Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02107/16.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL. PERÍODO DE REFERÊNCIA
Sumário:

I) – O pagamento de créditos laborais pelo Fundo de Garantia Salarial exige seu vencimento dentro do período de referência. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ACAK
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

ACAK (Avª V…, 4490-410 Póvoa do Varzim) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que, em acção administrativa por si intentada contra Fundo de Garantia Salarial (R. António Patrício, nº 262, 4199-001 Porto), julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.
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A recorrente oferecendo em recurso as seguintes conclusões:
I O Tribunal recorrido atendeu à tese apresentada pela Recorrente na medida em que decidiu que os créditos laborais da Recorrente perante a sua entidade patronal se venceram em 10 de Junho de 2013, data em que a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho que condenou a entidade patronal no pagamento da quantia de €5.294,57 transitou em julgado.
II Entendeu também o Tribunal Recorrido, e bem, que atendendo ao facto da Recorrente ter pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de patrono, a acção teria de se considerar proposta na data da apresentação do pedido, ou seja, em 11 de Agosto de 2014.
III Contudo, concluiu o Tribunal a quo que não se encontra verificado o requisito previsto no art. 2.º, nº 4 do NRFGS, o que não se aceita.
IV Não se podem ignorar as circunstâncias que rodeiam a situação aqui em crise.
V Conforme resulta da Sentença recorrida a Recorrente propôs contra a entidade empregadora acção emergente de contrato de trabalho com finalidade de impugnar o seu despedimento e obter o pagamento dos créditos laborais que lhe eram devidos, tendo a mesma sido julgada procedente.
VI Tais créditos, no valor de €5.294,57, não foram pagos voluntariamente, tendo a então Recorrente tentado contactar a sua mandatária para se informar sobre os procedimentos a seguir para que pudesse receber a quantia em causa.
VII Tais contactos resultaram infrutíferos.
VIII Na impossibilidade de contactar a sua mandatária, a Recorrente revogou o mandato nos autos da acção laboral e apresentou um pedido de apoio judiciário com nomeação de patrono para que fosse intentada correspondente acção de Insolvência.
IX O lapso de tempo decorrido entre a decisão proferida pelo tribunal de Trabalho e o requerimento de apoio judiciário deveu-se ao facto da ora Recorrente ter advogada constituída naquela acção e estar convicta que se encontravam a ser diligenciados todos os actos para o efectivo recebimento da quantia que lhe era devida.
X Tais factos encontram-se documentados nos autos, não tendo, porém, sido atendidos, nem tão pouco analisados pelo Tribunal recorrido, o que determina a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º, nº 1, al. d) do CPC.
XI Por outro lado, não se esqueça que os créditos salariais da Recorrente foram reclamados e devidamente reconhecidos pelo Administrador de Insolvência.
XII E, conforme doutamente decidido por este Tribunal, a Recorrente apresentou atempadamente junto do Fundo de Garantia Salarial o pedido de pagamento dos seus créditos.
XIII Não pode, por isso, ser apontada qualquer incúria à Recorrente, visto que sempre a Recorrente reclamou e exerceu os seus direitos dentro dos prazos legais.
XIV E, tivesse conhecimento do curto prazo previsto no art. 2º, nº 4 do NRFGS e certamente teria insistido pelo seu cumprimento junto da sua mandatária, ou, não o sendo possível, diligenciaria por uma alternativa.
XV No entanto, a Recorrente, como qualquer cidadão comum, não conhece, nem tem obrigação de conhecer, todos os prazos legais de que dependem os seus direitos.
XVI E, por esse motivo também não poderá ser penalizada se o seu incumprimento não lhe for imputável, conforme sucedeu na situação em crise nos presentes autos.
XVII A assim ser, estaríamos perante uma situação de enorme injustiça.
XVIII Entende a Recorrente que, o facto dos créditos da Recorrente não se terem vencido no período de referência previsto no nº 4 do art. 2.º do NRFGS não lhe poder ser imputável terá de ser atendido pelo Tribunal e, verificando-se cumpridos os demais requisitos legais, terá de se concluir pelo direito da Recorrente em receber a quantia reclamada perante o Fundo de Garantia Salarial.
XIX Com a sentença recorrida o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas previstas no art. 615.º, nº1 al. d) do CPC e o art. 2º nº 4 do NRFGS.
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O recorrido não contra-alegou.
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O Mº Pº, na pessoa do Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento do recurso.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que o tribunal a quo deu como provados:
A) No início de 2008, a Autora foi contratada pela Sociedade TA – Artigos para o Lar, Lda.;
B) No dia 10 de julho de 2011, a referida entidade empregadora avisou a Autora que estava despedida, sem que lhe fossem pagos os créditos laborais;
C) Em data não determinada, a A. propôs contra a sociedade TA – Artigos para o Lar, Lda., ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que correu termos no 2º juízo do Tribunal de Trabalho de Matosinhos sob o nº. 812/11.0TTMTS;
D) No âmbito daquele processo, por sentença datada de 14 de maio de 2013, e transitada a 10 de junho de 2013, foi o despedimento da Autora declarado ilícito e a Ré condenada a pagar a quantia de € 5,294,57, a título de créditos salariais;
E) Em 11.08.2014, a A. apresentou requerimento de proteção jurídica nos serviços do Instituto da Segurança Social, IP, no qual peticionou a atribuição de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, bem como nomeação e pagamento de compensação a patrono, indicando como finalidade a de propor ação de “insolvência de pessoa coletiva”;
F) Tendo a decisão de apoio judiciário sido proferida em 12.12.2014;
G) Em 12.01/2015, a A. requereu a insolvência da sociedade TA – Artigos para o Lar, Lda., que correu termos no Tribunal da Comarca de Aveiro, Instância Central de Santo Tirso, 1ª secção de Comércio, sob o processo n.º 109/15.6T8AVR;
H) Em 15/04/2015, foi proferida sentença no processo descrito no ponto antecedente, que declarou a insolvência da sociedade TA – Artigos para o Lar, Lda.;
I) Em 05.08.2015, a A. requereu ao R. o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, no montante global de € 5,294,57;
J) Em 27.05.2016, os serviços do R. elaboraram as informações cujo teor consta de fls. 81 a 84 dos autos [suporte físico], e que aqui se entende como inteiramente reproduzido, e nas quais se propõe o indeferimento do requerido pela A.;
K) Em 17.03.2016, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial lavrou despacho concordante;
L) Em cumprimento do despacho descrito no ponto anterior, foi a A. notificada, por ofício datado de 17.03.2016, de que o requerido foi indeferido com o fundamento de que o requerimento apresentado não foi apresentado no prazo previsto no artigo 2, nº. 8 do Decreto-Lei nº. 52/2015, de 21 de abril e de que os créditos salariais reclamados não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, seis meses que antecedem a data de propositura da ação [insolvência, falência, recuperação de empresa ou procedimento judicial de conciliação].
M) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].
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O Direito:
Uma primeira observação.
Por força de anterior aresto deste TCAN cujos termos se têm aqui presentes, encontra-se adquirido e firme que “a apresentação do requerimento da autora em 05.08.2015, não fere o disposto no art.º 8º, n.º 2, do anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04”.
Não está em discussão.
Ficou para pronúncia a “definição sobre se os créditos se encontram, ou, não, fora do período de referência”.
O tribunal “a quo” julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido, com duas premissas que a autora/recorrente acolhe:
- os seus créditos laborais perante a sua entidade patronal venceram-se em 10 de Junho de 2013, data em que a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho que condenou a entidade patronal no pagamento da quantia de €5.294,57 transitou em julgado;
- a acção de insolvência terá de se considerar proposta em 11 de Agosto de 2014.
Onde a recorrente aponta censura é quanto ao juízo que, perante estes pressupostos, o tribunal “a quo” tirou da seguinte forma:
«(…)
Ora, tendo a ação de insolvência contra a entidade empregadora em causa sido instaurada em 11.08.2014, o período de referência aludido no artigo no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS situa-se entre 11.02.2014 e 11.08.2014.
Deste modo, verificado que está que os créditos salariais em discussão venceram-se em 10.06.2013, forçoso é concluir que não se encontra verificado o requisito previsto no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS, visto que a data de vencimento dos créditos sucedeu já fora do prazo de seis meses anterior à propositura da ação de insolvência.
É certo que a A. argumenta, em sentido contrário, que foi proposta a devida ação de insolvência e que os seus créditos foram reclamados e reconhecidos na mesma ação.
Porém, de tais circunstância e argumento não resulta qualquer efeito ou alteração aos termos do que já se expôs.
(…)».
Aponta “as circunstâncias que rodeiam a situação aqui em crise”, que vai narrando de V. a IX. das suas conclusões de recurso, concluindo que “Tais factos encontram-se documentados nos autos, não tendo, porém, sido atendidos, nem tão pouco analisados pelo Tribunal recorrido, o que determina a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º, nº 1, al. d) do CPC.”.
Nulidade que não ocorre.
Mesmo “A desconsideração de algum elemento relevante no juízo acerca de uma «quaestio juris» pode configurar um erro de julgamento, mas não uma omissão de pronúncia.” (Ac. do STA, de 31-03-2016, proc. nº 019/16).
Mas nem sequer se configura tal erro.
No argumento da recorrente deveria desconsiderar-se o lapso de tempo decorrido entre a decisão proferida pelo tribunal de Trabalho e o requerimento de apoio judiciário, pelas vicissitudes que aponta na relação de mandato.
Mas daí não promana qualquer facto impeditivo do exercício do direito, legalmente reconhecido como tal.
E tanto assim que, mesmo desligado desse reconhecimento legal, a própria avança o seu convencimento subjectivo de “estar convicta que se encontravam a ser diligenciados todos os actos para o efectivo recebimento da quantia que lhe era devida”, o que só poderia encarar na ausência de escolhos a esse exercício.
A recorrente lembra ainda que “os créditos salariais da Recorrente foram reclamados e devidamente reconhecidos pelo Administrador de Insolvência”.
Mas o tribunal “a quo” não deixou de assinalar que “o incidente de reclamação e verificação de créditos em sede de processo de insolvência nada tem que a ver com a data de vencimento dos créditos em causa, nem alterando o citado momento de vencimento”, desenvolvendo justificação.
Sem que agora a recorrente desfira qualquer crítica.
[Sempre se lembra que os créditos em causa, cujo pagamento foi peticionado ao Fundo de Garantia Salarial, reportam-se aos vencimentos de Junho e Julho de 2011 (10 dias), férias e subsídio de férias referentes ao trabalho prestado em 2010, proporcionais de férias, subsídio de férias e e subsídio de natal do trabalho prestado em 2011, e ainda indemnização por antiguidade.
Créditos reconhecidos em sentença que declarou a ilicitude de despedimento.
O «STA tem vindo uniformemente a entender que, sendo judicialmente declarada a insolvência da entidade empregadora, o FGS garantirá os créditos salariais que se hajam vencido nos 6 meses que antecederam a propositura da acção de insolvência, relevando para este efeito, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida em acção intentada com vista ao seu reconhecimento» - Ac. do STA, de 08-02-2018, proc. nº 0148/15.
Efectivamente, «Da leitura conjugada dos artigos 317.º a 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29.07, e dos artigos 2.º e 3.º do DL n.º 139/2001, de 24.04, decorre que a acção a que se reporta o n.º 1 do artigo 319.º é a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra.» - Ac. do STA, de 13-12-2017, proc. nº 0182/15.
O que também à luz do NRFGS se há-de continuar a entender.
Tem sido também o entendimento já por várias vezes expresso em arestos deste TCAN (cfr., p. ex., Acs. de 15-12-2017, proc. nº 2036/15.8BEPRT; de 04-10-2017, proc. nº 1151/15.2BEBRG; de 17-11-2017, proc. nº 1251/12.0BEBRG; de 15-12-2017, proc. nº 417/14.8BEAVR; de 02-02-2018, proc. nº 717/14.2BEBRG; de 02-03-2018, proc. nº 1142/16.6BEPNF; de 02-03.2018, proc. nº 1465/14.9BEBRG), vendo do vencimento de tais créditos nos termos do que legalmente lhes define exigibilidade, não dependente da executoriedade que lhes confira sentença; do mesmo passo ressalvando os direitos que decorrem do despedimento ilícito e que (só) podem ser efectivados por via da acção de impugnação, mormente admitindo o vencimento dos créditos salariais relativos à indemnização por despedimento ilícito e às retribuições vencidas desde a data do despedimento, apenas com o trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça]
E sem que no mais que refere obtenha favor, considerando que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art.º 6º do CC) e que o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo (art.º 8º, n.º 2, do CC).
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 28 de Junho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Helenas Canelas, em substituição
Ass. Alexandra Alendouro