Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00391/18.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rosário Pais
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO; NULIDADE DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA; DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA; QUADRO 20 DA DECLARAÇÃO PERIÓDICA;
ARTIGO 114.º, N.º 5, ALÍNEA A), DO RGIT
Sumário:I - Para que se mostre cumprido o requisito vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve constar da decisão deve o iter cognitivo e valorativo que a AT percorreu e que conduziu à fixação da coima naquele concreto valor, de modo a que a arguida e o Tribunal consigam perceber quais razões por que se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro.

II - Constatando-se que a coima foi aplicada pelo mínimo legal, uma vez que, na situação concreta, ela não poderia ser inferior, permite-se que a fundamentação que lhe subjaz seja menos desenvolvida.

III - No campo 20 da declaração periódica de IVA (como noutros, que agora não importa identificar), os sujeitos passivos declaram o imposto pago aos seus fornecedores - o imposto a favor do sujeito passivo -, ao qual terão de subtrair o imposto que liquidaram / cobraram aos seus clientes – imposto deduzido -, sendo que a diferença entre estes dois montantes é que corresponde ao imposto a entregar nos cofres do Estado. Temos, então, que a AT errou ao indicar como “deduzido” o imposto mencionado no campo 20, sendo certo que não especifica qual o imposto efetivamente deduzido pela Recorrente.

IV – Uma vez que aquele campo não respeita a qualquer dedução, nem a AT demonstra qual foi o imposto deduzido pela arguida, não se mostra provada a infração a ela imputada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. C., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferia no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 31.03.2020, pela qual foi julgado improcedente o recurso de contraordenação apresentado contra a decisão de aplicação da coima de €45.000,00, por infração ao artigo 19.º, n.º 1 e 2, do CIVA, punida nos termos dos artigos 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

1.2. A Recorrente C., Lda. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso visa obter a revogação da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que não concedeu provimento ao recurso que nos termos do art. 80º do RGIT, a ora recorrente interpôs no sentido de ser revogado a decisão que lhe aplicou a coima de € 45.000,00.
B) Ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, a referida decisão de aplicação de coima é em nosso entender nula, dado que não observa o disposto no art.º 79º do RGIT.
C) Porquanto, a dita decisão: não atende à situação económica e financeira da ora recorrente, visto que nada de concreto menciona a esse respeito, fazendo menção apenas à expressão “Baixa”, e para além do carácter vago e genérico do termo, como? , porquê? e em que medida afecta a aplicação da coima?
D) Para além do carácter vago e genérico do termo, nada indica, também, que permita concluir que a “Frequência da prática” de infracções pela recorrente é “Acidental”!!!
E) Também não indica porquê e como foi apurado o valor de € 45.000,00 correspondente à coima aplicada.
F) Pelo que se entende que deve ser declarada a nulidade da decisão administrativa.
G) Ainda assim, sem prescindir, podemos aferir da factualidade dada por provada, que: a sociedade M. Lda. com NIPC nº (...), emitiu as facturas n.º FT 3/12056 e n.º FT 3/15556, nas quais liquidou indevidamente IVA, o qual foi pago e entregue integralmente pela recorrente; a recorrente entregou/pagou tal montante de IVA, liquidado por terceiros, a estes, ainda que indevidamente.
H) Neste contexto, de boa fé, aquando da apresentação da sua declaração de IVA para o período em questão (2016.06T), a recorrente, declarou, na mesma, as aquisições no âmbito da sua actividade comercial, ou seja, todos os montantes de IVA por si suportados, incluindo o IVA constante das facturas n.º FT 3/12056 e n.º FT 3/15556, designadamente, do montante de que ficou desapossada, o qual indevidamente liquidado, no valor de 189.175,00€.
I) Tendo resultado das análises, efectuadas pela AT, das declarações periódicas de IVA entregues pela recorrente no ano de 2016 a inexistência de divergências entre a base tributável, Efactura, SAFT e o valor declarado para efeitos de IRC.
J) Resulta, ainda, que tal contraordenação, advém do pedido de reembolso realizado no período de 2017.06T no montante de 175.000,00€, o qual foi negado pela AT, em função das correcções operadas por si nesse relatório, que resultaram na anulação da dedução do montante de 189.175,00 € de IVA constante das facturas n.º FT 3/12056 e n.º FT 3/15556.
K) Pelo que, da putativa infração cometida pela recorrente não resulta qualquer prejuízo para o Estado, antes pelo contrário, locupletou-se com o montante de 189.175,00 € referente a IVA indevidamente pago pela recorrente.
L) E não se poderá olvidar, como tem afirmado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (...), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram”.
M) Aliás, a não ser assim, a AT estaria a locupletar-se com um imposto que considera não ser devido, numa clamorosa violação dos princípios por que deve pautar a sua actividade, designadamente os da boa-fé e da justiça. Por outro lado, estaria também a introduzir um desvio inadmissível naquele que é um dos princípios fundamentais do IVA: o direito à dedução do imposto que, como expressão do método subtractivo indirecto, constitui «a trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado» (XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Cadernos Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, pág. 41); bem como estaria a reduzir a letra morta o desígnio de neutralidade prosseguido pelo imposto sobre o valor acrescentado.
N) Pelo que, ao decidir como decidiu, denota-se também, da douta sentença recorrida, ao manter a decisão administrativa de fixação de coima, que perfilhou a clara violação dos princípios do inquisitório, dos deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, cometidos pela AT, de resto, em clara violação do disposto no art.º 55º da LGT, segundo o qual “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.
O) Motivos pelos quais estamos, em última rácio, perante uma decisão de aplicação de coima (partilhada pela douta sentença) no montante de 45.000,00 €, profundamente desproporcional e injusta, porquanto, para além de ficar desapossada do montante de 189.175,00€ (IVA indevidamente liquidado por terceiros), ainda lhe recai uma coima no montante de 45.000,00 €, para pagar, quando daí não retirou qualquer benefício económico.
P) E, quanto muito, o que não se concede, haveria prejuízo para a Fazenda Pública no montante de 14.175,00 €, em face da diferença entre o reembolso peticionado pela recorrente, mas negado pela AT, de 175.000,00 € e o montante de 189.175,00 € indevidamente deduzido pela recorrente (que contudo a recorrente pagou à sociedade M. Lda., e esta, entregou ao Estado).
Q) Ora, para determinar a graduação da coima assumem, neste caso particular, o facto de não se verificar, qualquer prejuízo efectivo para a receita tributária, bem como da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica, tentando, sempre que possível exceder o benefício económico retirado pelo infractor com a prática do ilícito.
R) In casu, o montante da coima a aplicar, estava prévia e tiranamente determinado.
S) Porquanto, desde o início do procedimento o montante para os limites máximo e mínimo de aplicação de coima, foi sempre de 45.000,00 €.
T) Mais, a decisão de aplicação de coima, não fundamenta em que medida, como, porquê determinou tais limites mínimos e máximos de aplicação da coima, bem como não justifica a aplicação de coima nos moldes em que o fez!!!???
U) Ora, claramente, a AT e a douta decisão recorrida violaram o disposto no nº 2 do art.º 114 do RGIT, porquanto, consta do mesmo que “será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido”.
V) Mais, a decisão da AT, abraçada pela douta sentença, em momento algum refere quais os montantes concretos, de imposto, que a recorrente deixou de entregar ao Estado, causando-lhe prejuízo, dessa forma, pela sua dedução indevida.
W) Ora, e se tal poderá ser inócuo para efeitos da verificação da conduta objeto de infracção tributária, nos termos do disposto na al. a) do nº5 do art.º114º do RGIT, já não será inócuo para efeitos de graduação da coima, aliás, será determinante, porquanto no nº2 do art.º114 do RGIT se refere que “será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.”
X) Pelo que, só se poderá concluir, que a douta sentença, sub judice, ao decidir pela improcedência da impugnação nos termos em que a concebeu, antes de mais viola o disposto no art.º 79 do RGIT, tal como faz uma errónea interpretação e aplicação do disposto no nº 114 nº 2 e 5 al. a) do RGIT, bem como do disposto no art.º 19 do CIVA, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da neutralidade fiscal do IVA, constantes, dos artigos 3º, 5º, 6º, 152º e 153º do CPA, 8º, 55º, 58º, 59º, 69º, 69º, 71º e 77º da LGT, bem como 103º e 266º da CRP.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, serem declaradas as nulidades suscitadas e consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue o recurso procedente com todas as legais consequências.»

1.3. O Recorrido Ministério Público não apresentou contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que, no seu douto parecer de pp. 210-215 do sitaf, concluiu que o recurso não merece provimento.

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aplicável ex vi, da alínea b), do artigo 3.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.

Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por força do artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.

No caso, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se ocorre o invocado erro de julgamento na decisão que manteve a decisão de aplicação de coima, quer no que concerne à respetiva nulidade, quer quanto à existência de infração e proporcionalidade da coima aplicada.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com interesse para a decisão do recurso, consideram-se documentalmente provados, os seguintes factos:
1. Em 28.04.2016 a sociedade M. Lda. (Farmácia (...)), NIF (...), emitiu a factura n.º FT 3/12056, no nome da ora Recorrente, na qual consta, além do mais, o seguinte:
(Documento na sentença original)

(Cfr. referida factura, a fls. 9 dos autos);
2. Em 31.05.2016 a mesma sociedade M. Lda. (Farmácia (...)), emitiu a factura n.º FT 3/15556, no nome da ora Recorrente, na qual consta, além do mais, o seguinte:
(Documento na sentença original)

(Cfr. referida factura, a fls. 11 dos autos);
3. Também em 31.05.2016 foram assinados entre a ora Recorrente e a visada sociedade M. Lda. dois contratos, intitulados de “Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada para Fins não Habitacionais com Opção de Compra” e “Contrato de Compra e Venda”, figurando neste último a ora Recorrente na qualidade de “compradora” e a aludida sociedade na qualidade de “vendedora” e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
«1 - A Vendedora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de exploração de farmácia;
2 - A Vendedora é proprietária dos activos melhor descritos no Anexo I ao presente contrato, nos quais se inclui, o Alvará n.º 4791, emitido em 23.02.2005, pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, respeitante a «Farmácia (...)» (...) bem como os contratos de trabalho naquele anexo listados (...) e demais contratos também listados, os quais integram a Farmácia (...);
(...)
4 - A Vendedora está interessada em vender os activos à Compradora e em ceder a posição nos contratos de trabalho e demais contratos listados no Anexo I estando a Compradora interessada em adquirir os Activos e em assumir a posição da Vendedora nos Contratos de Trabalho e demais contratos listados no Anexo I (...);
(...)
6 - Como sinal e princípio de pagamento, a Compradora pagou à Vendedora a importância de EUR 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de IVA à taxa legal aplicável, na data da assinatura do Contrato Promessa;
7 - A Vendedora é ainda a legitima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela Letra A, no rés do chão esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida (...), (...) destinada a comercio ou serviços, com alvará de utilização para todo o prédio n.º 18/2005 (...), na qual se encontra instalada e em exploração a Farmácia;
(...)
Cláusula Segunda
(Compra e Venda)
(...)
2 - Contra o pagamento do Preço, a Vendedora vende e a Compradora compra, os Activos livres de ónus, encargos ou quaisquer responsabilidades.
3 - As Partes acordam expressamente que não serão transmitidos quaisquer outros Activos para alem dos Activos listados no Anexo I ao Contrato definitivo, nem serão transmitidos quaisquer passivos e/ou ónus ou encargos eventualmente incidentes sobre os Activos;
4 - Os Activos são transmitidos no estado em que se encontram (...).
Cláusula Terceira
(Preço)
1 - O preço acordado entre as Partes para a compra e venda dos Activos ascende a EUR 822.500,00 (oitocentos e vinte e dois mil e quinhentos euros) (preço) que respeita ao Alvará, bem como aos elementos que compõem o activo não corrente da Vendedora listados no Anexo I, nos quais não se inclui a Fracção, e será ainda acrescido do valor dos seguintes Activos: (...)
(...)
7 - Ao Preço Final acrescerá, quando aplicável, IVA às taxas legais em vigor para os Activos a transferir.
Cláusula Quarta
(Pagamento)
1 – A Compradora paga à Vendedora na presente data, o montante de € 742.500,00 (setecentos e quarenta e dois mil e quinhentos euros), nos termos do disposto no número 4.1 infra, sendo o remanescente do Preço pago até ao dia 3 de junho de 2016.
(...)
4 – Os montantes referidos nos números anteriores deverão ser pagos pela Compradora à Vendedora mediante cheques bancários nominativos emitidos por instituição financeira admitida ao Sistema de Compensação Interbancária do Banco de Portugal.
4.1. – Na presente data, a Compradora entrega à Vendedora dois cheques bancários nominativos (...) um no montante de € 273.000,00 (duzentos e setenta e três mil euros), para efeitos de emissão pelo Banco (...) do documento de distrate do penhor que incide sobre o Alvará e outro no montante de € 640.275,00 (seiscentos e quarenta mil, duzentos e setenta e cinco euros), dos quais € 469.500,00 (quatrocentos e sessenta e nove mil e quinhentos euros) correspondem à parte do preço final e o remanescente, no montante de € 170.775,00 (cento e setenta mil, setecentos e setenta e cinco euros) a IVA à taxa legal aplicável.
Cláusula Quinta
(Contrato Definitivo de Compra e Venda)
1 – Na presente data e também contra o pagamento do Preço:
a) são transmitidos para a Compradora, que os assume, todos os direitos e obrigações da Vendedora ao abrigo dos Contratos de Trabalho;
b) a Vendedora cede à compradora a sua posição contratual nos contratos descritos no Anexo I ao Contrato definitivo (...);
(...)
Cláusula Sétima
(Contrato de arrendamento)
Com a celebração do contrato definitivo, é simultaneamente celebrado o Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada para Fins Não Habitacionais com Opção de Compra da Fracção (...).
Cláusula Oitava
(Efeitos)
O Contrato Definitivo produz efeitos a 01 de junho de 2016, inclusive.
(...)»
(cfr. visados contratos, anexos ao auto de notícia e presentes a fls. 16 e ss. e 31 e ss. dos autos);
4. Em 04.12.2017, na sequência de procedimento inspectivo tributário, foi levantado auto de notícia pela Inspecção Tributária e Aduaneira afecta à Direcção de Finanças de Coimbra contra a ora Recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção, prevista e punida nos artigos 19.º n.os 1 e 2 do CIVA (dedução indevida de imposto) e 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT (falta de entrega de prestação tributária) (cfr. auto de notícia a fls. 6 e ss. dos autos);
5. O que originou no mesmo dia a instauração contra a ora Recorrente, pelo Serviço de Finanças de Mira, do processo contra-ordenacional autuado sob o n.º 07792017060000015310 (cfr. autuação do visado PCO a fls. 4 dos autos);
6. Após notificação da ora Recorrente para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima, e não tendo sido exercido qualquer um desses direitos, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, no uso de poderes delegados pelo Director de Finanças de Coimbra, proferiu em 11.05.2018 decisão final no referido PCO, na qual consta, além do mais, o seguinte:
«DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
(...)
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: ao quarto dia do mês de Dezembro do ano de dois mil e dezassete, eu, A., Inspetora Tributária, a exercer funções nesta Divisão de Prevenção e Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Coimbra, verifiquei, directa e pessoalmente em resultado do procedimento externo de inspecção com a Ordem de Serviço, 01201701066 ao sujeito passivo C., LDA. com o NIPC: (...), e sede na Av. (…), área do Serviço de Finanças de Mira, com rendimentos sujeitos a IRC, no regime geral e com enquadramento em IVA, no regime normal trimestral pelo exercício da atividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos (CAE 47730), teve o seguinte procedimento, no que respeita ao IVA para o período de 2016.06T: 1. Dedução Indevida do IVA; Na declaração periódica de IVA referente ao período de 2016.06T, no campo 20 IVA dedutível imobilizado, o sujeito passivo deduziu imposto no montante de 189.175,00; A referida dedução foi efetuada com base nas faturas de aquisição n.º 3112056, de 28.04.2016, no valor de 80.000,00 com IVA liquidado de 18.400,00 e fatura n.º 3/15556 de 31.05.2016, no valor de 742.500,00 com IVA liquidado de 170.775,00, num total de 822 500,00 e IVA liquidado de 189.175,00 - documentos que se juntam em anexo 1; As referidas faturas relacionam-se com o contrato de compra e venda de alvará e património em ativos fixos e arrendamento do espaço, documento que se junta em anexo 2.; O contrato em questão é um contrato de compra e venda de ativos, alvará incluído, da farmácia (...), sita em Santa Comba Dão, entre M., Lda, com o NIPC: (...), vendedora e o sujeito passivo em análise, comprador; A operação do contrato em questão na qual foi liquidado IVA - transferência da totalidade do património, (alvará; ativos fixos em equipamento e mercadoria) e em que o adquirente lhe sucede na posição de arrendatário celebrando na mesma data o contrato promessa de arrendamento do espaço para fins comerciais (que consta em anexo ao contrato) para dar continuação ao exercício da atividade de farmácia, por parte do adquirente não é mais que uma cessão a título oneroso de um estabelecimento comercial, de um património ou parte dele, constituindo um ramo de atividade independente, uma vez que o adquirente passou a sujeito passivo de imposto pelo facto da aquisição, continuando a exercer no mesmo local a mesma atividade de farmácia, que de acordo com o nº 4 do artº 3º do Código do IVA, não é considerada transmissão pelo que se encontra fora da sujeição de imposto; Para além disso, a operação descrita, ato voluntário, oneroso que opera a transferência da propriedade do estabelecimento configura uma operação de trespasse, que de acordo com o disposto no nº 4 do artº 3º, aplicável aos trespasses por força do n.º 5 do artº 4º segundo o qual não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando em qualquer dos casos, o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição um sujeito passivo de imposto entre os referidos na al.a) do n.º1 do art º 2º, ou seja, trata-se de uma operação fora da sujeição do imposto; Sendo que foi liquidado o IVA no trespasse, operação fora da sujeição do IVA de acordo com o n.º 4 do artº 3º do CIVA, este afigura-se indevido; E sendo que se trata de uma operação excluída da tributação, o imposto não deveria ter sido mencionado nas faturas, o que tendo sido feito, originou estarmos na presença de documentos que não cumprem as formalidades impostas pelo Código do IVA, pois naquelas não deveria ter sido liquidado o imposto e referida a razão de tal situação atendendo à obrigatoriedade imposta pelo CIVA (não liquidação de imposto para a situação em apreço); Nas referidas faturas não deveria ter sido liquidado imposto e devendo constar o motivo da não liquidação do IVA, conforme o disposto na al. e) do n.º 5 do art.º 36º; O facto de não terem sido cumpridas tais formalidades, em conformidade com a al. a) do n.º 2 do art.º 19º do CIVA, o imposto em causa no valor de 189.175,00 não é dedutível; 2.Anexos; Os referidos anexos 1 e 2 juntam-se ao presente auto; 3.Penalização; A dedução indevida de IVA está prevista e é punível nos termos do artigo 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra – ordenação(ões).
1Normas InfringidasNormas PunitivasPeríodoDataCoima
ArtigoArtigoTributaçãoInfracçãoFixada
1Art.º 19º nºs 1 e 2 (T) CIVA – Dedução indevida de impostoArtº 114 nº 2 e n.º 5 al. a) e 26.º nº 4 RGIT – Falta de entrega da prestação tributária201606t2016-08-1545.000,00
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contraordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos/Contribuinte(s)
1 513604677
Actos de OcultaçãoNão
Benefício Económico0,00
Frequência da práticaAcidental
NegligênciaSimples
Obrigação de não cometer infracçãoNão
Situação Económica e FinanceiraBaixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção> 6 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 45.000,00 cominada no(s) Art(s)º Artº 114 nº2 e 26 nº 4 RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec. Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com benefício de redução no prazo de 15 dias (78º/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de “Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).
(...)» (cfr. ofício n.º 246 de 23.03.2018 e respectivo aviso de recepção, a fls. 51-53 dos autos e decisão a fls. 55 dos autos);
7. Em 21.05.2018 foi enviado para o domicílio fiscal da ora Recorrente, por correio postal registado com aviso de recepção e aí recebido no dia 23 do mesmo mês, ofício do Serviço de Finanças de Mira, tendente à notificação da decisão referida no ponto anterior, possuindo o aludido ofício o seguinte teor:
«1 - Fica notificado, de acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente notificação, efectuar o pagamento da coima aplicada no processo supra referido por despacho de 2018-05-11 do Director da Direcção Finanças, que se anexa, no montante de 45.000,00 euros, e das custas processuais no valor de 76,50 euros ou, querendo, recorrer judicialmente contra tal decisão, conforme previsto no art.º 80.º do mesmo regime legal, vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus (a sanção aplicada não será agravada salvo se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível);
2 - Mais fica notificado de que se efectuar o pagamento voluntário da colma no decurso do prazo de 15 (quinze) dias a contar da presente notificação, beneficia da redução para 75% do montante mencionado no ponto anterior, conforme previsto no n.º 2 do art.º 78.º do RGIT, não podendo no entanto o valor da coima a pagar ser inferior ao montante mínimo legal respectivo, acrescido do valor das custas processuais acima indicadas. Porém, o pagamento voluntário da coima não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei e se, até à decisão, não tiver regularizado a situação tributária perde o direito à redução e o processo prossegue para cobrança da parte da coima reduzida, conforme previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 78.º do RGIT.
3 - Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efectuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais referidas no ponto 1, mediante processo de execução fiscal, conforme previsto no artigo 65.º do RGIT.
4 - Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na Internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço http://www.portaldasflnancas.gov.pt ou no serviço de finanças instrutor do processo.» (cfr. ofício n.º 43 e respectivos talão de aceitação de correio postal registado e AR, a fls. 56-58 dos autos);
8. Em 28.05.2018 foram enviadas à Direcção de Finanças de Coimbra, por correio postal registado, as alegações de recurso que deram origem aos presentes autos (cfr. etiqueta de registo postal aposta no envelope de envio e alegações presentes a fls. 68 e 59 e ss. dos autos, respectivamente).
*
Não há factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão do recurso.
**
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame do processo de contra-ordenação constante dos presentes autos, conforme referido em cada ponto do probatório.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade da decisão de aplicação de coima

A Recorrente começa por imputar erro de julgamento à sentença recorrida, sustentando que a decisão de aplicação de coima em crise padece de nulidade por não atender, de forma concretizada, quer à sua situação económica, mencionando-se apenas na decisão de aplicação de coima que a mesma é “baixa”, quer à frequência da ocorrência da infração, referindo-se somente ser esta “acidental”, para além de não explicar como foi apurado o valor de 45.000,00€ da coima aplicada.

Sobre a questão da nulidade da decisão de aplicação de coima em crise, pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
«A ora Recorrente invocou desde logo a nulidade da decisão recorrida por ser omissa quanto à descrição da factualidade, às normas infringidas, e aos elementos que levaram à determinação da medida concreta da coima. Neste sentido, entende ainda que existe falta de fundamentação da decisão recorrida.

Vejamos.
A falta de requisitos legais da decisão de aplicação da coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, constitui, segundo o disposto no artigo 63.º n.º 1, alínea d) do RGIT, nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal.

Dispõe o visado artigo 79.º, n.º1 do RGIT que a “decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.”.

Muito embora as nulidades previstas no Regime Geral da Infracções Tributárias sejam qualificadas pelo legislador como insupríveis, certo é que as suas consequências variam entre a mera conversão da notícia da infracção em participação (no caso das nulidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT), até à anulação dos termos processuais subsequentes com o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos.

Não obstante, a decisão de aplicação da coima deve conter sempre uma descrição sumária dos factos, de molde a que por essa via se satisfaça o direito de informação do arguido de que, com a conduta praticada, incorreu no preenchimento do tipo contra-ordenacional.

Ora, a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem vindo a entender que a descrição sumária dos factos referida no artigo 79.º, n.º1, al. b) do RGIT não exigirá uma enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conforme é apanágio do processo penal, e atento o previsto quanto às sentenças (cfr. art.º 374.º, n.º 2 do CPP), mas antes um regime de menor solenidade, o que se justifica face à menor gravidade das sanções contra-ordenacionais, sem que os direitos de defesa constitucionalmente consagrados sejam prejudicados (cfr. art.º 32.º, n.º 10 da CRP). Somente se exige que a descrição factual que consta da decisão de aplicação da coima seja suficiente para permitir que o arguido se aperceba dos factos que lhe são imputados e, com base nessa percepção, poder defender-se adequadamente.

Daqui se extrai que a decisão tem de conter uma enunciação dos factos sumária e a indicação das normas violadas, ou seja, a referência a todos os elementos que conduziram à condenação, não bastando a simples remissão para qualquer outra peça processual, mesmo tratando-se, por exemplo, do auto de notícia2. Por outras palavras, não será suficiente face à letra da lei qualquer decisão de aplicação da coima que apenas contenha uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico. Logo, a contrario, as exigências legais previstas no artigo 79.º, n.º 1, al. b) do RGIT ficam preenchidas quando a decisão contenha fundamentação que se demonstre como suficiente para que o arguido possa realizar o exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
2 Vide, exemplificativamente, a este propósito, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2006, Proc. 0449/05, disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os arestos citados na presente decisão.

Como referem LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, os requisitos a que deve obedecer a decisão que aplica a coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, e de entre eles, os que impõem a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, visam «assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão»3.
3 In Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pg. 517.

Vejamos pois, se a decisão recorrida satisfaz ou não os visados requisitos legais.

A decisão em causa está consubstanciada em documento de formato estandardizado retirado do Sistema Informático de Contra-Ordenações da ATA, vulgarmente denominado de “SCO” (cfr. factor provado sob o ponto 6.), podendo ler-se na parte sob a epígrafe «Descrição Sumária dos Factos», o seguinte:
«Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: ao quarto dia do mês de Dezembro do ano de dois mil e dezassete, eu, A., Inspetora Tributária, a exercer funções nesta Divisão de Prevenção e Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Coimbra, verifiquei, directa e pessoalmente em resultado do procedimento externo de inspecção com a Ordem de Serviço, 01201701066 ao sujeito passivo C., LDA, com o NIPC: (...), e sede na Av. (…), área do Serviço de Finanças de Mira, com rendimentos sujeitos a IRC, no regime geral e com enquadramento em IVA, no regime normal trimestral pelo exercício da actividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos (CAE 47730), teve o seguinte procedimento, no que respeita ao IVA para o período de 2016.06T: 1. Dedução Indevida do IVA; Na declaração periódica de IVA referente ao período de 2016.06T, no campo 20 IVA dedutível imobilizado, o sujeito passivo deduziu imposto no montante de 189.175,00; A referida dedução foi efectuada com base nas facturas de aquisição n.º 3112056, de 28.04.2016, no valor de 80.000,00 com IVA liquidado de 18.400,00 e factura n.º 3/15556 de 31.05.2016, no valor de 742.500,00 com IVA liquidado de 170.775,00, num total de 822 500,00 e IVA liquidado de 189.175,00 - documentos que se juntam em anexo 1; As referidas facturas relacionam-se com o contrato de compra e venda de alvará e património em activos fixos e arrendamento do espaço, documento que se junta em anexo 2; O contrato em questão é um contrato de compra e venda de activos, alvará incluído, da farmácia (...), sita em Santa Comba Dão, entre M., Lda., com o NIPC: (...), vendedora e o sujeito passivo em análise, comprador; A operação do contrato em questão na qual foi liquidado IVA - transferência da totalidade do património, (alvará; activos fixos em equipamento e mercadoria) e em que o adquirente lhe sucede na posição de arrendatário celebrando na mesma data o contrato promessa de arrendamento do espaço para fins comerciais (que consta em anexo ao contrato) para dar continuação ao exercício da actividade de farmácia, por parte do adquirente não é mais que uma cessão a título oneroso de um estabelecimento comercial, de um património ou parte dele, constituindo um ramo de actividade independente, uma vez que o adquirente passou a sujeito passivo de imposto pelo facto da aquisição, continuando a exercer no mesmo local a mesma actividade de farmácia, que de acordo com o nº 4 do artº 3º do Código do IVA, não é considerada transmissão pelo que se encontra fora da sujeição de imposto; Para além disso, a operação descrita, ato voluntário, oneroso que opera a transferência da propriedade do estabelecimento configura uma operação de trespasse, que de acordo com o disposto no nº 4 do artº 3º, aplicável aos trespasses por força do n.º 5 do artº 4º segundo o qual não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando em qualquer dos casos, o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição um sujeito passivo de imposto entre os referidos na al.a) do n.º1 do art º 2º, ou seja, trata-se de uma operação fora da sujeição do imposto; Sendo que foi liquidado o IVA no trespasse, operação fora da sujeição do IVA de acordo com o n.º 4 do artº 3º do CIVA, este afigura-se indevido; E sendo que se trata de uma operação excluída da tributação, o imposto não deveria ter sido mencionado nas facturas, o que tendo sido feito, originou estarmos na presença de documentos que não cumprem as formalidades impostas pelo Código do IVA, pois naquelas não deveria ter sido liquidado o imposto e referida a razão de tal situação atendendo à obrigatoriedade imposta pelo CIVA (não liquidação de imposto para a situação em apreço); Nas referidas facturas não deveria ter sido liquidado imposto e devendo constar o motivo da não liquidação do IVA, conforme o disposto na al. e) do n.º 5 do art.º 36º; O facto de não terem sido cumpridas tais formalidades, em conformidade com a al. a) do n.º 2 do art.º 19º do CIVA, o imposto em causa no valor de 189.175,00 não é dedutível; 2.Anexos; Os referidos anexos 1 e 2 juntam-se ao presente auto; 3.Penalização; A dedução indevida de IVA está prevista e é punível nos termos do artigo 114º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), os quais se dão como provados.».

Mais ainda, é indicado um pouco mais à frente, já na parte das normas infringidas e punitivas, respectivamente, «Artº 19º n.ºs 1 e 2 (T) CIVA – Dedução indevida de imposto» e «Artº 114º nº 2 e 5 al. a) e artº 26 nº 4 RGIT – falta de entrega de prestação tributária».

Ora, é esta a factualidade constitutiva da infracção em causa, da qual resulta que, estando-se perante operação não sujeita a IVA e tendo este imposto sido liquidado e mencionado nas facturas que titularam a operação em causa, tais facturas não cumpriram as formalidades legais, não sendo o imposto em causa, no valor de €189.175,00, dedutível, pelo que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até 15.08.2016.

De resto, resulta evidente do teor das alegações do presente recurso que a ora Recorrente demonstrou ter apreendido a factualidade em causa, explicitando junto do Tribunal as razões da sua discordância face à infracção que lhe foi imputada, pelo que nunca se poderia considerar violado o seu direito de defesa.

Pelo que se entende não se verificar qualquer omissão de descrição sumária dos factos constitutivos da imputada infracção.

Quanto aos elementos que contribuíram para a fixação da coima em referência aos legalmente consagrados no artigo 27.º do RGIT, também os mesmos têm de ser obrigatoriamente indicados, pelo que o que se disse quanto aos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT vale igualmente para os previstos na sua alínea c), sob pena do cometimento de nulidade insuprível. Ainda assim, tem-se entendido que quando a decisão administrativa se traduz na aplicação de uma coima mínima, não existirá necessidade de a sua fundamentação ser tão desenvolvida quanto aquela que é exigida para os casos em que a coima aplicada se situa para além daquele montante.

Sobre a exigência de indicação dos elementos que contribuem para a medida da coima, expendeu já o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 20.01.2010, o seguinte:

«Como se sabe, a imposição legal da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima visa dotar o arguido das informações indispensáveis à preparação da sua defesa, constituindo uma concretização do dever constitucional de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos (artigo 268.º, n.º 3, da C.R.P.) e, sobretudo, a consagração da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10, da C.R.P), visando habilitar o arguido a adversar a existência e valoração dos elementos concretamente considerados com vista à contestação e diminuição do montante da coima que lhe foi fixada.
Neste contexto, quando a coima é fixada no limite mínimo abstractamente aplicável ou num valor sensivelmente próximo desse limite, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a falta de indicação dos elementos considerados nessa fixação não é susceptível de causar qualquer prejuízo ao arguido, pois que ele não pode ver diminuído o montante da coima que lhe foi aplicada.
Por conseguinte, e tal como se deixou explicado no acórdão proferido por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em 6/11/2008, no recurso n.º 619/08, «afirmar, em tal situação, a existência de nulidade insanável parece nitidamente desproporcionado relativamente à ratio do preceito. Aí, a omissão de elementos mais relevantes, como a própria descrição do facto imputado, não é sancionada com nulidade, constituindo, antes, mera irregularidade, nos termos dos artigos 118.º, n.º 1, e 123.º do Código de Processo Penal – cfr. aliás, o seu artigo 374. Cfr. Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, p. 73, nota 4. Cfr. acórdão do STA de 22 de Setembro de 1993, recurso n.º 16.098, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 376, p. 227.».
E daí que acompanhemos a posição jurisprudencial que defende que a alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, ao exigir a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, deve ser objecto de uma interpretação restritiva relativamente à sua expressão literal, privilegiando-se, nos apontados termos, o seu elemento racional, pelo que não existirá nulidade se a coima é aplicada no seu limite mínimo ou num valor muito próximo dele - cfr. o citado acórdão do STA e, ainda, os de 12-12-2006, no recurso n.º 1045/06 e de 7-11-2007, no recurso n.º 814/07.»4.
4 Processo n.º 01037/09.

Ora, o artigo 27.º, n.º 1, do RGIT prevê que “a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação”.

Analisando a decisão recorrida, verifica-se que tais elementos constam expressamente da mesma, no campo sob a epígrafe «Medida da Coima» (cfr. facto provado sob o ponto 6.), aí se consignando e considerando todos os elementos previstos no artigo 27.º, n.os 1 e 2 do RGIT: a indicação de que não existiram actos de ocultação ou benefício económico, de que a prática da infracção é acidental e de simples negligência, que o arguido não estava sujeito a obrigação de não cometer a infracção, possuindo uma baixa situação económica e financeira e que haviam decorrido mais de 6 meses sobre a prática da infracção.

De resto, a coima foi fixada no seu mínimo legal.

Razões pelas quais se entende que a decisão de aplicação de coima recorrida não padece de qualquer nulidade.».

Decorre da decisão recorrida (transcrita no ponto 6) dos factos provados) que foi aplicada à Recorrente a coima de € 45.000,00, por infração ao artigo 19.º, n.º 1 e 2 do CIVA, ocorrida em 15.08.2016, punível pelos n.º 2 e 5, alínea b), do artigo 104.º e artigo 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

Igualmente consta daquela decisão que foram considerados os requisitos para a fixação da coima em concreto, elencados no artigo 27.º do RGIT, seguindo-se a prolação de despacho do qual consta o seguinte: “Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima única de € 45.000,00 (…), com respeito pelos limites do Artº 26.º (…)”.

Acresce constatar que, embora sejam expostos, no referido quadro, os elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, bem como a ponderação de cada um desses elementos para a graduação e fixação da coima, efetivamente não está justificado porque razão se entendeu que a situação económica da Recorrente é “baixa” e a frequência da infração é “acidental”.
Para que se mostre cumprido o requisito vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve constar da decisão deve o iter cognitivo e valorativo que a AT percorreu e que conduziu à fixação da coima naquele concreto valor, de modo a que a arguida e o Tribunal consigam perceber quais razões por que se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro.
Mas, verificando-se que a coima foi aplicada pelo mínimo legal, uma vez que, na situação concreta, ela não poderia ser inferior, permite-se que a fundamentação que lhe subjaz seja menos desenvolvida, conforme jurisprudência do STA citada na sentença recorrida.

O artigo 26.º do RGIT reporta-se (em grande parte) a limites máximos e mínimos das coimas aplicáveis a pessoas coletivas, estipulando-se, além do mais, que os limites mínimo e máximo das coimas, previstas nos diferentes tipos legais de contraordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada, e que, em caso de negligência, o valor máximo da coima não pode ultrapassar os €45.000,00.

Nesta conformidade, não residindo qualquer dúvida quanto à natureza de pessoa coletiva da arguida, à referência ao artigo 26.º do RGIT e à indicação expressa dos limites mínimo e máximo da coima de acordo com o que resulta do artigo 114.º, n.º 2, e 26.º do RGIT (elevados ao dobro por se tratar a Recorrida de pessoa coletiva), respeitando os limites determinados por este normativo, é de acolher o entendimento vertido na sentença recorrida, no sentido de que a decisão administrativa em causa contem fundamentação suficiente, não padecendo de qualquer nulidade.

Assim sendo, improcedem as conclusões B) a F) das alegações de recurso.

3.2.2. Da existência da infração imputada à Recorrente

Resulta dos autos que na declaração periódica de IVA referente ao período de 2016.06T - “campo 20 IVA dedutível imobilizado” -, a Recorrente fez constar imposto no montante de €189.175,00, o qual lhe foi liquidado nas faturas n.º FT 3/12056 e FT 3/15556 sendo que, na perspetiva da AT, «Nas referidas faturas não deveria ter sido liquidado imposto e devendo constar o motivo da não liquidação do IVA, conforme o disposto na al. e) do n.º 5 do art.º 36º; O facto de não terem sido cumpridas tais formalidades, em conformidade com a al. a) do n.º 2 do art.º 19º do CIVA, o imposto em causa no valor de 189.175,00 não é dedutível». Consequentemente, a AT considerou que a Recorrente praticou a infração prevista no artigo 19º n.ºs 1 e 2 (T) CIVA – Dedução indevida de imposto», punida pelo «Artº 114º nº 2 e 5 al. a) e artº 26 nº 4 RGIT – falta de entrega de prestação tributária».

A sentença recorrida sancionou positivamente este entendimento, com base na seguinte fundamentação:
«Vejamos agora se a ora Recorrente tem razão quanto à ausência de ilícito de natureza contra-ordenacional, decorrente de ter procedido ao pagamento de IVA por referência a contrato que não estava sujeito a tal imposto e, consequentemente, não possuindo o dever, como alega de «entregar, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, (...) ao credor tributário, a prestação tributária deduzida nos termos da lei»

Dispõe o artigo 19.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), com a epígrafe “Direito à dedução”, o seguinte:
“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) O imposto devido pela importação de bens;
c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º;
d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto;
e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º
2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em faturas passadas na forma legal;
b) No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via eletrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa.
c) Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime.
3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
4 - Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.
5 - No caso de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º.
6 - Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.
7 - Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.
8 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.”.

Já a norma punitiva invocada no caso presente, expressa no artigo 114.º do RGIT, com a epígrafe “falta de entrega de prestação tributária”, prevê, entre o mais, o seguinte:
“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.”
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;”.

Assim, tal como resulta do disposto neste normativo, a dedução do imposto liquidado em factura sem observância dos termos legais é punível, para efeitos contra-ordenacionais, como falta de entrega da prestação tributária, considerando-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela e, caso seja imputável a título de negligência, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em causa, sendo tais limites elevados para o dobro sempre que sejam aplicados a uma pessoa colectiva (cfr. art.º 26.º, n.º 4 do RGIT).

Ora, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, “estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (...) as transmissões e prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.

Por sua vez, estabelece o artigo 3.º, n.º 1 do CIVA que “considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”.

Não obstante, não são consideradas transmissões “as cessões a título oneroso ou gratuito de estabelecimento, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º”, como prevê o n.º 4 do artigo 3.º do CIVA. Assim, este normativo consubstancia uma norma de delimitação negativa da incidência do imposto, que abrange as cessões a título definitivo da totalidade de um património, as quais poderão englobar, quer a cedência de elementos corpóreos, quer de incorpóreos. No que respeita a estes últimos elementos, constituindo a cedência de direitos uma prestação de serviços nos termos do CIVA, por força do conceito de "transmissão de bens" previsto no seu artigo 3.º, há que atender ainda ao disposto no n.º 5 do artigo 4.º, o qual determina que “o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º é aplicável, em idênticas condições, às prestações de serviços”.

Logo, as referidas disposições legais prevêem um regime excepcional dentro da mecânica do IVA, justificado por medidas de simplificação em operações de reorganização empresarial, pois evita-se a sobrecarga «da tesouraria do beneficiário através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, recuperará posteriormente mediante a dedução do IVA pago a montante»5.
5 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 27.11.2003, proferido no processo n.º C-497/01, ECLI:EU:C:2003:644, disponível em http://curia.europa.eu/juris, tal como os demais arestos do TJUE citados na presente decisão.

Todavia, para que uma operação seja enquadrável nos referidos n.º 4 do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 4.º, ambos do CIVA e, em consequência, se encontre excluída da incidência do imposto, torna-se necessária a verificação cumulativa de vários pressupostos:
1. O adquirente deve continuar a actividade do cedente;
2. O objecto da transmissão deve ser um conjunto de activos susceptíveis de permitir o prosseguimento de uma actividade económica;
3. O beneficiário deve ter a intenção de explorar esse estabelecimento ou parte de património e não simplesmente liquidar a actividade ou vender os stocks;
4. O beneficiário deve ser sujeito passivo não isento ou, sendo misto, deve proceder a regularização conjunta do seu método de dedução.

Paralelamente, como uma das principais características do imposto, existe no IVA a faculdade que o sujeito passivo tem, de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou, o imposto que lhe foi liquidado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os ”outputs”) e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os “inputs”), no mesmo período de tempo6.
6 Neste sentido MÁRIO ALBERTO ALEXANDRE, “Imposto sobre o valor acrescentado, Exclusões e limitações do direito à deduçãoin Ciência e Técnica Fiscal, n.º 350, Abr/Jun, 1988, pgs. 29 e ss..

Todavia, o exercício de tal direito não é um direito livre ou incondicionado, antes dependendo da verificação de determinados requisitos de ordem subjectiva e objectiva.

Quanto aos primeiros, existe a condição de o adquirente ser ele próprio um sujeito passivo de imposto, actuando como tal, isto é, tem de adquirir os bens e serviços para os utilizar efectivamente na sua actividade, sendo essencial, portanto a «existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares»7.
7 Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 06.09.2012, proferido no processo C-496/11, Acórdão do TJUE “Portugal Telecom SGPS”, ECLI:EU:C:2012:557.

Já no plano objectivo, devem estar verificadas três condições: o imposto suportado deve constar de factura passada na forma legal (cfr. artigo 36.º, n.º 5, do CIVA), deve tratar-se de IVA devido ou pago em Portugal, e não podem estar causa aquisições excluídas do direito à dedução nos termos do artigo 21.º do Código do IVA.

No mesmo sentido, decorre dos artigos 168.º e 169.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado), que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas ou isentas que concedam tal direito. Por sua vez, o imposto suportado em “inputs” destinados à realização de operações não sujeitas não é susceptível de vir a ser deduzido, salvaguardando-se, contudo, as operações localizadas no estrangeiro (não sujeitas no território nacional), mas que seriam tributáveis concedendo direito a dedução se localizadas no território nacional.

Concluindo «...só existe direito a deduzir o imposto que tenha sido suportado para a realização de operações sujeitas a IVA. Se (os serviços) respeitam a operações não sujeitas — por não estarem abrangidas pelas normas de incidência, por se tratar (...) de operações fora de campo da aplicação do tributo — não há direito à dedução»8.
8 XAVIER DE BASTO / MARIA ODETE OLIVEIRA, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA” in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano I, N.º 1, Primavera 2008, IDEFF - Instituto de Direto Económico Financeiro e Fiscal, Almedina, Coimbra, pgs. 35-71.

Ora, no caso dos autos e tal como resulta da decisão recorrida – cujos factos a Recorrente não põe em causa -, a mesma encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal trimestral, pelo exercício da actividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos (CAE 47730).

No âmbito dessa sua actividade a ora Recorrente celebrou um contrato de compra e venda com M., Lda., através do qual adquiriu o Alvará n.º 4791, emitido em 23.02.2005 pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, respeitante à “Farmácia (...)”, e assumiu a posição da vendedora em vários contratos (cfr. facto provado sob o ponto 3.). Para tal, procedeu ao pagamento da importância de €80.000,00 a título de sinal, com IVA liquidado de €18.400,00, e da importância de €742.500,00, com IVA liquidado de €170.775,00 (cfr. factos provados sob os pontos 1., 2. e 3.). Logo, por tal operação, a Recorrente pagou a título de IVA liquidado o montante global de €189.175,00.

Não sendo também controvertido que a ora Recorrente na sua declaração periódica de IVA referente ao 2.º trimestre de 2016, no campo 20 do quadro 6, referente ao IVA dedutível - imobilizado, procedeu à dedução de imposto nesse mesmo montante de €189.175,00, com base nas facturas que foram emitidas em 28.04.2016 e 31.05.2016 por M., Lda., em seu nome (cfr. factos provados sob os pontos 1. e 2.).

Ora, na descrita operação, tendo ocorrido a transferência da totalidade do património, passando a Recorrente a suceder na posição de arrendatária, pela celebração, na mesma data, de contrato promessa de arrendamento do espaço para fins comerciais e por forma a dar continuidade ao exercício da actividade de farmácia, é de concluir que se encontram preenchidos, tal como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira (e cujo enquadramento não foi posto em causa pela Recorrente), os requisitos aludidos no n.º 4 do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 4.º, ambos do CIVA, supra transcritos. Pelo que tal operação encontra-se fora da incidência do imposto.

Note-se que, como referido supra, estes normativos visam aliviar financeiramente as empresas cessionárias de universalidades de bens, ficando desoneradas da obrigação de entregarem aos transmitentes o IVA que lhes seria repercutido através da liquidação, e que acabariam por recuperar, posteriormente, através de uma compensação por via do exercício do direito à dedução ou de um reembolso de IVA.

Efectivamente, se estivesse em causa uma operação sujeita a IVA, dando lugar à obrigação de emitir factura, o transmitente devia liquidar o imposto ao adquirente do bem ou serviço e o adquirente do bem ou serviço, por seu turno, tinha o direito de deduzir o imposto pago. Todavia, não sendo uma operação sujeita a imposto, não devia o transmitente ter liquidado IVA, nem podia o adquirente, in casu, a Recorrente, deduzir o imposto por si pago.

Sendo que constitui jurisprudência constante do TJUE o entendimento de que o exercício do direito a dedução do IVA está limitado apenas aos impostos que sejam efectivamente devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos9, o que não sucede no caso em apreço.
9 Vide a este propósito os Acórdãos do TJUE de 13.12.1989, Genius Holding v Staatssecretaris van Financiën, processo C-342/87, ECLI:EU:C:1989:635, e de 19.09.2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, processo C-454/98, ECLI:EU:C:2000:469.

Sendo assim, e ainda que por mera negligência, a ora Recorrente procedeu à dedução de IVA no valor de €189.175,00, que, apesar de lhe ter sido indevidamente facturado por se referir a uma operação que se encontra excluída da incidência do imposto, não é dedutível por não observância do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 19.º do CIVA, o que constitui, efectivamente uma infracção punível como falta de entrega da prestação tributária, por aplicação do disposto no artigo 114.º, n.os 2 e 5, alínea a) do RGIT.

Razões pelas quais improcedem as alegações de recurso.

Antes de tudo, cumpre salientar que as infrações tributárias estão sujeitas aos princípios da legalidade e da tipicidade e, segundo este, para haver infração tributária, o facto praticado tem de estar descrito em anterior norma publicada – artigo 2.º do RGIT –, daí que a primeira tarefa do aplicador do direito seja averiguar se a conduta descrita pela AT é subsumível à previsão normativa da norma punitiva por ela eleita, in casu, o artigo 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a), do RGIT.

À data dos factos, dispunha este artigo, na parte aqui relevante, do seguinte modo:
«1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
(…)
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais; (…)».

É sabido que os mecanismos de dedução do IVA estão consagrados nos artigos 19.º a 26.º, do CIVA, baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fracionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao IVA liquidado nas suas faturas o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr. F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).

Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtrativo indireto. Indireto porque não implica a determinação do efetivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtrativo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições – daí a reconhecida importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo IVA suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efetuadas a jusante (cfr. F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac. STA -2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04).

No caso que nos ocupa, a conduta descrita pela AT traduz-se na “dedução”, pela Recorrente, de €189.175,00 (indevidamente liquidado nas identificadas faturas), na declaração periódica de 2016.06T.

Porém, em rigor, o que sucedeu foi a menção no campo 20 da declaração periódica do referido imposto suportado pela Recorrente (imposto a favor do sujeito passivo) e não a dedução deste valor. Com efeito, neste campo da declaração (como noutros, que agora não importa identificar), os sujeitos passivos declaram o imposto pago aos seus fornecedores - o imposto a favor do sujeito passivo -, ao qual terão de subtrair o imposto que liquidaram / cobraram aos seus clientes – imposto deduzido -, sendo que a diferença entre estes dois montantes é que corresponde ao imposto a entregar nos cofres do Estado.

Temos, então, que a AT errou ao indicar como “deduzido” o imposto mencionado no campo 20, sendo certo que em parte alguma da decisão de aplicação de coima especifica qual o imposto efetivamente deduzido.

Tendo em conta que a previsão normativa da alínea a), do n.º 5, do artigo 114.º, do RGIT se reporta, in casu, à dedução sem observância dos termos legais, incumbia à AT identificar/demonstrar qual o montante do imposto deduzido o que, como já demonstramos, não fez, pois que se limitou a indicar o montante do imposto mencionado no quadro 20 da declaração periódica de IVA.

Em suma, a conduta descrita que a AT imputa à Recorrente não se mostra provada, pelo que deve aquela ser absolvida da infração pela qual vem punida.

Nesta medida, resta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso, o qual deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e anulando-se a decisão administrativa de aplicação de coima a que os autos se reportam.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, anular a decisão administrativa de aplicação de coima e absolver a Recorrente da infração pela qual vem punida.
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Sem custas.
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Porto, 11 de março de 2021

Maria do Rosário Pais – Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda – 1.º Adjunto
Cristina Nova – 2.ª Adjunta