Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00838/04.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:IVA;
DESCONTOS DE QUANTIDADE;
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO ATO DE LIQUIDAÇÃO;
Sumário:I - No processo de impugnação judicial, o Tribunal não pode efetuar uma qualificação jurídica diferente daquela que foi realizada no ato de liquidação, na medida em que se está diante de um contencioso de mera legalidade, limitando-se o Tribunal a apreciar a legalidade do ato impugnado, tal como foi praticado, não podendo serem valoradas razões de facto e de direito que não foram tidas em consideração no ato sindicado.

II - Descontos de quantidade, acordados contratualmente entre a impugnante e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estão sujeitos a IVA, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 6, al. b) do Código do IVA.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


«[SCom01...], S.A.», interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 2000, recorrendo na parte que lhe foi desfavorável.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
a. Como resulta dos autos, está em causa IVA não liquidado por factos tributáveis enquadráveis no art. 6.º, n.º 4 do CIVA, pelo facto de a Administração Fiscal entender que as operações em causa são efectivas prestações de serviços relativamente às quais o sujeito passivo estava obrigado a liquidar imposto, nos termos do art. 1º do CIVA.
b. Todavia, o Tribunal a quo, considerando que não estão em causa quaisquer prestações de serviços, entende que a liquidação de imposto tem de subsistir no ordenamento jurídico, na medida em que considera que, ao abrigo do disposto no artigo 71.º n.º 2 do CIVA, a Recorrente deduziu indevidamente IVA.
c. Antes de mais, e salvo o devido respeito, é patente o erro de interpretação e aplicação da lei, na medida em que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a lei não estabelece um dever de dedução de IVA, mas sim uma mera possibilidade.
d. Do procedimento inspectivo resultou que a AF qualificou os descontos obtidos dos fornecedores como contrapartidas de alegadas prestações de serviços, entendendo que sobre as mesmas deveria ter sido liquidado IVA, pelo que, constatando o Tribunal a existência de errónea qualificação do facto tributário – que, recorde-se, é um vício típico da liquidação, estabelecido no artigo 99.º a) do CPPT – deveria anular, sem mais a liquidação impugnada, por erro nos pressupostos de facto.
e. Refere o Tribunal a quo que «(...) a Impugnante só na fase judicial vem alegar e provar que o valor de €50.602,27 diz respeito a descontos de quantidade (...)», indiciando, portanto, que, na fase administrativa, a Recorrente havia sustentado entendimento diferente, mas, em primeiro lugar, é apenas durante um meio gracioso ou contencioso que o contribuinte tem de fazer prova dos factos que alega, na medida em que, somente nestes casos, existe uma fase instrutória – e não em sede do procedimento inspectivo e, em segundo lugar, a Recorrente nunca deixou de entender que as rubricas em causa eram descontos de quantidade, sendo que, no procedimento inspectivo limitou-se a fornecer os descritivos desses mesmos descontos de quantidade - como havia sido solicitado pela Administração Fiscal.
f. Neste contexto, refere o Tribunal a quo que «Assim, perante a prova de factos diversos dos alegados perante a AF, o Tribunal está habilitado a efectuar uma qualificação jurídica diversa (...)», quando, em rigor, não se limitou a efectuar uma diferente qualificação jurídica, mas, outrossim, conferiu à liquidação de imposto uma diferente e nova fundamentação legal, sem arrimo em qualquer facto provado, que nunca constou do procedimento inspectivo e que nunca pôde ser contraditado pela Recorrente.
g. A correcção da Administração Fiscal corresponde a uma liquidação adicional de IVA calculada sobre o valor dos descontos, por entender que os mesmos são contrapartida de prestações de Serviços (artigos 1.º e 6.º n.º 4 do CIVA); e o Tribunal decide peia subsistência da liquidação de IVA por indevida deducão de imposto (art. 71.º n.º 2 CIVA), quando a base legal da liquidação de imposto efectuada pela Administração Fiscal se encontra no Capítulo I do CIVA, sob a epígrafe “Incidência”, e a base legal da liquidação, no entender do Tribunal a quo, encontra-se no Capítulo V, sob a epígrafe “Liquidação e pagamento”, mais concretamente “Regularizações”.
h. É, pois, notória a diferente base legal da liquidação impugnada. Que extravasa a mera qualificação jurídica e bule, inevitavelmente, com critérios e correcções de carácter técnico, inalienáveis, da Administração Fiscal.
i. Para decidir como decidiu, o Tribunal a quo invoca a Jurisprudência firmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.10.2011, dado no processo n.º 04840, cujos contornos factuais e legais nada têm que ver com a situação dos autos.
j. Ao contrário do referido na sentença recorrida o direito à dedução é facultativo, sendo que, por outro lado, a liquidação de imposto por indevida dedução de IVA, a ser efectuado pela Administração Fiscal – que não foi – sempre dependeria da análise da escrita do contribuinte; da constatação de que este exerceu, efectivamente, o direito à dedução; da constatação sobre se a dedução foi efectuada antes do registo da operação, ou; da constatação sobre se a dedução foi efectuada depois do registo da operação – o que não foi feito.
k. O simples facto de a Recorrente emitir notas de débito pelos descontos obtidos dos fornecedores não significa, e muito menos necessariamente, que tenha deduzido o IVA suportado nas compras, PELO VALOR ANTES DOS DESCONTOS.
l. A decisão do Tribunal a quo carece, pois, em absoluto, de fundamentação factual, na medida em que nada consta dos autos que aponte no sentido de que a Recorrente deduziu o IVA liquidado pelo montante inicial, antes da diminuição do preço – sendo que a falta absoluta de fundamentos constitui nulidade da sentença (art. 125.º n.º 1 do CPPT e 668.º n.º1 b) do CPC, ex vi art. 2.º e) do CPPT).
m. No caso dos autos estão em causa verdadeiros “descontos”, que abatem às compras aos fornecedores, sendo que o respectivo pagamento, pelos fornecedores, é feito por compensação com o preço dos fornecimentos à Recorrente, e se esses descontos abatem aos preços dos fornecimentos, a Recorrente apenas paga aos fornecedores o líquido – ou seja, a diferença entre estes e aqueles.
n. Assim, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, a Recorrente não deduziu qualquer IVA sobre o preço antes dos descontos, não tendo de regularizar IVA a favor do Estado, pela simples razão de que não deduziu qualquer IVA a mais.
o. Ao invocar que não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, o Tribunal a quo estará, implicitamente, a invocar a prerrogativa estabelecida no artigo 664.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º e) do CPPT, todavia, «(...) este poder sofre de um limite fundamental: o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos contando que não altere a causa de pedir (...)» (Cfr. Ac. RC, de 01.07.2008, proc. n.º 181/04.4TB5RE.C).
p. Como resulta dos autos, a liquidação em causa foi emitida ao abrigo de uma norma de incidência, por considerar existir imposto em falta resultante da prestação de serviços, e o Tribunal, invocando a liberdade na qualificação jurídica, altera a causa de pedir, e convola a liquidação adicional ao abrigo de uma norma de regularização de IVA – pelo que A CAUSA DE PEDIR JÁ NÃO É O IVA EM FALTA, MAS A INDEVIDA DEDUCÃO DE IVA.
q. Ao assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 664.º do CPC, o que a carreta a anulação da sentença recorrida.
r. Ao decidir pela manutenção do acto tributário com um fundamento diferente do invocado pela Administração Fiscal, o Tribunal procedeu a uma alteração do pedido e, como tal, incorreu numa nulidade, na medida em que condenou em objecto diverso do pedido (art. 668.º n.º 1 e) do CPPT).
s. Como decorre do princípio do contraditório, o juiz eleve facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar – ainda que se trate de questões jurídicas, ou mesmo questões de conhecimento oficioso (Cfr. Ac. STA de 03.03.2010, dado no proc. n.º 063/10),
t. No caso dos autos, tendo proferido uma verdadeira “decisão-surpresa”, pela manutenção da liquidação impugnada com fundamento manifestamente diferente ao que resulta do procedimento inspectivo, incorreu o Tribunal a quo na prática de uma nulidade, por violação do disposto no artigo 3.º e 201.º n.1do CPC, aplicável por força do artigo 2.º e) do CPPT.
u. No âmbito tributário, sabendo-se que, por imposição constitucional, a lei impõe a fundamentação factual e jurídica dos actos tributários e a participação dos contribuintes na formação das decisões administrativas, tal convolação seria particularmente perniciosa (arts. 60.º e 77.º da LGT), pelo que, uma interpretação do artigo 664.º do CPC que legitimasse o Tribunal a conferir uma fundamentação diferente e nova, relativamente à fundamentação dada pela Administração Fiscal, sempre violaria os sobreditos princípios constitucionais, plasmados nos artigos 267.º n.º 1 e 268.º n.º 3 da CRP – acarretando a sua inconstitucionalidade.
v. O Tribunal apenas poderia “validar” uma liquidação adicional de IVA com base na indevida dedução de imposto, quando do procedimento administrativo resultassem todos os elementos necessários e suficientes para essa liquidação, pelo que, na falta destes, o Tribunal não tinha qualquer possibilidade de se substituir à Administração Fiscal, presumindo que o sujeito passivo deduziu o imposto sobre a totalidade das compras, ANTES da obtenção dos descontos e que, portanto, deduziu indevidamente IVA.
w. «Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada bela administração tributária (Ac. STA de 01.06.2011, dado no proc. n.º 058/11, destaque nosso).
x. A interpretação do artigo 664.º do CPC, como pretensamente legitimando o Tribunal a alterar a fundamentação do acto de liquidação adicionai impugnado, seria inconstitucional – por violação do princípio da separação de poderes, enunciado no artigo 111.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de
JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se o valor dos descontos efetuados pela Impugnante deve estar ou não sujeito a IVA e se a sentença conferiu diversa qualificação jurídica ao ato impugnado.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
II – DA MATÉRIA DE FACTO APURADA
Factos provados, relevantes para a boa decisão da causa:
a) Os Serviços de Inspecção Tributária enviaram à impugnante a seguinte carta-aviso, nos termos do art.º 59.º, n.º 3, 1) da LGT e 49.º do RCPIT, datada de 15/04/2003, da qual não consta a menção quanto ao âmbito da acção inspectiva:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 78 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
b) Do PA apenso aos autos consta a seguinte carta-aviso enviada à impugnante nos termos do art.º 59.º, n.º 3, l) da LGT e 49.º do RCPIT, datada de 15/04/2003, da qual consta a menção quanto ao âmbito da acção inspectiva:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. 207 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
c) A impugnante recepcionou a carta-aviso em 21/04/2003 – Cfr. fls. 215 e 216 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
d) A impugnante recebeu cópia da ordem de serviço n.º ...14 no dia 22/04/2003, data do início da acção inspectiva, nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. 208 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
e) A impugnante foi alvo de acção inspectiva que abrangeu os períodos de 1999 a 2001 (IRC e IVA) com início em 22/04/2003 (Ordens de Serviço n.º ...13, ...14 e ...22) Cfr. fls. 169 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
f) A acção inspectiva a que se alude no ponto anterior culminou no Relatório Inspectivo de 06/10/2003, nos seguintes termos, no que ao caso concerne:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 162 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
g) A impugnante foi notificada do Relatório mencionado no ponto antecedente por ofício datado de 14/10/2003 – Cfr. fls. 159 a 161 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
h) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º ........218, relativa a IVA do ano 2000 (01 – € 50.602,27 e 09 – € 153.480,11), no valor de € 204.082,38, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003 Cfr. fls. 22 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
i) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º.........209, relativa a IVA-3C do período 0003, no valor de € 811,94, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 3.600,51), período a que se aplica a taxa de juro ( de 10/05/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente á taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 23 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
j) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º ........210, relativa a IVA-JC do período 0004, no valor de € 988,49, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 4.509,98), período a que se aplica a taxa de juro (de 12/06/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente á taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 24 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
l) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º .......211, relativa a IVA-JC do período 0005, no valor de € 564,32, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 2.639,39), período a que se aplica a taxa de juro (de 10/07/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 25 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
m) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º ...12, relativa a IVA-JC do período 0006, no valor de € 1.560,78, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 7508,70), período a que se aplica a taxa de juro (de 10/08/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 26 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
n) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º ..............213, relativa a IVA-JC do período 0007, no valor de € 31.866,47, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 157.969,05), período a que se aplica a taxa de juro (de 11/09/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 27 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
o) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º...........214, relativa a IVA-JC do período 0008, no valor de € L187,56, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 6.053,90), período a que se aplica a taxa de juro (de 10/10/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 28 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
p) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º .............215, relativa a IVA-JC do período 0010, no valor de € 1.244,23, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 6.752,04), período a que se aplica a taxa de juro (de 11/12/2000 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil Cfr. fls. 29 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
q) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional nº............216, relativa a IVA-JC do período 0011, no valor de € 254,42, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 1.425,16), período a que se aplica a taxa de juro (de 10/01/2001 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artº 559.º do Código Civil – Cfr. fls. 30 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
r) Em 21/10/2003 foi emitida a liquidação adicional n.º .........217, relativa a IVA-JC do período 0012, no valor de € 2.345,88, cujo prazo de pagamento voluntário terminava em 31/12/2003, da qual consta o imposto em falta sobre o qual incidem juros (€ 13.623,65), período a que se aplica a taxa de juro (de 12/02/2001 a 06/10/2003) e taxa de juro aplicável ao período – a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil Cfr. fls. 31 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
s) Em 07/08/2007 foi elaborada a seguinte informação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. 220 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
t) Entre a “[SCom02...], SA”, a “[SCom03...], Unipessoal” e a “[SCom04...], SA” foi celebrado um protocolo com início em 01/06/1997, através do qual:
“a [SCom04...] aceita ceder com início em 01/06/1997 à [SCom03...] que aceita espaços dentro da sua unidade de transformação de carnes situada no ..., totalmente livres e desembaraçadas de coisas, pessoas e bens, ... espaço e equipamentos ... destinam-se à instalação pela [SCom03...] de uma unidade provisória de desmancha, desossa, fatiamento de carnes e embalagem, para fornecimento aos estabelecimentos da [SCom02...]... A [SCom04...] cede esses espaços gratuitamente à [SCom03...] ... como contrapartida pela cedência dos espaços e equipamentos, a [SCom02...] e a [SCom03...] comprometem-se: ... comprar à [SCom04...] toda a carne de suíno e 50% de bovino...”
Cfr. fls. 99 a 104 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
u) Em aditamento ao protocolo de acordo, com início em 01/06/1997, a que se alude no ponto anterior, a “[SCom02...], SA”, a “[SCom03...]­, Unipessoal” e a “[SCom01...], SA” declararam em 31/07/1997 que:
“Primeira: Com início em 01/06/1997 foi celebrado entre a [SCom02...], a [SCom03...] e a [SCom04...] um protocolo de acordo... este protocolo tem em vista a antecipação do abastecimento centralizado de carnes às lojas da [SCom02...], nomeadamente, à loja ... no Centro Comercial ... e loja ... no Maia.........., dado que a fábrica da [SCom03...] em Portugal só iniciará os abastecimentos a partir de 01 de Setembro de 1997. Segunda: 1. A [SCom02...] vai beneficiar da antecipação do abastecimento centralizado de carne às duas lojas anteriormente identificadas evitando o recurso a meios próprios ou alheios, com os consequentes investimentos. 2. A [SCom03...] vai beneficiar de ganhos de eficiência e de produtividade, nomeadamente por via do treino e da experiência que os trabalhadores afectos a este projecto vão granjear. 3. Nesta conformidade, a [SCom02...] e a [SCom03...] aceitam o seguinte: a) no caso desta operação, durante o período de vigência (de 01/06/1997 até ../../1997) se vir a revelar que acarreta prejuízos para a [SCom03...], a [SCom02...] assume suportar esses prejuízos, com exclusão dos benefícios para a [SCom03...] e previstos no anterior ponto 2, que serão avaliados por acordo da [SCom02...] e da [SCom03...]....Quarta: 1. A [SCom02...] cede a sua posição no protocolo objecto do presente aditamento à [SCom01...], que o aceita ...”
Cfr. fls. 105 a 107 do processo físico, relatório inspectivo e fls. 108 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
v) Em 09/07/1998, a “[SCom02...], SA”, a “[SCom03...], Unipessoal” e a “[SCom05...] Limited” acordaram entre si, mediante escrito particular, o seguinte, no que ao caso releva:
“I. a [SCom05...] possui reconhecido “Know-how” no abate, desmancha e desossa de carcaças e na preparação de embalagens de carne centralmente preparada, adiante designado por CPM, possuindo ainda conhecimentos técnicos especializados no treino e na formação de pessoal.
II. Com vista ao desenvolvimento deste negócio em Portugal, a [SCom05...] constitui, em Portugal, uma sociedade, a [SCom03...], de que é detentora da totalidade do seu capital social e para a qual transferiu o “Know-how”, necessário e suficiente e anteriormente referido.
III. A [SCom03...] é dona e legitima possuidora de uma fábrica, sita em ..., Portugal, que se dedica à actividade referida no Considerando I.
IV. A [SCom03...] possui reconhecidos conhecimentos do negócio de fornecimento de embalagens de carne, centralmente preparada, que lhe foram transmitidos pela [SCom05...], sociedade de direito inglês, cuja actividade é a anteriormente descrita.
(...)
VI. A [SCom02...] e a [SCom03...] assinaram no dia 21 de Março de 1997, um protocolo para fornecimento de um serviço de processamento centralizado de carnes embaladas (CPM), em regime de exclusividade, para os estabelecimentos de venda a retalho da [SCom02...], já existentes à data da sua assinatura, bem como estabelecimentos que, na vigência do protocolo, viessem a abrir ao público no mercado nacional.
VII. O referido protocolo está a ser cumprido integralmente por ambas as partes.
VIII. A [SCom02...] e a [SCom03...] acordam dar por findo o referido protocolo, a partir da presente data.
IXA. No âmbito da cooperação existente, a [SCom02...] e a [SCom03...] reconhecem existir vantagens mútuas da sua participação conjunta neste projecto de fornecimento de carne centralmente preparada e embalada.
Pelo que acordam na celebração do presente contrato, que se rege pelas seguintes cláusulas: pelo presente contrato estabelecem-se as condições gerais a que se deve subordinar qualquer fornecimento de carne embalada, centralmente preparada, a efectuar pela [SCom03...] aos estabelecimentos da [SCom02...] (...) pelo presente contrato a [SCom03...] obriga-se em regime de exclusividade a fornecer carne embaçada, com processamento centralizado, todos os estabelecimentos de venda a retalho, que a [SCom02...] possui ou venha a possuir (...)”
Cfr. fls. 80 a 97 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
x) Em 31/03/1999, a “[SCom03...], Unipessoal” e a “[SCom01...], SA”, celebraram o seguinte acordo: “Segunda: 1. A [SCom03...] contabilizou como prejuízos decorrentes do protocolo a quantia total de Esc. 241.000.000.00...que a [SCom01...] aceita. 2 Assim, a [SCom03...] porque obteve ganhos de eficiência e produtividade assumirá suportar prejuízos no montante de Esc. 54.000.000.00...e a [SCom01...] aceita suportar o montante do remanescente dos prejuízos num total de Esc. .181.000.000.00...”
Cfr. fls. 108 e 109 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
z) A impugnante pagou à “[SCom03...]” o valor de Esc. 181.000.000,00, acrescido do valor do IVA no valor de Esc. 30.770.000.00.
aa) A impugnante deduziu o valor do IVA suportado de Esc. 30.770.000.00.
bb) À data dos factos, a Impugnante funcionava como central de compras, comprando aos fornecedores externos toda a mercadoria (produto acabado, carnes transformadas ou a grosso).
cc) A “[SCom02...]” teve conhecimento da empresa “[SCom05...] Limited”, doravante [SCom05...], situada no Reino Unido, que operava de uma forma pioneira no domínio das carnes embaladas.
dd) Por esse motivo, a “[SCom02...]” encetou as negociações para uma parceria com [SCom05...] para que esta criasse uma empresa de carnes embaladas em Portugal que abasteceria única e exclusivamente os estabelecimentos da “[SCom02...]”.
ee) Essa empresa designar-se-ia “[SCom03...], Unipessoal” e iria laborar em ....
ff) A abertura desta empresa estava prevista para 1998.
gg) Contudo, quando a “[SCom02...]” decidiu abrir o estabelecimento sito no Centro Comercial ..., em ..., negociou com [SCom05...] a antecipação da abertura da “[SCom03...]” de forma a abastecer aquele estabelecimento com carnes embaladas, considerado pela “[SCom02...]” como sendo um produto pioneiro no ramo, já que pretendiam que o estabelecimento do ... fosse uma “loja bandeira”.
hh) A antecipação da laboração implicou providenciar por um espaço para que a “[SCom03...]” pudesse laborar, já que as instalações em ... ainda não estavam prontas.
ii) A “[SCom02...]” negociou com [SCom05...] a antecipação da laboração, tendo em vista obter diversas vantagens, entre as quais: (i) abastecer de imediato o estabelecimento do ..., prescindindo, assim, de um espaço para talho; caso contrário, teria que dotar o estabelecimento de talho, talhante e equipamentos para iniciar o funcionamento, para mais tarde, assim que a fábrica de ... estivesse pronta a fornecer as carnes embaladas, prescindir das instalações destinadas a talho; antecipar etapas; antecipar o uso da tecnologia detida pela [SCom05...]; testar o produto junto do consumidor; antecipar a curva de experiência dos funcionários.
jj) A “[SCom02...]” estava ciente que a antecipação acarretaria prejuízos para a “[SCom03...]”, na medida em que provisoriamente laboraria em condições precárias e a quantidade de produtos absorvida pelo estabelecimento do ... não justificava uma operação desta envergadura.
ll) Em face do mencionado no ponto antecedente, a “[SCom02...]” assumiu suportar os prejuízos que adviessem dessa antecipação, caso contrário [SCom05...] e a “[SCom03...]” não aceitariam a antecipação.
mm) [SCom05...] e “[SCom03...]” aceitaram o início antecipado da laboração que seria efectuado em instalações provisórias.
nn) A laboração provisória teve lugar no ..., nas instalações da empresa “[SCom04...], SA”, em espaço por esta cedido para o efeito.
oo) Em contrapartida, a “[SCom02...]” comprometeu-se a comprar as carcaças à “[SCom04...]”, sendo que nuns casos era a 100% e noutros a 50%.
pp) Inicialmente, as partes tinham a expectativa que a laboração no ... tivesse uma duração de cerca de três meses, tempo necessário para que a fábrica em ... ficasse pronta.
qq) A laboração provisória no ... acabou por ter uma duração superior a um ano, de Junho de 1997 a Julho de 1998.
rr) A laboração no ... acarretou prejuízos maiores do que os que haviam sido projectados, na medida em que tiveram que suportar um decréscimo da venda de carne bovina em virtude da BSE, o que levou ao consumo de outras carnes com uma margem inferior; os funcionários eram de ..., o que levou a “[SCom02...]” a suportar os custos inerentes às suas deslocações para o ..., alojamento, refeições; o período de laboração no ... acabou por ter uma duração superior à prevista; o preço das carcaças aumentou em virtude da subida da libra que aumentou mais do que seria expectável; a margem que havia sido prevista na ordem dos 14% não foi atingida, conseguindo apenas cerca de 1,5%, 1,6%.
ss) Em face do mencionado no ponto antecedente, a “[SCom02...]”, [SCom05...] e a “[SCom03...]” calcularam um prejuízo de Esc. 235.000,000.00, tendo a “[SCom02...]” assumido Esc. 181.000.000,00 a título de prejuízos sofridos pela “[SCom03...]” na fase em que laborou provisoriamente no ....
tt) Na relação normal existente entre a Impugnante e os fornecedores são realizadas reuniões anuais com vista à celebração do chamado “contrato geral de fornecimento” em que se estabelecem todas as condições segundo as quais os fornecedores vão trabalhar com a Impugnante.
uu) Nesse contrato são estabelecidos todos os descontos susceptíveis de serem cobrados e que os fornecedores estão dispostos a efectuar para que a Impugnante lhes adquira a mercadoria, em função da quantidade adquirida.
vv) São estabelecidas taxas de descontos em função do tipo de produto que são aplicadas às compras que a Impugnante efectua ao fornecedor.
xx) A Impugnante não espera que o fornecedor lhe emita a nota de crédito, emitindo a respectiva nota de débito ao fornecedor no final de cada mês ou trimestre, dependendo do que está estabelecido no contrato.
zz) Para tanto, a Impugnante calcula o valor das compras ao fornecedor em função do tipo de produto e aplica a taxa de desconto respectiva, emitindo a respectiva nota de débito ao fornecedor.
aaa) As notas de débito emitidas pela Impugnante aos fornecedores intracomunitários, elencadas a págs. 18 e 19 do Relatório Inspectivo a que se alude no presente probatório respeitam aos valores calculados pela impugnante nos termos do ponto antecedente.
bbb) A Impugnante não incidiu IVA sobre essas notas de débito.
ccc) A impugnante emitiu apenas um aviso de débito n.º ......983, de 31/12/2000.
ddd) Os fornecedores “[SCom06...]” e “[SCom07...]” constantes do aviso de débito n.º ......983, de 31/12/2000 são a mesma entidade, tendo havido uma mudança de designação.
eee) A Impugnante nunca duplicava o número dos avisos de débito.
fff) Contra a impugnante foi instaurada a execução fiscal n.º ....................540 para cobrança de IVA-JC de 03/2000 a 08/2000, 10/2000 a 12/2000, IVA de 12/2000, IVA-JC de 12/1999, IVA 12/1999, IVA-JC de 05/2001 a 08/2001, 12/2001, IVA de 12/2001, no valor total de € 287.453,62 (quantia exequenda) – Cfr. fls. 2 a 19 do processo de execução fiscal apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
ggg) O Serviço de Finanças ... 1 notificou a impugnante por ofício de 01/10/2004 para no prazo de 15 dias apresentar garantia no valor de € 240,912,95, nos termos do n.º 1 do art.º 169.º do CPPT – Cfr. fls. 177 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
hhh) Como forma de suspender o processo de execução fiscal a que se alude no ponto anterior, a impugnante prestou, em 22/10/2204, garantia bancária no valor de € 240.912,95, a qual se destinava a garantir o pagamento do IVA do ano 2000 – Cfr. fls. 181 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
iii) A presente impugnação deu entrada neste Tribunal em 29/03/2004 – Cfr. fls. 2 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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Motivação:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos e dos ínsitos no processo de reclamação graciosa e PA apensos aos autos.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria vertida nos pontos tt) a bbb) resultou consideração do depoimento de «AA», contabilista, a exercer funções no [SCom08...], sociedade do grupo empresarial a que pertence a Impugnante e que em 2000 exercia essas funções na área da contabilidade da Impugnante. Esta testemunha afirmou, de forma clara e coerente, merecendo o nosso convencimento ter conhecimento detalhado dos factos mencionados neste pontos, sem contradições nem lapsos.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria vertida nos pontos ccc) a eee) resultou da consideração do depoimento de «BB», economista, a exercer funções na empresa “[SCom01...]”, pelo menos desde 2002, Esta testemunha afirmou, de forma clara e coerente, merecendo o nosso convencimento ter conhecimento detalhado dos factos mencionados neste pontos, afirmando que os aviso de débito n.º ......983 de 31/12/2000, n.º lançamento 1600022330 e n.º 79983 de 31/12/2000, n.º lançamento 1600022330 constantes da listagem de fls. 19 do Relatório de Inspecção (fls. 54 do processo físico) dizem respeito a um só aviso de débito, na medida em que o que ocorreu foi uma alteração da designação do fornecedor. Assim, “[SCom06...]” e “[SCom07...]” são a mesma entidade, sendo que a impugnante nunca duplica o n.º do aviso de débito, pelo que ocorreu no entender da testemunha uma duplicação de avisos de débito,
A convicção do Tribunal relativamente à matéria vertida nos pontos z) a ss) resultou da concatenação dos depoimentos das testemunhas «CC» e «DD», economistas, a exercerem funções no grupo « Y » ao qual a impugnante pertence. Estas testemunhas afirmaram, de forma clara e coerente, merecendo o nosso convencimento, demonstrando ter conhecimento detalhado dos factos mencionados neste pontos, sem contradições nem lapsos. Estas testemunhas demonstraram ter conhecimento de todas as negociações encetadas pela “[SCom02...]”, o que motivou a antecipação da laboração da empresa “[SCom03...]”, os custos inerentes a essa antecipação e o que esteve subjacente à assunção dos riscos por parte da impugnante, que entretanto sucedeu na posição da “[SCom02...]” merecendo, por isso, credibilidade.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que a AT liquidou o IVA referente às notas de crédito emitidas aos fornecedores intracomunitários, por entender que essas operações estavam sujeitas e não isentas de imposto, considerando-as como uma efetiva prestação de serviços tributável ao abrigo do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IVA.
Diz a Recorrente que o Tribunal considerou não estarem em causa quaisquer prestações de serviços, mas entendeu que a liquidação de imposto tinha de se manter, por considerar que, segundo o disposto no artigo 71.º n.º 2 do CIVA, a Impugnante deduziu indevidamente IVA, dessa forma dando uma nova fundamentação ao ato de liquidação impugnado, tando mais que a lei não estabelece um dever de dedução do IVA, mas concede uma mera possibilidade.
Alega a Recorrente que o facto de emitir notas de débito pelos descontos obtidos dos fornecedores não significa que tenha deduzido o IVA suportado nas compras, pelo valor antes dos descontos, sendo que nada consta dos autos que aponte no sentido de que deduziu o IVA liquidado pelo montante inicial, antes da diminuição do preço, ocorrendo uma falta absoluta de fundamentos neste sentido, o que constitui nulidade da sentença.
Refere, ainda, a Recorrente que a sentença mencionou que a Impugnante efetua em Tribunal uma invocação diferente daquela que realizou diante da Administração Tributária, por isso lhe é permitido efetuar uma qualificação jurídica diferente da que foi realizada no ato tributário. No entanto, a Recorrente entende que sempre disse estarem em causa descontos de quantidade, que abatem às compras aos fornecedores sendo o respetivo pagamento feito por compensação com o preço dos fornecimentos, e esses descontos abatem aos preços dos fornecimentos, pagando a Recorrente apenas aos fornecedores o líquido – ou seja, a diferença entre estes e aqueles.
Por sua vez, a sentença refere que do probatório resulta que o relacionamento entre a Impugnante e os seus fornecedores estão estabelecidos descontos em função da quantidade adquirida e que são estabelecidas taxas de descontos em função do tipo de produto que são aplicadas às compras efetuadas ao fornecedor. Mais refere a sentença que a Impugnante não espera que o fornecedor lhe emita nota de crédito, emitindo antes ela a respetiva nota de crédito ao fornecedor no final de cada mês ou trimestre, para tanto calculando o valor das compras em função do tipo de produto e aplica a taxa de desconto respetiva, emitindo a respetiva nota de débito ao fornecedor, que estão elencadas nas páginas 18 e 19 do Relatório de Inspeção e respeitam aos valores calculados pela Impugnante, sobre os quais não incidiu IVA.
Efetuado este enquadramento, a sentença refere que um fornecedor quando procede a descontos deve efetuar uma dedução do correspondente imposto, devendo emitir uma nota de crédito em nome do adquirente, devendo este regularizar o IVA a favor do Estado, entregando aquele valor, por ter efetuado uma dedução superior à devida. Mais diz a sentença que, a Impugnante optou por emitir notas de crédito no valor dos descontos, mas que nem por isso deixa de ter de pagar IVA ao Estado, para não desvirtuar o mecanismo do IVA. Refere, ainda, a sentença que, aquando da emissão das faturas, a Impugnante deduziu um valor de IVA calculado sobre o preço nelas constantes, que sofreu uma diminuição, fruto dos descontos, pelo que terá de regularizar o IVA a favor do Estado que deduziu a mais.
Mais refere a sentença que estão excluídos do IVA os descontos, os abatimentos e os bónus concedidos, mas o que está em causa nestes autos não é tributar a parte respeitante aos descontos, mas regularizar o IVA (esclarece: por parte do fornecedor, regularizar a seu favor o IVA liquidado a mais e por parte da impugnante regularizar a favor do Estado o IVA deduzido a mais).
Diz, ainda, a sentença que a Administração Tributária sustentou a liquidação na circunstância de se estar perante factos enquadráveis no artigo 6.º, n.º 4 do CIVA, por considerar estarem em causa efetivas prestações de serviços sujeitas a IVA, mas que só na fase judicial a impugnante vem alegar que o valor de € 50.602,27 diz respeito a descontos de quantidade, tendo na fase administrativa dito que este tipo de receita contemplava várias componentes, como: (i) proporcionar ao fornecedor o acesso a todos os programas promocionais, através da participação no calendário promocional, bem como identificação de uma gama de produtos a incluir nas várias campanhas a decorrer durante o exercício; (ii) promover o acesso à participação nas várias “feiras nacionais e regionais” promovidas pela empresa ao longo do ano nas várias lojas; (iii) preferência na aquisição dos produtos de determinado fornecedor que acorda “cooperação comercial”, tudo de acordo com o contrato de cooperação comercial subscrito pela impugnante e os ditos fornecedores.
Atenta este enquadramento a sentença, concluiu da seguinte forma:
«Assim, perante a prova de factos diversos dos alegados perante a AF, o tribunal está habilitado a efectuar uma qualificação jurídica diversa, como vimos.
Atento o exposto, mostrando-se a liquidação conforme o estatuído no art.º 71.º, n.º 2 do CIVA, não procede a alegação da impugnante, neste particular».

Conforme já acima mencionado, a Recorrente diz que não deduziu qualquer IVA sobre o preço antes dos descontos, pelo que não tem de regularizar IVA a favor do Estado, referindo, ainda, que não deduziu qualquer IVA a mais.

Apreciando.
A sentença recorrida sobre esta matéria deu por assente os factos elencados nas alíneas tt) até eee), que insertas na págs. 32 e 33 e fez a análise jurídica nas suas págs. 52 a 57.
Consta daquelas alíneas da matéria de facto que nos fornecimentos em apreço eram efetuados descontos em função da quantidade adquirida, e que, conforme o produto fornecido, o desconto variava. Para além disso, não era o fornecedor quem emitia a nota de crédito, mas a Impugnante, aplicando a taxa de desconto respetiva, sobre cujo valor não incidia IVA.
A Administração Tributária considerou que estavam em causa descontos obtidos dos fornecedores como contrapartida de prestação de serviços, por isso entendeu que, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IVA, devia ter sido liquidado IVA.
Ora, se a 1.ª instância entendia que não havia uma prestação de serviços, então devia ter concluído não ser devido IVA e não aplicar uma diferente fundamentação jurídica ao ato de liquidação.
Não obstante, o sujeito passivo poder eventualmente invocar diante da AT uma determinada factualidade, o que resulta da lei, é que deve ser diante do tribunal que fica a valer a factualidade invocada pelo sujeito passivo.
Para além disso, o Tribunal não pode efetuar uma qualificação jurídica diferente daquela que foi realizada no ato de liquidação, na medida em que a Impugnante não teve possibilidade de se defender dessa diferente e nova fundamentação.
Isto porque, no processo de impugnação judicial, está-se diante de um contencioso de mera legalidade, pelo que o Tribunal tem de se quedar pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual que o integra, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.
Assim é, porquanto o contribuinte tem de defender-se apenas dos pressupostos enunciados na fundamentação contextual do ato tributário e dos quais se extraíram os seus efeitos lesivos, pelo que o Tribunal está impedido de valorar razões de facto e de direito que não foram invocadas para conduzir ao ato tributário impugnado. Se assim não fosse, o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contração do seu direito de recurso contencioso face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os atos tributários, e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar as decisões judiciais. [vide neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de novembro de 1998 (Pleno), de 14 de Junho de 2000, de 19 de dezembro de 2001 e de 17 de março de 2005, proferidos, respetivamente, nos Rec. nºs 32702, 45029, 48126 e 0103/05, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt].
Com efeito, não compete ao Tribunal substituir-se à Administração Tributária na prática de um novo ato tributário, estando-lhe vedado, “Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, (…) decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.” (vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de junho de 2011, proferido no Processo nº 058/11, integralmente disponível em www.dgsi.pt).
Resulta, ainda, da jurisprudência firmada que: «A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”» [Acórdão do STA de 2018-03-22 (Processo n.º 0208/17), disponível em www.dgsi.pt].
Portanto, a fundamentação jurídica exposta na sentença, para manter na ordem jurídica o ato impugnado, é diferente daquela que ficou plasmada no ato tributário, pelo que, com esta fundamentação, a sentença não se pode manter.
Até porque, não resulta demonstrado da matéria de facto que a Recorrente tenha deduzido IVA sobre o preço antes dos descontos, não obstante na alínea s) da matéria de facto (pág. 25 da sentença), se transcrever uma informação da AT, na qual se refere que se procedeu à elaboração de conta corrente manual, com inclusão das correções efetuadas pelo Serviço de Inspeção Tributária, para os períodos 99 12 a 03 04 (portanto dezembro de 1999 a abril de 2003) e que os créditos apurados em excesso foram utilizados nas declarações periódicas posteriores a favor do sujeito passivo. Não obstante esta informação, não resulta de modo claro e inequívoco e com a segurança e certeza jurídica exigíveis, que estes créditos apurados em excesso a favor do sujeito passivo, dissessem concretamente respeito a estas operações de desconto que aqui estão em causa. Tanto mais que a Recorrente invoca que não deduziu qualquer IVA sobre o preço antes dos descontos, pelo que não tem de regularizar IVA a favor do Estado, referindo, ainda, que não deduziu qualquer IVA a mais.

Alega, ainda, a Recorrente que se o Tribunal entendia que não estava em causa uma efetiva prestação de serviços, devia ter anulado a liquidação.
Ora no seguimento da matéria de facto dada por assente nas alíneas tt) até eee), resulta que nos fornecimentos em apreço eram efetuados descontos em função da quantidade adquirida, e que, conforme o produto fornecido, o desconto variava. Para além disso, não era o fornecedor quem emitia a nota de crédito, mas a Impugnante, aplicando a taxa de desconto respetiva, sobre cujo valor não incidia IVA.
Portanto, as operações em apreço não correspondiam a uma prestação de serviços, mas antes a um desconto efetuado sobre o qual não incidia IVA e que a Impugnante apenas pagava o valor já com o desconto efetuado.
Saliente-se que situação idêntica à destes autos já foi objeto e análise por este TCA Norte no processo n.º 837/04.1BEPRT, em que foi ali Recorrente a Fazenda Pública, e que teve Acórdão proferido em 09/06/2021 (ainda inédito), sendo a Impugnante a mesma deste processo, estando em questão, precisamente, os descontos efetuados pelos fornecedores, sendo que naquele caso respeitava ao IVA do ano de 2001.
Desta forma, por se tratar se situação em tudo idêntica e por concordarmos com o teor daquele Acórdão, aqui o acolhemos, com as devidas adaptações e damos por reproduzido parte do mesmo, que a seguir se transcreve:
«O art. 16., n. º1, do CIVA que estatui que, o valor tributável das transmissões e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo adquirente, do destinatário ou de terceiro.
Não sendo possível estabelecer essa relação entre prestação de serviço e o contravalor recebido, apenas resta concluir que o que subjaz a toda a operação é um abatimento ao preço ou um desconto comercial, deste modo estando excluído da incidência do IVA, como decorre do n. º6, al. b) do art. 16.º do CIVA, do valor tributável, referido no número anterior, serão excluídos: os descontos, abatimentos e bónus concedidos. Neste sentido o AC. do STA, fazendo alusão ao TJUE, de 27-11-2019, no processo 0431/10.8 BEVIS

Como se refere no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, e que a recorrente faz expressa menção nas suas conclusões, a contraprestação deve ser real e efetiva, suscetível de avaliação pecuniária e de apreciação subjetiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo direto que vincule a prestação e a contraprestação efetuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente direto Obra citada, página 256. e a expressão subjetiva, tem o significado de é necessário partir dos dados reais da operação em causa.

A mesma autora supra citada, refere que a concessão de descontos, abatimentos e bónus é uma prática frequente para incentivar as vendas, que tem como consequência a redução do preço de aquisição dos correspondentes bens ou serviços. A razão da exclusão do valor tributável dos descontos deve ao facto de implicarem ausência de contravalor, suscetível de determinação pecuniária, proporcionado pelo comprador do bem ou pelo destinatário do serviço.

Em sentido similar, veja-se, o acórdão do TJUE de 19-12-2012 no caso GRATTAN plc, o art. 8.º al, a) da Segunda Diretiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes a impostos sobre o volume de negócios- Para determinar se o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva impunha aos Estados-Membros que permitissem a modificação do respetivo contravalor e, portanto, a correção da matéria coletável após o momento em que ocorreu o facto gerador do imposto, há que analisar igualmente as disposições dessa diretiva em matéria de cálculo, declaração e pagamento do IVA. Com efeito, a determinação da matéria coletável pressupõe um contravalor e um facto gerador. Cumpre salientar, a este respeito, que o artigo 5.º, n.º 5, da Segunda Diretiva previa que «o facto gerador do imposto ocorre no momento em que [é efetuada] a entrega». A expressão «facto gerador do imposto» constante desta disposição era definida no ponto 8 do anexo A da mesma diretiva como «nascimento da dívida fiscal». Há que constatar que nenhuma disposição da Segunda Diretiva previa a fixação da ocorrência do facto gerador do imposto num momento posterior, ou o seu adiamento por qualquer outra forma. Esta diretiva também não contém nenhuma disposição que previsse a modificação da dívida fiscal já constituída. Nestas condições, tem de se considerar que, nos termos do artigo 5.º, n.º 5, da Segunda Diretiva, a dívida fiscal do sujeito passivo se constituía com base no montante resultante da matéria coletável determinada à data da entrega. Há pois que referir que nem o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva nem nenhuma outro artigo da Segunda Diretiva podia ser interpretado no sentido de que era obrigatório permitir a regularização da matéria coletável, ou do imposto pago a jusante, depois da entrega, que constitui o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, com o que declara que: O artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não confere ao sujeito passivo o direito de considerar reduzida a posteriori a matéria coletável de uma entrega de bens quando, após a conclusão dessa entrega de bens, um agente venha a receber do fornecedor um crédito que pode optar por receber sob a forma de um pagamento em dinheiro ou sob a forma de um crédito compensável com os montantes em dívida ao fornecedor por entregas de bens já realizadas.

Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento e de aplicação das normas do IVA em matéria de descontos promocionais, comercias ou de quantidade, acordados contratualmente entre ela e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estando ao abrigo do art. 16.º, n.º 6, al. b) sujeita a IVA (…)».

Em face do exposto, concluiu-se que a sentença (no segmento recorrido) não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada e a impugnação julgada procedente nessa parte, anulando-se, portanto, a liquidação também no segmento ora em apreço.
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No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a revogação da sentença e ao facto de a Impugnação ser julgada procedente, no segmento ora recorrido, assim como a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta na 1.ª e na 2.ª instância, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.

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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - No processo de impugnação judicial, o Tribunal não pode efetuar uma qualificação jurídica diferente daquela que foi realizada no ato de liquidação, na medida em que se está diante de um contencioso de mera legalidade, limitando-se o Tribunal a apreciar a legalidade do ato impugnado, tal como foi praticado, não podendo serem valoradas razões de facto e de direito que não foram tidas em consideração no ato sindicado.
II - Descontos de quantidade, acordados contratualmente entre a impugnante e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estão sujeitos a IVA, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 6, al. b) do Código do IVA.

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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, na parte ora recorrida.
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Custas a cargo da Recorrida, na 1.º instância e na 2.ª instância, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Porto, 8 de fevereiro de 2024.

Paulo Moura
Conceição Soares
Cristina da Nova