Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00304/07.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/17/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:IMPOSTO AUTOMÓVEL; ISENÇÃO; RESIDÊNCIA HABITUAL.
Sumário:I – O Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de julho, não define o conceito de residência habitual, pelo que a sua delimitação deve buscar-se no direito interno.

II – A residência habitual pressupõe uma ligação efetiva, estável e com algum grau de permanência ao local onde as pessoas têm a sua vivência, pessoal, familiar, económica, social e profissional.

III - Os elementos de facto pertinentes a ter em consideração para determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa compreendem, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local de escolaridade efetiva dos filhos, o local de exercício das atividades profissionais, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais.

IV - E se uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais.

V - Considerando o local da habitação (autorizações de residência em França (válidas até 19/01/2009 e 08/02/2010), apesar de a terem anteriormente cancelado em 15/01/2006 a residência nesse país); o local onde residem filha, genro e netos (em França); os vínculos administrativos com as autoridades públicas e organismos sociais (tratamento médico em França); que no ano de 2006 passaram a maior parte do tempo em França e que reconheceram que regressaram definitivamente a Portugal em 2007, tudo aponta para que o centro permanente de interesses dos Recorrentes no ano de 2006 se situe em França.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C. e Outra
Recorrido 1:DGAIEC
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
C. e M., vieram interpor recurso do acórdão de 30/07/2010, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a Ação Administrativa Especial proposta contra o DIRETOR GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO, que por despachos de 07/03/2007 e 21/03/2007, revogou os benefícios de isenção de Imposto Automóvel (IA).
Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I) Os Recorrentes entraram em França em 1972 e, na sequência da reforma do marido no último semestre de 2005, e encerramento da sua empresa, cancelaram a residência em França em 15/01/2006, conforme certidões consulares que instruíram os pedidos, apresentados na Alfândega do Freixieiro, de admissão definitiva/introdução no consumo em Portugal dos veículos de matrícula francesa de que eram proprietários, com benefício da isenção de IA prevista para particulares por ocasião da transferência de residência no Cap. II do Dec. Lei nº 264/93;
II) Inicialmente concedidos, os benefícios vieram ser revogados pela Administração Aduaneira por esta ter entendido, face à devolução de correspondência e a resultados de diligências policiais que davam os Recorrentes como ausentes em França no ano 2006, que a introdução dos no consumo em Portugal não teria sido efetuada por pessoas que transferissem a sua residência, violando o disposto no art. 12° do referido diploma legal;
III) O Acórdão Recorrido assim o confirmou, considerando, além disso, que os Recorrentes, reconhecendo eles próprios as suas deslocações a França, para tratamento da Recorrente-mulher, eram titulares de autorizações de residência válidas nesse país até janeiro de 2009 e fevereiro de 2010, tinham nesse país família e apoio da Segurança Social e, sem terem laços profissionais que os ligassem mais a um país ou a outro, não podiam ter estado em Portugal no ano 2006 por um período superior, no máximo, a 173 dias, inferior ao de 185 por ano civil a que aludem a al. a) do nº 5 do art. 1º do diploma, quando define negativamente os beneficiários da "admissão temporária" regulada no Cap. I, e o n° 1 do art. 14º, quando estabelece as condições de residência noutro Estado-membro da Comunidade para efeitos do benefício da "isenção a particulares por ocasião da transferência de residência", do Cap. II.
IV) Todavia, o prazo de validade das autorizações de residência exibidas para certificação consular do cancelamento é função das condições presentes aquando da emissão e respetiva data, e os vínculos familiares e de apoio social dos Requerentes em França são reflexo de um anterior percurso pessoal e contributivo nesse país, gerador de um direito a assistência à doença da Recorrente-mulher que esta só aí adquiriu,
V) E, conforme está provado, o cancelamento da residência em França! em 15/01/2006, constante dos certificados consulares que suportaram os pedidos de admissão definitiva dos automóveis com isenção de imposto, foi efetuado na sequência da reforma do Recorrente-marido, portanto aquando da cessação dos vínculos profissionais nesse país, e quando o casal também prescindiu da casa que aí habitava, encerrando-se um ciclo de vida de emigração a que se seguiu a radicação em Portugal, que se consolidou gradualmente por ter sido entremeada com presenças em França, agora em casa de familiares, para tratamentos, mas se consumou pois que, finda a assistência clínica, em março de 2007, os Recorrentes "regressaram definitivamente";
VI) O Dec. Lei nº 264/93 apela, na al. a) do nº 5 do seu art. 1º, e no nº 1 do art. 14º, a definições de residência assentes num critério de permanência mínima de 185 dias por ano para evitar, no primeiro caso, que a "admissão temporária" se transforme num expediente para a utilização em Portugal de veículos aqui não matriculados e portanto não tributados e, no segundo, que o benefício da isenção na introdução definitiva no consumo seja concedido a pessoas que adquirem veículos aquando de deslocações ocasionais a outros Estados-membros,
VII) Não para fixar um período estrito de permanência mínima em Portugal subsequente ao cancelamento da residência noutro Estado membro como condição de concessão da isenção do imposto a particulares por ocasião da transferência de residência, regime que visa fim distinto, como é o de possibilitar que as pessoas que deslocam o centro de vida no espaço comunitário não tenham de suportar nova tributação de consumo para os veículos que já se encontrem habitualmente afetos ao seu uso.
