Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00191/07.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) A gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente, o que significa que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos, além de que o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.
IV) Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, que permitem apreender que a ligação entre o Recorrente e a prática de actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrente na vida da sociedade, o que significa que tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrente de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma, sendo ainda de notar que, exercitando os seus poderes, o ora Recorrente procedeu a revogação da aludida procuração no dia 23 de Outubro de 2002, mostrando assim que não estava tão alheado da situação da sociedade como pretende fazer crer, matéria que nos remete para um elemento decisivo e que se prende com o facto de os actos em apreço estarem integrados numa actuação consciente e voluntária protagonizada pelo ora Recorrente.
V) O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente, o que significa que incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, temos que o probatório não contempla matéria susceptível de permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrente não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda, sendo que se trata de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
F..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 13-01-2014, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com a execução fiscal contra si revertida, instaurada pela Fazenda Pública contra “B... - Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, CF nº 5…, para cobrança de IVA do ano de 2002, no montante de € 30 576,08.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 136-190), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A) - Com o devido e merecido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação da prova produzida.
De facto:
B) - No entender do ora Recorrente, há factos com interesse para a decisão da causa que resultaram provados não tendo sido incluídos na matéria de facto dada como provada.
C) - Efectivamente, o Mº. Juiz do Tribunal “a quo” deu como provado que “D)- O Oponente foi nomeado gerente da sociedade comercial “B... - Sociedade Industrial de Confecções, Ldª” desde a constituição dessa sociedade:
- Bastava para administrar, representar e obrigar a sociedade em quaisquer atos e contratos a intervenção de um único gerente;
- Este deu, por procuração outorgada em 06-07-2001, poderes a A..., que não era sócio nem gerente, para “gerir e administrar … para praticar todos os actos comerciais inerentes ao objecto da sociedade, assinar e expedir correspondência, contratar e despedir pessoal, assinar renovar ou rescindir os competentes contratos …” relativamente à originária devedora (vide fls. 15, 16 e 48), e que “E)- A sociedade “B... - Sociedade Industrial de Confecções, Ldª”, nas relações estabelecidas com fornecedores, clientes e outros terceiros foi sempre representada por A..., com base nos poderes conferidos pela procuração outorgada pelo oponente”.;
D) - Ora, resultou da prova produzida nestes autos que o Opoente nunca praticou qualquer acto de gestão da devedora originária “B...”, pois todos os actos de gestão desta empresa foram praticados pelo A..., assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
E) - A partir daqui, para além de o Mº Juiz do Tribunal “a quo” ter dado como provado este facto, deveria também ter dado como provados todos os outros factos alegados pelo Oponente, apesar de figurar no pacto social como gerente da sociedade originária executada, e relativos aos actos de gestão da devedora originária que o mesmo não praticou, designadamente, o mesmo não praticou quaisquer funções de gerência, nunca praticou qualquer acto de gestão da sociedade, pois nunca permaneceu nas instalações da sociedade executada para exercer qualquer actividade profissional no seu âmbito, nunca aceitou ou sacou letras e cheques da sociedade, nunca atendeu nem negociou com clientes e fornecedores da sociedade, nunca efectuou compras para a sociedade nem vendas na sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos comerciais em nome da sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos de trabalho em nome da sociedade, assim como nunca deu ordens a eventuais trabalhadores da sociedade, nunca foi reconhecido pelos trabalhadores como chefe ou como pessoa que lhes dava ordens, nunca assumiu, mesmo pontualmente, funções directivas ou de representação da sociedade, nem sequer era conhecido nas instituições bancárias como sendo sócio ou gerente da sociedade executada, desconhecendo mesmo onde esta sociedade possuía contas abertas, nunca foi beneficiado ou usufruiu sequer de qualquer valor ou vantagem desta empresa, a qual desconhece em absoluto, pois nunca aqui trabalhou ou sequer visitou as suas instalações, não teve nem tem qualquer intervenção na gestão desta sociedade executada, o mesmo não tem qualquer responsabilidade na falta de bens para pagamento destas dívidas, as quais desconhecia por completo, já que o mesmo nunca em circunstância alguma negociou ou celebrou qualquer contrato, encomenda, venda ou compra em nome da sociedade executada.
- Em resumo, durante todo este tempo, o Oponente, embora gerente nominalmente, não detinha nem exercia qualquer poder sobre o curso dos negócios sociais da sociedade executada, nunca tendo assinado o que quer que seja no âmbito da sua actividade, como sejam cheques, contratos, cartas, encomendas, recibos ou qualquer outro documento.
