Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02635/13.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO, PROCURAÇÃO, DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:G.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 24/01/2017, que julgou procedente a Oposição judicial deduzida por G. contra o processo de execução fiscal n.º (…) e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade comercial denominada ”W., Lda.”, para cobrança coerciva de dívida de IRC, de 2008, no montante de €26.583,96.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. “A oposição em causa visa o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida de IRC devido em relação ao ano de 2008, na dívida exequenda € 26.583,96, vencida em 10.04.2012, no qual o oponente, por despacho de 22.07.2013, citado na qualidade de responsável subsidiário segundo o art. 24°, n°1, al. a), da LGT.
B. O oponente arguiu que a decisão de reversão estaria afetada de erro nos pressupostos de facto e de direito, por não se ter verificado o exercício efetivo da gerência por parte do oponente, porquanto a sociedade devedora originária teria sido constituída em 18.04.2007 no interesse da pessoa a quem o impugnante tinha outorgado, em 23.04.2007 uma procuração pela qual conferiu poderes que lhe permitiam administrar a sociedade.
C. A douta sentença de que se recorre entendeu procedente a oposição, afirmando que "não logrou a Fazenda Pública provar que o oponente tivesse qualquer conhecimento da vida da sociedade executada originária, ou que desse o seu consentimento aos atos praticados pelo seu mandatário", e que "do probatório coligido resulta que o oponente outorgou uma procuração (...) com uma tal amplitude que não carecia de qualquer intervenção, nem esta resultou provada, daquele primeiro para comandar os destinos da sociedade"
D. e que "o único ato de gestão efetiva praticado pelo oponente foi o da outorga da procuração no mesmo dia em que foi constituída a sociedade comercial que é aqui executada originária, que nenhum outro", concluindo faltar um dos pressupostos legais da reversão, declarando o oponente parte ilegítima para a execução e julgando a oposição totalmente procedente.
E. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, porquanto a douta sentença recorrida mostra-se afetada por erro de julgamento de facto e, em consequência, de direito,
F. já que a douta sentença recorrida selecionou de modo deficiente ou insuficiente a matéria de facto provada, o que concorreu para a errónea valoração prova produzida, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.
G. Antes de mais, a Fazenda Pública propugna, respeitosamente, que a sentença recorrida, sob a epígrafe "Factos provados", não especifica todos os factos pertinentes para a boa decisão da causa, e deles retira conclusões de facto não consentâneas com um rigoroso exame crítico da prova produzida, valorizando indevidamente uns e subalternizando por outros, pelo que a Fazenda Pública propugna que se adicionem aos "Factos Provados", aqueles indicados no desenvolvimento destas alegações, que aqui se dão como reproduzidos,
H. Ademais, o elemento documental correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária, tem origem nos contatos tidos pelo inspetor tributário que conduziu o procedimento de inspeção que associa a conduta do representante como gerente de facto à procuração que lhe foi outorgada pelo oponente, mas não faz, nem porventura tinha de o fazer, o adequado enquadramento jurídico da atuação do representante com os limites e fundamentos da representação voluntária constituída com base na procuração datada de 25.04.2007.
I. A ligação da gerência de facto ao representante mencionada no Relatório de Inspeção Tributária não tinha o sentido de que esse representante tenha, com a procuração outorgada pelo oponente, passado a exercer a gerência de modo livre e autónomo, senão não se compreenderia a indicação no dito Relatório dos poderes conferidos na procuração, nem que o oponente tenha deixado de ter interesse na sociedade e no modo como ela passou a ser gerida.
J. Assim, a Fazenda Pública defende, ao contrário da sentença recorrida, que a referência feita no Relatório de Inspeção Tributária à procuração emitida pelo sócio(-gerente) aqui oponente indica que o representante informou os serviços de inspeção que intervinha na qualidade de representante, e que pretendeu esclarecer e comprovar essa qualidade exibindo o instrumento notarial que a legitimava, demonstrando que agiu sempre enquanto representante e que disso tinha consciência, ainda que na aparência praticasse os atos próprios de um gerente de facto agindo em seu nome.
K. Também o elemento documental constituído pela sentença que decidiu, em 19.04.2013, a absolvição penal do oponente no âmbito do processo n°(…), transitada já em julgado, com base na falta de prova da sua gerência efetiva, não deve porém constituir obstáculo a priori ao estabelecimento, com base em exigências de prova menos restritas e à luz do regime jurídico próprio, de responsabilidade tributária subsidiária.
L. A sentença de absolvição no processo criminal, não tendo a força de caso julgado no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, constitui tão-só mais um elemento de prova, a ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do n°5 do art. 607° do CPC, por remissão do art. 2°, al. e), do CPPT.
M. No que concerne à prova testemunhal produzida pelo oponente, a valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, na ótica da Fazenda Pública, como se argumentou na exposição destas alegações, não infirma o pressuposto da gerência efetiva da sociedade devedora originária por parte do oponente para a sua responsabilização tributária subsidiária.
N. As testemunhas quando afirmaram que era o representante indicado que exercia a gerência da sociedade devedora originária, sugerem apenas que era ele que, presencialmente, tratava dos assuntos correntes da empresa, que exigiam a sua permanência nas instalações, mas não que, nas decisões extraordinárias ou que escapavam à normal gestão, ou que o representante não reportasse a sua atuação ao representado aqui oponente.
