência da questão, dado que, o citado art. 5º diz respeito a uma categoria de prazos assinalada pelo legislador de partida, não podendo o julgador sancionar a conduta do legislador de chegada, porventura, com base numa noção mais rigorosa quanto à relevância e alcance dos conceitos em apreço para dizer que, afinal, só cabe falar de prazos processuais e prazos procedimentais, sendo que estes últimos estão todos integrados no tal art. 5º.
Com efeito, para além da regra do nº 1, o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, contempla depois uma distinção relativa a prazos administrativos e prazos tributários, que mereceu depois uma especificação quanto a estes últimos (em que deparamos mesmo com uma mistura de prazos processuais e prazos procedimentais), o que significa que não se pode aceitar, sem mais, este novo legislador, agora mais preocupado com os conceitos ou menos paternalista, que abandona o registo mais descritivo para assumir uma postura mais concisa, quando está em causa matéria que contende com os direitos dos contribuintes em colocar em crise as decisões da AT que afectam a sua esfera jurídica.
Nesta medida, valendo aqui o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, que expiraria, originalmente, em 14 e 19-05-2020 (120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020), e que correu termos entre estas ultimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, de modo que, tendo a Recorrente apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 04-08-2020 [cfr. ponto 1) dos factos considerados provados], a mesma não é extemporânea, tal qual se decidiu no despacho aqui objecto de impugnação e foi sancionado pela decisão recorrida.
Diga-se ainda, que, mesmo que fosse de sancionar o decidido quanto à aplicação do nº 1 do art. 5º da Lei nº 16/2020, de 29-05 na situação dos autos, o direito à tutela efectiva constitucionalmente garantido, nos termos dos arts. 20º nº 1 e 268º nº 4 CRP acaba por impor a mesma solução.
Neste âmbito, e como já ficou dito, o prazo para deduzir reclamação graciosa que interessa para os autos - 120 dias após, respectivamente, 15 e 20-01-2020 - que correu termos entre estas ultimas datas e 09-03-2020, esteve suspenso desde esta data até 02-06-2020, voltando a correr os seus termos normais, a partir de 03-06-2020, ou seja, temos um primeiro período de 53 e 48, o que significa que, sem mais, aplicando o regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, a ora Recorrente teria ainda a seu favor um segundo período de 67 e 72 dias para o efeito apontado, o que nos remete para lá do 04-08-2020, data em que foi apresentada a reclamação graciosa.
Pois bem, como ficou dito na decisão recorrida, por referência ao art. 5º nº 1 da Lei nº 16/2020, de 29-05, tal esgotar-se-ia em 03-07-2020.
Neste contexto, deparamos com uma manifesta diminuição do prazo de que a ora Recorrente dispunha para fazer uso da reclamação graciosa, sendo que não pode aceitar-se a leitura da referida norma em qualquer caso, como o dos autos, em que da sua aplicação resulte uma diminuição do prazo de que o interessado dispunha para exercer o seu direito, de modo que, em todas as situações em que tal se verifique, ainda que possa dizer que o labirinto, afinal, está bem assinalado, tal tem de acontecer até ao fim do caminho a percorrer, sob pena se colocar em crise o direito à tutela efectiva nos termos preconizados pela Recorrente, o que implica a desaplicação da aludida norma nesses casos, o que nos remete novamente para o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 e para a solução já descrita.» (fim de citação)
Reiterando o acolhimento da jurisprudência que acabou de se transcrever e a fundamentação que se acompanha e se considera transponível para o caso em análise, com as necessárias adaptações, conclui-se no sentido de que o prazo em causa esteve suspenso ab initio (a data limite de pagamento da liquidação adicional era 28.04.2020) terminando essa suspensão com a cessação da situação excecional provocada pela doença COVID-19 (artigo 8º da lei n.º 16/2020, de 29.05, que revoga o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03), iniciando-se a contagem do prazo de 120 dias no dia 3 de junho de 2020, pelo que podemos afirmar que o prazo foi alargado pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Nesta medida, valendo aqui o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, que a não ocorrer expiraria, originalmente a 26.08.2020 (120 dias após a data limite para pagamento da liquidação adicional de IVA 28.04.2020), nunca iniciou a correr termos por força da suspensão que vigorava desde 09.03.2020 (art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03), esteve pois ab initio suspenso desde essa data até 02.06.2020 (artigo 8º da lei n.º 16/2020, de 29.05), iniciando a correr os seus termos normais, a partir de 03.06.2020, de modo que, tendo a Recorrida apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 07.09.2020 [cfr. ponto 3) dos factos considerados provados], a mesma não é extemporânea, pois aquele prazo como e bem se decidiu a decisão ocorrida, terminava em 30.09.2020.
Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, é de julgar improcedente o recurso e de confirmar a sentença recorrida que julgou procedente a ação, anulou o despacho que rejeitou liminarmente a reclamação por intempestividade da sua apresentação e condenou a Entidade Demandada a apreciar a reclamação graciosa.

2.3. Conclusões
I. No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o legislador previu a aplicação do regime da suspensão dos prazos a actos procedimentais e processuais, enquanto durar a situação excepcional, incluindo prazos administrativos que digam respeito à prática de actos por particulares, entre os quais, no que para o caso releva, a dedução de reclamação graciosa.
II. A Lei n.º 16/2020, de 29-05, determinou o fim da suspensão dos prazos não estabeleceu particular referência aos “Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares” cumpre aplicar o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03.
III. valendo in casu o regime que decorre da revogação do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, temos que o prazo para deduzir reclamação graciosa, cujo termo se iniciaria no período da suspensão, esteve ab initio suspenso desde 29.04.2020 até 02-06-2020, iniciando a correr os seus termos normais, a partir de 03.06.2020, de modo que, tendo a Recorrida apresentado o procedimento de reclamação graciosa em 07.09.2020, a mesma não é extemporânea.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 09 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Carlos Fernandes
José Coelho