- Embora nomeado gerente da sociedade executada, o Oponente apenas e tão só interveio na escritura de constituição da sociedade executada, tendo em 06/07/2001 outorgado, juntamente com o outro sócio, uma procuração a A..., para praticar todos os actos de gestão da sociedade executada.
- E mesmo após a revogação de tal procuração, nunca em qualquer momento o Oponente praticou quaisquer actos de gestão – mantendo-se o referido A... como dono e gerente da sociedade (de resto, como acontecia já antes à formalização da constituição da sociedade na qual o Opoente – e o outro sócio – intervieram apenas e tão só como testas-de-ferro do verdadeiro dono e gestor da sociedade.
F) - E para prova destes factos, juntou o Oponente prova documental, que foi a procuração que outorgou a favor do A... em 06/07/2001, junta a fls. 48, que este Tribunal considerou como provado, assim como indicou testemunhas.
- A Testemunha: C..., que depôs em sede de audiência de julgamento (Cfr. Depoimento se encontra gravado em CD de 00.00.00 a 00.12.26 horas, que faz parte do processo de execução nº 192/07.8BEVIS do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu), e que confirmou a tese do Oponente, dizendo que o mesmo nunca interveio nesta empresa como seu gestor, gerente ou dono, que nem sequer conhecia as instalações da devedora originária, que nunca falou com ninguém das relações comerciais desta empresa, como sejam, trabalhadores, fornecedores, instituições bancárias, nem sequer deu instruções ou ordens a qualquer contabilista sobre a gestão contabilista desta mesma empresa, assim como nunca recebeu qualquer quantia desta mesma empresa, a qualquer título, como seja, remuneração, partilha de lucros, etc.., assim como também nunca foi contacto por ninguém para se responsabilizar por quaisquer contratos ou dívidas desta mesma empresa, nada. Confirmou também esta testemunha que o único acto em que o Oponente interveio relacionado com esta empresa foi a escritura de constituição de sociedade e no mesmo dia a outorga da procuração a favor do A... – 06/07/2001 -, e depois na revogação desta mesma procuração – 23/10/2002 -. Mais confirmou que a empresa era e sempre foi deste mesmo A..., que o que o Oponente fez foi apenas e tão só “emprestar” o nome a este A... para esta empresa, a pedido do pai do Oponente, este sim amigo do A..., e nada mais.
Que mesmo a revogação da procuração foi feita a conselho do contabilista da empresa, mas sempre convencidos de que, a partir dali deixavam de ter qualquer ligação a esta mesma empresa, tendo sido isto que compreenderam das explicações que receberam deste mesmo contabilista na data da revogação desta procuração. Soube depois que esta empresa já estava completamente montada na data da constituição da sociedade - 06/07/2001 - e era do A..., seu único e exclusivo dono e sócio.
G) - Posto isto, deveriam aqueles factos constantes da Oposição apresentada terem sido dados como provados na sua totalidade, concluindo-se, assim, que o Oponente nunca foi gerente de facto da devedora originária, designadamente no período de tempo a que se refere a dívida dos autos - 2002 -.
H) - Efectivamente, porque a dívida exequenda se refere ao ano de 2002, o regime de responsabilidade subsidiária aplicável à situação dos autos é o resultante do disposto no artigo 24.º da LGT, pois as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, ou seja, à data em que se constituiu a dívida tributária (cf. art. 12.º, do Código Civil (CC) e art. 12.º da LGT).
I) - De acordo com tal regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, conforme resulta do nº 1 daquele preceito legal, onde se alude expressamente ao “exercício de funções de administração ou gestão” e se esclarece que a responsabilidade subsidiária aí prevista não exige sequer a gerência nominal ou de direito, bastando a gerência de facto.
J) - Ou seja, para a responsabilização ao abrigo do art. 24.º da LGT, a lei exige a gerência efectiva ou de facto, é suficiente o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
K) - Efectivamente, se o administrador ou gerente de direito não exerce quaisquer funções de gerência de facto, não se justifica que seja formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.
L) - Assim, para essa responsabilização, não se exige a gerência de direito, bastando-se a lei com a gerência efectiva ou de facto.
M) - Todavia, é ao Exequente, in casu à Fazenda Pública, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (regra geral: quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – (cf. art. 342.º, n.º 1, do CC e art. 74.º, n.º 1, da LGT).
N) - Não existindo qualquer presunção legal que faça decorrer da mera qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função.
O) - Assim, mesmo que o Oponente tivesse a qualidade de gerente de direito no período relevante, nunca dessa qualidade poderíamos, sem mais, inferir que exerceu efectivas funções de gerência nesse período.
P) - Embora, uma vez provada a nomeação do oponente para a gerência de direito, pode o Juiz, com base nesse facto e noutros, revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, presumir que o oponente exerceu de facto a gerência.
Q) - Mas tal presunção, porque não está prevista na lei, é meramente judicial – e como tal, não é de “funcionamento automático”.
R) - Assim, conforme resulta de Jurisprudência do Pleno, «provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe [à Fazenda Pública] provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização».
S) - Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
T) - Tratando-se assim de meras presunções judiciais e porque ninguém beneficia de uma presunção judicial, a Fazenda Pública não beneficia da presunção judicial de gerência de facto, competindo-lhe assim fazer prova desta para poder reverter a execução fiscal contra o gerente de direito.
U) - No caso sub judice, a sentença recorrida fez errado julgamento quando concluiu que o Oponente era responsável pelas dívidas exequendas, porque foi gerente de direito da sociedade originária devedora desde a data em que a sociedade foi constituída (sendo que na escritura de constituição o Oponente foi nomeado gerente), e porque exerceu a gerência de facto por intermédio de A... a quem outorgou procuração para tal, pelo que os atos por este praticados são como se tivessem sido praticados pelo oponente (fls. 8 da sentença), pelo que devemos concluir que foi também gerente de facto.
- Ou seja, continuamos no campo do direito, pois o Mº Juíz “a quo” faz presumir a gerência de facto do Oponente quer no facto de ele ser gerente de direito, porque foi nomeado gerente da sociedade devedora no pacto social no acto da sua constituição (06/07/2001), quer porque neste mesmo dia - 06/07/2001 - outorgou procuração a favor de terceiro (o A...) para exercer todos os actos de gerência da sociedade devedora, pelo que, por força desta mesma procuração, todos os actos praticados por este mesmo A... são como tivessem sido praticados pelo Oponente.
V) - Ora, não existe presunção legal de que quem foi gerente de direito tenha exercido de facto funções de gerência, e o julgador não pode presumir aquela com base neta, e, no caso dos autos, foi exclusivamente com base na qualidade de gerente de direito e depois através da procuração que o oponente outorgou a favor do A... que a Administração Fiscal procedeu à reversão da execução fiscal contra ele.
W) - Mas há aqui um facto nestes autos que é totalmente irrefutável: o oponente nunca exerceu qualquer gerência de facto na sociedade devedora, pois nunca praticou qualquer acto ou facto inerente a esta mesma gerência, pois resulta perfeitamente claro destes mesmos autos, quer através da prova documental quer através da prova testemunhal, que esta mesma gerência era exercida por este mesmo A..., que quem sempre esteve no “terreno” foi este mesmo A..., que quem exerceu de facto as funções de gerente foi este mesmo A..., desde a constituição desta sociedade (06/07/2001) até à presente data, e mais concretamente no período a que dizem respeito as dívidas destes autos - IVA/2002 -.
- Assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
X) - Posto isto, impõe-se concluir que, apesar de o Recorrente ter sido gerente de direito da devedora originária à data da dívida objecto destes autos, não foi gerente de facto, nunca exerceu funções de efectiva administração, pelo que não pode ser responsável subsidiário por esta mesma dívida fiscal. É que o ordenamento jurídico tributário exige a administração de facto e não apenas a administração de direito para lograr a concreta responsabilização dos corpos sociais das empresas pelas dívidas fiscais.
Y) - O Artº. 24 da LGT prescreve, de forma inequívoca, que não basta que estejamos em face de gerentes, administradores, sendo, por igual forma, necessário que estes exerçam funções de efectiva administração ou gestão nas correspondentes pessoas colectivas.
Z) - Apenas poderão ser considerados gerentes ou administradores meramente de facto aquelas pessoas que, apesar de não serem titulares dos órgãos sociais, podem vincular a sociedade perante terceiros, designadamente, no uso de procurações que lhes tenham sido conferidas - praticando todo e qualquer acto de administração em sentido amplo - Ora, este é certamente o caso do referido A....
AA) - Ora, o Recorrente como titular dos corpos sociais deverá ver a sua responsabilização excluída pois não se verificou qualquer ingerência na actividade social: o Recorrente - ao contrário do que sucedeu com o referido A... - nunca foi à sede, nunca praticou qualquer acto de administração, nunca esteve a par dos negócios sociais e não assinou quaisquer documentos - mesmo após a outorga da procuração e até após a sua revogação, assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
AB) - E nem se diga que basta para demonstrar a existência de uma administração de facto o exercício de facto de funções administrativas consubstanciadas na mera outorga de uma procuração por parte do administrador nominal e ainda que essa tenha sido o único acto praticado, (apesar de aquele nunca mais ter curado dos assuntos sociais).
- Por um lado, tal posição é contraditória face à noção de administração de facto, e, por conseguinte, em face da exigência de um exercício de funções de administração, tal como é imposto pelo Artº. 24 da LGT e na esteira do Artº. 13 do CPT.
- Por outro lado, a procuração pela qual um administrador delega em terceiro as funções e poderes que a legislação societária lhe adscreve - desde que a outorga daquela procuração seja o único acto por aquele praticado – nunca se poderá conceber como um qualquer exercício de funções de administração, antes se configurando como um verdadeiro acto de abandono ou demissão das suas funções, ocupando apenas o cargo de forma meramente formal ou nominal, falhando, por essa via, o pressuposto da existência de uma administração de facto para que se possa dar a responsabilização subsidiária.
AC) - E não se argumente aqui que os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, pois que “mandante” será, para esse efeito, a sociedade representada e não o administrador que tenha outorgado a procuração - sendo somente na esfera jurídica daquela que se irão repercutir os actos praticados pelo procurador.
AD) - E não nos parece que outro possa ser o critério a erigir no direito tributário, nem outro sentido é susceptível de proceder do Artº. 13 do CPT e do Artº 24 da LGT. Efectivamente, a condição aposta pelo legislador naqueles preceitos para a legitimação passiva radica nas “pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração, centrando-se, por conseguinte, a análise do conceito na actividade concretamente exercida.
AE) - É que dos referidos preceitos legais resulta o desígnio de possibilitar a responsabilização subsidiária de quem tenha contribuído efectivamente para a não liquidação do imposto e para a dissipação do património social, e, por conseguinte, de quem tenha realmente dirigido a sociedade – sendo, assim, manifesta a opção por um critério funcional de administração de facto.
AF) - Ora, o ónus da prova na responsabilização do administrador de facto, em face da ausência de uma administração de direito, caberá à Administração Tributária, pelo que, enquanto não for demonstrada aquela administração, o individuo - ainda que possa ter exercido efectivamente poderes de facto - terá de ser qualificado como um terceiro em relação à sociedade e à divida tributária.
AG) - No entanto, é óbvio que comprovada que esteja a administração de facto, passarão a valer na íntegra as regras previstas para cada um dos regimes de culpa do Artº 24 da LGT, sendo que a aplicação da al. a) ou b) deste preceito, estará meramente dependente da concreta duração do exercício da administração de facto que se tenha verificado e que resulta demonstrada.
AH) - E o que resulta comprovadamente demonstrado nestes autos foi que: o oponente nunca exerceu qualquer gerência de facto na sociedade devedora, pois nunca praticou qualquer acto ou facto inerente a esta mesma gerência, pois resulta perfeitamente claro destes mesmos autos, quer através da prova documental quer através da prova testemunhal, que esta mesma gerência era exercida por este mesmo A..., que quem sempre esteve no “terreno” foi este mesmo A..., que quem exerceu de facto as funções de gerente foi este mesmo A..., desde a constituição desta sociedade (06/07/2001) até à presente data, e mais concretamente no período a que dizem respeito as dívidas destes autos - IVA/2002 -.
- Assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
AI) - Razão pela qual o Douto Acórdão, ora recorrido, ao decidir como decidiu não fez uma correcta aplicação do Direito aos factos provados, violando, assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no Artº. 13º do CPT e no Artº. 24 da LGT, assim como as regras da experiência comum relativas a este mesmo caso, assim como o Mº Juiz do Tribunal “a quo” nunca poderia ter feito a interpretação que fez de que os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, neste caso o Oponente.
AJ) - Pois, como refere e muito bem João Miguel Primo dos Santos Cabral (devidamente expresso no trabalho apresentado na cadeira de Direito Fiscal no curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ministrada pelo Prof. Dr. Diogo Leite de Campos no ano lectivo de 2004/2005, in Boletim da Faculdade de Direito - Studia Iuridica 95 - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita - Vol. I, pág. 243 a 292), que a correcta noção de administração de facto, imposta nos Artº. 24 da LGT e na sua esteira no Artº. 13 do CPT, exige um concreto, real e efectivo exercício de funções de administração.
- Desta forma, a procuração pela qual um administrador delega em terceiro as funções e poderes que a legislação societária lhe adscreve - desde que a outorga daquela procuração seja o único acto por aquele praticado - nunca se poderá conceber como um qualquer exercício de funções de administração, antes se configurando como um verdadeiro acto de abandono ou demissão das suas funções.
Efectivamente, se o administrador “translada” para terceiros a gestão da sociedade e se alheia de todo e qualquer assunto e acto concernente à sua gestão - não determinando, controlando ou impondo ao procurador qualquer acto de gestão -, há que concluir que ocupa o correspondente cargo de forma meramente formal ou nominal, falhando, por essa via, o pressuposto da existência de uma administração de facto para que se possa dar a responsabilização subsidiária.
- E não se argumente aqui - como resulta da jurisprudência corrente - que “os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante”, pois que “mandante” será, para esse efeito, a sociedade representada e não o administrador que tenha outorgado a procuração - sendo somente na esfera jurídica daquela - devedora originária - que se irão repercutir os actos praticados pelo procurador.
AK) - Posto isto, o exercício da gerência de facto implica que o administrador ou gerente da sociedade ou empresa pratique actos relevantes para a vida da empresa, nomeadamente, celebrando contratos de fornecimento ou com trabalhadores, emitindo cheques para pagamento das respectivas dívidas, decidindo da escolha dos seus parceiros comerciais, dos métodos de produção, dos investimentos a fazer pela empresa, etc….
AL) - Assente ficou que na sociedade executada, quem assinava documentos e tomava todas as decisões era o A....
AM) - Logrou, pois, o Oponente provar que ele alguma vez praticou qualquer acto definidor das funções de gerente.
AN) - Quanto à questão da culpa pela insuficiência do património da sociedade devedora para a satisfação dos créditos fiscais, dir-se-á o seguinte:
- Nos termos do disposto no Artº. 24 da LGT, “os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresa públicas são subsidiariamente responsáveis a em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação”.
AP) - Tem, assim, a DGCI que provar os pressupostos da culpa do Oponente “por o património da sociedade, garantia geral dos credores e nomeadamente do Estado, se ter tornado insuficiente para a satisfação das obrigações tributárias (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Lisboa, 1999, págs. 111 e 112).
AQ) - E tal prova, a que a DGCI se encontrava obrigada, nos estritos termos da norma invocada como o fundamento legal para o chamamento do ora Oponente à execução, não foi feita, pelo que ocorre ilegitimidade do Oponente para a presente execução.
AR) - Por outro lado, resulta dos factos alegados e provados que o Oponente nunca exerceu a gerência ou praticou actos efectivos de gestão da sociedade originária executada, assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
AS) - A responsabilização subsidiária dos gerentes e administradores da sociedade encontra fundamento na necessidade de garantia dos créditos tributários sobre essas sociedades, constituindo o património das sociedades de responsabilidade limitada a garantia comum dos credores (Artºs. 197 e 271 do CSC), a responsabilidade dos seus gestores pelos débitos tributários assentará necessariamente num facto ilícito: violação das normas de protecção e garantia do credor tributário-Estado.
AT) - E assim, para que a responsabilização dos gestores se possa fazer, é necessário que estes tenham, com efectividade, exercido funções no âmbito das quais se originou uma diminuição ilícita do património da sociedade (Cfr. Rui Barreira, A Responsabilidade dos Gestores de Sociedades por Dívidas Fiscais, in Fisco, nº 18, pág. 4, sendo necessária a imputação de tal facto a título de dolo ou negligência grave, ou seja, “o responsável subsidiário deve ter culposamente dissipado ou malbaratado o património social (como diz Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, ob. Cit. pág. 112).
AU) - Ora, estando demonstrado que o oponente alguma vez praticou qualquer acto de administração, não se vê, à luz dos preceitos legais aplicáveis - Artº. 13 do CPT e Art.º 24 da LGT -, que possa ser-lhe imputada culpa pela insuficiência do património da sociedade, ou seja, como não está verificado o pressuposto de gestão de facto, não pode, pois, o Oponente ser responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda, sendo, em consequência, parte ilegítima na presente execução.
AV) - A isto acresce que mesmo a procuração outorgada pelo aqui Oponente e o outro sócio ao A... no próprio dia da constituição da Executada, a qual vigorou até 23/10/2002 (data da sua revogação), também não foi um documento válido, ou seja, é nulo, dado que ao abrigo do disposto no Artº. 252, nºs. 2 e 5 do CSC, os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no nº 2 do Artº. 261 do CSC, ou seja, sem prejuízo da faculdade de delegarem “nalgum ou nalgum deles competência para determinados negócios ou espécie de negócios”, nulidade esta que é do conhecimento oficioso.
- O A... formalmente não foi nem é sócio nem gerente da Executada, razão pela qual o aqui Oponente e o outro sócio e gerente Mário estavam impedidos por lei de delegar nele os poderes de gestão da Executada.
AW) - É mandato com representação aquele em que o mandatário tenha recebido poderes para agir em nome do mandante (Artº. 1178 do CC).
- Ora, não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente.
AX) - Pelo que não se verificam as consequências da representação, designadamente, a produção directa de efeitos na esfera jurídica do oponente, antes se aplica o regime dos Artºs. 1180 e ss. Do CC, pelo que é ao mandatário a quem incumbe assumir as obrigações decorrentes dos actos que celebra
AY) - Razão pela qual o Douto Acórdão, ora recorrido, ao decidir como decidiu não fez uma correcta aplicação do Direito aos factos provados, violando, assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no Artº. 13º do CPT e no Artº. 24 da LGT, Artº. 252 do CSC, e Artºs. 258, 1178 e 1180 do Código Civil, assim como as regras da experiência comum relativas a este mesmo caso.
TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao presente Recurso de Agravo, julgando-o procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos supra alegados, e no final julgue procedente por provada a oposição deduzida pelo Recorrente, e a execução declarada extinta em relação a este, por ilegitimidade para os presentes autos, fazendo-se, assim, inteira e Sá JUSTIÇA!

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o apontado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto e ainda saber se o Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas, sem olvidar a matéria da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para fazer face à dívida tributária descrita nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Com vista à cobrança para cobrança de IVA do ano de 2002, no montante de € 30 576,08, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Oliveira de Frades contra “B... – Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, CF nº 5…, o processo de execução fiscal nº 2593200501000403, cfr. docs. de fls. 2 a 11 aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Em 16 de Maio de 2006, em cumprimento do despacho datado de 15.05.2006, foi determinada a notificação do oponente, a qual foi realizada no dia 18-05-2006, para exercer o direito de audição prévia, vide docs. de fls. 12 a 14;
C) Por despacho de 9/08/2006, recebido pelo Oponente em 18/12/2006, a execução reverteu contra este, na qualidade de responsável subsidiário, cfr. docs. de fls. 15 a 17;
D) No despacho vindo de aludir considerou-se, para além do mais, que: O oponente foi nomeado gerente da sociedade comercial “B... - Sociedade Industrial de Confecções, Lda.” desde a constituição dessa sociedade;
Bastava para administrar, representar e obrigar a sociedade em quaisquer atos e contratos a intervenção de um único gerente;
Este deu, por procuração outorgada em 06-07-2001, poderes a A..., que não era sócio nem gerente, para “gerir e administrar… para praticar todos os actos comerciais inerentes ao objeto da sociedade, assinar, e expedir correspondência, contratar e despedir pessoal, assinar renovar ou rescindir os competentes contratos…” relativamente à originária devedora, vide fls. 15,16 e 48;
E) A sociedade comercial “B... - Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, nas relações estabelecidas com fornecedores, clientes, e outros terceiros foi sempre representada por A..., com base nos poderes conferidos pela procuração outorgada pelo oponente, cfr. doc. de fls. 48 e depoimento das duas testemunhas;
F) Procuração que foi revogada no dia 23 de Outubro de 2002, vide fls. 53 e 54;
G) Em 1/9/2000 foi celebrado entre “C… - Indústria de Pneus, S.A, e o oponente contrato de trabalho que perdurou pelo menos até 26 de Fevereiro de 2010, cfr. fls. 25 e depoimento das duas testemunhas;
H) A presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Santo Tirso em 19/01/2007, vide carimbo aposto a fls.18, 1ª folha da PI.
II II Factos não provados
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
A convicção do tribunal alicerçou-se na documentação junta aos autos, bem como no depoimento da testemunha C..., casada com o oponente, que declarou que o Oponente outorgou procuração a favor de A..., seu familiar, para este gerir a sociedade comercial “B... – Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, atividade que este desempenhou, e que o Oponente, mesmo depois da revogação da procuração, não pediu a cessação da atividade nem atuou por forma a controlar a sociedade a fim de solver os seus compromissos e evitar a diminuição do património social. A testemunha, L…, pai do Oponente, que referiu ter sido contactado pelo Sr.º A... para pertencer à sociedade tendo rejeitado mas indicou o seu filho, o aqui oponente. Referiu que o seu filho trabalhava para a “C…” e que nunca recebeu qualquer contrapartida pelo facto de ter “dado” o seu nome para a sociedade. Mais acrescentou que o seu filho, aqui oponente nunca ia à fábrica ao contrário dele que se deslocou à mesma por diversas vezes.
Referiu ainda que depois da revogação da procuração que o seu filho outorgou ao Sr.º A... entendiam que estariam salvaguardados, não havendo necessidade de atuar de outra forma. Sabe no entanto que tem que cessar a atividade para encerrar a empresa.”
«»
3.2. DE DIREITO
Na matéria das suas primeiras conclusões do recurso, a recorrente refere que a douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa.
Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica do recorrente, resultou da prova produzida nestes autos que o Opoente nunca praticou qualquer acto de gestão da devedora originária “B...”, pois todos os actos de gestão desta empresa foram praticados pelo A..., assim como não existem quaisquer elementos nos autos que nos permitam concluir que este gerente de facto, o A..., tenha agido sempre em nome do Oponente, sendo que deveriam ter sido dados como provados todos os outros factos alegados pelo Oponente, apesar de figurar no pacto social como gerente da sociedade originária executada, e relativos aos actos de gestão da devedora originária que o mesmo não praticou, designadamente, o mesmo não praticou quaisquer funções de gerência, nunca praticou qualquer acto de gestão da sociedade, pois nunca permaneceu nas instalações da sociedade executada para exercer qualquer actividade profissional no seu âmbito, nunca aceitou ou sacou letras e cheques da sociedade, nunca atendeu nem negociou com clientes e fornecedores da sociedade, nunca efectuou compras para a sociedade nem vendas na sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos comerciais em nome da sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos de trabalho em nome da sociedade, assim como nunca deu ordens a eventuais trabalhadores da sociedade, nunca foi reconhecido pelos trabalhadores como chefe ou como pessoa que lhes dava ordens, nunca assumiu, mesmo pontualmente, funções directivas ou de representação da sociedade, nem sequer era conhecido nas instituições bancárias como sendo sócio ou gerente da sociedade executada, desconhecendo mesmo onde esta sociedade possuía contas abertas, nunca foi beneficiado ou usufruiu sequer de qualquer valor ou vantagem desta empresa, a qual desconhece em absoluto, pois nunca aqui trabalhou ou sequer visitou as suas instalações, não teve nem tem qualquer intervenção na gestão desta sociedade executada, o mesmo não tem qualquer responsabilidade na falta de bens para pagamento destas dívidas, as quais desconhecia por completo, já que o mesmo nunca em circunstância alguma negociou ou celebrou qualquer contrato, encomenda, venda ou compra em nome da sociedade executada.
Quanto à matéria a aditar ao probatório, temos por seguro que esta última matéria, em função do seu carácter eminentemente conclusivo, não pode ser considerada por este Tribunal, sendo que quanto ao mais trata-se de matéria que nada vem acrescentar ao probatório, porquanto, estando estabelecida a matéria relativamente à forma de actuação da sociedade (onde ganha destaque a palavra “sempre” vertida na al. E) do probatório) e bem assim consagrado o elemento relativamente à actividade laboral do ora Recorrente, tudo o mais resultaria redundante e, como tal, sem real interesse para a decisão da causa.

A partir daqui, cumpre entrar na análise da matéria essencial do presente recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em saber se o mesmo exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas provenientes de IVA do ano de 2002, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

A partir daqui, considerando a realidade vertida no probatório, é ponto assente que:
“C) Por despacho de 9/08/2006, recebido pelo Oponente em 18/12/2006, a execução reverteu contra este, na qualidade de responsável subsidiário, cfr. docs. de fls. 15 a 17;
D) No despacho vindo de aludir considerou-se, para além do mais, que: O oponente foi nomeado gerente da sociedade comercial “B... – Sociedade Industrial de Confecções, Lda.” desde a constituição dessa sociedade;
Bastava para administrar, representar e obrigar a sociedade em quaisquer atos e contratos a intervenção de um único gerente;
Este deu, por procuração outorgada em 06-07-2001, poderes a A..., que não era sócio nem gerente, para “gerir e administrar… para praticar todos os actos comerciais inerentes ao objeto da sociedade, assinar, e expedir correspondência, contratar e despedir pessoal, assinar renovar ou rescindir os competentes contratos…” relativamente à originária devedora, vide fls. 15,16 e 48;
E) A sociedade comercial “B... – Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, nas relações estabelecidas com fornecedores, clientes, e outros terceiros foi sempre representada por A..., com base nos poderes conferidos pela procuração outorgada pelo oponente, cfr. doc. de fls. 48 e depoimento das duas testemunhas;
F) Procuração que foi revogada no dia 23 de Outubro de 2002, vide fls. 53 e 54”

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo o mesmo de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Pois bem, voltando aos elementos efectivamente a considerar nos autos, um dos argumentos que poderá ser ponderado circunscreve-se ao facto de o Recorrente ter sido nomeado como gerente único da devedora originária, de modo que, estaria aqui o necessário fio condutor que permitiria uma percepção distinta da realidade em apreço.
Ora, tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Assim, ainda que o ora Recorrente surge como gerente único, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nesses termos, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que o ora Recorrente exerceu a gerência da sociedade executada.

Aliás, importa sublinhar que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
Diga-se ainda que a gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do C. S. Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

No entanto, importa ainda ponderar que o Recorrente subscreveu a procuração descrita em D) do probatório, sendo que a sociedade comercial “B... – Sociedade Industrial de Confecções, Lda.”, nas relações estabelecidas com fornecedores, clientes, e outros terceiros foi sempre representada por A..., com base nos poderes conferidos pela procuração outorgada pelo oponente.
Neste ponto, temos por certo que a gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do tal A..., tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente.

Pois bem, nestas condições, considerando o mais vertido no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos.
Por outro lado, como se refere na sentença recorrida, o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.
Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, que permitem apreender que a ligação entre o Recorrente e a prática de actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrente na vida da sociedade, o que significa que tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrente de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma, sendo ainda de notar que, exercitando os seus poderes, o ora Recorrente procedeu a revogação da aludida procuração no dia 23 de Outubro de 2002, mostrando assim que não estava tão alheado da situação da sociedade como pretende fazer crer, matéria que nos remete para um elemento decisivo e que se prende com o facto de os actos em apreço estarem integrados numa actuação consciente e voluntária protagonizada pelo ora Recorrente.
Com efeito, no âmbito da sua alegação que incidiu sobre o facto de o ora Recorrente não ter praticado por si os actos descritos na petição inicial, o Recorrente em nenhum momento aponta qualquer circunstância relacionada com o enquadramento da sua conduta, nomeadamente em termos de animus no sentido de afastar a tal conduta consciente e voluntária, como sucede nos casos em que os filhos, por efeito dos laços familiares, praticam determinados actos que visam apenas facultar ao progenitor as condições para o exercício de uma qualquer actividade, situação que também se observa entre casais, sendo que, em qualquer das situações, é necessário alegar e provar uma relação de dependência, uma relação em que não existe uma decisão autónoma, a tal actuação consciente e voluntária, o que não sucede no caso concreto (por não alegado no tempo e modo oportuno).
De resto, como bem nota a decisão recorrida, se o oponente não queria/podia gerir a sociedade executada poderia renunciar à gerência, ou, para obviar aos inconvenientes da má gerência do A... poderia cessar a actividade da sociedade executada. Não o tendo feito e continuando a gerir a empresa através de terceiro para o efeito mandatado, a sua responsabilidade subsidiária mantém-se, já que, para todos os efeitos legais, o exercício da gerência de facto é lhe imputável por força do mandato conferido, de modo que, a leitura conjugada dos elementos presentes nos autos é suficiente para afirmar a prática de actos de gerência, pelo que a decisão recorrida não merece censura neste domínio, o que abre caminho para o insucesso do presente recurso.

Depois, quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi, refugiando-se na mesma argumentação utilizada para afastar a gerência de facto.
Na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não isso que se verificou no caso dos autos.
Com efeito, o ora Recorrente limitou-se a fazer a ligação entre a ausência de gerência de facto e a consequente falta de culpa na insuficiência do património, de modo que, afastado o primeira elemento, a pretensão do Recorrente está também condenada ao naufrágio nesta sede, pois que, cabia ao ora Recorrente alegar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta do ora Recorrente neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que o probatório não contempla para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrente não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda.
Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova