Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00631/14.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; MUNICÍPIO; TRABALHADOR-ESTUDANTE;
SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL (STAL);
FALTAS PARA PRESTAÇÃO DE PROVAS DE AVALIAÇÃO; PAGAMENTO; PRINCÍPIOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», representada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, STAL, instaurou ação administrativa especial contra o Município ..., todos melhor identificados os autos, pedindo a anulação do ato que determinou a retribuição à Representada do Autor de apenas 10 dias de faltas para prestação de provas de avaliação, descontando as demais faltas do salário.
Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada procedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
1. A interpretação da lei tem que ter em conta as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9.°, n.° 1 do CC), sob pena de se sufragarem entendimentos perfeitamente incompreendidos pela comunidade a que se destinam, que neles não se reveem e, assim, os sentem como sumas injustiças perpetradas pelos tribunais.
2. Nesta medida não pode olvidar-se a situação de crise financeira e de emergência que o País vivenciou, determinantemente, entre 2011 e 2016, que conduziu, no que aqui releva, ao aumento do número de horas de trabalho semanal dos trabalhadores em funções públicas, a tremendos cortes salariais na Função Pública, à absoluta restrição à contratação de pessoal na Administração Pública e até a políticas perfeitamente agressivas de desvinculação dos trabalhadores da Função Pública.
3. Estando-se no âmbito da relação sinalagmática trabalho-retribuição (regra ou princípio), a entender-se que as faltas justificadas de trabalhador-estudante têm que ser todas retribuídas, ultrapassa-se o limite do risco comportável pelo princípio constitucional da igualdade e de que para trabalho igual, salário igual, ainda que equilibrados com outros princípios e direitos constitucionais que o reconhecimento do instituto do trabalhador-estudante releva.
4. Assim, a este primeiro passo, exige-se que a lei seja interpretada em conformidade com o princípio jurídico-constitucional da igualdade e o princípio de que a trabalho igual deve corresponder salário igual (arts. 13.° e 59.°, n.° 1, al. a. da CRP) e que se entenda que o n.° 6 do art. 91.° do CT (na versão dada pela Lei n.° 69/2013, de 30/08, ex vi art. 8.°-B do RCTFP, aqui aplicável) estabelece, em especial, para todas as faltas do trabalhador-estudante, um limite geral de faltas justificadas dadas pelo trabalhador-estudante em funções públicas que sejam retribuídas.
5. Ou seja, a sentença recorrida viola as normas legais aplicadas (arts. 91.º, n.°s 1 e 6 do CT) e os princípios jurídico-constitucional da igualdade e de que a trabalho igual deve corresponder salário igual (arts. 13.° e 59.°, n.° 1, al. a. da CRP).
6. Em segundo lugar, a interpretação sufragada pela sentença atenta violentamente contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos ao Estado de Direito democrático (art. 2.° da CRP).
7. Não pode compreender-se e nenhum cidadão Português consegue compreender, como é que um trabalhador pode ter direito a faltar vinte e dois dias em três meses (caso concreto da Trabalhadora dos autos), sendo retribuído, para estudar, quando a área de estudos nada tem a ver com a área funcional e as concretas funções desempenhadas no Serviço, nem o empregador (público) vê forma de poder vir a beneficiar direta ou indiretamente, dessa formação (no caso, a Trabalhadora, Assistente Técnica no Município, frequentou um curso de Solicitadoria).
8. custos do empregador, neste caso, do empregador público, do erário público e os custos sociais e económicos em geral do absentismo ao trabalho por força do estatuto de trabalhador-estudante são incomportável e chocantemente superiores aos benefícios que o empregador e o interesse público daí possa retirar, no atual contexto social do País, e, inclusive, ao beneficio e ao interesse privado do próprio trabalhador-estudante.
9. Deste modo, só uma interpretação da lei que entenda que o limite do n.° 6 do art. 91.º do CT é um regime especial aplicável para todas as faltas do trabalhador-estudante, em geral, é comportável pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ínsitos ao Estado de Direito democrático e à Constituição da República Portuguesa (art 2.°).
