Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00185/06.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PRESCRIÇÃO DECLARADA EM PROCESSO JUDICIAL;
MATÉRIA NÃO OBJECTO DO RECURSO;
EFEITOS DO JULGADO NA PARTE NÃO IMPUGNADA;
Sumário:
I - Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.

II - Sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença, sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.

III – In casu, os efeitos do julgado, na parte não impugnada, ficariam necessariamente prejudicados se o recurso fosse decidido como pretende o recorrente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/04/2010, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por «AA», contribuinte n.º ...18 residente na Estrada ..., ..., no ..., extinguindo os processos de execução fiscal n.º ........53.0, n.º ......36.5 e n.º .....43.4, originariamente instaurados contra a sociedade “[SCom01...], Lda.”, por dívidas de Contribuições para o CPREV/CRSS, relativas aos meses de Maio a Outubro de 1993 e Janeiro de 1994.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A Fazenda Pública não se conforma com a douta decisão emanada, na parte relativa aos factos dados como provados, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto.
B. A douta sentença recorrida não aponta os motivos para assim levar ao probatório os factos que ali se fizeram constar, nem qual o meio probatório para dar como demonstrados, fazendo sua apreciação crítica.
C. A douta sentença recorrida não considerou, designadamente, o deferimento de pedidos de pagamento em prestações, que impediram o exequente de tramitar a execução para além do plano de pagamentos, para efeitos da estatuição do no 3 do art. 340 do CPT, nem o despacho de prosseguimento da acção de recuperação de empresa requerido pela devedora originária, para efeitos do n0 1 do art. 290 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
D. Com a entrada em vigor a L n.0 17/2000, conclui-se que segundo a lei nova faltava menos tempo do que o remanescente do prazo de dez anos previsto na lei antiga em relação às contribuições em dívida, sendo, pois, aplicável o prazo de 5 anos estabelecido na nova lei, com início no dia 13.09.2001.
E. Sabendo que os efeitos jurídicos dos factos determinados pela lei vigente no momento da respectiva ocorrência, ex vi do no 2 do art. 12. 0 do Código Civil, com a entrada em vigor da L. no 17/2000 há que ter igualmente em conta o disposto especialmente no seu art. 600, n.º 4, nos termos do qual a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento.
F. Assim, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão terá interrompido o decurso do prazo prescricional de 5 anos, inutilizando todo o tempo decorrido antes de tal acto e, por essa forma, impediu a prescrição das dívidas exequendas em causa, sem que depois dessa data se verifique nos autos qualquer circunstância que faça cessar a interrupção da prescrição.
G. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, afectando a valia intrínseca da decisão subjacente, tendo violado o n 0 3 do artigo 659 0 do CPC, aplicável por remissão do art. 20, al. e), do CPPT.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1a Cinge-se o presente recurso à análise da questão relativa à prescrição do procedimento executivo no que concerne ao executado revertido, ora recorrente.
2a Face à factualidade que poderia ser dada como provada, com a prova carreada para os autos, entende, o recorrente que se encontra claramente prescrito, assistindo razão, à douta Sentença Recorrida.
3a Não podem ser dados como provados determinados factos, conducentes à fixação de prazos de interrupção e suspensão do procedimento executivo, quando os elementos juntos não permitem concluir sequer se se iniciou e por quanto tempo.
4ª As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários», sendo que «A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após 0 5.0 ano posterior ao da liquidação - arto 480 nos 2 e 3 da LGT.
Sendo as dívidas em Execução relativas ao ano de 1993 e Janeiro de 1994, e tendo o revertido sido citado para a execução em Outubro de 2005, tal citação ocorreu muito depois do 50 ano posterior ao das liquidações.
Deve assim ser decretado o procedimento executivo prescrito.
Termos em que e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso e, ser confirmada a Prescrição do Processo Sub judice
E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, porque a matéria da prescrição já foi objecto de decisão transitada em julgado, encontrando-se abrangida pela força do caso julgado.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao extinguir os processos de execução fiscal, por se verificar a prescrição das dívidas exequendas, além do mais, por estarem prescritas face à sentença proferida em 27/04/2009, no âmbito do processo de oposição n.º 180/06.1BEPRT e transitada em julgado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
A) Em 27/12/...93, 07/03/1994 e 27/05/1994 foram instauradas as execuções fiscais n.º ........53.0, n.º ......36.5 e n.º .....43.4 contra a sociedade “[SCom01...], Lda.” por dívidas de Contribuições para o CPREV/CRSS, relativas aos meses de Maio a Outubro de 1993 e Janeiro de 1994, cf. fls. Informação de fls. 200 a 203 dos autos.
B) Em 07/10/2005 foi proferido despacho de reversão contra o aqui oponente, em virtude de não serem conhecidos bens penhoráveis à executada originária, cf. fls. 151
C) A citação do oponente, enquanto responsável subsidiário, ocorreu em 12/10/2005, cf. fls. 152 e 153 dos autos.
D) O processo de execução fiscal n.º ........53.0 esteve sem qualquer movimentação entre 11/01/1995 a 13/09/2001 por facto não imputável ao contribuinte, cf. P.E. incorporado nos autos.
E) O processo de execução fiscal n.º ......36.5 esteve sem qualquer movimentação entre 11/01/1995 a 13/09/2001 por facto não imputável ao contribuinte, cf. P.E. incorporado nos autos.
F) O processo de execução fiscal n.º .....43.4 esteve sem qualquer movimentação entre 11/01/1995 a 13/09/2001 por facto não imputável ao contribuinte, cf. P.E. incorporado nos autos.
G) A presente oposição deu entrada em 16/11/2005 no Serviço de Finanças ..., cf. fls. 1 dos autos.
H) As dívidas exequendas em causa nos presentes autos, e nos acima referidos Processos Executivos, foram declaradas prescritas em Sentença proferida em 27/04/2009, no processo de oposição n.º 180/06.1BEPRT, e transitada em julgado.
Não se provaram quaisquer outros factos.
A instauração das execuções contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reportam as dívidas, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art. 514.º C.P.C, face ao processo executivo incorporado nos autos.”

2. O Direito

Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.
Significa isto que o âmbito do recurso é, quanto ao seu objecto, delimitado pelo âmbito da decisão recorrida.
A sentença “a quo” julgou a oposição procedente, extinguindo os processos de execução fiscal, por considerar que as dívidas exequendas se mostravam prescritas.
Como resulta da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido levou ao probatório que as dívidas exequendas em causa nos presentes autos, e nos acima referidos Processos Executivos, foram declaradas prescritas em Sentença proferida em 27/04/2009, no processo de oposição n.º 180/06.1BEPRT, e transitada em julgado – cfr. ponto H).
Nessa sequência, a sentença recorrida não só reproduziu todo o julgamento já realizado acerca da prescrição, pois estão em causa os mesmos processos de execução fiscal, como rematou afirmando que as dívidas exequendas sempre estariam prescritas face à sentença proferida em 27/04/2009 no processo de oposição n.º 180/06.1BEPRT e transitada em julgado.
No caso, a Recorrente anunciou pretender recorrer da sentença do tribunal de 1.ª instância mas, analisadas as alegações e as respectivas conclusões, verifica-se que atacou somente os fundamentos da decisão recorrida quanto à análise que foi realizada em concreto da prescrição, jamais pondo em causa a parte do julgamento com fundamento na declaração da prescrição das mesmas dívidas exequendas no processo judicial n.º 180/06.1BEPRT.
A Recorrente identificou integralmente o julgamento efectuado no tribunal de primeiro conhecimento, mas olvidou afrontar a decisão recorrida na parte do fundamento referente à declaração de prescrição noutro processo judicial já transitado em julgado, limitando-se a insistir que as dívidas exequendas não estão prescritas, carreando para os autos a informação da existência de factos suspensivos e interruptivos da prescrição que não foram considerados pelo tribunal recorrido – cfr. integralmente as conclusões do recurso.
Ora, não tendo a Recorrente afrontado, por via do presente recurso, o “caso julgado” relativo à prescrição das dívidas exequendas, tal fundamento para julgar essa prescrição não é objecto do recurso, restando concluir que a sentença recorrida transitou em julgado nessa parte. Estando em apreço a mesma questão – a prescrição - não é, por isso, possível apreciar o mérito da oposição judicial, em substituição ao tribunal recorrido, quanto à prescrição das dívidas exequendas.
A total concentração da Recorrente nos factos impeditivos da prescrição (de facto e de direito) acabou por gerar um recurso totalmente ineficaz da sentença recorrida, que adiantou outro fundamento, não atacado, para considerar as dívidas prescritas – a declaração judicial anterior da prescrição das mesmas dívidas, nos mesmos processos de execução fiscal (também nesse processo de oposição n.º 180/06.1BEPRT declarados extintos).
Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (cfr. o artigo 676.º do CPC, correspondente ao actual artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada - cfr. Acórdão do STA, de 15/05/2013, proferido no processo n.º 0508/13 ou os Acórdãos do TCAN, de 15/02/2012 e de 02/02/2017, proferidos nos processos n.º 01806/09.0BEBRG e n.º 00464/15.8BEMDL, respectivamente.
Se, em sede de recurso jurisdicional, o recorrente se alheou de algumas razões que fundamentaram a sentença recorrida, não atacando em parte o julgado, não poderá o tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, nessa parte, já que a tal se opõe o preceituado no n.º 4 do artigo 684.º do CPC, correspondente ao actual artigo 635.º, n.º 5 do CPC: os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Na situação em análise, na sentença recorrida assume-se, de forma necessária, a prescrição das dívidas exequendas, por força do transito em julgado de decisão judicial sobre as mesmas dívidas em cobrança nos mesmos processos de execução fiscal. Não tendo tal segmento sido impugnado, mesmo sendo a prescrição de conhecimento oficioso, não pode este tribunal de recurso realizar um outro julgamento que possa colidir directamente com essa parte não recorrida, dado que a mesma transitou em julgado, a tal obstando o disposto, como vimos, no artigo 684.º, n.º 4 do CPC, correspondente ao actual artigo 635.º, n.º 5 do CPC.
Como refere ALBERTO DOS REIS, com a imposição do ónus de alegação ao Recorrente teve-se «em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» - Cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357.
In casu, é notório, percorrendo integralmente as conclusões das alegações do recurso, que a Recorrente se alheou de uma razão que fundamentou a ilação da prescrição das dívidas – ter sido declarada previamente no mesmo tribunal, com trânsito em julgado.
Logo, este tribunal de recurso não poderá examinar a apontada questão, designadamente, se estavam, de facto, em causa as mesmas circunstâncias e os mesmos factos interruptivos e suspensivos relativamente ao mesmo contribuinte, dado que a Recorrente nada apontou quanto ao indicado “caso julgado” na sentença recorrida.
Quer isto dizer, pois, que tendo a Recorrente se alheado do conteúdo integral da decisão recorrida, não vindo atacado o decidido sobre esta apontada questão, não pode o TCA alterar o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, já que a tal se opõe o preceituado no n.º 4 do artigo 684.º do CPC (artigo 635.º, n.º 5 do CPC).
Nesta conformidade, atendendo à estreitíssima, senão total, conexão entre a parte do julgamento impugnado e a parte do julgamento não recorrido, impõe-se, forçosamente, manter a sentença recorrida, dado que os efeitos do julgado, na parte não impugnada, ficariam necessariamente prejudicados pela decisão do recurso.

Conclusões/Sumário

I - Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.
II - Sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença, sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
III – In casu, os efeitos do julgado, na parte não impugnada, ficariam necessariamente prejudicados se o recurso fosse decidido como pretende o recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 07 de Dezembro de 2023

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