VIII) Ao considerar que a permanência em Portugal por um período de 185 dias no ano do cancelamento da residência constituiria uma condição necessária do benefício de isenção do IA na introdução no consumo dos veículos automóveis por ocasião de uma transferência de residência, o Acórdão Recorrido fez portanto incorreta aplicação dessas disposições.
IX) Em concreto, e como pode compreender-se perante a factualidade provada, a introdução no consumo dos veículos com isenção do IA, suportada no cancelamento da residência dos Recorrentes em França em 15/01/2006, foi promovida quando cessaram os vínculos profissionais que por mais de 30 anos os haviam ligado a esse país e quando eles deixaram a habitação de que aí dispunham, a que se seguiu uma radicação em Portugal gradual mas efetiva,
X) Pelo que, contrariamente ao que no Acórdão Recorrido se entendeu, as isenções que a Administração Aduaneira retirou haviam sido concedidas a particulares que transferiam a residência habitual de um Estado-membro da Comunidade para Portugal, por ocasião e por causa dessa transferência, em conformidade com o exigido pelo art. 12° do Dec. Lei nº 264/93;
XI) Preenchidas que estão também as demais condições de acesso aos benefícios, devem os mesmos manter-se, anulando-se as decisões que a Administração Aduaneira proferiu em contrário e o Acórdão Recorrido que as confirmou, de modo a possibilitar-se que os Recorrentes, no único regresso a Portugal após um ciclo de emigração de mais de três décadas, não suportem encargos fiscais na introdução no consumo dos seus veículos, assim se fazendo Justiça!
Termos em que deve o douto Acórdão Recorrido ser anulado e, na procedência da Ação em que foi proferido, serem anulados os dois impugnados Despachos de 13/12/2006 do Exmo. Sr. Diretor da Alfândega do Freixieiro, e os de 07/03/2007 e de 21/03/2007 do Exmo. Senhor Subdiretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que decidiram no sentido de que os Recorrentes não teriam direito às inicialmente concedidas isenções de IA na introdução no consumo dos veículos automóveis com as matrículas francesas XXXX XX XX e XXX XXX XX, declarando-se o direito dos AA. à isenção de Imposto automóvel na admissão definitiva em Portugal desses veículos, e condenando-se a Administração a assim o reconhecer, com todas as legais consequências.”
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O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (DIRECÇÃO- GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO terminou as suas contra-alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A) A ER dá por assente a matéria de facto ínsita no Douto Acórdão do TAFP, e a respetiva subsunção normativa, a qual faz correta valoração da matéria de facto e do direito aplicável.
B) A questão controvertida funda-se no âmbito da isenção do IA por ocasião da transferência definitiva de residência de um Estado membro para Portugal, ínsita no art. 12° e seguintes do D.L n.° 264/93, de 30 de julho cujo pressuposto é a transferência da residência habitual de França para Portugal.
C) Salvo o devido respeito, são as próprias alegações de recurso que mais uma vez alicerçam a douta decisão do TAFP;
D) Ao considerarem os RR., que período de permanência em Território Nacional em 2006 (declaração formal de transferência de residência - 01 /2006) foi intermitente (apurando-se no probatório um período máximo de 173 dias de permanência em Portugal), concluindo os RR., que o regresso definitivo a Portugal ocorreu em março de 2007.
