Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01562/21.4BEPRT
Secção:
Data do Acordão:12/21/2021
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:CONFLITO NEGATIVO, INCOMPETÊNCIA MATERIAL, JUÍZO DE CONTRATOS PÚBLICOS DO TAF DO PORTO, TAF DE PENAFIEL
Decisão:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I….., devidamente identificada nos autos, intentou uma acção administrativa de impugnação da deliberação do X….., de 29.04.2021, que aprovou a lista de “ordenação definitiva de candidaturas Lei 11/2011, com redacção dada pelo DL 26/2013, para o concelho de (…) na sequência do processo n.º 1015/19.0BEPNF” e de condenação à prática do acto devido.
Concluiu, pedindo seja a acção administrativa julgada procedente, por provada, e em consequência:
“(...):
1) ser anulada ou declarada nula a «deliberação do …………., de 29.04.2021, que aprovou a lista de “ordenação definitiva candidaturas Lei 11/2011, com redação dada pelo DL 26/2013”, para o concelho de L… na sequência do processo n.º 1015/19.0BEPNF», notificada à Autora em 22.05.2021 (doc. n.º 1);
2) em consequência, ser Entidade Demandada, ….., condenada à prática de ato de exclusão da candidatura apresentada pela contrainteressada A …..ordenada em primeiro lugar nos termos da deliberação cuja declaração de ilegalidade se requer;
3) Ser a Entidade Demandada, (…), condenada à prática de ato devido de graduação da candidatura da Autora em primeiro lugar e, por efeito consequente, ser condenada à celebração do contrato de gestão e exploração do CITV de X…, em causa no procedimento dos autos, com a Autora.”

Por decisão de 25/6/2021, a sra. Juíza do Juízo de contratos públicos do TAF do Porto julgou-se oficiosamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do mérito da acção, por considerar competente para tal o TAF de Penafiel.

Por decisão de 6/7/2021, a sra. Juíza do TAF de Penafiel também se declarou oficiosamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do mérito da acção, considerando competente para o efeito o Juízo de contratos públicos do TAF do Porto.

As duas decisões transitaram em julgado.

Perante isso, a Mma. Juíza do TAF de Penafiel veio requerer a resolução do conflito negativo de competência.

Cumprido o disposto no artigo 112.º do Código de Processo Civil, as partes nada disseram.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer, acompanhando o entendimento da Mma. Juíza do Juízo dos contratos públicos do TAF do Porto, no sentido de a competência para tramitar os autos competir ao TAF de Penafiel.

Cumpre decidir sumariamente.

Havendo duas ou mais ou mais decisões transitadas em julgado de tribunais da mesma ordem jurisdicional declinando a sua competência, como aqui se verifica, surge um conflito negativo de competência (artigo 109.º, n.º2 e 3 do CPC).
A questão que aqui se coloca é a de saber qual o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir a acção administrativa que foi intentada no TAF do Porto: se o Juízo de contratos públicos do TAF do Porto ou se o TAF de Penafiel.
É pacífico que a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na sua petição inicial, incluindo os seus fundamentos (causa de pedir) - cf., entre tantos, acórdãos do Tribunal de Conflitos de 23/9/2004, Processo 05/04; de 21/10/04, Processo 8/04; de 4/10/2006, Processo 03/06; de 17/5/2007, Processo 5/07; de 2/10/2008, Processo 012/08; de 23/5/2013, Processo 12/12; de 21/1/2014, Processo 44/13; de 1/10/2015, Processo 08/14; e de 17/11/2016, Processo 17/16.
Também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem que: “a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, revista, 2010, p. 125).
Com a presente acção, a Autora pretende seja anulada ou declarada nula a deliberação do ………, de 29/4/2021, que aprovou a lista de ordenação de candidaturas, no âmbito de um procedimento administrativo especial que se prende com a abertura de novos Centros de Inspeção Técnica de Veículos, regulado pela Lei n.º 11/2011, de 26/4 (alterada pelo DL nº 26/2013, de 19/2), e o Réu condenado à prática de acto devido (exclusão da candidatura indicada na petição inicial e graduação da candidatura da Autora em 1.º lugar e celebração do contrato de gestão e exploração com a Autora).
Ora, sob a epígrafe “Competência dos juízos administrativos especializados” dispõe o artigo 44.º - A do ETAF:
“1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete:
a) Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo;
b) (…)
c) Ao juízo de contratos públicos, conhecer de todos os processos relativos à validade de atos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação, incluindo a efetivação de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;
(…)”

A Mma. Juíza do Juízo de contratos públicos, apesar de considerar que o artigo 44.º-A, alínea c) do ETAF “atribui competência ao juízo de contratos públicos, para conhecer dos litígios que tenham por objecto esses mesmos contratos (contratos públicos), e logo, qualquer contrato, independentemente da sua classificação (v.g. como administrativo ou como privado), desde que celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, pois que só estes é que são de ser tidos como contratos públicos”, concluiu que “(…) o acto impugnado não traduz o exercício de direitos contratuais, mas o exercício de poderes de autoridade da administração, o exercício de poderes públicos extra-contratuais, que colocam a entidade pública numa posição de superioridade jurídica sobre a contraparte, em que aquela fica investida de certos poderes públicos de autoridade (…) que o objecto da presente acção administrativa se relaciona com a actuação da entidade pública no âmbito da prática de acto administrativo e, por conseguinte, que a pretensão formulada pela Autora não é relativa a contratos, não dizendo respeito ao contencioso dos contratos, razão pela qual, o presente litígio não cabe no âmbito da competência do juízo dos contratos públicos, tal qual vem consagrado no artigo 44º-A, nº1 alínea c) do ETAF.”

Com o devido respeito, não acompanhamos este entendimento.
Se bem vemos, a Mma. Juíza do Juízo de contratos públicos não questiona que o contrato em causa esteja sujeito a regras de contratação pública. Argumenta é que a pretensão formulada pela Autora não é relativa a contratos, não diz respeito ao contencioso dos contratos, por estarmos perante uma acção dirigida a sindicar a actuação da entidade administrativa pela prática de um acto.
Sucede que, como supra referimos, o que se pretende na acção é a anulação de um acto (pré-contratual) praticado no âmbito de um procedimento de formação de um contrato, bem como a condenação do Réu a celebrar esse contrato com a Autora.
Ora, de acordo com o citado artigo 44.º-A, n.º1, alínea c) do ETAF, os litígios emergentes de contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública (o que aqui não vem posto em causa), incluindo os relativos a actos pré - contratuais, são da competência do Juízo de contratos públicos.
Improcede, por conseguinte, o fundamento invocado para declinar a competência do Juízo de contratos públicos para o conhecimento da acção.

Nestes termos, resolvo o presente conflito negativo de competência por forma a atribuir ao Juízo de contratos públicos do TAF do Porto a competência material para conhecer a acção, declarando inválida a decisão desse Juízo de 25/6/2021.
Sem custas.
Cumpra-se o disposto no artigo 113.º, n. º3, do CPC.