10. Ou seja, a sentença recorrida viola as normas legais aplicadas (arts. 91.°, n.°s 1 e 6 do CT) e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade ínsitos ao Estado de Direito democrático e à Constituição da República Portuguesa (art. 2.°), impondo-se a sua revogação.
11. Acresce ao que vimos de expor que a interpretação da lei não pode alhear-se da unidade do sistema jurídico e essa emerge, em primeira linha, da Constituição da República e da hierarquia de valores e princípios ai consagrada - ou seja e também, não pode desconsiderar-se o princípio da unidade da Constituição, não podendo sufragar-se interpretações normativas que criam antinomias, antagonismos ou invertem mesmo os valores constitucionais, antes têm que harmonizar-se os princípios jurídicos envolvidos e o sistema constitucional na sua globalidade.
12. Assim, não pode ousar dizer-se que os trabalhadores-estudantes devem ter uma proteção maior do que os trabalhadores que estão doentes, ou, por outras palavras, não podemos admitir, como o faz assistematicamente a sentença, não sopesando a força dos valores e a hierarquia de princípios e direitos fundamentais plasmada na Constituição da República, que o direito à educação e ao ensino goza de uma proteção maior que o direito à saúde.
13. A interpretação gizada é atentatória do princípio da unidade da Constituição na medida em que não diferencia direitos com dignidade ou valor constitucional diverso
(ou diferencia positivamente o direito à educação e ao ensino, face a outros princípios constitucionais estruturantes da República, sem razão legítima), viola a dignidade da pessoa humana enquanto alicerce da República Portuguesa (art. 1.° da CRP), atenta contra os direitos à vida e à integridade física (arts. 24.° e 25.° da CRP, respetivamente, diretamente aplicáveis por força do regime do art. 18.° da CRP), que têm ínsita a proteção a pessoa, tanto mais do trabalhador, em situação de doença.
14. Em suma, exige-se que a lei seja interpretada em conformidade com os arts. 24.° e 25.° da CRP e o principio da unidade da Constituição, e com os arts. 2.° e 4.° da CEDH, entendendo-se que o n.° 6 do art. 91.° do CT estabelece, em especial, para todas as faltas do trabalhador-estudante, um limite geral de faltas justificadas dadas pelo trabalhador-estudante em funções públicas que sejam retribuídas (de dez faltas).
15. Ou seja, a sentença recorrida viola as normas legais aplicadas (arts. 91.°, n.ºs 1 e 6 do CT), os arts. 1.º, 24.° e 25.° da CRP, o princípio da unidade da Constituição, e os arts. 2.° e 4.° da CEDH, devendo ser revogada.
16. A não se entender assim, conforme vimos de expor (isto é, que a lei não pode ter o sentido ou interpretação conforme com a CRP que lhe damos), então não podemos deixar de assacar a inconstitucionalidade, em concreto, da interpretação normativa dos arts. 91.°, n.°s 1 e 6 do CT (versão dada pela Lei n.° 69/2013, de 30/08, ex vi art. 8.°-B do RCTFP), concatenada com os arts. 185.°, n.° 2, ai. c) e 191.°, n.° 1 do RCTFP (aprovado pela Lei 59/2008, de 11/09), efetuada pelo Digno Tribunal a quo, no sentido de que todas as falias justificadas (por motivo de prestação de exame) do trabalhador-estudante em funções públicas são faltas retribuídas,
17. por violação dos princípios da igualdade (art. 13.°) e de que para trabalho igual, salário igual (art. 59.°, n.° 1, al. a.), da razoabilidade e da proporcionalidade (ínsitos ao princípio do Estado de Direito democrático, art. 2.°), da unidade da Constituição e da dignidade da pessoa humana enquanto alicerce da República Portuguesa (art. 1.º da CRP) e dos direitos à vida e à integridade física (arts. 24.° e 25.° da CRP), que têm ínsita a proteção da pessoa, tanto mais do trabalhador, em situação de doença,
18. pelos motivos que expusemos e considerando que, em concreto, a formação frequentada pela Trabalhadora era absolutamente alheia às funções exercidas e, em três meses, a mesma faltou, por estes motivos, um mês inteiro (vinte e dois dias úteis).
19. Impondo-se, assim e sempre, a revogação da sentença recorrida pelo Tribunal ad quem, desaplicando-se, em concreto, a interpretação normativa gizada, por inconstitucional.
Termos em que,
deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida, para todos os efeitos e com todas as legais consequências,
só assim se fazendo,
JUSTIÇA!
O Autor juntou contra-alegações, concluindo:
a) O Legislador Constitucional, nomeadamente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20/9, aditou a alínea f) ao nº 2 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, pelo que passou, segundo a Lei Fundamental, a ser obrigação do Estado promover a protecção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes;
b) As disposições do artigo 91º do Código do Trabalho correspondem à materialização efectuada pela lei ordinária do cumprimento de tal incumbência, sem qualquer violação de outras normas ou princípios constitucionais como os da igualdade, proporcionalidade e razoabilidade, pelas razões que se passam a alinhar;
c) Não há interpretação mais actualista do que aquela que o texto das normas do Código do Trabalho em apreço claramente inculca, na medida em que revela o claro objectivo de promover a formação dos trabalhadores num País em que o atraso na educação, formação e qualificação do mundo do trabalho em relação aos restantes parceiros europeus é muito significativo, num quadro de liberdade de circulação de bens e serviços sobretudo na Zona Euro, o mesmo é dizer de grande competitividade;
d) De onde o regime do trabalhador estudante é o ónus pelo aumento da produtividade em geral, o preço de um investimento tanto do Estado como das empresas privadas;
e) Esta percepção da suma importância do regime do trabalhador estudante levou a que o mesmo legislador que desde 2011, aumentou a carga horária, retirou feriados, diminuiu o número de férias, reduziu a compensação do trabalho suplementar, tenha deixado intocadas as normas do dito regime;
f) Foi precisamente a pensar na igualdade que o legislador criou tal regime do trabalhador estudante, na medida em que quis propiciar aos que, por desigualdade económica, não tiveram acesso à educação, tivessem mais possibilidades, no respeito pela injunção do artigo 43º, nº 1, da CRP que garante a liberdade de aprender e ensinar;
g) O legislador não olvidou a realidade sociológica espelhada no facto de grande parte dos trabalhadores no activo terem um historial de descontos para os regimes de segurança social de mais de quatro décadas, ou seja, que por razões económicas tiveram uma infância e juventude de trabalho e não de formação académica, dos que por razões económicas não usufruíram da liberdade de aprender;
h) Os planos curriculares têm um número de disciplinas ou cadeiras necessariamente equilibrado, caso contrário não haveria professores que chegassem nem despesa com a oferta do ensino que fosse suportável por qualquer instituição e, sendo limitados em número de disciplinas e cadeiras, o legislador encontrou o equilíbrio ideal para responder às necessidades de promoção da igualdade de oportunidades no acesso à educação e de recuperar o atraso social e económico do País, garantindo a competitividade da economia com outras bem mais desenvolvidas em termos de educação e qualificação dos trabalhadores;
i) Para grandes males grandes remédios, daí a especial protecção do regime do trabalhador estudante imposta pela recuperação do atraso económico de Portugal em relação a tais países sobretudo num quadro da livre circulação de bens e pessoas na UE, em particular entre os países da Zona Euro bem como pela necessidade de colmatar a desigualdade por motivos económicos quanto à liberdade de aprender ou de aceder à educação;
j) Neste sentido, no que toca ao direito comparado com a Espanha, França e Itália, não há comparação que resista à diferença entre a produtividade das economias desses países e a produtividade da economia portuguesa, porque a diferença no nível educacional, habilitacional e de qualificação das classes trabalhadoras daqueles países é, essa sim, tremenda ou abissal;
l) No que respeita à comparação com a protecção social na doença desde logo no que toca ao pessoal do regime de protecção social convergente, este recuperar a remuneração, com excepção do subsídio de refeição, a partir do trigésimo dia de baixa por doença e, por outro lado, não se verificam com os trabalhadores estudantes períodos alargados de ausência como sucede por causa da doença;
m) E se é imperativo proteger os trabalhadores na doença, imperativo é proporcionar a possibilidade de acederem à formação académica como os demais cidadãos;
n) Pelo que o douto aresto recorrido não faz uma interpretação dos preceitos do artigo 910 do Código do Trabalho em desconformidade com qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente da razoabilidade, proporcionalidade igualdade, em suma das normas e princípios com sede nos artigos 2º, 13º, 24º, 25º, e 59º, nº 1, alínea a), da CRP;
o) Não é pelas razões atrás aduzidas nenhum segmento das normas do artigo 91º do Código do Trabalho que viole as mesmas normas e os mesmos princípios constitucionais, com sede nos artigos 2º, 13º, 24º, 25º, e 59º, nº 1, alínea a), da CRP.
Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se o douto aresto recorrido, cumprindo-se desta forma alei e fazendo-se
JUSTIÇA
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. No ano letivo de 2013/2014, a Representada do Autor encontrava-se ao serviço da Entidade Demandada, ao abrigo de um vínculo de exercício de funções públicas (acordo).
2. Em 07.11.2013, a Entidade Demandada autorizou a Representada do Autor a manter o estatuto de trabalhador estudante durante o ano letivo de 2013/2014, uma vez que esta se encontrava a frequentar o segundo ano do Curso de Solicitadoria junto do Instituto Superior ... (cfr. requerimento de fls. 4 do p.a. e despacho de fls. 6, verso, do p.a.).
3. Durante o ano letivo de 2013/2014, a Representada do Autor faltou ao serviço pelo menos nas seguintes datas, para efeitos de realização de provas avaliação das seguintes unidades curriculares:
- 04.11.2013: Direito da Família;
- 11.11.2013: Obrigações I;
- 20.11.2013 e 21.11.2013: Direito das Coisas;
- 26.11.2013 e 27.11.2013 — Processo Civil I;
- 03.12.2013 e 04.12.2013 — Direito e Técnica Fiscal I;
- 11.12.2013 e 12.12.2013 — Direito e Técnica do Trabalho I;
- 13.01.2014 e 14.01.2016 - Direito das Coisas;
- 16.01.2014 e 17.01.2014 — Processo Civil I;
- 20.01.2014 e 21.01.2014 — Obrigações I;
- 23.01.2014 e 24.01.2014 — Direito e Técnica Fiscal I;
- 27.01.2014 e 28.01.2014 — Notariado I;
- 30.01.2014 e 31.01.2014 — Direito da Família.
(cfr. documentos de justificação de faltas de fls. 8 a 19 do p.a.)
4. A Representada do Autor indicou como motivo justificativo das faltas referidas em 3 o estatuto de trabalhador-estudante e apresentou declarações de presença em avaliação emitidas pelo Instituto Superior ... (cfr. documentos de justificação de faltas de fls. 8 a 19 do p.a.).
5. A Entidade Demandada aceitou a justificação das faltas referidas em 4 (cfr. despacho de fls. 7 do p.a.).
6. Em 18.03.2014, foi exarado despacho pelo Presidente da Câmara Municipal ... Demandada, do qual consta, entre outros, o seguinte:
«Tendo dúvidas relativamente a aplicação do n.º 6 do Código de Trabalho, consultei as FAQ da DGAEP e solicitei informação verbal à CCDR-C, tendo estas duas entidades o mesmo
entendimento, que destaco o seguinte:
“O Código do Trabalho não prevê quais os efeitos das faltas para prestação de provas de avaliação, limitando-se a estabelecer que as faltas em causa, quando determinadas pela necessidade de deslocação para os estabelecimentos de ensino com vista à prestação de tais provas, embora justificadas, não são retribuídas para além de 10 (cfr. n.º 6 do artigo 91.º do Código de Trabalho). Daí ter de inferir que as faltas para prestação de provas de avaliação conferem ao trabalhador-estudante o direito à perceção da remuneração, até aquele limite.”
No ano letivo de 2013/2014 a trabalhadora faltou justificadamente para prestação de provas nos dias 4, 11, 20, 21, 26 e 27 de novembro de 2013, 3, 4, 11, 12 de dezembro de 2013 e 13, 14, 16, 17, 20, 21, 23, 24, 27, 28, 30 e 31 de Janeiro de 2014, num total de 22 dias.
Considerando este entendimento, só devem ser retribuídos os 10 primeiros dias de faltas para prestação de provas de avaliação, devendo ser descontados os restantes. (...)»
(cfr. despacho a fls. 7 do p.a.)
7. Em 24.03.2016, a Entidade Demandada emitiu em nome da Representada da Autora recibo de vencimento de que consta um desconto da retribuição equivalente a 12 dias de faltas, no valor de 268,68 EUR (cfr. recibo a fls. 13 dos presentes autos físicos).
DE DIREITO
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
Refere o Recorrente nas suas alegações que actualmente não pode entender-se, como entendeu o aresto recorrido, que existe ou que a lei impõe uma obrigação ao empregador público de retribuir todos os dias de faltas justificadas, motivadas pela prestação de provas em estabelecimento de ensino do trabalhador estudante, sob pena de existindo apenas o limite de quatro faltas por unidade curricular e as dez faltas para efeitos das deslocações necessárias, poderem as faltas retribuídas segundo o regime do trabalhador estudante ascender a dezenas de por ano.
Desde logo se refira que os planos curriculares têm um número de disciplinas ou cadeiras necessariamente equilibrado, caso contrário não haveria professores que chegassem, nem despesa com a oferta do ensino que fosse suportável por qualquer instituição. Ou seja, os limites estabelecidos no Código do Trabalho constituem o ponto de equilíbrio face aos planos curriculares.
Refere o Recorrente nas suas alegações que a interpretação da lei tem de ser actualista.
Ora, não poderá haver interpretação mais actualista do que aquela que o texto das normas do Código do Trabalho em apreço claramente inculca, na medida em que revela o claro objectivo de promover a formação dos trabalhadores num País em que o atraso na educação, formação e qualificação do mundo do trabalho, em relação aos restantes parceiros europeus é muito significativo e em que desigualdade no acesso à educação por razões económicas é uma realidade.
Dir-se-á até que este é o ónus pelo aumento da produtividade em geral. É o preço de um investimento tanto do Estado como das empresas privadas.
E foi esta mesma percepção da importância do regime do trabalhador estudante que levou a que o mesmo legislador que desde 2011, aumentou a carga horária, retirou feriados, diminuiu o número de férias, reduziu a compensação do trabalho suplementar, tenha deixado intocado o regime do trabalhador estudante.
Aduz o Recorrente nas suas alegações que tal regime gera uma situação de injustificada discriminação positiva dos trabalhadores estudantes em relação aos demais, ultrapassando-se o limite de risco comportável pelo princípio constitucional de salário igual para trabalho igual. Também na perspectiva de que as despesas do Estado não podem ou devem recair, despropositada, desproporcionada e injustificadamente sempre sobre os mesmos, aqueles que criam riqueza e que pagam as despesas públicas que nenhuns desses direitos têm, ou usufruem.
Mas foi precisamente a pensar na igualdade que o legislador criou tal regime do trabalhador estudante na medida em que quis propiciar aos que, por desigualdade económica, não tiveram acesso à educação a possibilidade de à mesma acederem.
Então o artigo 43º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa não estatui que é garantida a liberdade de aprender e ensinar?
O legislador não olvidou a realidade sociológica espelhada no facto de, grande parte dos trabalhadores no activo, terem um historial de descontos para os regimes de segurança social de mais de quatro décadas. Isto é, os que por razões económicas tiveram uma infância e juventude de trabalho e não de formação académica. Por outro lado, estudar e trabalhar é sempre uma acumulação de actividades que retiram a liberdade para outras necessidades do ser humano como lazer e outras fruições. O trabalhador estudante dispõe obviamente de menos tempo do que os demais estudantes.
Quanto aos argumentos do Recorrente referentes à razoabilidade ou proporcionalidade, desde logo há que explicar como é que um curso de solicitadoria não habilita mais um assistente técnico ou até qualquer outro trabalhador - “O saber não ocupa lugar” - diz o Povo e nós concordamos.
Valem aqui as razões atrás expendidas, ou seja, de que os planos curriculares são necessariamente limitados em número de disciplinas e cadeiras e, portanto, o legislador encontrou a proporção ideal para adequar o regime do trabalhador estudante promovendo a igualdade de oportunidades no acesso à educação recuperando o atraso social e económico do País.
E quanto aos argumentos de direito comparado, o Recorrente invoca a legislação laboral de, nada mais, nada menos, três potências económicas da União Europeia e também da Zona Euro. Sobretudo do direito da França e Itália dois países que integram o G7, grupo dos sete.
Não há comparação que resista à diferença entre a produtividade das economias desses países e a produtividade da economia portuguesa, porque a diferença no nível educacional, habilitacional e de qualificação das classes trabalhadoras respectivas é, essa sim, tremenda ou abissal - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Precisamente para grandes males grandes remédios, daí o regime do trabalhador estudante para a recuperação do atraso económico de Portugal em relação a tais países, sobretudo num quadro da livre circulação de bens e pessoas na EU em particular entre os países da Zona Euro como é o caso.
No que respeita à comparação com a protecção social na doença, desde logo no que toca ao pessoal do regime de protecção social convergente, recupera a remuneração, com excepção do subsídio de refeição, a partir do trigésimo dia de baixa por doença.
Por outro lado, não se verificam com os trabalhadores estudantes períodos alargados de ausência como sucede por causa da doença.
Não se olvide que de acordo com o disposto no artigo 59º, nº 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, incumbe ao Estado promover a protecção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.
Sublinhe-se que esta alínea f) do nº 2 do artigo 59º foi um preceito aditado pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20/9.
Em suma,
No que concerne aos imputados erros de julgamento na interpretação e aplicação do direito, diremos que constam devidamente discriminadas, na fundamentação jurídica da decisão recorrida, as razões que ditaram o entendimento do Tribunal a quo.
Na verdade, relativamente às questões suscitadas, nesta sede recursiva, revemo-nos, pela sua pertinência e acerto, nas considerações aduzidas, a título de fundamentação jurídica, na sentença recorrida.
Aí se fez uma exegese do preceito legal alegadamente violado, que se nos afigura isenta de qualquer reparo, merecendo, pois, a nossa total concordância.
Nesta conformidade, não vislumbramos que tenha ocorrido, in casu, qualquer erro na interpretação e aplicação dos preceitos legais convocados para a decisão da lide, nomeadamente, na exegese do artigo 91.º, nºs 1 e 6, do Código do Trabalho, alegadamente violado.
O tratamento jurídico das questões suscitadas pelo Réu Município ..., efetuado pelo Tribunal a quo, apresenta-se claro e congruente.
Também não se deteta qualquer afronta aos princípios da igualdade, proporcionalidade e confiança proclamados na CRP e consagrados no CPA.
(Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade»,
in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante).

Do exposto decorre, no que tange ao princípio da igualdade, que o mesmo não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.
Destarte, o princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objetiva e racional.
De resto, como afirma a Doutrina, o princípio da igualdade constitui princípio estruturante do sistema constitucional global, que, na sua dimensão democrática, exige a explícita proibição de discriminações, constituindo a proibição do arbítrio um limite externo da liberdade de conformação dos poderes públicos.
Assim sendo, a esta luz, corroborando o entendimento consagrado na sentença recorrida, diremos que não se vislumbra como e em que medida o tratamento conferido ao caso vertente possa afrontar o referido princípio constitucional.
No que concerne à alegada violação do princípio da proporcionalidade, sem prejuízo do que acima se realçou, dir-se-á que este comete à Administração a obrigação de adequar os seus atos aos fins concretos que se visam atingir, ajustando ao necessário e razoável as limitações impostas aos direitos e interesses de outras entidades.
Assim, este princípio tem subjacente a ideia de limitação do excesso, para que o exercício dos poderes não ultrapasse o indispensável à realização dos objetivos públicos.
O que vale por dizer que as decisões da Administração que interfiram com aqueles direitos dos particulares devem ser adequadas e proporcionadas aos objetivos a realizar, de harmonia com o consagrado nos artigos 266.º, nºs 1 e 2, da CRP, 4.º e 5.º do CPA.
Conforme é, pacífica e univocamente, aceite pela doutrina e pela jurisprudência, o princípio da proporcionalidade assume três vertentes essenciais: (i) a adequação, que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objetivos; (ii) a necessidade, que se traduz na opção pela ação menos gravosa para os interesses dos particulares, ou seja, a menos lesiva dos seus direitos e interesses; e (iii) o equilíbrio, ou proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece a relação entre a ação e o resultado.
Ademais, um tal princípio, verdadeiramente estruturante do princípio do Estado de Direito, constitui um postulado ou norma de atuação a ser observado no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando, assim, como limite interno dessa atividade, não relevando, em consequência, no domínio da atividade vinculada, consistente na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes (cfr., o Acórdão do STA, de 17/12/99, no âmbito do recurso n.º 40313).
Ora, na situação dos autos, constata-se que a decisão tomada pelo Réu/Recorrente se situa num espaço de atuação que é estritamente vinculado.
Termos em que improcede, também nesta parte, a invocada violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas aludidas vertentes.
Em adição, tais considerandos valem, mutatis mutandis, em relação à assacada violação do princípio da confiança ou da boa-fé.
Como é sabido, o artigo 6.º-A do CPA (actual artigo 10º) veio acolher expressamente o princípio da boa-fé, no domínio do direito administrativo, estabelecendo que «no exercício da atividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa-fé», sendo que o respeito pela boa-fé se realiza através da ponderação dos “valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa; b) do objetivo a alcançar com a atuação empreendida”.
Uma das mais importantes concretizações da boa-fé, constante da al. a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é justamente o princípio da proteção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental que impõe que sejam asseguradas as legítimas expectativas criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Postula-se, assim, a proteção dos particulares em relação à atuação administrativa que, objetivamente, incuta uma convicção fundada na sua efetivação.
Todavia, tal proteção não é absoluta, já que pressupõe a verificação de determinados requisitos, a saber, a existência de uma situação de confiança, traduzida na boa-fé subjetiva da pessoa lesada; a ocorrência de elementos objetivos capazes de provocarem uma crença plausível; o desenvolvimento efetivo de atividades jurídicas assentes nessa crença e, outrossim, a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.
Dito de outro modo e voltando ao caso concreto, não se alcança em que medida possam ter sido violados os falados princípios.
Repete-se, os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada por Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra cit., págs. 149 e 150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, pág. 116).
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (Autores e ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.
Ora, no caso vertente, a representada do Autor atuou, obviamente, de boa-fé, porquanto requereu e obteve a justificação das faltas e agiu no pressuposto de que teria direito à retribuição correspondente a todos os dias em que se ausentou, legitimamente, do serviço, por motivos de prestação de provas de avaliação.
Assim sendo, face à concreta situação configurada nos autos, cujos contornos foram, suficiente e corretamente, delineados e tratados na decisão judicial em crise, forçoso é concluir que improcede, também quanto a esta parte, a argumentação aduzida pelo aqui Recorrente Município.
Tudo exposto a sentença que acolheu a versão da Autora não merece reparo, já que fez uma correta apreciação da matéria de facto e de direito, não tendo violado qualquer preceito legal ou constitucional.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 12/01/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita