Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:04871/04 - VISEU
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2010
Relator:Álvaro Dantas
Descritores: IRC - CUSTOS FISCAIS - FACTURAS FALSAS - ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Estando em causa uma liquidação de IRC que tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação;
2. Tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que a operação mencionada em determinada factura não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada;
3. Feita essa prova, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada;
4. Aceitando a administração tributária que o emitente da factura prestou serviços à Impugnante, estava obrigada a demonstrar as razões que justificam a integral desconsideração de tal factura;
5. Não o fazendo, há que concluir que a administração não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação pelo que é ilegal a liquidação que se fundamenta na desconsideração do custo titulado pela referida factura.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório
A Fazenda Pública (doravante, Recorrente), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por António , Lda, NIPC com sede em Travassós de Baixo, 3500 – Viseu, (doravante, Recorrida), contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao ano de 1998, veio dela recorrer.
Em sede de alegações, concluiu a Recorrente do seguinte modo:
A - A presente impugnação vem interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1998 e que teve por base correcções à matéria tributável declarada, processadas em sede de acção inspectiva;
B - Tais correcções assentaram na desconsideração como custo, de uma factura emitida por um subempreiteiro a quem a impugnante diz ter subempreitado uma obra;
C - Na verdade, a concessão de tal empreitada, apenas tem como suporte uma folha de papel A4 a que a impugnante chama contrato onde se faz referência às partes não se identificando, objectivamente, o tipo de serviço ou trabalho a prestar, a que foi atribuído um valor de 19.000 contos, não se encontrando datado nem assinado por uma das partes;
D - O histórico da factura em causa está em contradição com o declarado pelo prestador dos serviços, o Sr. Joaquim, tendo-lhe sido pago, apenas 3.000 contos, até porque o tosco da obra foi executado pela firma "Lima & Cardoso, L.da";
E - O NIPC da impugnante foi rasurado na dita factura nº 51 e não corresponde ao que consta da factura nº 1, emitida pela impugnante;
F - A estrutura empresarial do subempreiteiro não poderia responder ao solicitado pela impugnante daí o ter intervindo uma outra firma na execução de grande parte da obra;
G - A Administração Tributária usou todos os meios ao seu alcance com vista à descoberta da verdade material vindo a concluir, e bem, que a factura nº 51, não passou de uma factura de favor, cujo objectivo foi a redução dos proveitos para efeitos de tributação;
H - Não se questiona o facto do Sr. Joaquim ter ou não trabalhado para a impugnante. Apenas entendemos que não realizou os serviços ou trabalhos a que alude a factura em causa.
I - O acto de liquidação impugnado, mostra-se devidamente fundamentado quer quanto à chamada fundamentação substancial, quer quanto à sua fundamentação formal;
J - Do exposto se infere que a sentença recorrida, fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 17° e 23° do CIRC e ainda do artigo 35° do CIVA.

Não houve contra-alegações.

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso por considerar, no essencial, que a prova documental existente nos autos permite suportar a conclusão da administração tributária no sentido da desconsideração dos custos documentados pela factura que reputou de “falsa” ou “de favor”.

Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª instância e que aqui se reproduz ipsis verbis:
“I – Factos provados
A) A Impugnante, António , Lda., NIPC , com sede em Travassós de Baixo, Viseu, exercendo a actividade de construção civil, CAE, no ano de 1999 foi objecto de uma operação de fiscalização aos exercícios de 1997 e 1998, em cumprimento da Ordem de serviço nº 24 735 que teve origem no facto de aquela não cumprir as suas obrigações declarativas para efeitos fiscais - cfr. págs. 4 e 7 do Processo Administrativo que aqui se dão por reproduzidas, o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos.
B) O Agente de Inspecção, analisando as contas da Impugnante salientou dois lançamentos, ambos de Setembro de 1998 “o resultante do registo da factura nº 1, no montante global de Esc. 23.400.000$00 (116.718,70€) emitida pelo próprio contribuinte e a factura nº 51 de Esc. 22.330.000$00 (111.381,57€), pertencente ao sujeito passivo Joaquim Jesus Loureiro” - cfr. fls. 8, 28 e 33 do processo administrativo;
C) Os lançamentos vindos de referir respeitam, segundo a versão apresentada pela Impugnante, a uma subempreitada relativa a uma obra realizada em Nelas, que a Impugnante subempreitou a Joaquim Jesus Loureiro, a qual, contabilisticamente, teve como suporte documental os documentos aludidos e ainda um contrato de subempreitada – cfr. fls. 34 do processo administrativo;
D) Porque a Inspecção, "pela análise do cadastro do contribuinte Joaquim Jesus Loureiro verificou que este apresentava irregularidades significativas ao nível do cumprimento das suas obrigações fiscais, designadamente não enviava declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos desde 1993, propôs que ele fosse alvo de acção de inspecção", tendo esta permitido concluir "...aquilo que o contribuinte refere ou declara muito pouco corresponderá à verdade. No entanto, das apreciações e análises que realizou, concluiu da eventual existência de serviços prestados pelo Sr. Joaquim Jesus Loureiro à firma António , Lda., mas não no valor a que corresponde a factura n° 51" referida em B) - vide fols. 8 e 9, 31, 32, 36, 37 a 40 do Processo Administrativo;
E) O Agente de fiscalização aludindo às contradições entre Impugnante e Joaquim Jesus Loureiro sobre o objecto efectivo da subempreitada já aludida, meios de pagamento usados, etc., concluiu: "considera-se demonstrado que a factura emitida pelo subempreiteiro Joaquim Jesus Loureiro é falsa, na medida em que se apresenta como factura de favor e, portanto, não reproduz factos ou transacções reais, uma vez que todos os elementos recolhidos perspectivam a inexistência de prestação de serviços por parte dó emitente do documento... não poderá ser considerado como custo fiscal, o valor contabilizado a partir da referida factura, de acordo com o artigo 23° do CIRC, porquanto, tal montante refere-se a uma operação fictícia, insusceptível de influenciar negativamente a matéria colectável do respectivo exercício" - vide fols. 10 a 12 do aludido Processo Administrativo;
f) As contradições vindas de referir traduzem-se fundamentalmente no facto de a Impugnante afirmar que os trabalhos que o Joaquim Jesus Loureiro realizou foram serviços de acabamento e não de tosco, dizendo aquela que o tosco foi realizado pela empresa Lima & Cardoso que o Joaquim Jesus Loureiro forneceu não só a mão de obra como também os materiais; que procedeu ao pagamento de toda a quantia facturada em dinheiro. Por sua vez o Joaquim Jesus Loureiro disse que apenas recebeu Esc. 3.000.000$00 por meio de dois cheques e que se limitou a fornecer mão-de-obra para o tosco - vide fols. 8 a 10 do Processo Administrativo, no demais, idem d);
g) As conclusões a que a Inspecção chegou, após a Impugnante ter sido notificada para exercer o direito de audição, vieram a ser ratificadas superiormente, tendo originado correcções e consequente liquidação adicional nestes autos impugnada - vide fols. 23 a 27, 17 e 18 do processo administrativo.
h) A liquidação impugnada contém, como data limite de pagamento, 2000-05-24 - cfr. doc. de fls. 24.

II – Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa outros factos que estejam em contradição com os supra referidos.

Ao abrigo da norma do artigo 712º do CPC aplicável ex vi art. 2º alínea e) do CPPT, consideram-se igualmente provados os seguintes factos resultantes da prova documental junta a fls. 4 a 14 do processo administrativo apenso:
i) Na sequência da acção inspectiva referida na alínea a), foi elaborado um Relatório de Acção Inspectiva nos termos no qual foi, a dado passo e sob a epígrafe “A) Correcções relativas a IVA (…) I. Irregularidades susceptíveis de penalização nos termos do artigo 23º do RJIFNA – Crime fiscal, exarado o seguinte: “Da verificação efectuada às contas da empresa, de imediato se salientaram dois lançamentos: o resultante do registo da factura nº 1, no montante de 23.4000.000$, emitida pelo próprio contribuinte e a factura nº 51, de 22.230.000$, pertencente ao sujeito passivo Joaquim Jesus Loureiro, NIPC . Solicitados alguns esclarecimentos sobre estes dois documentos, o Sr. António , sócio gerente da empresa alvo de fiscalização, referiu que se tratavam de documentos resultantes de uma subempreitada tomada por ele e que posteriormente cedeu, também na forma de subempreitada ao Sr. Joaquim Loureiro, a totalidade dos serviços. Consequentemente, pedi que me fossem apresentados contratos e provas de pagamento. Relativamente a estas pretensões, refere-se: a) Foi-me entregue uma mera folha A4, indicando como sendo o contrato de empreitada estabelecido entre ambas as partes. Contudo, este não está datado, contém exclusivamente a assinatura do Sr. Joaquim Loureiro e os serviços a levar a cabo estão descritos de forma muito vaga – “diversos trabalhos de acabamento”. b) Quanto às provas de pagamento, foi-me dito que não existiam, uma vez que as liquidações tinham sido efectuadas em dinheiro e à medida que a D. Maria de Lurdes Guerra Pais, proprietária da obra ia adiantando algum dinheiro. Posteriormente, procedi à análise do cadastro do contribuinte Joaquim Loureiro, tendo verificado que este apresentava irregularidades significativas ao nível do cumprimento das suas obrigações fiscais, designadamente não enviava declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos desde 1993. (…)”.
j) Mais se consignou no aludido Relatório: “Da acção de fiscalização levada a cabo ao Sr. Joaquim Loureiro, relativamente à sua factura nº 51, revela-se: a) O Sr. Joaquim Loureiro declarou que efectivamente trabalhou para a firma António , Lda., na obra de Nelas; b) Mas que lhe ofereceu exclusivamente mão-de-obra, tendo com ele colaborado 2 pedreiros e um servente. Executou a obra de tosco, cujos equipamentos e materiais eram pertença da firma António , Lda.; c) Que recebeu da firma em causa a quantia de 3.000.000$ tendo recebido para o efeito 2 cheques e que ainda lhe falta receber a restante importância da factura em causa. Contudo não referiu quando ocorreram os referidos pagamentos, não quantificou nenhum deles nem apresentou qualquer cópia dos referidos elementos, isto é, não demonstrou quaisquer afirmações; d) Que a factura em causa, foi mandada emitir com o seu consentimento, dado que ele apenas sabe assinar o seu nome, mesmo referindo mão-de-obra e materiais, apesar de apenas ter prestado mão-de-obra como afirma; e) Foram detectadas, pelo colega que levou a cabo a acção inspectiva ao Sr. Joaquim Loureiro, diversas contradições nas afirmações que este prestou, permitindo-lhe concluir que aquilo que o contribuinte refere ou declara, muito pouco corresponderá à realidade. No entanto, das apreciações e análises que realizou, concluiu da eventual existência de serviços prestados pelo Sr. Joaquim Loureiro à firma António , Lda. mas não no valor a que corresponde a factura nº 51; (…) Confrontado o Sr. António com os factos supra descritos este reagiu com irritação referindo que era mentira, isto porque: a) executou serviços de acabamento e não serviços de tosco, uma vez que o tosco foi realizado pela empresa Lima & Cardoso, Lda., da qual ele próprio fora em tempos sócio; b) Forneceu não só mão de obra como também materiais; c) Nunca procedeu a qualquer pagamento em cheque mas sim e exclusivamente em dinheiro; d) Que ele, como representante da firma, apenas serviu de intermediário entre a proprietária da obra e o seu subempreiteiro, por a primeira não confiar nem acreditar no segundo; No entanto, da contabilidade recolheram-se, despesas cujo destino foi a obra de Nelas, conforme indicações presentes nos documentos, nomeadamente 10 sacos de cimento e toda a rede de gás e aquecimento, aplicada em 1997, ou seja anterior à data da emissão de ambas as facturas. Interpelado com as citadas aquisições de bens, foi-me dada a resposta, após breves momentos de reflexão que: a) Relativamente à rede de gás e aquecimento, de facto foi uma contratação efectuada por si e que tinha na origem um acerto de contas entre ambos, para além da falta de confiança do instalador face ao Sr. Joaquim Loureiro; b) Enquanto que os sacos de cimento referiam-se a serviços de betonilha executados por si, nas garagens da obra. Referi então que o valor que teria pago ao Sr. Joaquim Loureiro, teria sido inferior ao valor da factura, nomeadamente deduzido das despesas que ele próprio assumiu, uma vez que aquele teria cumprido com a totalidade do acordo. A esta alusão replicou de imediato que o valor pago em dinheiro ao seu subempreiteiro fora o valor constante da factura. Procedi, ainda, a diversas tentativas telefónicas para contactar a proprietária da obra, não tendo conseguido estabelecer qualquer ligação com a mesma, para além de solicitar a ajuda do Sr. Cardoso na tentativa de encontrar algum dos fornecedores de materiais para a obra em questão, que apesar de não ter sido recusada, não demonstrou muita vontade em colaborar. Do exposto, extraem-se inúmeras contradições, para além da inexistência de provas que demonstre de forma clara e inequívoca, qualquer uma das versões. Assim, face aos factos tecidos e descritos, considera-se demonstrado que a factura emitida pelo subempreiteiro Joaquim Jesus Loureiro é falsa, na medida em que se apresenta como factura de favor e, portanto, não reproduz factos ou transacções reais, uma vez que todos os elementos recolhidos perspectivam a inexistência de prestação de serviços por parte do emitente do documento.

2.2. O direito aplicável
O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos resultantes dos artigos 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) aplicável “ex vi” art. 2º alínea e) do CPPT.

Analisadas as conclusões das alegações do recurso interposto pela Recorrente, verifica-se que a questão que importa decidir é a de saber se é legal a liquidação adicional de IRC que se baseou numa correcção meramente aritmética à matéria tributável da Impugnante por sua vez determinada pela desconsideração de uma factura que a administração tributária entendeu não corresponder a uma efectiva prestação de serviços.

A sentença recorrida anulou o acto impugnado por considerar que o mesmo não se encontrava devidamente fundamentado.

Escreveu-se na douta sentença recorrida: “Atendendo à matéria dos autos, a contradição supra referida e a ausência de explicação suficiente e consistente para excluir qualquer serviço prestado pelo Joaquim Jesus Loureiro à Impugnante traduzem uma falta de fundamentação viciadora da liquidação”.

Contra este entendimento, afirma a Recorrente que o acto de liquidação impugnado se mostra devidamente fundamentado quer quanto á chamada fundamentação substancial quer quanto à sua fundamentação formal [conclusão h)].

No seu entender, a administração tributária recolheu elementos que permitem concluir que a Impugnante contabilizou uma factura que é de mero favor uma vez que o respectivo emitente não prestou os serviços que nela se referem.

Vejamos.

Tendo a sentença recorrida apontado ao acto aqui em causa o vício da falta de fundamentação e questionando a Recorrente a verificação de tal ilegalidade, importará, com vista a uma correcta equação do problema, começar por enunciar os normativos constitucionais e legais pertinentes.

Estabelece-se no artigo 268º nº 3 da Constituição da República Portuguesa:
Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Por sua vez, o artigo 77º da LGT tem o seguinte teor:
“1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
(…)”.

Finalmente, o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo estatui o seguinte:
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
(...)”.

Como é sabido, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.

Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” - assim, acórdão STA de 25 Jun. 98, Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, pág. 236.

Como se refere no acórdão STA 24 Mar. 2004, Recurso 01868/02, www.dgsi.pt “o dever de fundamentação visa, esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto e de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração se decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487, n.º 2 do CC – fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida” – neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 19 Mar. 81, recurso 13.031, acórdão STA 27 Out. 82, Acórdão Doutrinais (AD) 256, pág. 528, acórdão STA de 25 Jul. 84, AD 288 pág. 1386, acórdão STA 4 Mar. 87, AD 319, pág. 849, acórdão 15 Dez. 87, AD 318 pág. 813, acórdão STA 21 Mar. 91, recurso 25.426, acórdão 28 Abr. 94, recurso 32.352, acórdão 30 Jan. 2002, recurso 44.288 e acórdão 7 Mar. 2002, recurso 48.369.

Entendido o dever de fundamentação expressa na sua dimensão formal, afigura-se-nos que, no caso concreto, a administração tributária externou as razões de facto e de direito que estão na base da decisão em termos que as tornam apreensíveis para o seu destinatário e, dessa forma, cumpriu aquele dever.

Importa acentuar, no entanto, que a administração tributária não se pode limitar a uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução de custos fiscais em sede de apuramento da matéria tributável em sede de IRC por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material – neste sentido, acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 01834/04 Viseu.

Como se refere no acórdão STA 17 de Abr. 2002, processo 26635, www.dgsi.pt, “para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados, (...) mas terá de formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico-jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta. À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto, para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado”.

Nesta perspectiva, vem-se entendendo de modo uniforme que, estando em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas ou “de favor” pela administração tributárias, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:

- Porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada;

- Feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável – seguimos o acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 01834/04 Viseu. Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 17 Abr. 2002, Processo 26635 e acórdão STA 7 Mai. 2003 (Pleno), Processo 1026/02, acórdão TCA Norte 24 Jan. 2008, Processo 2887/04 Viseu, www.dgsi.pt.

Isto dito, importará agora analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que a factura contabilizada pela Impugnante é uma factura de favor ou que, dito de outra forma, a essa factura não subjaz a prestação dos serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Deve ter-se presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação.

Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311.

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Recorrida, não correspondem a efectivas operações essencialmente com base nos seguintes factos indiciários:
a) A circunstância de o “contrato” indicado como subjacente à factura se encontrar formalizado numa mera folha A4, não se encontrar datado, conter exclusivamente a assinatura do Sr. Joaquim Loureiro e os serviços a levar a cabo estão descritos de forma muito vaga – “diversos trabalhos de acabamento”;
b) A inexistência de provas de pagamento, derivada da circunstância de os pagamentos terem sido efectuados em dinheiro;
c) A circunstância de o Joaquim Loureiro não enviar declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos desde 1993;
d) As diversas contradições detectadas nas declarações tomadas ao Joaquim Loureiro relativamente às declarações do representante legal da Recorrida (tais contradições consistiriam no seguinte: o Joaquim Loureiro referiu que ofereceu exclusivamente mão-de-obra e não materiais; que executou a obra de tosco e não os acabamentos; que recebeu da Impugnante a quantia de 3.000.000$ tendo recebido para o efeito dois cheques e que ainda lhe falta receber a restante importância da factura em causa).

Afigura-se-nos, no entanto, que estes factos indiciários recolhidos pela administração tributária e por esta externados no cumprimento do dever de fundamentação formal do acto impugnado, não permitem suportar a conclusão a que chegou no sentido de que e citamos “a factura emitida pelo subempreiteiro Joaquim Jesus Loureiro é falsa, na medida em que se apresenta como factura de favor e, portanto, não reproduz factos ou transacções reais”.

Com efeito, a circunstância de o “contrato” que a Recorrida apresentou como estando subjacente à prestação de serviços e à subsequente emissão da factura se encontrar numa mera folha A4, sem data, apenas com a assinatura do Joaquim Loureiro e mencionando de forma vaga os serviços a realizar, deve ter-se por inteiramente irrelevante porquanto o contrato de empreitada, por um lado, não está sujeito a forma escrita e, por outro lado, a experiência demonstra que nem sempre os contratos celebrados no sector da construção civil (e noutros sectores…) sobretudo ao nível das pequenas empresas, primam pelo rigor técnico na explicitação dos respectivos termos.

Em todo o caso e é isso o que agora importa sublinhar, das falhas apontadas pela administração tributária não se nos afigura possível extrair que entre a Recorrida e o Joaquim Loureiro não existiu qualquer relação contratual.

Por outro lado, a inexistência de provas de pagamento derivada de pagamentos em numerário é, em geral, uma circunstância indiciadora de práticas de evasão ou fraude fiscal. No entanto, só com base nesse indício não é possível fundar, objectivamente, qualquer a conclusão quanto à inexistência da prestação de serviços, uma vez que, também neste particular, a experiência comum demonstra, sobretudo tendo em conta que estamos a tratar de factos de verificação recuada no tempo (ano de 1998), a ocorrência, em sectores menos sofisticados da vida económica, a efectivação, pelas mais diversas razões e nem sempre ilegítimas, de pagamentos em numerário.

Depois, o facto de o Joaquim Loureiro não cumprir com as suas obrigações declarativas não assume, no caso concreto, a relevância que normalmente lhe está associada pois que também se demonstra, como resulta do próprio Relatório da Acção Inspectiva, que o dito Joaquim Loureiro exercia a sua actividade, tendo, inclusivamente, prestado serviços à Recorrida.

Ora, neste contexto, mais do que saber se o Joaquim Loureiro cumpria ou não as suas obrigações fiscais, o que relevava e importava saber era se o mesmo exercia ou não a sua actividade, prestando serviços a favor de terceiros.

No que tange às contradições apontadas entre as declarações do representante da Impugnante e as do Joaquim Loureiro, também se nos afigura que elas não permitem suportar a conclusão da administração tributária no sentido de que a factura aqui em causa é falsa.

É que, apesar da existência de tais contradições, não é menos certo que o representante legal da Recorrida e o Joaquim Loureiro convergem num ponto essencial: ambos referem que este prestou serviços àquela no âmbito de um acordo de subempreitada que se concretizou na chamada “obra de Nelas” e que a factura em causa se reporta a tais serviços.

De resto, como já referimos, a própria administração tributária admite e aceita que o Joaquim Loureiro prestou serviços à Recorrida, embora não no montante a que a factura se reporta.

Ora, nesta perspectiva, aceitando-se que o Joaquim Loureiro prestou serviços à Recorrida, estava a administração tributária impedida de, sem mais, desconsiderar, in totum, a factura referida. Ao invés, impunha-se-lhe que demonstrasse (através de indícios objectivos outros, que não aqueles que carreou e explicitou no discurso fundamentador do acto e que antes referimos, uma vez que estes são, neste contexto de pressuposta aceitação de uma relação comercial entre a Recorrida e o Joaquim Loureiro, claramente imprestáveis) em que medida os serviços prestados foram outros que não aqueles (no todo ou em parte) a que a factura se refere ou em que medida o preço que consta da factura excedia – se é que excedia – o dos serviços reconhecidamente prestados à Impugnante e, portanto, em que medida os custos por esta contabilizados e reportados directamente ao montante que consta da factura eram insusceptíveis de influenciar negativamente a respectiva matéria tributável, pois que é disso que aqui se trata.

Manifestamente, a administração tributária não demonstrou, minimamente que seja, a razão pela qual, aceitando embora que o emitente da factura prestou serviços à Impugnante, concluiu que:
- Os serviços prestados pelo Joaquim Loureiro não foram aqueles a que se a factura se refere ou não tiveram a expressão pecuniária que consta da mesma;
- A factura é falsa e deve ser integralmente desconsiderada com a concomitante correcção técnica da matéria tributável.

Bem ao contrário, limitou-se a um juízo meramente conclusivo com ostensiva omissão das premissas justificativamente validantes do mesmo que, de todo, não satisfaz as exigências implicadas por uma actuação administrativa materialmente fundamentada, com o que improcedem as conclusões C a F e H das alegações do recurso.

Ao que acresce que a administração tributária não procedeu a diligências que teriam revestido, parece-nos, indiscutível importância. Referimo-nos, nomeadamente, à audição da dona da obra, por forma a saber quais os preços acordados e quais os meios de pagamento utilizados e também à audição do empreiteiro “geral”, uma vez que a própria Recorrida era uma subempreiteira, no sentido de apurar quais os trabalhos que foram por aquela realizados e quais os que foram concretizados pelo Joaquim Loureiro, desta forma improcedendo a conclusão G das alegações de recurso.

De tudo isto resulta, para concluir, que os indícios recolhidos pela administração tributária não permitem suportar, objectivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante e proceder à liquidação em litígio.

É dizer que a administração não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de cumprir o programa de fundamentação substancial do acto que a lei exige ou, dito de outra forma, no sentido de demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação correctiva da matéria tributável declarada pela Recorrida que, assim, deve ter-se por ilegal.

Finalmente, também se nos afigura de improceder a conclusão I das conclusões na parte em que aí se alega que a sentença recorrida fez uma interpretação inadequada da norma do artigo 35º do Código do IVA.

Como é sabido, o referido normativo legal enuncia requisitos formais a que devem obedecer as facturas ou documentos equivalentes.

No entanto, essas exigências, compreensíveis embora no sistema do IVA, não são inteiramente transponíveis para a matéria documentação de custos no âmbito do IRC porquanto a densidade e os contornos das específicas obrigações documentais tutelam interesses substanciais próprios de cada imposto.

O Código do IRC não contém qualquer referência que precise a noção de documento justificativo. É certo que a factura completa, à luz dos normativos pertinentes do Código do IVA, subsume-se no conceito de documento justificativo, no entanto a inversa não é verdadeira, pois as duas noções não são inteiramente coincidentes quanto à respectiva significação.

Assim, na ausência ou incompletude da factura, à regra geral da desconformidade do título em sede de IVA não corresponde, inelutavelmente, a mesma consequência para efeitos de IRC. Pode dizer-se que uma qualquer forma de representação da operação integra-se na noção de documento justificativo, desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção) – nestes termos, Tomás Castro Tavares, Da Relação da Dependência Parcial Entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, págs. 122 e 123.

As exigências formais ao nível do imposto sobre o rendimento não são nem têm de ser tão severas como sucede em sede de IVA e daí que possa dizer-se que a dedutibilidade dos custos fiscais para efeitos de IRC pressupõe e satisfaz-se com a feitura de um documento justificativo que represente um suporte externo com a menção das características essenciais da operação.

Existindo tal documento, competirá à administração tributária a prova da sua inexactidão ou da inexistência da relação subjacente – assim, Tomás Castro Tavares, Da Relação de Dependência, cit., pág. 125.

Ora, no caso, a factura em causa que serviu de documento do custo contabilizado pela Recorrida reveste, formalmente, as características suficientes para que possa considerar-se justificativo do custo e suporte da respectiva dedutibilidade.

A sentença recorrida não afrontou, portanto, a norma do artigo 35º do CIVA.

Tudo visto: não se demonstrando, como vimos, a inexactidão da factura ou a inexistência da relação que lhe subjaz, estava a administração tributária impedida de desconsiderar o custo que a mesma documenta.

Ao ter agido em contrário, corrigindo a matéria colectável e procedendo à liquidação de imposto com base nessa correcção, incorreu em violação das normas legais dos artigos 17º nº 1 e 23º nº 1 do CIRC implicante da invalidade daquela.

Improcedem, pelo que vem de se dizer, todas as conclusões do presente recurso e, por ser assim, terá de lhe ser negado provimento.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Notifique.
Porto, 28 de Janeiro de 2010
(Álvaro António Dantas)
(Francisco Areal Rothes)
(Moisés Moura Rodrigues)