O. Os depoimentos dessas testemunhas, indicam que, na aparência, o representante agia como gerente de facto, mas não contrariam a informação de que agia mediante procuração, conforme verificado pelos serviços de inspeção tributária e pelo órgão da execução fiscal nas diligências executivas.
P. Assim, é de concluir que o oponente, estando na origem dos poderes transmitidos através da procuração foi quem exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária nos momentos revelantes, através do representante.
Q. O oponente, quando conferiu poderes de representação da sociedade através de procuração outorgada no dia 23.04.2007 no Cartório Notarial de (...), por meio da qual o oponente, "na qualidade de único sócio em representação da sociedade", declarou que "na qualidade em que intervém constitui procurador da sua representada", atuou em representação da sociedade e, portanto, na condição de sócio-gerente, no exercício dos seus poderes de gestão, razão pela qual tal procuração configura desde logo o ato fundamental do exercício efetivo da gerência pelo oponente, determinante da orientação dos destinos ulteriores da executada originária, sem contudo renunciar ele próprio à gerência que detinha.
R. Tudo se passava como se fosse o próprio dominus aqui oponente a realizar os ulteriores atos de gerência para cuja prática pelo representante a procuração fora outorgada, pelo que, refutando a argumentação da sentença, mesmo naturalisticamente, quando o representante agiu, era o oponente que estava efetivamente a exercer a gerência.
S. A desresponsabilização tributária do gerente nominal autor do ato fundamental da gestão da sociedade, por força da mera circunstância de, após esse ato, não se apresentar externamente como gerente efetivo, conduziria, como decorre do acórdão desse Douto Tribunal Central, de 18.12.2014, que o representado não poderia ser responsabilizado subsidiariamente porque a representação o afastava do exercício da gerência de facto, e, logo o ilibava da gestão societária,
T. enquanto que o representante também não poderia ser responsabilizado porque, ainda que exercesse os poderes de facto do gerente e com proximidade em relação à sociedade, exercia-os em nome e por conta daquele gerente.
U. Não pode, então, o oponente deixar de ser responsável pela dívida exequenda, e enquanto tal, parte legítima na execução - quando faz uso do instituto da representação voluntária o oponente tem de ter presente as consequências, naturalísticas e jurídicas, dessa atuação.
V. Pelas razões acabadas de explanar, entende a recorrente Fazenda Pública que o oponente deve ser julgado parte legítima na execução e, em consequência, ser julgada totalmente improcedente a oposição.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare improcedente a oposição, tudo com as devidas consequências legais.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução quanto ao exercício da gerência efectiva da sociedade originária por parte do aqui Recorrido e, consequentemente, se incorreu em erro na aplicação do direito.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para o conhecimento do mérito da lide, resulta provada a seguinte factualidade:
1. A 23/04/2007, foi constituída pelo Oponente uma sociedade comercial, com o tipo designado de “unipessoal por quotas” e com a firma “W., Lda.”, com o NIPC (...);
2. A sociedade comercial supra identificada tinha como objeto o comércio de vestuário, relógios, eletrodomésticos, utilidades domésticas, importação e exportação de grande variedade de mercadorias, nomeadamente artigos de bazar, bem como comércio dos mesmos;
3. Dispõe o artigo 4º, nº 1, do pacto social da indicada sociedade o seguinte: “1. A administração e representação da sociedade fica a cargo de quem vier a ser nomeado gerente pelo sócio único.”;
4. Dispõe ainda o artigo 5º, sob a epígrafe “Disposição transitória”, o seguinte: “Fica desde já nomeado gerente: a) L., solteiro, maior, residente em (...), (...), contribuinte nº (...).”;
5. A 23/04/2007, no cartório notarial de (...), o Oponente assinou um documento designado “Procuração”, e do qual consta o seguinte:
“L. (…), o qual outorga neste ato na qualidade se único sócio em representação da sociedade comercial por quotas unipessoal denominada “W., Limitada” (…). O outorgante declarou: Que na qualidade em que intervém constitui procurador da sua representada W., casado, residente na Rua (...), da freguesia e sede do concelho da (…) (…), a quem confere poderes para: 1. Tomar todas as medidas necessárias para, no exercício normal da atividade social, adquirir e vender veículos, mobiliário, equipamento e materiais, contratar, assinar, modificar ou cancelar qualquer seguro, independentemente do risco seguro e, em caso de qualquer reclamação, discutir, ajustar, fixar ou receber quantias indemnizatórias. 2. Faturar e receber quaisquer montantes pagáveis à sociedade por entidades públicas ou privadas; 3. Abrir, movimentar ou encerrar contas bancárias da sociedade, efectuar depósitos ou levantamentos, assinar e endossar cheques, aceitar, sacar e endossar títulos de crédito para efeitos de desconto e tomar todas as medidas necessárias para receber ou providenciá-las nas contas bancárias da sociedade; 4. Fazer levantamentos, depósitos ou assinar em qualquer banco ou instituição de créditos, ou “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, quaisquer documentos, títulos de crédito ou outras garantias em nome da sociedade, desde que relacionadas com o exercício normal da atividade da sociedade, com exceção de quaisquer garantias ou títulos a favor de terceiras pessoas; 5. Levantar das estações de correio, estações ferroviárias, estações rodoviárias, alfândegas e outras entidades, quaisquer cartas, encomendas, valores, bens e tudo o mais que for endereçado à sociedade ou que lhe pertença. 