E) Por conseguinte não está em causa que os RR., tenham residido em França, nem tão pouco o modo de vida aí estabelecido ou, que tenham vindo a Portugal em 12/2005 para se instalarem e tivessem trazido os veículos e, solicitado o BI;
F) Mas sim o facto de não se mostrar verificado o pressuposto da transferência de residência habitual pelas razões de Direito aduzidas de forma fundamentada no douto acórdão.
G) O direito à segurança social dos RR., no país de proveniência corrobora da existência de vínculos pessoais/administrativos inerentes à residência habitual;
H) Ao que acresce o desenvolvimento de hábitos de vida familiares, económicos, sociais, administrativos, de assistência médica, vínculos profissionais e passagem à reforma;
I) Sendo de notar que os RR., mantiveram autorização de residência válida em França até 2009 no caso do R. e, até 2010 no caso da R.
J) A alegação dos RR., de que nos seis meses anteriores residiram em casa de uma filha, não afasta que tivessem mantido a residência habitual (real e efetiva) em França;
K) Aliás, é usual em termos das regras de experiência comum em matéria de análise de benefícios fiscais por ocasião da transferência de residência, os emigrantes de longa duração, no último período de permanência no pais de proveniência residirem em casa de familiares, sem que tal facto, como é bom de ver, invalide ou afaste o direito à isenção;
L) Acontece, porém, que não se verifica "in casu”, os pressupostos da isenção, atinente à transferência de residência habitual para território nacional dos RR., não traduzindo a declaração de transferência de residência constante do atestado formal emitido pela Entidade Consular em 07.02.2006, a realidade material que lhe está subjacente, e que o mesmo visa atestar.
M) A ER adere "in totum” e dá por integralmente reproduzida a fundamentação de facto e de direito vertida no Acórdão do Tribunal “a quo”, pugnando, pela manutenção na Ordem Jurídica do Douto Acórdão proferido pelo TAFP.
Termos em que, com o Mui Douto Suprimento de V. Excelências:
• Deverá ser negado provimento ao recurso intentado e, em consequência ser mantido na Ordem Jurídica o Douto Acórdão proferido pelo TAFP, o qual em face da matéria de facto coligida, fez correta aplicação do Direito, ao julgar totalmente improcedente a AAE, com a consequente absolvição da ER e manutenção dos despachos impugnados;
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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O Digno Procurador Geral-Adjunto junto deste Tribunal teve vista nos autos.

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Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Cumpre apreciar e decidir se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que os Recorrentes não transferiram a residência habitual para Portugal.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, ipsis verbis:
“Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado: - -
A) Os autores são ambos naturais do concelho de Lousada e são casados entre si (fls. 135 e 136]. - -
B) O autor e a autora entraram em França, respetivamente, em janeiro e agosto de 1972 e cancelaram a sua residência nesse país em 15/1/2006, tendo residido nos últimos seis meses em 2, Rue (…), França (fls. 4 e 54 ao primeiro apenso). - -
C) O autor tem a autorização de residência em França n.° 0002758152, válida até 19/1/2009 (fls. 4 do primeiro apenso). - -
D) A autora tem a autorização de residência em França n.° 6900005991, válida até 8/2/2010 (fls. 54 do primeiro apenso). - -
E) Ultimamente a autora era doméstica. - -
F) O autor encerrou a atividade da sua empresa em França em 27/8/2005, que foi definitivamente cancelada em 3/11 /2005 (fls. 82 a 85). - -
G) E reformou-se em 1/9/2005 (fls. 86 a 91). - -
H) Em 22/12/2005 os autores vieram a Portugal, para se instalarem no concelho de Lousada de onde eram naturais (fls. 31). - -
I) Trouxeram nessa altura para Portugal os automóveis ligeiros de passageiros da marca Mercedes, com as matriculas francesas XXXX XX XX e XXX XXX XX, que estavam afetos ao seu uso em França, o primeiro registado a favor do autor desde 9/4/1999, e o segundo a favor da autora desde 28/4/2005 (primeiro apenso). - -
J) Estando ambos legalmente habilitados a conduzir esses veículos, pretenderam admiti-los e matriculá-los definitivamente em Portugal, para passarem a aqui utilizá-los, com isenção do Imposto Automóvel (primeiro apenso). - -
K) Os pedidos de isenção do respetivo Imposto Automóvel foram deferidos pelos despachos de 22/5/2006 e 23/5/2006 (fls. 1 e 51 do primeiro processo apenso) - -
L) Pelos despachos de fls. 37 e 90 do primeiro processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram revogados os despachos de 22/5/2006 e 23/5/2006, de deferimento do benefício fiscal de isenção do respetivo Imposto Automóvel. - -
M) Pelas decisões dos recursos hierárquicos constantes dos despachos de fls. 35 a 38 e 83 a 86 do segundo processo apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi confirmada a decisão de revogação dos despachos de 22/5/2006 e 23/5/2006 de deferimento de isenção do respetivo Imposto Automóvel. - -
N) Em 23/12/2005 os autores solicitaram a emissão dos respetivos bilhetes de identidade português (primeiro apenso). - -
O) Em janeiro de 2006 os autores deslocaram-se a França e aí permaneceram, pelo menos, desde 23/1/2006 até 21/4/2006 (fls. 92).
P) Os autores vieram a Portugal no fim de abril e regressaram a França em, pelo menos, 9 maio de 2006 (fls. 6). - -
Q) Em 4/7/2006 a autora encontrava-se em França (fls. 6 do segundo processo apenso). - -
R) Em agosto de 2006, os autores estiveram a residir em Portugal (fls. 30).
S) Em 10/9/2006 os autores estavam em França (fls. 3 do segundo processo apenso). - -
T) Os autores permaneceram em França até finais de dezembro de 2006 (fls. 3 e seguintes do segundo processo apenso). - -
U) Os autores reconhecem que em 2006 permaneceram em Portugal de forma intermitente (fls. 9). - -
V) Em janeiro de 2007 voltaram para França e regressaram definitivamente a Portugal em março de 2007 (fls. 9, 10 e 31). - -
W) A notificação ao autor da decisão do pedido de isenção foi devolvida pelos CTT à Alfândega do Freixieiro em 29/5/2006, com as anotações «Mudou-se» e «ausente no estrangeiro» (fls. 19 a 21 do primeiro apenso). - -
X) As duas notificações realizadas aos autores para o exercício do direito de audição foram devolvidas à Alfândega do Freixieiro em 22/11/2006 com as anotações «Mudou-se» e «ausente no estrangeiro» em 30/11/2006 com a anotação «Mudou-se» (fls. 31 a 35 e 85 a 89 do primeiro apenso). - -
Y) Em 4/11/2006 a GNR de Lousada informou que o autor deverá vir a Portugal na época do Natal (fls. 60). - -
Z) Em 20/9/2006 a GNR de Lousada informou que a autora deverá vir a Portugal na do Natal (fls. 61). - -
AA) Em 21/10/2006 a Junta de Freguesia de Cernadelo informou que os autores GNR de Lousada informou que os autores no final do ano de 2005 e nos meses de agosto e setembro estiveram a residir em Cernadelo e regressarão definitivamente por altura do Natal (fls. 62). -
BB) A autora foi assistida / consultada por médicos e / ou recebeu tratamentos médicos em França em 23/1/2006, 10 e 21 de abril de 2006, em 9/5/2006, em 10/9/2006, 19/9/2006, 11/10/2006, 28/11/2006, 12/1/2007, de 16/2/2007 a 12/3/2007 (fls. 92 a 107 e 4 a 13 do segundo processo apenso). --
CC) A autora beneficiava da assistência da Segurança Social francesa (fls. 6 e 96). - -
DD) Em 2006 os autores tinham uma filha, genro e netos a viver em França, na 24 Bis, Rue (…) (fls. 4, 28, 30). - -
EE) Nesse ano, os autores enquanto estiveram em França viviam nessa morada (fls. 4, 28 e 30). -
3.1.1 - Motivação. - -
A matéria de facto que o tribunal considerou relevante para a decisão da causa, foi julgada provada com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, identificados à frente de cada um dos factos provados. - -
A restante matéria de facto alegada pelas partes, o tribunal não a julgou provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da questão a decidir ou por constituírem alegações de direito.”

2.2. DE DIREITO
Começamos por anotar que os Recorrentes não questionam a matéria de facto dada por assente e que por isso consideramos estabilizada.
Porém, alegam que ao “… considerar que a permanência em Portugal por um período de 185 dias no ano do cancelamento da residência constituiria uma condição necessária do benefício de isenção do IA na introdução no consumo dos veículos automóveis por ocasião de uma transferência de residência, o Acórdão Recorrido fez, portanto, incorreta aplicação dessas disposições. (…)
Em concreto, e como pode compreender-se perante a factualidade provada, a introdução no consumo dos veículos com isenção do IA, suportada no cancelamento da residência dos Recorrentes em França em 15/01/2006, foi promovida quando cessaram os vínculos profissionais que por mais de 30 anos os haviam ligado a esse país e quando eles deixaram a habitação de que aí dispunham, a que se seguiu uma radicação em Portugal gradual, mas efetiva (…)
Pelo que, contrariamente ao que no Acórdão Recorrido se entendeu, as isenções que a Administração Aduaneira retirou haviam sido concedidas a particulares que transferiam a residência habitual de um Estado-membro da Comunidade para Portugal, por ocasião e por causa dessa transferência, em conformidade com o exigido pelo art. 12° do Dec. Lei nº 264/93; (…)
Preenchidas que estão também as demais condições de acesso aos benefícios, devem os mesmos manter-se, anulando-se as decisões que a Administração Aduaneira proferiu em contrário e o Acórdão Recorrido que as confirmou, de modo a possibilitar-se que os Recorrentes, no único regresso a Portugal após um ciclo de emigração de mais de três décadas, não suportem encargos fiscais na introdução no consumo dos seus veículos, assim se fazendo Justiça!”
Para o Tribunal Recorrido o único fundamento da revogação do beneficio da isenção foi a falta do pressuposto legal da residência habitual dos autores. Pelo que a única questão a decidir é a delimitação do conceito de residência habitual para o Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de julho, e verificar se no caso em apreço os autores transferiram a sua residência habitual para Portugal no ano de 2006.
Vejamos:
O regime de isenção do imposto automóvel concedido por ocasião da transferência da residência habitual de um Estado membro da CE para Portugal e o regime de admissão temporária de veículos matriculados nesses países, foi alvo de evolução legislativa que importa relembrar. Como se refere no acórdão do TCAS, de 11/12/2012, recurso n.º 05810/12, consultável em WWW.dgsi.pt:
“O imposto automóvel (I.A.), criado pelo Dec. Lei 405/87, de 31/12, em substituição do imposto sobre a venda de veículos automóveis (I.V.V.A.), pode considerar-se um tributo sobre o consumo de natureza específica, monofásica e variável em função da cilindrada, incidente, além do mais, sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, novos ou usados (cfr. A. Nuno da Rocha e M. Fernanda Alves, Regime Aduaneiro e Fiscal dos Automóveis, Editora Rei dos Livros, 1993, pág.50 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, I, 1996, pág.259 e seg.; Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.626).
O Dec. Lei 264/93, de 30/7, consagrava o regime de admissão temporária de veículos automóveis ligeiros para uso privado matriculados no espaço comunitário, bem como o regime de isenção fiscal a conceder por ocasião de uma transferência de residência habitual de um residente num Estado membro das C.E. para Portugal. Anteriormente, tal regime jurídico encontrava consagração no Dec. Lei 467/88, de 16/12 (este diploma introduziu no direito interno português o regime relativo às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de outro Estado membro das Comunidades, o qual se encontrava consignado na Diretiva 83/183/CEE, do Conselho, de 28/3/1983). Atualmente, este regime consta da lei 22-A/2007, de 29/6, diploma que aprovou o Código do Imposto Sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação (o artº.13, nº.1, al. i), revogou o Dec. Lei 264/93, de 30/7, diploma que produziu efeitos até 31/12/2007).”
Assim, o regime aplicável ao caso “sub judice” é o previsto no citado Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de julho, atenta a data do pedido de isenção de Imposto Automóvel” [cfr. 02/02/2006 – processos administrativos apensos].
Prevê o artigo 12.º do aludido diploma:
“É concedida a isenção do imposto automóvel na introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respetiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal, nos termos do disposto nos artigos seguintes.”.
Prossegue o citado acórdão de 11/12/2012:
“A norma em causa consagrava um benefício fiscal consubstanciado na isenção de imposto automóvel derivada da introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respetiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.
De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de caráter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr. artº. 2, nº. 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Dec. Lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na ótica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº. 12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr. Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).
É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artº. 9, do C. Civil; artº. 11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T. Fiscal, nº.174, 1996, pág. 363 e seg.).
Especificamente as normas que consagram benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr. artº. 9, do E.B.F.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág. 253 e seg.). (…)
O benefício fiscal em exame é concedido, conforme consta do citado artº.12, do Dec. Lei 264/93, de 30/7, desde que o particular em causa transfira a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.
Desde logo, se dirá que nos encontramos perante um corolário da liberdade de circulação de pessoas consagrada no artº.18, do Tratado C.E., o qual é inerente à qualidade de cidadão europeu (cfr. João Mota de Campos e Outro, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, 2007, Coimbra Editora, pág.554 e seg.).
No que se refere ao conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve o mesmo buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr. artº. 82, do C. Civil; P. Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, vol. I, 3ª. edição, Coimbra Editora, 1982, pág.110; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição atualizada, 1989, Coimbra Editora, pág.258 e seg.).
Igualmente a lei fiscal faz coincidir o conceito de residência habitual com o conceito de domicílio fiscal, no que se refere às pessoas singulares (cfr. artº. 19, nº.1, al. a), da L.G.T.).”
A propósito do conceito de residência em território português o CIRS no artigo 16.º, n.º 1, alínea a), refere que são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados.
Para o Tribunal a quo “o conceito de residência habitual não está definido no referido DL, pelo que a sua delimitação tem de partir do conceito de habitualidade da residência, conceito que pressupõe uma ligação efetiva, estável e com algum grau de permanência ao local onde as pessoas têm a sua vivência, pessoal, familiar, económica, social e profissional”.
A jurisprudência da União Europeia já teve oportunidade de se pronunciar sobre o conceito de residência habitual.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, a propósito do conceito de residência habitual, refere no acórdão da (Quarta Secção) de 27 de abril de 2016, processo C-528/14 (Staatssecretaris van Financiën);
«32 Entendeu ainda o Tribunal de Justiça que, para efeitos de determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa, devem ser tidos em conta todos os elementos de facto pertinentes (v., por analogia, acórdãos Schäflein/Comissão, 284/87, EU:C:1988:414, n.º 10; Ryborg, C-297/89, EU:C:1991:160, n.º 20; Louloudakis, C-262/99, EU:C:2001:407, n.º 55; Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.º 57; e I, C-255/13, EU:C:2014:1291, n.ºs 45 e 46).
33 Nos acórdãos Louloudakis (C-262/99, EU:C:2001:407) e Alevizos (C-392/05, EU:C:2007:251), sobre cuja pertinência o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, no âmbito da sua segunda questão, para efeitos da determinação do lugar da residência habitual na aceção do artigo 3.º do Regulamento n.º 1186/2009, o Tribunal de Justiça indicou, no que respeita ao artigo 7.º , n.º 1, da Diretiva 83/182 e ao artigo 6.º , n.º 1, da Diretiva 83/183, que os elementos de facto pertinentes a ter em consideração para determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa compreendiam, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local de escolaridade efetiva dos filhos, o local de exercício das atividades profissionais, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais (acórdãos Louloudakis, C-262/99, EU:C:2001:407, n.º 55, e Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.º 57).
34 Além disso, o Tribunal de Justiça precisou, nestes acórdãos, que, quando uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais (acórdãos Louloudakis, C-262/99, EU:C:2001:407, n.º 53, e Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.º 61).
35 Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se pergunta, em especial, se esta última consideração, segundo a qual deve ser dada preferência aos vínculos pessoais, é transponível para a interpretação do conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.º do Regulamento n.º 1186/2009, tendo em conta que o Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amsterdão), cujo acórdão constitui o objeto do processo perante este órgão jurisdicional, considerou que, nas circunstâncias em causa no processo principal, devia ser dada preferência aos referidos vínculos pessoais.»

Também o artigo 7.º, n.º 1, da Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade, em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156), conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CEE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 129, a seguir «Diretiva 83/182»), dispõe:
“Para aplicação da presente diretiva, entende-se por ‘residência normal’ o lugar onde uma pessoa vive habitualmente, isto é, durante pelo menos 185 dias por ano civil, em consequência de vínculos pessoais e profissionais ou, no caso de uma pessoa sem vínculos profissionais, em consequência de vínculos pessoais indicativos de relações estreitas entre ela própria e o local onde vive.
Todavia, a residência normal de uma pessoa cujos vínculos profissionais se situem num lugar diferente do lugar onde possui os seus vínculos pessoais e que, por esse facto, viva alternadamente em lugares distintos situados em dois ou mais Estados-Membros, considera-se como estando situada no lugar dos seus vínculos pessoais, desde que aí se desloque regularmente. [...]”
Voltando ao caso dos autos, considerou o Tribunal “a quo” que “… apesar de alegarem a intenção vir a fixar-se em Portugal a partir de dezembro de 2005, verificamos que os autores quando cancelaram a sua residência em França continuaram a ter uma autorização de residência válida nesse país até 19/1/2009 e 8/2/2010 o que evidencia alguma ligação a França.
Além disso, no ano de 2006 os autores passaram a maior parte do ano em França (vide a matéria de facto provada apenas com base nas alegações dos autores e dos documentos juntos por eles), país onde tinham uma autorização de residência, onde tinham família e onde beneficiavam do apoio da Segurança Social francesa.
Todos estes factos revelam uma maior conexão dos autores à residência efetiva em França do que em Portugal. “
Acresce que profissionalmente os autores não tinham qualquer ocupação que os vinculasse mais a um país ou a outro.
No ano de 2006, as relações familiares, sociais e de assistência médica dos autores revelam uma maior conexão e estabilidade com a França do que com Portugal.
De resto, são os próprios autores a reconhecer que nesse ano a sua permanência em Portugal foi intermitente.
Se a isso, somarmos que os autores reconhecem que regressam com estabilidade a Portugal em março de 2007 depois de acabados os tratamentos médicos da autora, o tribunal só pode concluir que foi apenas nessa altura que os autores regressaram definitivamente a Portugal.
Até aí, os autores, apesar de terem a intenção de o fazer, do autor estar reformado desde 1/9/2005 e de terem vindo a Portugal em 22/12/2005 e terem pedido os seus bilhetes de identidade, efetivamente não tiveram residência habitual em Portugal, porquanto não tiveram uma vivência pessoal, familiar, económica, social e profissional estável em Portugal. - -
E não se diga que essa falta de ligação ficou a dever-se à necessidade da autora receber tratamentos médicos em França. Ao invés, esse facto demonstra exatamente um dos fatores da vivência dos autores em França e um dos elementos de conexão a esse país. A autora beneficiava da assistência médica da Segurança Social francesa o que revela mais uma ligação a França. - -
Os autores não tiveram residência efetiva e estável em Portugal, nos anos de 2005 e 2006. - -
Daí que não possa dizer-se que os autores tenham transferido a sua residência habitual para Portugal em 2005 ou 2006.”
Efetivamente, para efeitos de determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses dos Recorrentes, devem ser tidos em conta todos os elementos de facto pertinentes, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais. E se uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais (como resulta do acórdão do TJUE citado).
Ora, considerando:
- O local da habitação (autorizações de residência em França válidas até 19/01/2009 e 08/02/2010), apesar de as terem anteriormente cancelado (em 15/01/2006);
- O local onde residem filha, genro e netos (em França);
- Os vínculos administrativos com as autoridades públicas e organismos sociais (tratamento médico em França);
- Que no ano de 2006 passaram a maior parte do tempo em França;
- Que reconheceram que regressaram definitivamente a Portugal em 2007;
tudo aponta para que o centro permanente de interesses dos Recorrentes no ano de 2006 se situe em França.
Mais se refere no acórdão recorrido que “… considerando apenas os factos alegados pelos autores e os documentos juntos por si, que lhes são mais favoráveis, verificamos que no ano de 2006 eles não passaram em Portugal 185 dias seguidos ou interpolados (no ano de 2006 os autores passaram em Portugal, por exagero, 173 dias interpolados: os autores estavam em França a 23/1 (data em que a autora foi examinada) e al permaneceram (artigos 20° e 26º da petição inicial) até 21/4; vieram a Portugal em finais de abril e regressaram a França em maio onde estiveram desde 9/5 (artigos 23º e 26.º da petição inicial e documento de fls. 4 do segundo processo apenso) até 29/5 (data em que não foram notificados em Portugal); alegaram ter passado os meses junho, julho e agosto em Portugal; em 10/9 os autores estavam em França e aí permaneceram até finais de dezembro de 2006 (na petição inicial alegam no artigo 26.º que estiveram todo o mês de dezembro em Portugal, mas no requerimento do recurso hierárquico a autora alega que esteve até finais do mês de dezembro – fls. 3 do segundo processo apenso). No ano de 2006, os autores estiveram em Portugal: 22 dias de janeiro; 9 dias de abril; 10 dias de maio (8 dias no inicio do mês e dois no fim), 30 dias de junho; 31 dias de julho e agosto; 9 dias de setembro; e 31 dias de dezembro (considerando-se o mês todo, atendendo à divergência entre a alegação dos autores na petição inicial e no recurso hierárquico); que perfazem 173 dias).
Se para efeitos de admissão temporária os autores não poderiam ser considerados residentes, então jamais poderiam ser considerados residentes habituais para efeitos de transferência de residência. Com efeito o conceito de residente habitual é mais exigente que o de residente. Se eles não eram suscetíveis de serem considerados residentes então também não podem ser residentes habituais.
E não se diga que este limite temporal de 185 dias não é determinante, pois o limite temporal exigido no art. 14°, n.° 1, é uma das condições do direito à isenção. - -
Daí que este limite temporal seja determinante como fator de delimitação do conceito de residência habitual para efeito de isenção do imposto automóvel por transferência da residência. - -
No caso dos autos, atendendo que no ano de 2006 os autores não tiveram uma vivência pessoal, familiar, social estável com a sua residência em Portugal e que nesse ano não permaneceram em Portugal por um período igual ou superior a 185 dias seguidos ou interpolados, não pode dizer-se que os autores transferiram a sua residência habitual para Portugal em 22/12/2005 ou em 15/1/2006. »
Os Recorrentes vieram a Portugal em 22/12/2005 e pediram a emissão dos seus bilhetes de identidade e estiveram em Portugal 173 dias e, como reconhecem, regressam com estabilidade a Portugal em março de 2007 depois de acabados os tratamentos médicos da Recorrente.
Como acima referimos, se uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses dos Recorrentes, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais.
Do confronto entre elementos de facto considerados, concluímos como no acórdão recorrido, de que no ano de 2006 os Recorrentes não transferiram a sua residência habitual para Portugal.
*
Invocam, ainda, os Recorrentes que o Acórdão Recorrido ao considerar que a permanência em Portugal por um período de 185 dias no ano do cancelamento da residência constituiria uma condição necessária do benefício de isenção do IA na introdução no consumo dos veículos automóveis por ocasião de uma transferência de residência, fez incorreta aplicação dessas disposições legais.
Vejamos:
Vem referido no acórdão recorrido:
“E não se diga que este limite temporal de 185 dias não é determinante, pois o limite temporal exigido no art. 14°, n.° 1, é uma das condições do direito à isenção.
Daí que este limite temporal seja determinante como fator de delimitação do conceito de residência habitual para efeito de isenção do imposto automóvel por transferência da residência.”
Ora, a residência noutro Estado membro da Comunidade, igual ou superior a 185 dias por ano civil, reporta-se à residência normal, e constitui uma das condições do exercício do direito à isenção, mas também constitui um importante fator a considerar no preenchimento do conceito de residência habitual a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de julho.
De igual modo, também constituem elementos a considerar, por um lado, o artigo 7.º, n.º 1, da Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, quando refere que “para aplicação da presente diretiva, entende-se por ‘residência normal’ o lugar onde uma pessoa vive habitualmente, isto é, durante pelo menos 185 dias por ano civil, em consequência de vínculos pessoais e profissionais ou, no caso de uma pessoa sem vínculos profissionais, em consequência de vínculos pessoais indicativos de relações estreitas entre ela própria e o local onde vive” e, por outro lado, o artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do CIRS quando refere que são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados.
Assim, tal como vem esclarecido no acórdão recorrido, a referência aos 185 dias não é enquanto requisito do direito à isenção, mas como elemento utilizado no sentido de esclarece o alcance da expressão “residência habitual”.
Termos em que improcedem as conclusões do recurso.

Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:
I – O Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de julho, não define o conceito de residência habitual, pelo que a sua delimitação deve buscar-se no direito interno.
II – A residência habitual pressupõe uma ligação efetiva, estável e com algum grau de permanência ao local onde as pessoas têm a sua vivência, pessoal, familiar, económica, social e profissional.
III - Os elementos de facto pertinentes a ter em consideração para determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa compreendem, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local de escolaridade efetiva dos filhos, o local de exercício das atividades profissionais, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais.
IV - E se uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais.
V - Considerando o local da habitação (autorizações de residência em França (válidas até 19/01/2009 e 08/02/2010), apesar de a terem anteriormente cancelado em 15/01/2006 a residência nesse país); o local onde residem filha, genro e netos (em França); os vínculos administrativos com as autoridades públicas e organismos sociais (tratamento médico em França); que no ano de 2006 passaram a maior parte do tempo em França e que reconheceram que regressaram definitivamente a Portugal em 2007, tudo aponta para que o centro permanente de interesses dos Recorrentes no ano de 2006 se situe em França.

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3. DECISÃO:
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
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Custas pelos Recorrentes
*
Porto, 17 de dezembro de 2020.

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira