Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00627/13.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/12/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS;
FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
I. A circunstância de o ato administrativo ser produzido em massa não desobriga a Administração de o sustentar através de uma fundamentação expressa minimamente suficiente.

II. No caso revelava-se essencial a identificação do exato valor objeto de compensação, de modo que o contribuinte pudesse compreender, sem margem para dúvida, qual o concreto valor da TSAM liquidada no período em questão, e qual o valor da compensação efetuada, e assim apreender qual a interpretação da lei propugnada pela Administração tributária.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2016-11-22 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial interposta por S..., Lda., assim anulando o ato de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais, doravante, T.S.A.M., referente ao ano 2013 (1.ª prestação), no montante de EUR 1.499,87, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1.ª - A liquidação sub judicio é um ato de «massa» emitido pela entidade liquidadora para inúmeros destinatários/contribuintes;
2.ª - A sua fundamentação deve ser adequada e conforme à natureza do ato em questão, mas igualmente à do sujeito passivo tipo a quem se dirige, permitindo-lhe, através de uma sucinta exposição, apreender as razões de facto e de direito que levaram à sua emissão;
3.ª - A Impugnante é uma empresa de dimensão média do ramo retalhista, com cerca de 25 empregados e volume de vendas apreciável, um capital de 100.000 euros, associada de um grande grupo retalhista, que dispõe de uma gestão sofisticada e de técnico oficial de contas, contabilidade organizada e registada e que por isso se encontra apetrechada a compreender, como compreendeu, o alcance a e motivação da liquidação impugnada;
4.ª - A qual é constituída pela «factura» ...64/F mas igualmente pela notificação datada de 15-07-2013 que contém uma explicitação da mesma com referência aos dispositivos legais que se lhe aplicam;
5.ª - Documentos que permitiram à Impugnante, em conjunto com os demais constantes do processo administrativo e em particular os referentes à liquidação relativa a 2012, apreender os cálculos efectuados pela Administração para liquidar a taxa de 2013 e compensar a cobrada a mais em 2012;
6.ª- Incorreu, por isso, a sentença recorrida em erro de julgamento ao julgar inexistente a fundamentação da liquidação;
6.ª - A entidade liquidadora observou o disposto no art. 77.º n.º 2 da LGT e, em geral o (ao tempo) o art.º 124.º do CPA, pelo que, ao invés do decidido, não ocorreu a violação do dever de fundamentar;
7.ª - Ao anular a liquidação com base na inexistência de fundamentação, violou por isso a sentença o disposto no art. 77.º n.º 2 da LGT e por essa via também o disposto no art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho.
Termina pedindo:
Deve revogar-se a sentença recorrida considerando-se improcedente a impugnação.
***
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
***
A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
***
Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
***
Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença errou na interpretação e aplicação que fez do disposto no n.º 2 do art. 77.º da LGT, ao considerar que o ato de liquidação da TSAM não se encontrava devidamente fundamentado.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. A Impugnante é uma empresa do setor da distribuição, que detém e gere o estabelecimento denominado «X...», situado no Lugar ..., ..., ... ..., no qual exerce o comércio de produtos alimentares a retalho. – facto não controvertido.
2. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária remeteu à Impugnante o ofício n.º ...31, datado de 15.11.2012, com o seguinte teor:
Como é do conhecimento de V.Exª, o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui contrapartida de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma.
Nos termos das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 10.º, ambos da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da portaria supracitada, o montante devido é de € 2231,76 (dois mil duzentos e trinta e um euros e setenta seis cêntimos), conforme fatura n.º ...05/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma, para o ano de 2012, à área de venda declarada pelo sujeito passivo, sem prejuízo da aplicação do disposto no n.º 3 in fine do artigo 10.º da mencionada portaria.
O pagamento da taxa no corrente ano, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, poderá ser efetuado através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme previsto no n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma.
Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação.
Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento”.
[cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso].
3. Em anexo à notificação referida no ponto anterior, a D.G.A.V. remeteu à Impugnante a fatura n.º ....05/F, no valor de 2 231,76 € emitida em 08.11.2012 pelo Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, constando no campo Quantidade: “547”, no campo Item: “Taxa de Segurança Alimentar Mais – Ano 2012 (Decreto-Lei n.º 119/2012 e Portaria n.º 215/2012)” e no campo Preço Unitário “4,08”, com data limite de pagamento voluntário 02.02.2013. – cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso.
4. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária remeteu à Impugnante o ofício n.º ...60, datado de 15.07.2013, com o seguinte teor:
Como é do conhecimento de V.Exa, o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui contrapartida de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma.
Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da portaria supracitada, o montante devido é de € 1499,87 (…), conforme fatura nº ...64/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.
Mais se informa que o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor faturado em 2012, atenta a aplicação retroativa do disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.
O pagamento da taxa no corrente ano, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, poderá ser efetuado através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme previsto no n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma.
Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação.
Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e d o Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento”.
[realce original].
[cfr. fls. 4 do processo administrativo apenso].
5. Em anexo à notificação referida no ponto anterior a D.G.A.V. remeteu à Impugnante a fatura n.º ...64/F, no valor de 1 499,87 € emitida em 01.07.2013 pelo Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, com a seguinte descrição: “Taxa de Segurança Alimentar Mais – 1.º Prestação do Ano de 2013 (Decreto-Lei n.º 119/2012, Portarias n.º 215/2012 e n.º 200/2013)”, com data limite de pagamento voluntário 31.07.2013. – cfr. fls. 5 do processo administrativo apenso.
6. A Impugnante procedeu ao pagamento do montante liquidado na fatura identificada no ponto anterior. – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
7. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária remeteu à Impugnante o ofício n.º ...51, datado de 27.12.2013, com o seguinte teor:
Como é do conhecimento de V.Exa, o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui contrapartida de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma.
Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da portaria supracitada, o montante devido pela 2ª prestação de 2013 é de € 1.723,05 (mil setecentos e vinte e três euro(s) e cinco cêntimos(s)), conforme fatura nº ...50/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.
O pagamento da taxa no corrente ano, em virtude de não encontrarem ainda reunidas as condições previstas no artigo 6.º, poderá ser efetuado, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 5.º e n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma.
Dado que o prazo mencionado na fatura, por limitações do sistema informático, não é coincidente com o prazo legalmente previsto para pagamento, para o efeito, apenas deve ser atendido a este último.
Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento da prestação.
Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento.[…]”
[realce original].
[cfr. fls. 7 do processo administrativo apenso].
8. Em anexo à notificação referida no ponto anterior, a D.G.A.V. remeteu à Impugnante a fatura n.º ....50/F, no valor de 1 723,05 € emitida em 12.12.2013 pelo Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, com a seguinte descrição: “Taxa de Segurança Alimentar Mais – 2.º Prestação do Ano de 2013 (Decreto-Lei n.º 119/2012, Portarias n.º 215/2012 e n.º 200/2013)”, com data limite de pagamento voluntário 12.03.2014. – cfr. fls. 8 do processo administrativo apenso.
3.2. Factos não provados:
Para além dos supra, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno e as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
*
II.2. Fundamentação de Direito
Tal como se deixou sumariado acima, a Recorrente imputa à sentença erro de julgamento de direito, por entender que, e em síntese, atendendo em que em causa está um ato “de massa” e levando em conta as concretas características da Recorrida - que no seu entender se encontrava “apetrechada” a compreender o seu alcance -, se deve considerar suficientemente fundamentada a liquidação da 1.ª prestação de 2013 da TSAM, por ser possível compreender o seu sentido através da interpretação dos documentos oportunamente notificados à Recorrida, pelo que não deveria ter sido anulada com este fundamento.
Está assim em causa a questão de saber se a sentença errou na interpretação e aplicação que fez do disposto no n.º 2 do art. 77.º da LGT, ao considerar que o ato de liquidação da TSAM não se encontrava devidamente fundamentado por nele não se especificar o montante da compensação resultante do acerto relativamente ao valor liquidado em excesso em 2012, em consequência da alteração resultante da entrada em vigor da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, a qual veio esclarecer, com efeitos reportados à data de entrada em vigor da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho (ou seja, ao início da vigência do tributo), que por área de venda dos estabelecimentos – a base objetiva de incidência da TSAM – se entende apenas a área de comércio alimentar.
Sobre esta questão, a sentença sustentou-se na seguinte motivação, que se passa a reproduzir:
(…)
Vejamos agora a falta de fundamentação no que tange ao montante especificamente liquidado. Com efeito, refere a Impugnante que da fatura notificada não é possível concluir qual o montante da liquidação de 2012 objeto de anulação, qual o montante liquidado relativamente a 2013, seja o montante global seja o montante da primeira prestação, nem qual o coeficiente de ponderação que foi aplicado.
“A fundamentação dos actos de liquidação deve conter os elementos suficientes para o destinatário se aperceber da forme como foi calculado o imposto liquidado, designadamente a matéria tributável e a taxa aplicada.
É isso que resulta do art. 77.º, n.º 2 da LGT ao referir-se à «fundamentação dos actos tributários», em que se admite que a fundamentação seja feita de forma sumária, mas que se exige que contenha sempre «as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.»” [cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação ao artigo 99.º, pág. 120].
Volvendo ao caso em apreço, na notificação que acompanha a fatura n.º ...33/F é referido que o montante liquidado [1 499,87 €] resulta da aplicação da taxa fixada no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio. Consta ainda que “o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor faturado em 2012, atenta a aplicação retroativa do disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio”.
Todavia, fica o destinatário sem saber o montante liquidado no ano de 2013, bem como o concreto valor que foi objeto de compensação em relação ao montante liquidado em 2012. É certo que a dedução imediata do valor correspondente à diferença entre a taxa cobrada em 2012 e a taxa a cobrar em 2013, na primeira prestação visou agilizar procedimentos, no entanto, tal não pode ser levado a cabo negligenciando o dever de fundamentação que impende sobre as entidades administrativas.
Com efeito, não consta da fatura que contém o apuramento do valor a pagar pela Impugnante nem do ofício de notificação uma demonstração da compensação, limitando-se este último a uma justificação genérica convocando as nomas aplicáveis, não concretizando qualquer valor considerado para o efeito.
É certo que na informação remetida pela D.G.A.V à Direção de Finanças ... constam a área do estabelecimento, as taxas aplicadas, o montante liquidado em 2013, bem como o valor da compensação, todavia, não é admissível a fundamentação sucessiva ou a posteriori, a fundamentação deve ser contemporânea do ato, não podendo ser posterior à sua prática.
Como se decidiu no acórdão do STA de 17.03.2005, processo n.º 103/05, disponível em http://www.dgsi.pt, “[…] não se pode assumir como fundamentação do acto recorrido as razões indicadas pela Entidade Recorrida na sua resposta, uma vez que não é de admitir a fundamentação à posteriori, apenas sendo de atender à fundamentação contextual, ou seja, aquela que se integra no próprio acto.”
Em face do exposto, procede o vício de falta de fundamentação da liquidação no que respeita ao concreto valor da taxa devida em 2013 e ao valor da compensação, o que determina a anulação do ato, nos termos do artigo 135.º do C.P.A.
(…)
Ora, desde já se adianta nada haver a censurar à sentença, que fez uma correta aplicação do direito ao caso em apreço.
Com efeito, a circunstância de o ato administrativo ser produzido em massa não desobriga a Administração de o sustentar através de uma fundamentação expressa minimamente suficiente, sendo que neste caso se revelava essencial a identificação do exato valor objeto de compensação, de modo que o contribuinte pudesse compreender, sem margem para dúvida, qual o concreto valor do tributo liquidado no período em questão, e qual o valor da compensação efetuada, e assim apreender qual a interpretação da lei propugnada pela Administração tributária.
E tal revela-se de particular relevo atendendo a que, e como já se referiu, em causa está, além do mais, a apreensão da aplicação ao caso de uma alteração do regime aplicável, por força da citada alteração introduzida pela Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, na delimitação da base de incidência do tributo.
Ora, o que é revelado através da fundamentação de facto apurada no caso em apreço, é que tal concreta fundamentação não resulta da fatura que revela a liquidação do tributo, ou de qualquer outro documento oportunamente notificado ao contribuinte, sendo certo que, e como é corretamente explicitado na sentença, para tanto não era idónea qualquer tentativa de fundamentação a posteriori.
Nesse sentido, aliás, se pronunciou já este Tribunal Central Administrativo Norte ao apreciar uma situação em tudo similar à que aqui nos ocupa, no Acórdão proferido em 26-10-2017, no proc. 00476/13.6BEMDL, no qual, com relevância para o caso, se sustenta o seguinte (no mesmo sentido vejam-se, designadamente, os acórdãos proferidos pelo TCAS em 2016-11-10, no proc. 09607/16, , em 2021-07-08, no proc. 972/13.5BELLE, em 2021-11-11, no proc. 1171/13.1BEALM, e em 2022-10-13, no proc. 2370/13.1BELRS, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt):
(…)
Pegando no enquadramento efectuado na sentença recorrida no que concerne ao direito à fundamentação, o que se impõe, portanto, é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se funda, e que os seus destinatários concretos, cidadãos diligentes, esclarecidos e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decisora.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo - nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231.
In casu, tudo indica que no acto impugnado se socorreu a entidade decidente de fórmula tendente a enfrentar os estrangulamentos organizacionais derivados da prática massiva de actos administrativos semelhantes.
Todavia, o acto tributário, como salienta, mais uma vez, José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos-pressupostos do acto.
Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara (isto é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua), congruente (isto é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão por si para sustentar o acto), dos factos e razões de direito, tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele.
Assim, o autor citado, no que aos actos produzidos em massa respeita, refere que os mesmos têm de ser sustentados por um mínimo suficiente de fundamentação expressa.
Quer isto dizer que a massividade dos actos não permite descurar a fundamentação, a qual se impõe contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através da sucinta exposição das razões de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se aprendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente.
É certo, também, como tem sido amplamente considerado na jurisprudência dos tribunais superiores, que o dever de fundamentação constitui um conceito relativo que varia em função do tipo de acto e das circunstâncias concretas, cabendo ao Tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência, mediante a indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo pelo qual decidiu num determinado sentido e não noutro.
Ora, antes de mais importa ter presente que, da factualidade trazida aos autos, não resulta que a Administração Tributária tenha emitido uma demonstração da compensação a que se refere ofício datado de 15/07/2013, nem a mesma consta da factura que contém o apuramento do valor a pagar pela Impugnante, nem tão-pouco do próprio ofício de notificação, uma vez que do mesmo resulta apenas uma justificação genérica (que não especifica o caso concreto da superfície comercial da Impugnante, limitando-se a fazer referência a regras legais potencialmente aplicáveis) do valor apurado, sem indicação de qualquer valor considerado para esse efeito e apresentando uma justificação que surge a posteriori e não, como devia por imperativo constitucional e legal, contemporânea do acto, integrada nele mesmo, ainda que por remissão.
Não resulta, portanto, nem da factura nem do ofício através do qual a mesma é notificada à Impugnante qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012.
Tudo quanto se logra colher do seu teor é uma justificação genérica do valor apurado - que, como havia sido salientado pela Impugnante na sua petição inicial, não especifica o caso concreto da superfície comercial da Impugnante - limitando-se a Administração a fazer referência a regras legais potencialmente aplicáveis, sem indicação de qualquer valor considerado para esse efeito.
Ou seja, por muito que o Recorrente se esforce, e as alegações de recurso são bem o exemplo do empenho dedicado à defesa da sua posição, mas também da demonstração de um acréscimo de notificação, dos factos apurados [cfr. als. A) e B) do probatório] não é possível compreender a justificação, os fundamentos, da liquidação emitida, já que dela não resulta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o concreto valor da taxa relativa a 2013 em relação à sua superfície comercial, e qual o valor que foi objecto de compensação em relação àquela que havia sido liquidada para 2012.
É certo, não o descuramos, hoje, perante a contestação e, sobretudo, perante a exaustiva explicação trazida a juízo nas alegações deste recurso, parecem nítidas (independentemente do seu acerto, que aqui não está em questão) as tais razões de ser, de facto e direito, que subjazem ou terão estado subjacentes à liquidação pelo valor e no momento em que foi emitida.
Porém, como é sabido, esta justificação surge no ordenamento jurídico, em especial na relação estabelecida entre emissor e destinatário a posteriori, isto é, não é, como devia por imperativo constitucional e legal, contemporânea do acto, não está, como devia, integrada nele, nem sequer por remissão, razão pela qual não pode ser ponderada na apreciação da questão suscitada – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/11/2016, proferido no âmbito do recurso n.º 09607/16, com referência a processo idêntico ao presente.
Assim, desde logo, no que respeita ao concreto montante da taxa devida em 2013, verificamos falta de fundamentação do acto de liquidação, dando lugar, consequentemente, à anulação deste acto.
Pelos fundamentos expostos, impõe-se negar provimento ao recurso jurisdicional interposto, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
(…)
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir nada haver a censurar à sentença sob recurso, que fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. A circunstância de o ato administrativo ser produzido em massa não desobriga a Administração de o sustentar através de uma fundamentação expressa minimamente suficiente.
II. No caso revelava-se essencial a identificação do exato valor objeto de compensação, de modo que o contribuinte pudesse compreender, sem margem para dúvida, qual o concreto valor da TSAM liquidada no período em questão, e qual o valor da compensação efetuada, e assim apreender qual a interpretação da lei propugnada pela Administração tributária

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 12 de outubro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Paula Moura Teixeira – Ana Paula Coelho dos Santos.