Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00164/19.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ATO DE EXECUÇÃO; INIMPUGNABILIDADE;
Sumário:I-O despacho administrativo que ordena o cumprimento de uma anterior ordem de demolição de obra ilegal é um ato de execução na medida em que nada inova ou altera a situação definida pela decisão que determinou a demolição, não produzindo efeitos jurídicos externos;

II- Tal ato de execução apenas é impugnável relativamente a invalidades próprias de que eventualmente padeça ou na parte em que exceda a decisão que executa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

1.RELATÓRIO

1.1. E., residente em (...), intentou a presente ação administrativa contra o Município de (...), com vista a impugnar o “despacho da Senhora Diretora Municipal de Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de (...), de 26.10.2018”.

Alega, para o efeito, em síntese, que efetuou uma ampliação nessa propriedade, e que sabe da necessidade de promover a sua legalização, o que pretende efetuar tendo já demonstrado essa intenção.

Que no local já existia uma construção pelo que as obras de ampliação que efetuou são suscetíveis de serem licenciadas, por respeitaram a legalidade urbanística vigente.

Os atos administrativos de execução coerciva de demolição, violam o princípio constitucional da proporcionalidade [artigo 18° n°2 da CRP] e são ilegais, devendo ser mantida a situação existente enquanto se mantiver uma situação de dúvida sobre a possibilidade da legalização [artigo 106º do DL n°555/99 de 16-12], só devendo ser ordenada demolição se não for possível a legalização.

Mais alega que na construção existente no local, habita a sua filha, marido e o filho menor de ambos, e que com a iminência da concretização da ordem de demolição, o jovem casal e o seu filho de 2 anos, vão ficar sem o seu teto e sem sítio para onde viver, além de todo o investimento que efetuaram na ampliação e equipamento da casa.
Que tanto o A. como a sua filha têm consciência da necessidade de legalização das obras que efetuaram e da reposição da legalidade urbanística, apenas não se conformam com o despacho que ordena a demolição por entenderem que as obras realizadas na casa resultam da ampliação de uma construção pré-existente e como tal suscetível de ser licenciada.

A lei não determina a demolição como sanção imediata do indeferimento de licenciamento/legalização de construção já edificada, mas como medida de tutela da legalidade urbanística, pelo que, há que permitir que o requerente possa apresentar alternativas à pretensão de licenciamento formulada, e indeferida, ou que possa propor a realização de alterações ao projeto, do seu enquadramento físico ou legal, ou das suas características, de modo a assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis;

1.2. Regulamente citado, o R. contestou, suscitando a exceção da inimpugnabilidade do ato e da intempestividade da impugnação.

1.3. Em 24 de setembro de 2019, foi proferido despacho saneador- sentença, nos termos dos artigos 87.º-B, n.º 2, 87.º-A, n.º 1, alínea d), e 88.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, todos do CPTA, do qual consta o seguinte segmento decisório;
«Ante o exposto, porque provadas, julgo procedentes as excepções de inimpugnabilidade do acto impugnado e de intempestividade da prática de acto processual, nos moldes atrás explicitados, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alíneas i) e k), do CPTA, e, em consequência, absolvo o R. da presente instância, ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC, “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
Custas a cargo do A. – artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA e 6.º, n.º 1, do RCP.
Registe e notifique.»

1.4. Inconformado com esta decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«I - O recorrente não se conforma com a douta sentença de fls…, que julgou procedentes as exceções de inimpugnabilidade do ato impugnado e de intempestividade d prática de ato processual, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alíneas i) e k), do CPTA, e, em consequência, absolvo o R. da presente instância, ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, e 577.º do CPC, “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
II - O despacho datado de 26.10.2018, não é um mero ato de execução de um ato administrativo anterior, na medida em que é o ato que ordena a demolição da construção e, como tal, o ato que deverá ser objeto de impugnação.
III - É o despacho de 26.10.2018, não o 16.08.2016, que afeta os direitos do Recorrente, sendo que o que releva para efeitos de recurso contencioso é a distinção entre os atos praticados no decurso do procedimento dotados de eficácia externa lesiva própria dos atos de tramitação a que falta o carácter lesivo e fixando-se como critério de recorribilidade a lesão atual e imediata. (Cfr. neste sentido, entre outros os Acs. do STA de 14.JUL.93, 16.FEV.94, 09.FEV.95 e 19.FEV.98, in AD nºs 390/723, 400/384, 409/512 e 444/1531 e deste TCAN de 18.NOV.04, in Rec. nº 00136/04).
IV - Através do ato administrativo datado de 26.10.2018 põe-se em prática um ato administrativo lesivo, dotado de eficácia externa e suscetível de definir uma situação jurídica num caso concreto que inova, vem alterar o “status quo ante” e a produzir um novo efeito jurídico, daí que esse ato seja impugnável.
V - A prevalecer a tese, defendida na decisão recorrida, de que o ato impugnável era o despacho de 16.08.2016, então deveria o Tribunal a quo ter feito aplicação do disposto no art. 88º, nº 2, do CPTA, proferindo despacho de aperfeiçoamento ou absolvendo a Ré da instância sob a ressalva da aplicação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 89º do mesmo diploma.
VI - Considera a Recorrente e resulta demonstrados nos autos – v.g. por documentos juntos à p.i. e ao processo administrativo instrutor – que a Recorrida induziu o A. em erro nas sucessivas comunicações que lhe fez, bem assim, as dificuldades de identificação do ato impugnável (para que também concorreu, para além do comportamento daquela, a jurisprudência dos tribunais administrativos – v.g. do STA e TCA), deveria ser aplicável o prazo de um ano para a propositura da ação previsto no art. 58º, nº 4, do CPTA.
VII – A douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições constantes dos art.ºs 51.º, 58.º, n.º 4, 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 2 e do CPTA.
VIII – Pelo que, deverá a sentença em crise ser substituída por douto Acórdão que a revogue e considere que o despacho datado de 26.10.2018, não é um ato meramente executório de um ato anterior e como tal suscetível de impugnação.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA! »

1.5.O Apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulou as conclusões que se seguem:
«A - O ato impugnado de 26.10.2018 é inimpugnável, por se tratar de mero ato de execução de uma decisão anterior, a qual não foi impugnada no prazo legal;
B - Só poderia ser impugnado se o recorrente lhe imputasse vícios próprios, o que não sucede;
C - O ato de 16.08.2016, que ordenou a demolição sempre se manterá na ordem jurídica, mesmo que o ato de 2018 seja invalidado;
D - O despacho de aperfeiçoamento só é possível quando a irregularidade detetada seja suprível, o que não é o caso;
E - Ainda que o Tribunal convidasse o recorrente a retificar o ato impugnado, indicando o de 2016, certo é que a ação sempre seria improcedente, agora por intempestividade, mesmo aplicando o prazo de um ano, pois o ato lesivo foi notificado em 25.08.2016;
F - Deve manter-se a douta decisão em crise, sendo improcedente o recurso contra ela dirigido.»

1.6.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pela total confirmação da sentença.

1.7. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Nos presentes autos, a questão que a este tribunal cumpre ajuizar, cifra-se em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por nela se ter julgado procedente a exceção da inimpugnabilidade do ato questionado na ação com fundamento na sua consideração como ato de execução de anterior despacho ordenador da demolição das obras realizadas pelo Autor.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

3.1. O Tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos (não objeto de sindicância por parte do Recorrente, que limitou o seu recurso à interpretação e aplicação do direito, como resulta nomeadamente da falta de qualquer referência - e cumprimento - ao ónus de impugnação previsto no art. 640.º, nº 1 do CPC):
«1.º - Sobre a Informação dos serviços do R., de 27/01/2016, foi proferido, na mesma data, pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), despacho de concordância sobre o teor da mesma, que, em resumo, propôs para as construções levadas a cabo pelo ora A. o seguinte: “as construções não são suscetíveis de regularização”; “terá de se dar início aos procedimentos tendentes à reposição da legalidade urbanística”; “ordenar a demolição das referidas construções” (cf. fls. 6.1 a 6.4 do processo administrativo – PA);
2.º - Sobre a Informação dos serviços do R., de 08/04/2016, foi proferido, em 16/08/2016, pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), despacho de concordância sobre o teor da mesma, que, em resumo, propôs para as construções levadas a cabo pelo ora A. o seguinte: “conclui-se que as construções acima identificadas não são suscetíveis de legalização”; “Nestas circunstâncias propõe-se que seja ordenada, no prazo de 180 dias, a demolição das construções descritas…e consequente cessação de utilização” (cf. fls. 17.1 a 17.2 do PA),
3.º - O ora A. foi notificado do despacho supra em 25/08/2016 (cf. fls. 19.1 e 20 do PA);
4.º - Sobre a Informação dos serviços do R., de 15/10/2018, foi proferido, em 24/10/2018, pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), despacho de concordância sobre o teor da mesma, que, em resumo, propôs para as construções levadas a cabo pelo ora A. o seguinte: “propõe-se que o processo seja encaminhado para a Divisão de Fiscalização Urbanística, com vista à execução coerciva da ordem de demolição para a qual deverá ser efetuada a respetiva posse administrativa do imóvel…que deverá ser marcada numa data concreta, decorridos que estejam 90 dias” (cf. fls. 34.1 e 34.2 do PA);
5.º - Os serviços do R. elaboraram o ofício de 26/10/2018, endereçado ao ora A., com o seguinte teor: “Em referência ao assunto acima identificado…comunico que, por despacho…de 16/10/2016…foi ordenada a execução coerciva da demolição das construções…havendo lugar à posse administrativa do imóvel para esse efeito decorrido que esteja o prazo de 90 dias” (cf. fls. 8 do processo físico).»
****
III.B.DO DIREITO
3.1. Do Erro de Julgamento Decorrente da Procedência da Exceção da Inimpugnabilidade do Ato.
3.1.1.O Recorrente não se conforma com a decisão recorrida que julgou o despacho datado de 24.10.2018 questionado na ação, como inimpugnável por se tratar de um ato de execução de anterior decisão administrativa.
Em seu entender o despacho datado de 24.10.2018, não é um mero ato de execução de um ato administrativo anterior, na medida em que é o ato que ordena a demolição da construção e, como tal, o ato que deverá ser objeto de impugnação.
Afirma que é este despacho e não o 16.08.2016, que afeta os seus direitos, sendo através desse ato que se põe em prática um ato administrativo lesivo, dotado de eficácia externa e suscetível de definir uma situação jurídica num caso concreto que inova, que vem alterar o “statu quo ante” e a produzir um novo efeito jurídico, e daí que esse ato seja impugnável.
Ademais, invoca que a prevalecer a tese defendida na decisão recorrida, de que o ato impugnável era o despacho de 16.08.2016, então deveria o Tribunal a quo ter feito aplicação do disposto no art. 88º, nº 2, do CPTA, proferindo despacho de aperfeiçoamento ou absolvendo a Ré da instância sob a ressalva da aplicação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 89º do mesmo diploma.
Mas sem razão.
Vejamos.

3.1.2.A construção jurídica delineada pela 1ª Instância na decisão sob sindicância, para concluir pela verificação da exceção da inimpugnabilidade do ato, é a seguinte:
«Em primeiro lugar, o A. labora num equívoco quando alega que é sua intenção impugnar o “despacho da Senhora Directora Municipal de Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de (...), de 26.10.2018”. É que em 26/10/2018 não foi proferido qualquer despacho sobre a situação concreta do Autor. Explica-se o engano do A. em virtude de confundir o ofício dessa mesma data, assinado pela Directora Municipal de Urbanismo e Ambiente, com um suposto despacho que, pura e simplesmente, não foi proferido em 26/10/2018.
O derradeiro despacho que regula o caso concreto do A. foi emitido em 24/10/2018 e visa tão-só dar execução prática à anterior decisão de demolição, designadamente, através da diligência de posse administrativa do imóvel, cujo fito é o de concretizar no campo material dos factos a decretada medida de tutela da legalidade urbanística.
Mesmo que se considere que o acto impugnado é o já citado despacho de 24/10/2018 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), não podemos deixar de qualificar tal decisão como meramente executória do despacho de 16/08/2016 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...).
O despacho de 16/08/2016 foi aquele que efectivamente regulou e firmou na ordem jurídica a situação concreta das construções erigidas no imóvel, cujos fundamentos inscritos nas informações antecedentes dos serviços do R. consideraram que as obras não eram susceptíveis de legalização e que, por isso, deviam ser objecto de demolição.
O despacho de 24/10/2018 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...) é, assim, um mero acto de execução material do acto exequendo de 16/08/2016.
Pelo disposto no artigo 182.º, n.º 1, do CPA, ao ora A. não está vedado o direito de impugnação contra o acto executivo. Só que o deve fazer apenas por “vícios próprios” desse mesmo acto de execução, coisa que o A. não logrou fazer na sua p.i., porquanto, os vícios que na mesma lança apontam todos para a suposta ilegalidade do próprio acto exequendo.
Aliás, em parte, o acto de execução limita-se a repetir o já determinado no acto exequendo: “a reposição da legalidade urbanística” por intermédio da ordem de “demolição”. Neste capítulo, não se reconhece qualquer carácter inovador ao acto de execução.
O único segmento potencialmente inovador que se identifica no acto de execução incide na circunstância do mesmo anunciar a “posse administrativa do imóvel…que deverá ser marcada numa data concreta, decorridos que estejam 90 dias”.
Acontece, porém, que nem mesmo o segmento supra transcrito foi atacado pelo A. no capítulo dos eventuais “vícios próprios” do acto executivo, visto que, lendo o articulado inicial, os vícios que assaca orbitam todos à volta da própria ordem de demolição enquanto última “ratio”, da possibilidade legalização das obras, da problemática em torno da antiguidade da construção e da cartografia e ainda do princípio da proporcionalidade, o que consubstancia um conjunto de viciação mais adequada à impugnação do acto exequendo, mas não a título de “vícios próprios” do acto executivo.
Em resumo, para além do equívoco do A. quanto ao acto administrativo realmente impugnável, conclui-se que, impugnando o despacho de 24/10/2018 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), é o mesmo meramente executivo de acto exequendo anterior, sem que contra o mesmo tivesse imputado “vícios próprios”.
O acima exposto leva-nos a concluir pela inimpugnabilidade do acto impugnado, excepção dilatória que, assim, é julgada procedente, porque provada, nos termos do previsto no artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA.
Ademais, o alegado no artigo 6.º da contestação evidencia também o levantamento da excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual, na medida em que, se aquilo que o A. pretende é, afinal, impugnar o despacho de 16/08/2016 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), porque aludido no ofício de fls. 8 do processo físico, então, a presente p.i. foi apresentada em juízo muito para além do prazo legal.
Expliquemos melhor.
O despacho de 16/08/2016 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), concordante sobre informação técnica dos serviços do R., decidiu que “as construções…não são susceptíveis de legalização”, ordenando “no prazo de 180 dias, a demolição das construções descritas…e consequente cessação de utilização” (cf. ponto 2.º do probatório).
O ora A. foi notificado do despacho supra em 25/08/2016, conforme resulta do ponto 3.º do probatório, intentando a presente acção somente em 23/01/2019 (cf. fls. 1 e 2 do processo físico).
Resulta à saciedade que o prazo de três meses de impugnação para os actos administrativos anuláveis, a contar da notificação, nos termos conjugados dos artigos artigo 58.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 2, ambos do CPTA, foi largamente ultrapassado no caso vertente, só se podendo concluir que o A., por falta de tempestiva impugnação judicial, deixou o despacho ordenador da demolição consolidar-se na ordem jurídica.
Deste modo, porque provada, também se julga procedente a excepção de intempestividade da apresentação da p.i. em juízo com vista a impugnar o despacho ordenador da demolição, proferido em 16/08/2016 pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...). »

O enquadramento normativo realizado pelo Tribunal de 1.ª instância, bem como as considerações efetuadas, merecem a nossa concordância.

3.1.3. Na verdade, não oferece dúvida alguma que o ato impugnado nos presentes autos é um ato de execução do despacho ordenador da demolição proferido em 16/08/2016 pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...). Aliás, a decisão recorrida cuidou de efetuar um proficiente enquadramento normativo sobre o tema, acompanhando a forma como os tribunais superiores desta jurisdição e a doutrina têm vindo a pronunciar-se sobre a natureza inimpugnável dos atos de execução, a não ser que estejam em causa invalidades próprias desse ato de execução.
3.1.4.De acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) « Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.»
Decorre desta disposição legal, que a impugnabilidade do ato administrativo, depende da sua suscetibilidade para produzir efeitos jurídicos que se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere, ou seja, que tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não. Neste sentido ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, no processo 0140/09, e a vasta doutrina aí citada.
3.1.5. Quanto aos atos de execução, os tribunais superiores têm vindo a entender reiteradamente que os mesmos são inimpugnáveis pois não são verdadeiros atos administrativos exceto se contiverem vícios e/ou ilegalidades próprios.
Veja-se, com inegável pertinência para a situação em análise, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.12.2002, processo 07/02, no qual se sumariou a seguinte jurisprudência:
«I - Os atos de execução não têm, geralmente, uma natural e imanente carga dispositiva e impositiva, não se apresentam com capacidade autónoma para ferir direitos e interesses alheios, nem dispõem de força lesiva própria. A lesão, quando existe, radica no ato exequendo. Por isso, em princípio, são contenciosamente irrecorríveis.
II - O ato da Câmara que determina a «demolição voluntária», sob pena de a fazer coercivamente ela própria a expensas do destinatário da notificação, é decisão desfavorável definitiva, com uma estatuição autoritária sobre o modo de proceder e sobre os efeitos jurídicos a atingir. É, portanto, verdadeiramente um ato administrativo impositivo e definidor da situação jurídica do interessado. III - O ato posterior que determina o despejo e a demolição coerciva pela Câmara à custa do proprietário limita-se a dar execução àquele outro. Como ato de execução, é irrecorrível contenciosamente.»
No mesmo sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se ainda a jurisprudência sumariada nos seguintes acórdãos deste TCAN:
- de 19.06.2015, no processo n.º 02760/10.1BEPRT: «I. Decidida a demolição de obra construída sem licença, os atos ulteriores que determinam a posse administrativa do prédio e a execução coerciva dos trabalhos de demolição, são actos de mera execução, irrecorríveis quando se limitam a desenvolver e concretizar a determinação contida no ato exequendo.»;
- de 08.01.2016, processo n.º 00283/05.0BEMDL: «I. Apenas se admite a impugnabilidade, face ao disposto no artigo 51º, nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dos atos de execução na medida em que padeçam de vícios próprios ou não respeitem os limites impostos pelo ato que visam executar.
II.É inimpugnável o despacho de um Diretor Municipal que se limite a dar a conhecer e a dar cumprimento à deliberação da Câmara Municipal que indeferiu o licenciamento da construção do muro e ordenou a sua demolição»;
- de 20.10.17, processo n.º 00226/14.0BEBRG : «Os atos de execução de atos anteriores não são impugnáveis na medida em que não contenham vícios próprios ou não respeitem os limites impostos pelo ato que visam executar» Cfr. em igual sentido, entre outros, Ac. do TCAN, processo 00200/06.0BEBRG, de 17/01/2008; Ac. do TCAN, processo 01541/08.7BEBRG, de 30/11/2012; Ac. do TCAS, processo 04714/09, de 26/03/2009;.
O próprio CPA é claro no sentido apontado pela jurisprudência, ao dispor no artigo 182.º, n.º1 que « Os executados podem impugnar administrativa e contenciosamente o ato exequendo e, por vícios próprios, a decisão de proceder à execução administrativa ou outros atos administrativos praticados no âmbito do procedimento de execução, assim como requerer a suspensão contenciosa dos respetivos efeitos”.
Mário Aroso de Almeida, Fausto de Quadros e outros, a respeito deste preceito legal advertem que «No que diz respeito à impugnação da decisão de proceder à execução administrativa e dos demais atos administrativos que sejam praticados no âmbito do procedimento de execução, ela, por regra, só pode ter lugar como refere o preceito, por vícios próprios…” . Cfr. Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 2016, pág. 392;
Também no CPTA, no artigo 53º que tem como epígrafe “Impugnação de atos confirmativos e de execução”, prescreve-se no seu n.º3 que «Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador».
Também com interesse quanto aos atos de execução adiantam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha que «Estes poderão consistir em meras operações materiais, que concretizam no plano dos factos a definição da situação jurídica contida no ato executado, ou poderão traduzir-se ainda em atos jurídicos de execução, os quais, se produzirem efeitos inovatórios, no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo ato anterior, e na medida da inovação, são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma (por exemplo, o ato que, na sequência da deliberação camarária que determina a realização de obras de conservação em certo prédio, ordena o despejo sumário dos inquilinos para que as obras possam ter lugar, ou impõe a posse administrativa do prédio para efeito da sua execução coerciva: arts. 89°, 91.° e 92.G do DL n.° 555/99, de 16 de Dezembro (67).
Os atos e operações materiais de execução, ainda que sem efeitos inovatórios, poderão ser objeto de reação contenciosa por motivos de ilegalidade que se prendam com o próprio regime da execução e, em especial, por força da violação das regras constantes do art. 151º do CPA, através de ação administrativa comum (68).» Cfr. in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, anotação 4 ao artigo 53º, pág. 273;
Posto isto, é ponto assente que só são impugnáveis os atos que correspondam a decisões materialmente administrativas de autoridade, com eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento administrativo, mormente lesivo da esfera jurídica do administrado.
No que concerne aos atos de execução, a sua impugnabilidade apenas é admissível na medida em que padeçam de invalidades próprias ou não respeitem os limites impostos pelo ato que visam executar, isto porque, « os atos de execução correspondem àqueles que “no âmbito do mesmo procedimento têm como pressuposto necessário uma definição de situação jurídica contida em anterior ato definitivo”» Sérvulo Correia in Noções de Direito Administrativo, Lisboa, 1981, pág. 282;.
Em suma, trata-se de atos que somente põem em prática um ato administrativo anterior lesivo e dotado de eficácia externa, suscetível de definir uma situação jurídica num caso concreto, nada retirando ou acrescentando a esse ato, não inovando nem alterando o statu quo ante.
No caso, como bem decidido pela 1.ª Instância, o ato impugnado – o despacho de 24.10.2018 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...)-, constitui um ato de mera execução do despacho de 16.08.2016, notificado ao Autor através de ofício datado de 26.10.2018, que determinou que o autor executasse a ordem de demolição
É sem dúvida o despacho de 16.08.2016 do Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...), que decide a demolição das obras edificadas pelo Autor. O ato impugnado não decidiu a demolição. Este limitou-se a dar execução àquele despacho de 16.08.2016, tendo sido praticado em consequência da definição da situação jurídica constante do ato administrativo anterior - despacho de 16/08/2016. Este despacho de 24.10.2018 não teve outros efeitos jurídicos que não fossem a concretização ou desenvolvimento da decisão nele contida.

Logo, é inquestionável que os efeitos lesivos que se projetam na esfera jurídica do Apelante resultam da decisão de 16.08.2016, que não foi impugnada e não do ato impugnado que nada acrescenta àquele primeiro despacho, limitando-se a dar-lhe execução.

Por outro lado, refira-se ainda que não tendo o despacho de 16.08.2016 sido impugnado no prazo legal de três meses, o mesmo já se consolidou no ordenamento jurídico – cfr. artigo 58.º, n.º1, al. b) do CPTA.

Ora, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação do despacho de 16.08.2016 não se impunha ao Tribunal a quo que proferisse despacho de aperfeiçoamento de modo a que a impugnação pudesse prosseguir contra tal ato, como sustenta o Apelante.
Um tal convite por parte do tribunal traduzir-se-ia, aliás, na prática de um ato inútil uma vez que se estaria a convidar o autor à identificação do ato que determinou a demolição, também ele, já não impugnável, embora por diferente motivo- o decurso do prazo legal de impugnação.
Conforme adianta o Réu, na conclusão E) da respetiva contra-alegação « Ainda que o Tribunal convidasse o recorrente a retificar o ato impugnado, indicando o de 2016, certo é que a ação sempre seria improcedente, agora por intempestividade, mesmo aplicando o prazo de um ano, pois o ato lesivo foi notificado em 25.08.2016»

Assim sendo, forçoso é concluir que o despacho em crise não dispõe de aptidão para ser judicialmente sindicado, impondo-se julgar o presente recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado e absolveu o Réu da instância.
****

IV-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pelo Apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
*
Registe e notifique.
*
Porto, 17 de abril de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silva
Alexandra Alendouro