6. Praticar e assinar atos de mera administração, bem como correspondência, avisos de receção, faturas, quitações e tudo o mais permitido por lei; 6. Praticar e assinar atos de mera administração, bem como correspondência, avisos de receção, faturas, quitações e tudo o mais permitido por lei; 7. Efetuar, perante Repartições Fiscais, quaisquer pagamentos, reclamações ou recursos, declarações e, perante as Câmaras Municipais e outras entidades oficiais, requerer, fazer e assinar tudo o que for necessário para representar a sociedade; 8. Assinar todos os documentos necessários para o fornecimento de eletricidade, água, gás, telefone, telefax e serviços telegráficos, recolha de lixo, limpeza e vigilância; 9. Celebrar, renovar, ou terminar, em nome da sociedade, qualquer arrendamento, sub-arrendamento ou contratos de sub-contratação; 10. Empregar ou despedir pessoal, fixar os seus salários, indemnizações e benefícios; 11. Representar a sociedade em Tribunal e fora dele, assumir compromissos perante árbitros, confessar, desistir ou transigir em qualquer processo judicial ou arbitral, podendo, se necessário, delegar poderes em advogados ou solicitadores uma ou mais vezes; 12. Solicitar empréstimos, celebrar contratos de locação financeira e negociar outros tipos de financiamento necessários ao desenvolvimento da atividade da sociedade; 13. Representar na Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis onde poderá requerer registos, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, podendo fazer atualizações à descrição bem como prestar declarações complementares. (…)”;
6. O Oponente figurou na Conservatória de Registo Comercial como assumindo o cargo de gerente até 18/06/2012;
7. Nessa data, passou a figurar como gerente W.;
8. Desde abril de 2007 a junho de 2012, o Oponente auferiu da executada originária o salário mínimo nacional, efetuando os respetivos descontos para a Segurança Social;
9. A 12/03/2010, 19/03/2010 e 15/11/2011, W. assinou avisos de receção dirigidos pelo Serviço de Finanças de (...) à executada originária;
10. No âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, instaurado contra a executada originária, e pelo Serviço de Finanças de (...), foi, a 31/01/2012, levantado um auto de penhora sobre um veículo automóvel, auto esse assinado por W., que foi nomeado fiel depositário;
11. A 29/01/2010, W. assinou um documento designado de “Requerimento de Registo Automóvel” na qualidade de procurador da executada originária;
12. Era W. quem efetuava os pagamentos devidos pela executada originária a fornecedores;
13. Era W. quem contactava com clientes, em nome da executada originária;
14. O técnico oficial de contas da executada originária tratava de todos os assuntos com W.;
15. Com data de 28/11/2011, e pelo ofício nº 77087/0507, foi comunicado à executada originária o relatório final de inspeção tributária, que procedeu a correções meramente aritméticas bem como à fixação de matéria tributável por métodos indiretos quanto a IRC, referente ao exercício de 2010, e quanto ao IVA, referente ao mesmo exercício;
16. Do mencionado relatório consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) Dos responsáveis da sociedade. Tem como sócio único G., NIF (...), com domicílio fiscal declarado na (…), em (...), no entanto, a gerência de facto incumbe a W., NIF (...), com domicílio fiscal declarado na Rua (…), na (...). Tal vem expresso em procuração datada de 2007/04/23, em que o único sócio em representação da sociedade W. constitui procurador o Sr. W. (…). Refira-se ainda que no decorrer do procedimento de inspeção, os contactos e reuniões efetuados com a Administração Fiscal, bem como, os esclarecimentos prestados e a assinatura de documentos inerentes à inspeção, inclusive a credencial subjacente ao presente procedimento de inspeção, incumbiram ao Sr. W.. (…)”;
17. A 04/03/2010, foi instaurado o presente processo de execução fiscal, relativo a IRC do exercício de 2008, contra a sociedade comercial “W., Lda.”;
18. A 19/04/2013, no âmbito do processo nº (…), que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de (...), foi exarada sentença da qual consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) Factos Provados 1º - A primeira arguida é uma sociedade comercial por quotas, denominada «W. – , Ldª», constituída em 2007, tendo por objeto o comércio de vestuário e outros artigos (…). 2º - O arguido L. é o único sócio e gerente nomeado. 3º - Pese embora aquela nomeação, foi o arguido W. quem realizou o capital social e fez o investimento para a constituição da sociedade sendo unicamente este quem, na prática, desde a sua constituição dirige os destinos daquela sociedade, quem decide sobre a gestão das despesas e receitas geradas e, para além do mais, quem decide sobre o pagamento das prestações tributárias devidas por aquela sociedade. (…) Factos não provados. 1º - Que o arguido L. exerça, na prática, a gerência da sociedade e que tenha qualquer poder de decisão sobre a vida da mesma. (…).”;
19. No âmbito do supra referido processo, W. foi condenado pela prática de crime de fraude fiscal, tendo o Oponente sido absolvido;
20. A 31/01/2013, pelo Ofício nº 1126/0902-30, o Serviço de Finanças de (...) comunicou ao Oponente o projeto de despacho de reversão do processo de execução fiscal, para o exercício do direito de audiência prévia;
21. Na mesma data, foi comunicado tal projeto de despacho de reversão a W.;
22. A 18/02/2013, o Oponente exerceu o seu direito de audiência prévia;
23. A 23/07/2013, e pelo Ofício nº 6718/1902-30, o Serviço de Finanças de (...) comunicou ao Oponente o despacho de reversão da quantia exequenda no processo de execução fiscal instaurado contra a devedora originária;
24. Do despacho supra referido consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) Verificada e comprovada que está a inexistência de bens penhoráveis ou a fundada insuficiência do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, suportada nos resultados obtidos nas diligências de rastreio de todas as aplicações informáticas de cadastro de bens e direitos ao dispor da DGCI (imóveis, veículos, contas bancárias e outros direitos mobiliários, operações com terceiros) e averiguação externa, conforme certidão de diligências anexa aos autos a fls. 76, e a quem, nessa qualidade, incumbia o cumprimento dos deveres tributários da devedora, estão reunidos os pressupostos legais para a efetivação da responsabilidade tributária subsidiária, através da reversão dos processos de execução fiscal. (…) A identificação dos responsáveis subsidiários tem por suporte certidão da Conservatória de Registo Comercial de (...), documento onde constam como administradores da sociedade os acima identificados gerentes e teve em conta o período temporal em que o cargo foi exercido, sendo possível afirmar que à gerência de direito alicerçada no registo comercial correspondeu um exercício de facto, conforme se conclui da informação retirada e obtida nas aplicações informáticas da DGCI (registo de remunerações, declarações de cadastro) – fls. 70 a 74 dos autos, tendo o projecto de reversão tido isso em conta, resultando a seguinte imputação de responsabilidades: (…) L. – desde 2007-04-23; Até 2012-06-15; W. – desde 2007-04-23; Até …. (…) É manifesto que a redação do artigo 24º da Lei Geral Tributária, resolve a questão de se saber se bastava a simples gerência nominal ou de direito para implicar a responsabilidade dos administradores ou gerentes, ou se era necessário, também a gerência efetiva, de facto, traduzida na prática de atos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade. Verificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto, não sendo nesta fase processual o momento apropriado para a apreciação se a gerência nominal ou de direito correspondeu efetivamente a uma gerência efetiva, de facto. Em sede de oposição, ao executado revertido, cabe o ónus da prova de que, apesar da gerência de direito, não exerceu a gerência de facto ou que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas, tal como preceitua o artigo 151º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo de apresentar a sua defesa, quer através de “impugnação judicial” ou “reclamação graciosa” o que ainda é possível, após a sua citação nestes processos de execução fiscal – Artigo 22º, nº 4, da Lei Geral Tributária. (…)
Por outro lado, é claro que a culpa na insuficiência do património societário, pode resultar, não apenas de condutas comitivas, como omissivas, em particular o não exercício, por desinteresse, das funções de administração e gerência.
Nenhum obstáculo legal impede que seja fundamento de responsabilidade tributária essa conduta, já que o abandono ilegítimo dessas funções configura um facto ilícito e culposo para efeitos de aplicação do regime de responsabilidade subsidiária. O mesmo se pode dizer da falta de pagamento dos impostos relativos ao exercício do cargo, que não pode ser justificado pelo mero abandono ilegítimo das funções de administração ou gerência. A titularidade do cargo de administrador ou gerente é um verdadeiro poder-dever e não um simples direito a favor de quem é conferida, pois cria também, para efeitos fiscais, simultaneamente direitos e obrigações. O não exercício da administração ou gerência de facto não afasta a responsabilidade do administrador ou gerente, salvo quando não lhe for imputável. Dentro destes princípios que regulam o instituto da responsabilidade subsidiária e tendo em conta aquilo que foi alegado em sede de audiência prévia e a prova produzida nesta, é possível estabelecer os seguintes considerandos, relativamente a cada gerente que exerceu o direito de participação na decisão de reversão, do seguinte modo: L.. a) A executada W., Lda., NIPC (...), iniciou atividade de OUTRO COMÉRCIO POR GROSSO DE BENS DE CONSUMO, N.E., para efeitos fiscais em 2007-04-30; b) A última declaração periódica de IVA entregue foi referente ao período 1211; c) A sociedade não apresentou até a presente data declaração de cessação em IVA e em IR, conforme fl. 69; d) A dívida exequenda nos presentes autos importa em € 26.583,96 (vinte e seis mil quinhentos e oitenta e três euros e noventa e seis cêntimos), à qual acrescem juros e custas, proveniente de impostos englobados na conta corrente – IRC do ano de 2008; e) Após diligências efetuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, verifica-se que não são encontrados bens penhoráveis, em nome da executada; f) O revertido L. consta como Membro de Órgão Estatutário (MOE) no Instituto de Segurança Social, tendo feito descontos para aquela entidade na condição de gerente, conforme se constata da informação anexa aos autos de execução fiscal; g) Consta, igualmente, na base de dados da DGCI como recebendo remunerações da sociedade devedora originária, enquadráveis na categoria A do IRS, tipo de rendimentos em que se inserem as remunerações de gerência, a fls. 75 dos autos; h) A alegação de que outorgou procuração a favor de W. para que este administrasse a sociedade não é suscetível de possibilitar o afastamento da responsabilidade subsidiária do mandante ou representado, no caso o L. e porque este é gerente de direito, já que é entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos de que, nestes casos, o mandante é considerado gerente de facto pois os atos praticados pelo mandatário é como se fossem praticados por aquele e repercutem-se na sua esfera jurídica. (…)”;
25. A comunicação do supra referido despacho ao Oponente foi levada a cabo a 09/08/2013, por depósito postal;
26. Por Ofício nº 6982/1902-30, foi também proferido despacho de reversão, no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, visando W.;
27. A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de (...) a 25/09/2013.
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Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não se deram quaisquer factos como não provados.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes bem como pela inquirição das testemunhas arroladas.
Conforme certidão da ata de inquirição de testemunhas junta aos autos a fls. 373 e seguintes dos presentes autos, foram ouvidas as testemunhas A. e Z.. Foi esta última testemunha ouvida com auxílio de intérprete, que prestou compromisso de honra quanto ao cumprimento das suas funções. Foi a inquirição de testemunhas gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, e ao qual se lançou mão para efeitos do disposto no artigo 421º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.
Assim, e concretamente, a factualidade vertida nos pontos 1 a 4 resultou provada atento o teor de fls. 45 e seguintes dos presentes autos, resultando aquela vertida no ponto 5 do constante de fls. 43 e seguintes daqueles. A matéria de facto dada como provada nos pontos 6 e 7 resultou da análise do conteúdo de fls. 70 e seguintes dos presentes autos, resultando aquela dada como assente no ponto 8 do teor de fls. 148, verso, e 149. Por outro lado, os factos assentes no ponto 9 resultam do constante a fls. 57, frente e verso, dos autos, resultando aqueles dados como assentes nos pontos 10 e 11 do teor, respetivamente, de fls. 41 e seguintes e 237 e seguintes dos presentes autos.
Por outro lado, a matéria de facto vertida nos pontos 12 e 14 foi dada como provada atento o depoimento da testemunha A.. Esta testemunha revelou ter conhecimento direto dos factos por ter exercido as funções de técnico oficial de contas junto da sociedade comercial executada desde 2007 até finais de 2012, assim conhecendo quem tratava de toda a documentação inerente ao exercício da atividade daquela.
A testemunha prestou o seu depoimento de forma clara e segura, não revelando qualquer interesse na solução da presente lide. Afirmou, sem margem para dúvidas, que tratava de todos os assuntos relacionados com a identificada sociedade comercial com o Sr. W., afirmando ainda que era este último quem tomava todas as decisões inerentes à sociedade e quem assinava todos os documentos necessários ao exercício da atividade. Mais sublinhou que não conhecia nem nunca tinha visto o Oponente, apesar de se deslocar por diversas vezes, no exercício das suas funções, à sede da sociedade comercial. Tal depoimento, nos moldes em que foi prestado, logrou formar a convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada nos indicados pontos.
Já matéria de facto vertida no ponto 13 resultou aprovada atento o depoimento da testemunha Z.. Esta testemunha demonstrou ter conhecimento direto e pessoal da factualidade em discussão pelo facto de ser, há vários anos, cliente do Sr. W..
Afirmou, de forma calma e segura, ser comerciante a retalho, respondendo ao tribunal que se abastecia junto de grossistas de naturalidade chinesa, nomeadamente o Sr. W.. A instâncias do mandatário do Oponente, informou que no ano de 2008 já conhecia o Sr. W., deslocando-se regularmente, cerca de 5 ou 6 vezes por mês, à Zona Industrial de (...), especificamente ao lugar da sede da sociedade comercial, que porém não soube identificar, para se abastecer de mercadoria. Mais afirmou que tratava de todas as compras com o Sr. W., bem como dos respectivos pagamentos. Informou que sempre reputou este senhor como sendo o patrão do armazém comercial identificado, observando que os funcionários que lá trabalhavam obedeciam às suas ordens. Por fim, afirmou que não conhecia nem nunca tinha ouvido falar do Oponente. Atento o exposto, o depoimento prestado por esta testemunha logrou formar a convicção do Tribunal na decisão da matéria de facto dada como provada supra.
Por fim, os factos dados como provados nos pontos 15 e 16 resultaram da análise do conteúdo de fls. 28 e seguintes dos autos, resultando a factualidade dada como provada em 17 do teor de fls. 55 e seguintes dos autos. Já a matéria de facto dada como assente nos pontos 18 e 19 advieram do constante da certidão junta a fls. 14 e seguintes dos autos, resultando a matéria de facto dada como assente nos pontos 20 a 22 do teor de fls. 131 e seguintes dos presentes autos. A factualidade vertida nos pontos 23 e 24 supra foi dada como provada após análise do constante de fls. 151 e seguintes dos autos, resultando aquela vertida nos pontos 25 e 26 provada atento o teor de fls. 158 e seguintes dos autos. Por fim, o facto dado como provado no ponto 27 resultou do teor de fls. 3 dos presentes autos.”

Na linha do solicitado pelo Recorrente, que se acolhe, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ajusta-se, reformula-se e adita-se a seguinte factualidade apurada à decisão da matéria de facto, por resultar da prova documental ínsita nos autos:
6.a Em 15/06/2012, o oponente comunicou à sociedade a sua renúncia à gerência, tendo a mesma sido objecto de registo em 18/06/2012, pela apresentação 65/20120618 - cfr. Certidão Permanente constante de fls. 124 a 126 verso do processo físico.
8. Desde Abril de 2007 a Junho de 2012, o Oponente auferiu da executada originária o salário mínimo nacional, efectuando os respectivos descontos para a Segurança Social, na qualidade de membro de órgão estatutário daquela sociedade – cfr. documentos constantes do processo físico a fls. 226 a 227 verso, remetidos através do ofício n.º 1547/1902-30, de 12/02/2015.
10. No âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, instaurado contra a executada originária, e pelo Serviço de Finanças de (...), foram, em 31/01/2012, lavrados dois autos de penhora sobre os veículos automóveis de matrículas XX-XX-XX e XX-XX-XX, que foram assinados por W., identificando-se a sua qualidade de procurador, com junção de fotocópia da respectiva procuração, e nomeado fiel depositário – cfr. fls. 41 e 42 da certidão elaborada pelo órgão de execução fiscal que acompanha a informação ínsita nos autos prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT.
10.a No âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, instaurado contra a executada originária, e pelo Serviço de Finanças de (...), foi, em 31/01/2012, lavrado auto de diligências, assinado por W., identificando-se a sua qualidade de procurador, com junção de fotocópia da respectiva procuração – cfr. fls. 46 da certidão elaborada pelo órgão de execução fiscal que acompanha a informação ínsita nos autos prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT.

2. O Direito

A questão que importa, antes de mais, apreciar é a de saber se o tribunal recorrido fez errado julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a oposição, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Oponente, concretamente, não ter resultado provada a gerência de facto por banda do Oponente.
Para assim decidir o tribunal a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que se transcreve no segmento relevante: “(…) Ora, não logrou a Fazenda Pública provar que o Oponente tivesse qualquer conhecimento da vida da sociedade, executada originária, ou que desse o seu consentimento expresso aos atos praticados pelo mandatário, W..
Consequentemente, e em termos naturalísticos, que não civilísticos, quem exerceu a gerência de facto foi este último, não logrando a AT provar tal exercício quanto ao Oponente. (…) Consequentemente, do probatório coligido resulta que o Oponente outorgou uma procuração a W., procuração esta com uma tal amplitude que este não carecia de qualquer intervenção, nem esta resultou provada, daquele primeiro para comandar os destinos da sociedade. Mais resultou provado que o único ato de gestão efetiva praticado pelo Oponente foi o da outorga da procuração, no mesmo dia em que foi constituída a sociedade comercial que é aqui executado originária, que nenhum outro, não sendo suficiente para a prova da gerência de facto o pagamento pela sociedade comercial de uma remuneração mensal. (…)”
Ora é contra este entendimento que a Recorrente se insurge, por considerar que os elementos constantes dos autos são de molde a concluir que o Oponente exerceu, no período a que respeita a dívida, a gerência de direito e de facto.
A Recorrente imputa, assim, erro de julgamento à sentença recorrida alegando, em síntese, que a outorga de procuração por parte do Recorrido a favor de terceiro é ineficaz quer para a transmissão da gerência de direito como da gerência de facto, já que a procuração ao titular um mandato com representação, faz reflectir os actos do representante na esfera jurídica do representado, ou seja todos os actos societários praticados por intermédio do procurador autorizado por título jurídico válido, eram-no não na qualidade de gerente da sociedade, mas tão só na qualidade de mandatário do gerente, aqui Recorrido. E que a demonstração da gerência de facto não se limitou à procuração outorgada, mas ainda que o Recorrido auferiu remunerações na qualidade de membro de órgão estatutário da devedora originária.
Como decorre da matéria de facto julgada provada, a dívida exequenda é constituída por dívida de IRC relativa ao ano de 2008.
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade, pelo que se impõe aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão e também pela sentença recorrida.
Dispõe o artigo 24.º, n.º 1 da LGT que:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício - alínea a) - ou vencidas no período do seu mandato - alínea b).
Resulta da norma transcrita que os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas.
A inclusão, neste dispositivo legal, das expressões “exerçam, ainda que somente de facto” e “período de exercício do seu cargo”, implica que, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, não é suficiente a mera titularidade de um cargo, tornando-se indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções (neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.03.2009, proc. n.º 0709/08, in www.dgsi.pt).
Logo, o mecanismo da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores só opera perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo.
A questão de saber se existe uma presunção legal quanto à gerência de facto, foi largamente debatida pela jurisprudência, tendo o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA tomado posição, no acórdão de 28.02.2007, lavrado in proc. n.º 01132/06, a qual é por nós sufragada e donde se retiram os seguintes ensinamentos:
De acordo com o art. 349.° do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerum que accidit), a presunção diz-se legal, ou natural (simples ou judicial).
Nos termos do disposto no art. 350.º, n.º 1, do C. Civil, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, todavia, idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.
Ora, ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.
Tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, lavrado in Proc. n.º 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
Por isso, o regime contido no art. 350.º, n.º 2, que estabelece as condições de elisão da presunção, não faz sentido quando aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.
Assim, provada que seja a gerência de direito, é à Administração Tributária, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – cfr. art. 342.º, n.º 1, do C. Civil e art. 74.º, nº 1, da LGT), pois não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial, em face do preceituado nos arts. 259.º e 260.º do Código das Sociedades Comerciais, consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros (neste sentido, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010, de 20/12/2011 e de 08-05-2012, processos n.º 00286/07, n.º 00639/04 e n.º 5392/12, respectivamente).
O gerente gozará de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radicará em que, se o acto em causa respeitar às relações internas entre a sociedade e quem a administra, encontrar-nos-emos no âmbito dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, já estaremos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).
Ora, o efectivo exercício da gerência pode, contudo, o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc., mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
Como plasmado no acórdão do STA, de 10/12/2008, lavrado in recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
No caso em apreço, como se extrai da factualidade julgada provada, o Oponente foi nomeado gerente desde a constituição da sociedade, em 23.04.2007, nomeação esta que se manteve até à renúncia ao cargo, ocorrida em 15.06.2012, conforme resulta da matéria vertida nos pontos 1, 4, 6, 6a e 7 do probatório.
Decorre ainda da matéria de facto dada como provada que o Oponente, aqui Recorrido, no mesmo dia em que foi nomeado gerente da devedora originaria (23.04.2007), outorgou em nome e representação daquela sociedade uma procuração a favor de W., para, entre outras “….tomar todas as medidas necessárias para, no exercício normal da actividade social, adquirir e vender veículos, mobiliário, equipamento e materiais, contratar, assinar, modificar ou cancelar qualquer seguro….facturar e receber quaisquer quantias pagáveis à sociedade…abrir, movimentar ou encerrar contas bancárias da sociedade, efectuar depósitos ou levantamentos, assinar e endossar cheques, aceitar, sacar e endossar títulos de crédito para efeitos de desconto…fazer levantamentos, depósitos ou assinar em qualquer banco ou instituição de crédito…quaisquer documentos, títulos de crédito ou outras garantias em nome da sociedade, desde que relacionadas com o exercício normal da actividade da sociedade, com excepção de quaisquer garantias ou títulos a favor de terceiras pessoas…. Levantar das estações de correio, estações ferroviárias….cartas, encomendas, valores, bens e tudo o mais que for endereçado à sociedade…. Celebrar, renovar ou terminar, em nome da sociedade, qualquer arrendamento, subarrendamento ou acordos de contratação…empregar ou despedir pessoal, fixar os seus salários. Indemnizações e benefícios…representar a sociedade em tribunal e fora dele…solicitar empréstimos, celebrar contratos de locação financeira e negociar outros tipos de financiamento necessários ao desenvolvimento da actividade da sociedade (cfr. ponto 5 do probatório).
Mais resulta dos autos que, em 15.06.2012, o Oponente comunicou à sociedade a sua renúncia à gerência sendo que entre 04/2007 e 06/2012, registou descontos para o sistema de segurança social, na qualidade de membro de órgão estatutário (MOE) – cfr. ponto 8 do probatório.
Do ponto de vista jurídico, dispõe o artigo 258.º do Código Civil que “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”. E a procuração é um modo de representação voluntária, nos termos do artigo 262.º do CC, por ser um acto pelo qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes representativos.
Assim sendo a constituição de procurador bastante com a finalidade de exercer a gerência da sociedade devedora constitui também o contrato de mandato com representação nos termos do preceituado nos artigos 1157.º e 1178.º do Código Civil pelo que o mandatário tem o dever de agir não só por conta mas em nome do mandante a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores vai no sentido de considerar que neste tipo de situações se deve entender que o responsável subsidiário exerceu as suas funções - Vide, por todos, os acórdãos deste TCA Norte, de 26.03.2015, no processo n.º 01044/11.2BEBRG, de 30.09.2015, no processo n.º 00188/07, de 24.01.2017, no processo n.º 01752/06 e de 27.11.2014, no processo n.º 00824/06.
O entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.
É certo, por isso, que os actos praticados por mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, mas "não é menos certo que a indagação sobre a gerência de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido).” (grifado nosso) – neste sentido veja-se o acórdão do TCAS, de 25/05/2017, lavrado in Processo 1770/09.6BELRS.
Perscrutado o probatório resulta que no decurso da inspecção tributária efectuada à devedora originária, os SIT constataram a prática de actos de gerência pelo procurador W. Todavia, como também ressalta da matéria assente (cfr. ponto 16), a prática de actos de gerência decorria do exercício dos poderes que lhe haviam sido conferidos pelo Oponente, ora Recorrido, tal como se esclarece no Relatório Inspectivo, segundo o qual: “(…) no entanto, a gerência de facto incumbe a W., NIF (...), com domicílio fiscal declarado na Rua (…), na (...). Tal vem expresso em procuração datada de 2007/04/23, em que o único sócio em representação da sociedade W. constitui procurador o Sr. W. a quem conferiu poderes na representação da dita sociedade, nomeadamente os seguintes: (…)” (realce nosso).
Ainda que esta circunstância aponte no sentido de afastar a ligação do Recorrido à sociedade, não tem a virtualidade de sustentar a tese de que o Recorrido estava totalmente alheado da gerência da sociedade, uma vez que a gestão da devedora originária era, alegadamente, levada a efeito por um terceiro expressamente mandatado por aquele para o efeito e que protagonizava actos inerentes a essa mesma gestão, mas cuja dimensão queda desconhecida (o procurador praticava todos os actos de gerência?... apenas alguns?... fica a dúvida). Urgia apreender a ligação entre o Recorrido e a prática de actos em representação da sociedade originária devedora, o que permitiria estabelecer (ou não) um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade.
Por outro lado, não olvidamos que a sentença de absolvição do ora Recorrido no processo-crime, embora não tenha a força de caso julgado no que se refere aos factos ali dados como provados ou não provados - não deixa de ser um elemento de prova que poderá ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação das provas - artigo 655.º, n.º 1 do CPC (actual 607.º, n.º 5), sempre conjugado com outros elementos probatórios.
Mas, mesmo a concatenação deste último elemento com o facto de a procuração ter sido outorgada no dia da constituição da sociedade (devedor originária) e a amplitude do mandato conferido, tal circunstancialismo não se nos afigura suficiente para demonstrar que à outorga da procuração não subjaz qualquer vontade ou intuito de gerir, ainda que por interposta pessoa.
Estes factos levados ao probatório teriam de ser concatenados com outros que (tendo presentes as regras do mandato) revelassem as circunstâncias que envolveram a outorga da procuração a favor de W., de molde a permitir apurar se o mandante apenas pretendia possibilitar a quem efectivamente detinha o “animus decidendi” de gerir a sociedade executada, ou se, contrariamente, visava exercer a gerência de facto, porém, com o auxílio de um terceiro, in casu, o procurador.
Certo é que este Tribunal não logra alcançar o iter cognoscitivo percorrido pelo tribunal a quo para concluir no sentido do não exercício da gerência por banda do Oponente, ou seja, de que os actos de gerência praticados em nome e representação da primitiva devedora não resultam de uma actuação consciente e voluntária protagonizada pelo ora Recorrido.
Cumpre salientar que, no seu articulado inicial, o Oponente alegou factos que se nos afiguram determinantes para alcançar tal desiderato. Atente-se na factualidade vertida nos artigos 13.º, 14.º, 15.º,16.º, 19.º e 20.º da petição inicial que se transcrevem:
“(…) 13 Apesar de constar do pacto social como sócio e gerente da sociedade, esta foi constituída no interesse do irmão da sua namorada - W..
Na verdade,
14 O referido W., em 31 de Março de 2007 tinha renunciado à gerência de uma outra sociedade da qual foi sócio gerente, devido a desentendimentos com o outro sócio.
15 Como pretendia exercer uma actividade idêntica à que era exercida por aquela sociedade, o referido W. tinha receio de ser acusado de concorrência desleal pelo outro sócio.
16 Para evitar essa acusação e um eventual pedido de indemnização por danos causados àquela sociedade, da qual continuava a ser sócio, o referido W. pediu ao Opoente para constituir uma sociedade que lhe permitisse exercer a actividade sem correr esse risco. (…)
19 As despesas com a constituição da sociedade foram pagas pelo W..
20 O capital social foi depositado pelo W..(…)»
Contudo, na decisão a quo nada se colhe relativamente a esta alegação e nada se esclarece quanto à sua conformidade ou não com a realidade em equação nos autos.
Verificando-se que o Recorrido no seu articulado inicial admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como elemento legitimador a procuração por si outorgada, e esgrimindo este o não exercício da gerência de facto, importa para a descoberta da verdade material que o Tribunal apure o circunstancialismo que envolveu a outorga daquele instrumento.
Uma última palavra para sublinhar que não olvidamos a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo citada na sentença. Mas lendo atentamente tal aresto sempre se dirá, que ali a factualidade apurada mostrava-se mais densificada do que a dos presentes autos, pois aí ficou provado, para além da procuração existente, que a oponente apenas tinha aceitado constar como gerente da sociedade a pedido do terceiro (o procurador), que não podia usar o seu nome no giro comercial. Conjuntamente com a amplitude do mandato constituído, concordamos que a decisão só podia ser a da procedência. Todavia, nos presentes autos, como vimos, o probatório fixado não nos permite alcançar a mesma conclusão.
Ora, existindo factos alegados pelo revertido que se nos afiguram decisivos para a apreciação da questão sobre o exercício da gerência de facto pelo Recorrido, tendo sido inquiridas duas testemunhas, mas sem que o tribunal recorrido tivesse tomado qualquer posição acerca dos factos que apontámos, somos de entendimento que os autos padecem de défice instrutório, o que impede este Tribunal de sindicar a bondade da conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Neste mesmo sentido decidiram os acórdãos deste TCA Norte, de 20/02/2020, proferidos no âmbito dos processos n.º 574/13.6 BEPRT e n.º 3247/12.3BEPRT, que aqui se seguiram, atenta a similitude das questões a apreciar.
Assim, deparamo-nos com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos.
Por tudo quanto fica dito, o recurso merece, assim, provimento.
Em face do exposto, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Conclusão/Sumário

Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.



IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à primeira instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, se a tal nada mais obstar.

Custas a cargo do Recorrido, que não inclui a taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Porto, 05 de Março de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães