Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00070/14.4BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/05/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDICIÁRIOS, IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL, REUNIÃO DA COMISSÃO DISTRITAL DE REVISÃO, REGULARIDADE DO SEU FUNCIONAMENTO
ARTIGO 54.º DO CÓDIGO DE IRC.
Sumário:I - O artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, faculta ao contribuinte a opção pela aplicabilidade do regime de reclamação previsto, designadamente, no Código de IRC.

II - Assim, se o contribuinte reclama da fixação do lucro tributável para a Comissão Distrital de Revisão, nos termos do artigo 54.º do Código de IRC, a sua constituição obedece a essa previsão normativa, integrando dois delegados da Fazenda Pública nomeados pelo Ministro das Finanças, um dos quais como presidente, e dois delegados dos contribuintes designados pela associação empresarial que, a nível distrital, represente o sector da actividade económica em que se insere a actividade principal do reclamante.

III - Os membros da Comissão serão convocados por escrito para a reunião com a antecedência mínima de quinze dias, sendo as deliberações da comissão válidas para todos os efeitos, ainda que faltem os delegados representantes dos contribuintes, quer por não comparecerem, quando tenham sido devidamente convocados, quer por não terem sido designados – cfr. artigo 54.º, n.º 5 do Código de IRC.

IV - O n.º 1 do artigo 76.º do Código de Processo Tributário (CPT), vigente à data dos factos tributários, determinava que o processo de liquidação se instaurava com as declarações dos contribuintes.
Essas declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária gozam da presunção de veracidade, de acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro (autorização legislativa do CIRS e CIRC): «a administração fiscal só poderá proceder à fixação dos rendimentos colectáveis quando o contribuinte não apresentar declaração ou quando os rendimentos declarados não corresponderem aos efectivos ou se afastarem dos presumidos na lei»; de igual modo, o artigo 78.º do CPT apontava no mesmo sentido quanto ao valor probatório da escrita.

V - A determinação do rendimento real e efectivo será, pois, em primeira linha, o declarado pelo contribuinte; contudo, como forma de controlar e de evitar a fraude e evasão fiscais, são cometidos à Administração Tributária, através dos serviços da DGCI, um poder/dever de fiscalização: artigos 107.º e 108.º do CIRC e 75.º do CPT.

VI - Nos termos do, então, disposto no artigo 81.º do CPT, a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M.., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 30/06/2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M..., Lda, NIPC (…), com sede em (…), contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1994, no montante de €33.277,35.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1) “O Tribunal a quo decidiu que a AT não logrou provar que os vogais do sujeito passivo haviam sido notificados da data e local da reunião, e consequentemente que a sua omissão integra preterição de formalidade legal, que gera a anulabilidade da deliberação da comissão Distrital de Revisão integradora de vício de forma.
2) O Meritíssimo Juiz do tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, pois aplicou umas normas que não eram aplicáveis (art° 85° e 86° do CPPT) em detrimento da norma que devia ter sido aplicada (a do art° 54° do CIRC, por atuação da norma do n° 1 do art° 5° do DL n° 154/91)
3) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo errou ao aplicar a lei, quanto à composição da comissão de revisão, e quanto ao seu funcionamento, quando considera que se aplica os artigos 85° e 86° do CPT, e não o art° 54° do CIRC, quando existem diferenças quer no plano da composição das duas comissões, quer do seu funcionamento, quer do modo de deliberar, o que é relevante para a sorte do presente processo, definir a comissão que devia intervir.
4) Quando os pedidos de revisão da matéria tributável formulados na vigência do art° 5° do DL n° 154/91 de 23 de abril, quanto a impostos liquidados após a entrada em vigor do CPT, é aplicável o regime de revisão previsto no CPT, sempre que não houver uma opção do contribuinte pelo regime de revisão previsto nos Códigos do IRS, IRC e IVA.
5) O contribuinte, optou expressamente pela reclamação prevista no artigo 54° CIRC, o que despoletou a intervenção da comissão de revisão prevista na referida norma.
6) E, conforme resulta da ata que contém a decisão da referida comissão, os delegados do sujeito passivo foram convocados para a reunião da comissão distrital de revisão por os ofícios que aí são indicados, não tendo os mesmos comparecido.
7) Mostra-se cumprido o processo de constituição da comissão referido no artigo 54° do CIRC, pelo que o seu funcionamento não sofre de violação procedimental apelidada de preterição de formalidade legal.
8) O tribunal a quo julgou incorretamente a matéria de facto, quando deu como não provado, que a AT não juntou aos autos as convocatórias para a reunião da comissão, nem os registos comprovativos do seu envio para os vogais do sujeito passivo.
9) Porém, a factualidade provada e a que consta do procedimento de revisão, permite dar como provado as alegadas convocatórias e o seu envio.
10) Na ata que contém a decisão da referida comissão, consta que os delegados do sujeito passivo foram convocados para a reunião da comissão distrital de revisão por os ofícios que aí são indicados, não tendo os mesmos comparecido.
11) A deliberação da comissão reduzida a ata goza de eficácia jurídica e o que dela consta faz prova plena das deliberações tomadas, só podendo ser infirmado nos apertados termos em que um documento autêntico pode ser questionado (art° 371°, 372°, 393° e 347° do C.C.) que significa que não pode ser ilidida por qualquer outro meio de prova.
12) O valor probatório pleno do documento autêntico respeita aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo.
13) E se nela se diz que se procedeu à convocatória dos delegados nomeados pela associação representativa da atividade da empresa, e eles não compareceram tal facto tem que se dar como provado, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo.
14) Ainda sem conceder, a falta dos documentos em causa, teria como única consequência a promoção da sua junção aos autos pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, nos termos do art° 13° do CPPT, e nunca constituiria preterição de formalidade legal.
15) Ao abrigo dos artºs 114° e art° 13° do CPPT, que consagram o princípio do inquisitório, sempre poderia o Meritíssimo Juiz ordenar a notificação da AT para apresentar as aludidas convocatórias e os registos comprovativos do seu envio.
16) E ainda sem conceder, a FP não se conforma com a decisão de que a AT não logrou provar que os vogais do sujeito passivo haviam sido notificados da data e local da reunião, e consequentemente que a sua omissão integra preterição de formalidade legal.
17) Já que consta do procedimento referente à reclamação da comissão de revisão, a cópia das convocatórias e respetivos registos, enviadas aos delegados do contribuinte designados pela associação empresarial que representava o setor da atividade económica em que se insere a atividade do reclamante.
18) E porque estamos perante uma decisão-surpresa, é admissível que a recorrente apresente com as suas alegações de recurso os referidos documentos, nos termos do artigo 425° do CPC.
19) Assim ao contrário do decidido, a atuação da Administração Fiscal foi conforme à lei, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada, por se demonstrar a validade da deliberação tomada pela comissão de revisão.
20) O Tribunal a quo ao ter entendido o contrário fez uma incorreta apreciação da prova, e violou os artºs 85° e 86° do CPT, art° 54° CIRC, art° 5° do DL n° 154/91 e artºs 371°, 372°, 393° e 347° do C.C.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da sentença, como é de LEI E JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso e determinar a remessa dos autos à primeira instância.
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Tendo por base o recurso interposto pela Fazenda Pública, afigurou-se-nos que poderia este tribunal vir a conceder provimento ao mesmo.
Ora, na eventualidade de assim ser, haverá que fazer apelo ao disposto no artigo 665.º do CPC, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio, se dispuser dos elementos necessários para tal.
Nesta conformidade, tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC.
Ambas silenciaram.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar irregular o funcionamento da Comissão Distrital de Revisão, afectando o direito de participação da impugnante na mesma.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 15889, de 28/09/1995, os serviços de inspecção tributária da Direcção Distrital de Finanças de Aveio procederam a fiscalização externa para ser analisado o reembolso de IVA no valor de 1.962.588$00, solicitado através da declaração Periódica do período 9109T, em resultado do qual foi elaborado em 02.01.1996, o relatório de fiscalização de que se junta cópia de fls. 29/51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e donde, além do mais consta o seguinte:
«(…) I.R.C – EXERCÍCIO DO ANO DE 1994
(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2. Sobre o relatório a que alude o n.º anterior incidiu o seguinte despacho do Sr. Chefe de Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de (…), datado de 02/0/1996: «VISTO» [cfr. fls 29 do autos];
3. Em 21/08/1996, deu entrada na Direcção Distrital de Finanças de …, requerimento da Impugnante, dirigido ao Presidente da Comissão Distrital de Revisão, composto de 2 artigos e donde, além do mais, era requerida a revisão da matéria tributável dos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, tudo como melhor resulta do documento de fls. 17 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. Tendo o requerimento referido em 3. sido remetido à Direcção de Finanças de .. , e ali autuado como procedimento de revisão com o n.º 1.03.14, tudo como melhor resulta de fls. 92/97 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. Em 27/11/1996, pelo ofício n.º 9321, foi a Impugnante notificada da decisão proferida pela Comissão Distrital de Revisão Referida em 4., cfr. doc de que se junta cópia de fls 92/97 dos autos;

6. Com base nas decisões a que aludem os números anteriores foram efectuadas em 16/04/1997, as seguintes liquidações [cfr. docs. Fls. 91 verso e 99 verso e 100 dos autos]:
ImpostoPeríodon.º LiquidaçãoValor(€)Data Limite Pagamento
IRC199483100023945.551,7097-06-02
7 A presente impugnação foi autuada em 15/01/2001 [cfr. fls. 1 dos autos]
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III. 2 Factos Não Provados
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
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III. 3 Motivação

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.”
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2. O Direito

Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação das liquidações de IRC e respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 1994 e, em consequência, anulou o acto de liquidação impugnado.
Com o assim decidido não se conforma a Recorrente por entender que não foram preteridas formalidades legais no procedimento de revisão que afectem a legalidade das liquidações impugnadas.
Previamente à apreciação da questão suscitada, no recurso interposto, haverá que analisar a possibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso.
Dispõe o n.º 1 do art.º 627.º que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)”(destacado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
A conjugação do n.º 1 artigo 640.º e n.º 1 do artigo 662.º do CPC afasta, também, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.
Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do Código de Processo Civil (CPC) “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do citado normativo que “as partes só podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”
Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.
A Recorrente juntou documentos com as respectivas alegações de recurso, uma vez que a sentença recorrida constatou que a AT não tinha juntado aos autos, nem constavam do processo administrativo, os ofícios n.º 8710, n.º 8711 e n.º 8712, nem os registos comprovativos do seu envio para os vogais da impugnante, nem qualquer termo de notificação pessoal. Foi por esta ausência que a decisão recorrida considerou que a AT não provou que os vogais do sujeito passivo haviam sido notificados da data e local da reunião da Comissão de Revisão. Assim, os documentos que agora se juntam com as alegações de recurso da Fazenda Pública são precisamente cópias dos referidos ofícios, que seguiram para os delegados, membros da Comissão Distrital de Revisão, em carta registada com aviso de recepção, incluindo fotocópias dos respectivos registos postais e dos avisos de recepção assinados.
A decisão recorrida nestes autos foi proferida em 30/06/2014, sendo que os documentos juntos com as alegações têm datas anteriores à da sentença, de 1996.
Do confronto de datas resulta que os documentos, cuja junção se peticiona, foram produzidos em data anterior à decisão proferida nos presentes autos, não se verificando, por isso, a superveniência objectiva do documento.
Haverá, então, que apreciar se se verifica a sua superveniência subjectiva, ou seja, se os documentos cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão, ou que se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
Conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).
No presente caso, a sentença recorrida remete para o ponto 4 do probatório, daí resultando que a reunião da Comissão de Revisão foi apenas realizada com o Presidente e com o delegado da Fazenda Pública, existindo menção expressa na acta da reunião que os delegados da impugnante “não compareceram”, aludindo-se, ainda, nessa acta ao envio dos ofícios n.º 8710, n.º 8711 e n.º 8712. Ora, a Recorrente, atentas as referências expressas, na acta da reunião da Comissão de Revisão, às notificações dos delegados, indicando os seus nomes, não podia contar que o tribunal recorrido considerasse tais alusões insuficientes e que julgasse não ter sido efectuada prova pela AT da concretização de tais notificações, sem que lhe tivessem sido solicitados os comprovativos. No fundo, a Recorrente não contava com a relevância da factualidade que subjazia a tais documentos para a decisão que veio a ser proferida nos autos. Principalmente porque estes documentos integravam o procedimento de revisão, sendo que o que se constata é que a cópia do processo administrativo enviado ao tribunal se apresentava incompleta e que se imporia ao tribunal recorrido providenciar pela sua completude.
Destarte, admite-se a junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso.

O Tribunal a quo decidiu que a AT não logrou provar que os vogais do sujeito passivo haviam sido notificados da data e local da reunião, e, consequentemente, que a sua omissão integra preterição de formalidade legal, que gera a anulabilidade da deliberação da Comissão Distrital de Revisão, integradora de vício de forma.
Desde logo, a Meritíssima Juíza do tribunal a quo não teve em conta que o requerimento com vista a reclamar da fixação da matéria colectável foi efectuado nos termos do artigo 54.º do Código de IRC (CIRC) – cfr. ponto 3 do probatório.
Efectivamente, no enquadramento jurídico realizado pelo tribunal recorrido são convocados os artigos 85.º e 86.º do Código de Processo Tributário (CPT), na redacção então em vigor, afirmando-se que a Comissão de Revisão era constituída pelo director distrital de finanças e por dois vogais, sendo um nomeado pela Fazenda Pública e o outro pelo contribuinte, a indicar na petição de reclamação.
Na verdade, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo errou ao aplicar a lei, quanto à composição da comissão de revisão e quanto ao seu funcionamento, quando considera que se aplicam os artigos 85.° e 86.° do CPT e não o artigo 54.° do CIRC. Sendo tal relevante para o desfecho da acção e para o objecto do recurso, na medida em que existem diferenças quer no plano da composição das duas comissões, quer do seu funcionamento, quer no modo de deliberar.
Embora o CPT tenha entrado em vigor em 01/07/1991, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, estabeleceu o seguinte:
Regime de revisão da matéria tributável
1 - O regime de revisão da matéria tributável previsto nos artigos 84.º e seguintes do Código será aplicável aos impostos liquidados a partir da sua entrada em vigor, podendo, no entanto, o contribuinte, facultativamente, optar na petição respectiva pelo regime de reclamação actualmente previsto nos Códigos do IRS, do IRC e do IVA. (…)”
Ora, não residem dúvidas que a impugnante, aqui Recorrida, formulou o seu pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artigo 54.º do CIRC – cfr. ponto 3 da decisão da matéria de facto e fls. 17 do processo físico.
Trata-se, efectivamente, de um pedido de revisão da matéria tributável apresentado na vigência do CPT, relativo a imposto liquidado após a entrada em vigor desse Código, logo seria aplicável o regime de revisão previsto no CPT. Contudo, como vimos, o artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, faculta ao contribuinte a opção pela aplicabilidade do regime de reclamação previsto, designadamente, no CIRC.
In casu, é inequívoco que o contribuinte optou expressamente pela reclamação prevista no artigo 54.º CIRC, significando a intervenção da comissão de revisão prevista na referida norma:
“1 – Do montante do lucro tributável fixado poderão os contribuintes reclamar, no prazo de 30 dias a contar da notificação, para uma comissão distrital de revisão, constituída por dois delegados da Fazenda Pública nomeados pelo Ministro das Finanças, um dos quais como presidente, e por dois delegados dos contribuintes designados pela associação empresarial que, a nível distrital, represente o sector da actividade económica em que se insere a actividade principal do reclamante ou, na sua falta, indicados, no continente, pela assembleia distrital e, nas regiões autónomas, pela Secretaria Regional de Finanças ou do Plano, conforme o caso. (…)
5 – Os membros das comissões serão convocados por escrito para as reuniões com a antecedência mínima de quinze dias, sendo as deliberações da comissão válidas para todos os efeitos, ainda que faltem os delegados representantes dos contribuintes, quer por não comparecerem, quando tenham sido devidamente convocados, quer por não terem sido designados. (…)”
Sem entrar na questão de saber se as alusões expressas na acta da reunião (ponto 4 do probatório) à composição da Comissão de Revisão e às convocatórias enviadas para os respectivos membros eram suficientes para se considerarem cumpridas as formalidades previstas no artigo 54.º do CIRC para o funcionamento da referida Comissão, o certo é que os documentos agora juntos com as alegações de recurso comprovam que as convocatórias foram atempada e regularmente formalizadas, por carta registada com aviso de recepção – cfr. fls. 163 a 168 do processo físico.
Conforme resulta da acta que contém a decisão da referida Comissão, os delegados do sujeito passivo foram convocados para a reunião da comissão distrital de revisão através dos ofícios que aí são indicados, não tendo os mesmos comparecido à reunião.
Mostra-se, assim, cumprido o processo de constituição da comissão referido no artigo 54.º do CIRC, pelo que o seu funcionamento se apresentou regular, dado que os delegados representantes do contribuinte faltaram à reunião, apesar de terem sido devidamente convocados; logo, a deliberação da comissão não é afectada pela falta de comparência desses membros, sendo válida para todos os efeitos, conforme determina o n.º 5 do artigo 54.º do CIRC.
Realmente, tudo indicava que o processo administrativo enviado ao tribunal poderia estar incompleto, na medida em que a acta da reunião se referia expressamente aos números dos ofícios que continham as convocatórias, à sua data, identificando os delegados pelos respectivos nomes, pelo que o tribunal recorrido, na dúvida quanto ao envio dos mesmos, deveria ter solicitado, previamente, que fosse suprida a incompletude do processo administrativo, em vez de ter avançado, linearmente, para a conclusão de que a AT não logrou provar que os vogais do sujeito passivo haviam sido notificados da data e local da reunião (sendo certo que essa data e local constam efectivamente dos ofícios n.º 8710, n.º 8711 e n.º 8712 – 22/11/1996, pelas 09.30h, nas instalações da Direcção Distrital de Finanças de (…), sitas na Avenida (…).
Salientamos que os dois delegados do contribuinte foram designados pela associação empresarial que, a nível distrital, representa o sector da actividade económica em que se insere a actividade principal do reclamante [Construção e Reparação de Edifícios]: AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas do Norte.
Tendo sido cumpridas as formalidades previstas no artigo 54.º do CIRC, conforme opção da impugnante – artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril – nomeadamente, o disposto no seu n.º 5, a deliberação da comissão de revisão é formalmente válida quanto ao aspecto erroneamente apontado na sentença recorrida.
Pelo exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida.
Como já havíamos anunciado, urge fazer apelo ao disposto no artigo 665.º do CPC, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio.
Nesta conformidade, tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido e uma vez que já foram ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, verificando-se que dispomos dos elementos necessários para tal, avançaremos para o conhecimento da legalidade da liquidação de IRC, de 1994, na medida em que a Recorrida afirma não estarem reunidos os pressupostos para que a matéria tributável tivesse sido fixada por recurso aos métodos indiciários, verificando-se uma ilegalidade, que conduz à nulidade do apuramento e fixação da matéria tributável e, consequentemente, de todos os actos subsequentes, acarretando a anulação do acto tributário de liquidação.
A questão central a dirimir consiste, portanto, em apreciar a legalidade do acto de liquidação de IRC, referente ao exercício de 1994, atenta a alegação dos vícios invocados pela impugnante, designadamente, violação de lei, por não estarem reunidos os pressupostos que serviram de base à tributação, por falta de fundamentação do acto que fixou definitivamente o lucro tributável e por omissão do direito de audição prévia.
Começaremos por apreciar a questão de saber se se encontram reunidos os pressupostos necessários de fixação da matéria tributável por métodos indiciários.
Por facilidade, socorrer-nos-emos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22/10/2015, proferido no âmbito do processo n.º 2464/08, para efectuar o enquadramento prévio:
“(…) O nº 1 do artigo 76º do CPT, vigente à data dos factos tributários, determinava que o processo de liquidação se instaurava com as declarações dos contribuintes.
Essas declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária gozam da presunção de veracidade, de acordo com o estatuído no nº 1 do artigo 32º da Lei 106/88, de 17 de Setembro (autorização legislativa do CIRS e CIRC): «a administração fiscal só poderá proceder à fixação dos rendimentos colectáveis quando o contribuinte não apresentar declaração ou quando os rendimentos declarados não corresponderem aos efectivos ou se afastarem dos presumidos na lei»; de igual modo, o artigo 78º do CPT apontava no mesmo sentido quanto ao valor probatório da escrita.
Todavia, face, também, ao princípio da tributação dos rendimentos reais, pressupõe-se a cooperação entre a Administração Tributária e o contribuinte, devendo este facultar todos os elementos que viabilizem o correcto apuramento daqueles rendimentos e prevendo a lei que, se do controlo efectuado pela Administração Tributária resultar que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade, o apuramento deixe de fazer-se com base apenas na declaração do contribuinte, mas, possa, então, fazer-se através do recurso a meios alternativos de apuramento: com recurso a correcções técnicas ou a métodos indiciários.
A utilização de tal método presuntivo ou indiciário traduz-se no recurso por banda da Administração Tributária, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Compete, por isso, à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiciários se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, incumbindo ao Tribunal analisar se ela enunciou factos objectivos e concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo método presuntivo.
Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa; «Assim, nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de considerar-se verdadeiro». (in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, 2000, a pág. 309
A jurisprudência aponta no mesmo sentido: «Cabe à Fazenda Pública, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou métodos indiciários e presuntivos, constantes do relatório dos serviços de fiscalização» (Acórdão deste TCA de 22.05.2001, proferido no processo 3216/00).
Só depois de especificados e demonstrados tais pressupostos pela Administração Tributária, passa a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do acto, seja por erro nos pressupostos para a avaliação por métodos indiciários, seja por erro na quantificação da respectiva matéria colectável.
Como resulta da concatenação dos artigos 51º e 52º do CIRC, a utilização de métodos indiciários assume uma dupla vertente:
em primeiro lugar, torna-se necessário demonstrar a verificação de um qualquer dos factos previstos nas diversas alíneas do artigo 51º n.º 1 do CIRC e que constituem aqueles que são tidos legalmente como determinando a impossibilidade de tributação pelo sistema do lucro real.
em segundo lugar, a utilização efectiva de métodos indiciários ou presunções na determinação do lucro tributável, por recurso aos elementos que são indicados no artigo 52º do CIRC, de forma meramente exemplificativa. (…)”
No que tange à apreciação dos requisitos para o recurso a métodos indiciários, tudo assentará na fundamentação constante da deliberação final proferida pela Comissão Distrital de Revisão e o seu teor consta, apesar de forma parcial (uma vez que somente releva o exercício de 1994), fielmente no ponto 4. da factualidade assente.
Nessa decisão final, retomando e transcrevendo parcialmente a motivação que consta do relatório de fiscalização, diz-se que, relativamente ao exercício em demanda (1994), o senhor inspector tributário recorreu aos métodos indiciários previstos nos artigos 51.º e 52.º do Código do IRC, por impossibilidade de uma quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, e que assentou nas seguintes irregularidades:
“- Para além do facto de não ter valorizado as Existências – Produtos e trabalhos em curso, ao custo de Produção, também não calculou correctamente as Existências finais – Produtos e Trabalhos em curso respeitantes a 31 de Dezembro de 1994;
- Vendeu as fracções B, C; D; E; F; G; P; por valores inferiores aos custos suportados (…)”
Desde logo, não se mostra indicada a norma ao abrigo da qual se decidiu tributar por recurso a métodos indiciários, tão-pouco se referenciam as eventuais incorrecções a qualquer alínea do artigo 51.º, n.º 1 do CIRC. Somente no relatório de fiscalização se mencionam genericamente os artigos 51.º e 52.º do CIRC. Mas, dando de barato que se detectaram anomalias e incorrecções na contabilidade, só poderá verificar-se a aplicação de métodos indiciários, como vimos, quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável – cfr. artigo 51.º n.º 2 do CIRC.
A verdade é que se fica sem saber se seria possível a quantificação dos valores das existências através de métodos directos, dado que os serviços da inspecção tributária terão observado que a Recorrida valorizou as existências iniciais dos produtos e trabalhos em curso ao custo de aquisição, quando deveria ter valorizado ao custo de produção (construção), omitindo custos de construção suportados com a mão-de-obra dos empregados e outros gastos de construção. O cálculo das existências finais dos produtos e trabalhos em curso também terá sido efectuado sem qualquer critério justificativo.
Desconhece-se a razão da tributação por métodos indiciários por as vendas das fracções terem sido feitas por valores inferiores aos custos suportados. De forma conclusiva, e sem apoio em quaisquer factos, a AT afirma que a Recorrida terá procedido à venda de fracções por valores inferiores aos custos incorporados e por valores inferiores aos preços de mercado praticados na zona. Mas daí não retira qualquer ilação, designadamente que os preços contabilizados das vendas não correspondessem à realidade, ficando por saber se os valores das vendas, sem os custos incorridos, por si só, legitima o recurso aos métodos indiciários ou se estarão implícitas anomalias na contabilidade por os valores registados na mesma não corresponderem aos efectivamente recebidos pelas vendas, ou seja, fica a dúvida se estaremos perante a verificação de simulação do preço.
Ainda que a afirmação constante da decisão final – vendeu fracções por valores inferiores aos custos suportados – tivesse implícitas irregularidades na contabilização dos proveitos, nenhuma motivação é expressa na mesma tendo em vista demonstrar a impossibilidade de recorrer a métodos directos, dado que a AT poderia ter acedido aos preços por que realmente foram vendidas as fracções-autónomas em apreço (desconhecendo-se se efectuou quaisquer diligências para averiguar se os preços obtidos com as vendas seriam reais). Se, por hipótese, tivesse existido simulação de preços subjacente aos contratos de compra e venda das fracções em causa, existem várias formas e mecanismos com vista ao conhecimento do preço real e, sendo este alcançado, por mera operação aritmética (diferença entre o simulado e o real) obtém-se directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável.
Na verdade, a administração tributária não demonstrou a razão pela qual, mesmo dando de barato que a contabilidade apresentava as irregularidades apontadas, resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa, sendo que, como vimos, na lógica do sistema, mesmo quando a presunção de veracidade é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos directos de avaliação, constituindo os métodos indiciários uma ultima ratio só utilizável quando aqueles se mostrem imprestáveis e, por outro lado, o dever de fundamentação, previsto no artigo 81.º do CPT, expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável: A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
O recurso a métodos indiciários de tributação exige, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária – cfr. Acórdão deste TCAN, de 12/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 503/06.3BEBRG.
O que, efectivamente, não ocorreu in casu, pelo que a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indiciários tem de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária.
Destarte, impera concluir pela ilegalidade da liquidação decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por a administração tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indiciários de avaliação.
Por conseguinte, o acto de liquidação impugnado enferma de vício de violação de lei, devendo, por isso, na procedência da impugnação judicial, ser anulado, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas na petição de impugnação.
Por tudo o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, com as legais consequências.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, faculta ao contribuinte a opção pela aplicabilidade do regime de reclamação previsto, designadamente, no Código de IRC.
II - Assim, se o contribuinte reclama da fixação do lucro tributável para a Comissão Distrital de Revisão, nos termos do artigo 54.º do Código de IRC, a sua constituição obedece a essa previsão normativa, integrando dois delegados da Fazenda Pública nomeados pelo Ministro das Finanças, um dos quais como presidente, e dois delegados dos contribuintes designados pela associação empresarial que, a nível distrital, represente o sector da actividade económica em que se insere a actividade principal do reclamante.
III - Os membros da Comissão serão convocados por escrito para a reunião com a antecedência mínima de quinze dias, sendo as deliberações da comissão válidas para todos os efeitos, ainda que faltem os delegados representantes dos contribuintes, quer por não comparecerem, quando tenham sido devidamente convocados, quer por não terem sido designados – cfr. artigo 54.º, n.º 5 do Código de IRC.
IV - O n.º 1 do artigo 76.º do Código de Processo Tributário (CPT), vigente à data dos factos tributários, determinava que o processo de liquidação se instaurava com as declarações dos contribuintes.
Essas declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária gozam da presunção de veracidade, de acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro (autorização legislativa do CIRS e CIRC): «a administração fiscal só poderá proceder à fixação dos rendimentos colectáveis quando o contribuinte não apresentar declaração ou quando os rendimentos declarados não corresponderem aos efectivos ou se afastarem dos presumidos na lei»; de igual modo, o artigo 78.º do CPT apontava no mesmo sentido quanto ao valor probatório da escrita.
V - A determinação do rendimento real e efectivo será, pois, em primeira linha, o declarado pelo contribuinte; contudo, como forma de controlar e de evitar a fraude e evasão fiscais, são cometidos à Administração Tributária, através dos serviços da DGCI, um poder/dever de fiscalização: artigos 107.º e 108.º do CIRC e 75.º do CPT.
VI - Nos termos do, então, disposto no artigo 81.º do CPT, a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente, anulando o acto de liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 1994, e respectivos juros compensatórios, com as legais consequências.

Custas nesta instância a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. As custas na primeira instância ficam a cargo da Recorrente.


Porto, 05 de Dezembro de 2019


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