Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00705/19.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRATOS PÚBLICOS; EXCLUSÃO; REQUISITOS DE HABILITAÇÃO; DOCUMENTOS; ARTIGO 132.º DO CÓDIGO DE CONTRATOS PÚBLICOS.
Sumário:1. Resulta do disposto no artigo 132.º do Código de Contratos Públicos que a entidade adjudicante tem larga margem para fixar as regras do procedimento concurso tendo como limite essencial o respeito pelo princípio da concorrência, princípio basilar nos concursos públicos.

2. Não existe, por isso, obstáculo legal a que os requisitos de habilitação não possam ser exigíveis a todos os concorrentes e não apenas ao adjudicatário. Em nada se belisca, à partida, o princípio da concorrência com essa opção.

3. Com a vantagem de satisfazer melhor as exigências de certeza, segurança e celeridade, evitando a adjudicação a um concorrente que não esteja habilitado para o concurso.

4. É legal por isso a exclusão da empresa concorrente que não apresentou com a sua candidatura a documentação necessária para comprovar que preenchia os requisitos de habilitação, se o programa do concurso cominava com a exclusão essa falta.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:O., S.A.
Recorrido 1:Município de (...) e G., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A O., S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 24.01.2020, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção intentada contra o Município de (...) e em que foi indicada como Contrainteressada a G., S.A., para anulação do acto, de 20.11.2018, praticado pelo Município Réu, ora Recorrido, de exclusão da proposta apresentada pela Autora, ora Recorrente, no concurso público para aquisição de gás propano a granel para as piscinas, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness municipais, bem como para anulação de todos actos consequentes, incluindo o contrato celebrado ou a celebrar, e para condenação do Município Demandado a readmitir a Autora, ora Recorrente, e a adjudicar-lhe o concurso ou, em alternativa, a anular-se o concurso por ilegalidade do conteúdo do seu programa, tendo, nessa improcedência, sido o Réu absolvido de tudo o que foi pedido.

Invocou, para tanto, em síntese que a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do Código de Contratos Públicos, e, bem assim, os princípios da proporcionalidade e do favor concorrente, pedindo a sua revogação.

Apenas a Contrainteressada apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O Tribunal a quo entendeu ser legal o acto que excluiu a proposta da O., S.A., tomado pelo Município de (...) no âmbito do Concurso Público n.º 3/2018 aberto para aquisição de gás propano a granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness.

2. A O., S.A. não pode concordar com esta sentença, por esta incorrer em erro na interpretação dos factos e na aplicação do Direito em vigor, em particular o constante nos artigos 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do CCP.

3. Quanto aos factos relevantes, e dados por assentes na sentença recorrida, nada se tem a apontar, para os mesmos se remetendo como base da decisão de apelação que se requer venha a ser tomada por este Venerando Tribunal Central Administrativo Norte.

4. Do que se recorre é da sua valoração – designadamente da interpretação que o Tribunal a quo faz das regras do Programa do Procedimento (adiante PP) de Concurso e do teor e respectivos pressupostos da decisão de exclusão – e, depois, consequentemente, da aplicação do Direito aos factos que em concreto e na realidade se verificam.

5. Aponte-se que a proposta da O., S.A. é mais vantajosa para o Município de (...) do que a da G., concorrente a quem o Contrato acabou por ser adjudicado por força da ilegal e incorrecta decisão de exclusão da proposta da O., S.A., tomada com o seguinte fundamento: O., S.A.- o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, bem como do disposto na al. M) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.

6. Ora, lendo o Programa de alto a baixo resulta insofismável que os documentos exigidos naquela Cláusula 12.ª, se destinavam a ser apresentados não com a proposta, mas sim em fase de habilitação, apenas e só, pelo adjudicatário, resultando incorrecta a epígrafe desta cláusula e o texto do seu n.º 1, onde se devia ler, respectivamente, “Documentos de Habilitação” e “1 – Após a notificação da adjudicação, o adjudicatário deverá entregar:
(…)”.

7. Na verdade, se bem se olhar à documentação que é pedida na alínea b), do n.º 1, desta Cláusula 12.ª, verifica-se que a mesma corresponde exactamente àquela que está elencada no artigo 81.º do CCP, que trata, precisamente, dos documentos de habilitação que devem ser apresentados pelo adjudicatário.

8. Deve, contudo, fazer-se a ressalva que o que é pedido na alínea a) anterior remete, também por lapso, para o Anexo I do PP – e Anexo I do CCP – quando resulta manifesto que se quereria dizer Anexo II do PP – e Anexo II do CCP.

9. Demonstrativo de quanto afirmado é o facto deste Anexo I já estar pedido, e bem, na referida Cláusula 11.ª, n.º 2, alínea a), do PP, resultando totalmente desconexo que se viesse a elencar, em cláusulas diferentes, a documentação que deveria instruir a proposta, seja repetindo documentação já pedida, seja acrescentando outra que, nos termos da Lei, não deve nem pode ser exigida na fase de apresentação das propostas aos concorrentes.

10. Tanto assim é que no elenco das causas de exclusão fixadas na Cláusula 14.ª do PP, não se encontra referência à Cláusula 12.ª.

11. Por fim, prova determinante desta interpretação é o facto de no clausulado do PP não se encontrar nenhuma norma expressa referente aos documentos de habilitação que o adjudicatário deve apresentar na devida fase, o que bem demonstra o lapso de redacção da referida Cláusula 12.ª, o que seria obrigatório que se verificasse, nos termos do artigo 132.º, n.º 1, alínea f), do CCP, que determina que “o programa do concurso público deve indicar: (…) f) os documentos de habilitação, diretamente relacionados com o objeto do contrato a celebrar, a apresentar nos termos do artigo 81.º”.

12. Acrescenta-se ainda que, nos termos da alínea h), desta mesma norma legal, “o programa do concurso público deve indicar: (…) h) os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º”, que são, precisamente, os documentos que única e obrigatoriamente devem ser apresentados com a proposta pelos concorrentes, o que foi cumprido pela O., S.A..

13. Sendo manifesto o lapso de redacção da Cláusula 12.ª do PP, esta deve ser reintegrada de acordo com o previsto no artigo 51.º do CCP que determina que “as normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes”, impondo-se uma leitura correctiva do disposto na Cláusula 12.ª do PP no sentido de ali ver elencada a documentação que, apenas e só, em fase de habilitação, deveria ser apresentada pelo adjudicatário, para além de se ler as normas de exclusão expostas no PP também de acordo com o que prevê, imperativamente, o CCP.

14. E, também neste passo, a sustentação jurídica da decisão tomada que resultou na exclusão da proposta da O., S.A. não colhe, porquanto a falta daquela documentação não seria, nunca por nunca, integrante da previsão da alínea n), do n.º 2, do artigo 146.º, do CCP.

15. Determina esta norma que, no relatório preliminar, o júri do procedimento deve excluir as propostas “n) que sejam apresentadas por concorrentes em violação das regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente”, que refere que “o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.

16. Tal nada tem que ver com a não apresentação de documentação, a qual, nos termos do próprio PP e do CCP, a O., S.A. apresentou integralmente, embora se saiba que esta norma tem sido lida muitas vezes como nela se integrando documentação adicional que a Entidade Adjudicante exija para além daquela que expressamente está listada no artigo 57.º do CCP.

17. Em todo o caso, sempre se entendeu que tais exigências adicionais não poderiam dar azo a uma exclusão de uma proposta quando tais exigências em nada relevam para a sua avaliação, o que no caso acontece.

18. Dos documentos que se diz faltarem na proposta da O., S.A., nenhum deles contribui ou tem qualquer relevância para a avaliação dos seus atributos e a verificação da sua correcta e suficiente apresentação, nem mesmo quanto aos termos e condições da proposta a que a Entidade Adjudicante pretenda que a concorrente se vincule no que toca a aspectos não submetidos à concorrência pelas peças do concurso.

19. Em segundo lugar, seria obrigatório que o PP previsse, expressamente, que o não cumprimento daquela exigência fosse cominado com exclusão da proposta, o que também não acontece, pelo que a proposta da O., S.A. nunca poderia ser excluída por este motivo, resultando evidente que, se o procedimento pré-contratual tivesse prosseguido, a intenção de exclusão expressa no Relatório Preliminar haveria de ser, a dado passo, alterada, mais que não fosse por força de uma decisão judicial.

20. Aliás, como se disse já, mesmo que se entendesse que a Entidade Adjudicante poderia exigir estes documentos com a proposta, a sua falta não poderia degenerar em motivo de exclusão sem que à O., S.A. fosse dada a oportunidade, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 3, do CCP, de vir a apresentar “documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta”, como é o caso de todos os documentos que se dizem estar em falta na proposta da O., S.A..

21. No entanto, outro foi o entendimento do Tribunal a quo, que, em lugar de fazer uma interpretação as normas do Programa nos termos do CCP, apenas as leu no sentido que mais prejudicasse a O., S.A. e favorecesse a G., por razões que se não vislumbram, violando assim o disposto nos artigo s 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 3, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, em particular a alínea n), do CCP, e, bem assim, os princípios da proporcionalidade e do favor concorrente, pelo que se requer respeitosamente a sua revogação.

22. Em consequência, deve ser anulado o acto de exclusão da proposta da O., S.A. – e por reflexo o acto de adjudicação tomado em favor da proposta da contra-interessada G. – condenando-se o Município de (...) a admitir a proposta da O., S.A., colocando-a no devido lugar da grelha de classificação: o 1.º.

23. Em alternativa, e quanto muito, em substituição da decisão recorrida, e dentro dos limites permitidos pelos artigos 71.º e 95.º do CPTA, deve ser condenada a Entidade Adjudicante a dar cumprimento ao previsto no artigo 72.º, em particular no seu n.º 3, no sentido de admitir à O., S.A. que supra a falta dos documentos apontada, admitindo a sua junção.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser revogada a sentença recorrida, anulando-se o acto do Município de (...) que determinou a exclusão da proposta da O., S.A. do procedimento e, em consequência, ser esta Entidade condenada a admitir esta proposta ou, em alternativa, a solicitar que, nos termos do artigo 72.º, n.º 3, se possa suprir a falta da documentação exigida nos termos da Cláusula 12.ª do PP.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) Em 29.08.2018 o sector de desporto da Câmara Municipal de (...), em virtude de ser necessário proceder à aquisição de gás propano a granel para as Piscinas Municipais, elaborou uma proposta para ser apresentada em reunião de Câmara para abertura de um procedimento para fornecimento do bem móvel referido [cfr. folhas 166 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018].

B) Em reunião camarária realizada em 25.09.2018 o executivo deliberou, por unanimidade, a aprovação do programa de procedimentos e do caderno de encargos, bem como a autorização da despesa, designou o júri do procedimento, autorizou dois trabalhadores para inserir as peças na plataforma eletrónica e fazer o acompanhamento do procedimento e designou ainda um gestor do contrato (cfr. folhas 164 e 165 do processo administrativo do concurso n.º 3/20187).

C) Em 02.10.2018, foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 190, o anúncio de procedimento n.º 8068/2019, que lançou o concurso público n.º 3/2019, do Município de (...), para “Aquisição e Gás Propano a Granel para as Piscinas Municipais, pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness”, cujo teor se por integralmente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:

“MODELO DE ANÚNCIO DO CONCURSO PÚBLICO
1 – IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE
Designação da entidade adjudicante: Município de (...)
(…)
2 – OBJETO DO CONTRATO
Designação do contrato: Aquisição de Gás Propano e Granel para as Piscinas Municipais, Pavilhão Gimnodesportivo e Espaço Cardio-Fitness
Tipo de Contrato: Aquisição de Bens Móveis
Preço base do procedimento: Sim
Valor do preço base do procedimento: 198400,00 EUR
(…)
6 – PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
Prazo: 24 meses
(…)
11 – CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
Melhor relação qualidade-preço: Sim
Critério relativo à qualidade
Nome: Qualidade
Ponderação:0%
Critério relativo ao custo
Nome: Preço
Ponderação: 100%
(…) “
(cfr. folhas 158 a 162 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

D) No âmbito do procedimento identificado na alínea anterior, foi elaborado o Programa do Procedimento, cujo teor se considera integralmente reproduzido, e se transcreve na parte relevante para a decisão:

“ (…)
Cláusula 9.ª | Pedidos de esclarecimentos
1 - Os interessados podem solicitar esclarecimentos relativos à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento durante o primeiro terço do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, em concreto até às 7 horas, 55 minutos e 12 segundos do 3.º dia.
2 - Os pedidos de esclarecimentos de quaisquer dúvidas surgidas na interpretação das peças patenteadas deverão ser apresentados, por escrito para o Júri do Concurso, através da plataforma eletrónica vortalGOV, dentro do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas.
3 - Os esclarecimentos a que se refere o número anterior serão prestados pelo Júri do Concurso, por escrito, através da plataforma eletrónica vortalGOV, até ao fim do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas.

Cláusula 10.ª | Requisitos de admissão dos concorrentes
1 - Não podem ser concorrentes ou integrar qualquer agrupamento as entidades que incorram em qualquer dos impedimentos previstos no artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos.
2 - Podem ser concorrentes agrupamentos de entidades singulares ou coletivas sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação.
3 - Todos os membros de um agrupamento concorrente são solidariamente responsáveis, perante a entidade adjudicante, pela manutenção da proposta.
4 Em caso de adjudicação, todos os membros do agrupamento concorrente, e apenas estes, devem associar-se, antes da celebração do contrato, na modalidade de consórcio externo.

Cláusula 11.ª | Proposta
1 - Na proposta o concorrente manifesta a sua vontade de contratar e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo.
2 - Na proposta o concorrente deve indicar os seguintes elementos:
a) Declaração do concorrente de acordo com o modelo constante no Anexo I;
b) Proposta para cada um dos serviços, preços por cada um dos serviços e preço unitário para situações de fornecimento de diferentes quantidades.
3 - A proposta deve ser assinada pelo concorrente ou seus representantes nos termos do artigo 54.° da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto. É obrigatória a assinatura digital de todos os documentos mesmo que integrados em ficheiro que ele próprio esteja assinado digitalmente.
4 - O adjudicatário garantirá, sem qualquer encargo para a entidade adjudicante, a prestação de serviços,- assim como a manutenção dos seus preços, pelo prazo indicado na sua proposta.
5 - Não é admitida a apresentação de propostas com alterações de cláusulas do caderno de encargos.

Cláusula 12.ª| Documentos que acompanham a proposta
1 - A proposta deve ser acompanhada:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo 1 do CCP (e que se junta no anexo I ao presente Programa do Procedimento), assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra em nenhuma das situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.° do CCP, designadamente os seguintes documentos:
aa) Registo Criminal (no caso de se tratar de pessoas coletivas, titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência das mesmas) que comprove que o adjudicante não incorre nos impedimentos indicados nas alíneas b) e i) do artigo 55.° do CCP;
bb) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas ao Estado Português ou, se for o caso, no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
cc) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas por contribuições para a Segurança Social em Portugal ou no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal.
c) Comprovativo do pagamento da apólice de seguro de responsabilidade civil.
2 - No caso de agrupamento de concorrentes, cada uma das entidades que o compõe deve apresentar os documentos referidos.

Cláusula 13.ª | Modo de apresentação das propostas
1 - A proposta e os documentos que a acompanham devem ser redigidos em língua portuguesa ou, não o sendo, devem ser acompanhados de tradução devidamente legalizada e em relação à qual o concorrente declara aceitar a prevalência, para todos os efeitos, sobre os respetivos originais.
2 - A entrega da proposta e dos documentos que a acompanham deverá ser realizada exclusivamente de forma eletrónica através da plataforma eletrónica de contratação pública vortalGOV, acessível no sítio eletrónico http.y/www.vortalgov.pt.
3 - Os concorrentes deverão assinar eletronicamente a proposta e todos os documentos que lhe associarem nos termos do artigo 54.° da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto, mesmo que os documentos possam estar agregados em ficheiros, não bastando neste caso que o ficheiro (conjunto de documentos), esteja assinado eletronicamente.

Cláusula 14.ª | Admissão das propostas
São excluídas as propostas que:
a) Não sejam recebidas no prazo fixado;
b) Que não apresentem algum dos atributos fundamentais da proposta, nos termos do disposto da alínea b) do n.° 1 do art 57.° do CCP;
c) Que apresentem atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos e no Programa do Procedimento ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.°s 4 a 6 e 8 a 11 do art. 49.º do CCP;
d) Cuja análise revele impossibilidade de avaliação das propostas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
e) O preço contratual seja superior ao. preço base;
f) Cuja análise revele um preço total anormalmente baixo e cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto da alínea seguinte, entendendo-se preço anormalmente baixo o que for inferior a 80% do preço base;
g) O contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
h) Revele a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência;
i) Sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.° 2 do art. 54.° do CCP;
j) Sejam apresentadas por concorrentes impedidos nos termos do art. 55.° do CCP;
k) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto na cláusula 10.ª do presente Programa do Procedimento;
l) Sejam apresentadas como variantes;
m) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no art. 13.° do presente Programa de Procedimento;
n) Não observem as formalidades pedidas no art 14.º do presente Programa de Procedimento;
o) Sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;
p) Que não sejam assinadas eletronicamente nos termos do artigo 54.° da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto.
(…)”
(cfr. folhas 146 a 1 folhas 150 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

E) No âmbito do procedimento identificado na alínea anterior, foi elaborado o Caderno de Encargos, cujo teor se considera integralmente reproduzido (cfr. folhas 151 a folhas 156 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

F) Foram apresentadas 5 propostas ao concurso n.º 3/2018, a saber:

- P., S.A.,
- O., S.A,
- R., S.A.,
- G., S.A. e
- R-., S.A.

(cfr. folhas 33 a folhas 144 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

G) A Autora apresentou a proposta junta de folhas 91 a 113 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, tendo submetido os seguintes documentos:

I) questionário,
II) formulário principal,
III) anexo I,
IV) anexo II,
V)três cartões de cidadão,
VI)carta de tabela de preços de granel,
VII) certidão permanente, VIII) procuração e
IX) proposta;

H) Em 18.10.2018, o júri do procedimento reuniu para análise das propostas apresentadas, tendo elaborado o Relatório Preliminar junto de folhas 26 a 31 do processo administrativo, que se tem por inteiramente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte excerto relevante para a decisão da causa:

“(…)
2 - PROPOSTAS APRESENTADAS
O procedimento tinha como prazo para entrega de propostas o dia 09 de outubro às 18 horas, tendo os seguintes concorrentes apresentado proposta (por ordem de registo na plataforma vortalNext)
Concorrentes Data/Hora entrada Valor Global da Proposta
P., S.A. 08-10-2018/14:39:12 157.800,00€
O., S.A 08-10-2018/16:52:28 153.740,00€
R., S.A. 09-10-2018/15:01:22 151.160,00€
G., S.A. 09-10-2018/16:07:28 155.060,00€
R-., S.A. 09-10-2018/17:30:44 175.340,00€

3- Preparação da Adjudicação
3.1 – Análise das Propostas
- P., S.A.- o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.° 2 do art 146.° do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
- O., S.A.- o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.° 2 do art. 146.° do CCP, bem como do disposto na aí. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
- R., S.A.- o concorrente apresentou a proposta nos termos exigidos e acompanhada de todos os documentos identificados na cláusula 13.ª do Programa do Procedimento, pelo que, não se verificando qualquer motivo de exclusão, propõe-se a sua admissão.
- G., S.A.- o concorrente apresentou a proposta nos termos exigidos e acompanhada de todos os documentos identificados na cláusula 13.ª do Programa do Procedimento, pelo que, não se verificando qualquer motivo de exclusão, propõe-se a sua admissão.
- R-., S.A. - o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.ª do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.° 2 do art. 146.º do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.ª do Programa do Procedimento.
3.2-Ordenação das propostas
Assim, ao abrigo do n.° 1 do art. 146.° do CCP, tendo em conta o critério de adjudicação fixado no Programa do Procedimento que é o do preço mais baixo, o júri propõe a seguinte ordenação das propostas:
Ordenação Concorrentes Data/Hora entrada Valor Global da Proposta
1ª R., S.A. 09-10-2018/15:01:22 151.160,00€
2ª G., S.A. 09-10-2018/16:07:28 155.060,00€
(…)” .

I) Em sede de audiência prévia, a G., S.A., apresentou a pronúncia na qual defendeu, em síntese, a exclusão da concorrente R., S.A., e consequentemente a adjudicação da proposta por si apresentada (cfr. folhas 23 a 25 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

J) A P., S.A., apresentou igualmente pronúncia em sede de audiência prévia, na qual defendeu que a sua proposta não deveria ter sido excluída (cfr. folhas 19 a 20 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

K) Em 19.11:2019, o júri do procedimento elaborou relatório final, pelo qual propôs à Câmara Municipal de (...) decisão de não adjudicação (cfr. folhas 13 do processo administrativo do concurso n.º 3/2018).

L) Na reunião de Câmara de 20.11.2018, foi deliberado a anulação do procedimento de concurso público n.º 3/2018 para fornecimento de gás propano a granel para as piscinas municipais, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness (cfr. folhas 15 e 16 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018).

M) Na sequência da decisão identificada na alínea que antecede, pela Câmara Municipal de (...) foi aberto o concurso público n.º 4/52018 para aquisição de gás propano a granel para as piscinas municipais, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness (cfr. processo administrativo do concurso público nº 4/2018).

N) O Programa de Procedimento deste manteve na íntegra a exigência prevista na cláusula 12.ª do Programa de Procedimento quanto à apresentação, juntamente com a proposta, dos documentos de habilitação e, bem assim, a previsão da consequência de exclusão das propostas pela falta de apresentação destes documentos, de acordo com o estipulado na cláusula 14.ª, alínea m), também do Programa de Procedimento (cfr. folhas 202 a 220 do concurso público n.º 4/2018).

O) A O., S.A. concorreu ao referido procedimento, apresentando os documentos constantes das folhas 86 e 87 do processo administrativo do concurso público n.º 4/2018 (cfr. folhas 86 a 126 do processo administrativo do concurso público n.º 4/2018).

P) Na sequência da impugnação judicial da decisão de não adjudicação no âmbito do Processo n.º 744/18.0BECBR que correu termos neste TAF, viria aquela decisão a ser anulada, bem como a consequente abertura do procedimento n.º 4/2018, e o réu Município de (...) condenado a retomar e fazer prosseguir o procedimento concursal n.º 3/2018 (cfr. folhas 133 a 202 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018 – req. n.º 4959352).

Q) Em 13.08.2019, na sequência das pronúncias em sede de audiência prévia, o júri do procedimento emitiu o relatório final, pelo qual deliberou admitir a proposta da P., Petrogal, S.A, e excluir a proposta da concorrente R., S.A., relatório que se tem por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte excerto:

“(…)
7– Preparação da adjudicação
Assim, ao abrigo do n.º1 do art. 146.º do CCP, tendo em conta o critério de adjudicação fixado na cl.4ª do Programa de Procedimento (proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade de avaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar), o júri propõe a seguinte ordenação de propostas:

Ordenação Concorrentes Data/Hora entrada Valor Global da Proposta
1ª G., S.A. 09-10-2018/16:07:28 155.060,00€
2ª P.,, S.A. 08-10-2018/14:39:12 157.800,00€

8 – Proposta de decisão final
Ponderadas as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia e concluída a análise, uma vez que há alterações ao teor e às conclusões do relatório preliminar, havendo, ainda, as propostas de i) exclusão de uma proposta (da concorrente R. Energia de Portugal, SA), e de ii) alteração da ordenação das mesmas, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 2 do artigo 148.º do CCP, o júri deliberou proceder a uma nova audiência prévia, a realizar no prazo de 5 dias, nos termos do art. 147.º do CCP. (…)”.
(cfr. folhas 122 a 129 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018, requerimento - 4959349).

R) A Autora viria a pronunciar-se, no âmbito da audiência prévia, nos termos constantes da pronúncia junta como documento n.º5 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido, e na qual pugnou pela admissão da proposta por si apresentada (cfr. folhas 87 a 106 do processo administrativo do Processo n.º 3/2018, req.- 4959348).

S) Em 09.10.2019, o júri do procedimento viria a proferir novo relatório final, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, e 3 de onde se extraem os seguintes excertos:

“(…)
6– Audiência Prévia de Interessados
Após a elaboração do Relatório Final em 13/08/2019, e tendo sido submetido à audiência prévia, a concorrente O., S.A. apresentou pronúncia escrita em sede de audiência prévia em 22/08/2019 às 14:41, via plataforma eletrónica Vortal, alegando o seguinte: (…)

7- Proposta de decisão final
Após a verificação dos factos apresentados pela concorrente O., S.A., o Júri entende não dar acolhimento à reclamação apresentada.
(…)
Assim, o Júri propõe, por unanimidade, reiterar o conteúdo do Relatório Final. Nestes termos deverá o presente relatório ser enviado ao órgão competente para a decisão de contratar, para decisão final sobre as propostas apresentadas por este júri, nomeadamente a indicação de adjudicar “fornecimento de Gás Propano a Granel para as Piscinas Municipais e Pavilhão Gimnodesportivo” à concorrente G., S.A., pelo montante de 155.060,00€ (cento e cinquenta e cinco mil e sessenta euros), a este valor acresce o IVA à taxa legal em vigor. (…)”
(cfr. folhas 61 a 75 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018, req. – 4959348).

T) Em 29.10.2019, em sede de reunião de Câmara, relativamente ao concurso público n.º 3/2018 foi deliberado, em face do relatório final elaborado pelo júri do procedimento, adjudicar “o fornecimento de gás propano a granel para as piscinas municipais e pavilhão gimnodesportivo” à concorrente G., S.A., pelo montante de 155.060,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (cfr. folhas 59 a 60 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018, req. – 4959348).

U) Em 12.11.2019 entre o Município de (...) e a Contrainteressada G., S.A., foi outorgado o instrumento com o título “Aquisição de Gás Propano a granel para as piscinas municipais, pavilhão gimnodesportivo e espaço cardio-fitness” (cfr. folhas 1 a 11 do processo administrativo do concurso público n.º 3/2018 – req. 4959347).
*
III - Enquadramento jurídico.

É este o teor da decisão na parte ora recorrida:

“2. Do Direito

Na presente ação, a autora insurge-se contra o ato administrativo de 29/10/2019, por meio do qual, em sede de reunião da Câmara Municipal de (...), esta deliberou, em face do relatório final do júri do procedimento referente ao Concurso Público n.º 3/2018, excluir a proposta por si apresentada, e adjudicar “o fornecimento de gás propano a granel para as piscinas municipais e pavilhão gimnodesportivo” à concorrente G., S.A., pelo montante de €155.060,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
A autora alega para o efeito padecer a decisão impugnada do vício de falta de fundamentação, advogando ainda que o argumento de falta de apresentação de documentos que motivou a sua exclusão não poderá proceder, porquanto, os documentos em falta não lhe eram exigíveis na fase de apresentação de propostas, não podendo assim fundamentar a sua exclusão.
Cumpre apreciar.
- “Da violação de Lei por falta de fundamentação”
Conforme se deixou dito supra, a autora na sua petição inicial começa por sustentar a nulidade do ato impugnado por falta de fundamentação do mesmo. Refere que, em face da sua pronúncia em sede e audiência prévia, deveria o réu apresentar resposta fundamentada que permitisse compreender os motivos pelos quais se viu excluída do concurso.
O n.º3 do artigo 268.º, n.º 3 da CRP consagra o dever de fundamentação, resultando para o administrado o contraposto direito a conhecer as razões legais que fundamentam o sentido da decisão tomada pela autoridade administrativa, permitindo-se assim, que aquele possa compreender e se conformar com a mesma decisão ou, caso contrário, impugná-la com base nos fundamentos que dela constam.
Os artigos 152.º e 153.º do CPA decorrem diretamente da supra citada norma constitucional.
Nos termos do disposto no art. 152.º do CPA “… devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior …” (n.º 1), sendo que salvo “… disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal ..." (n.º 2).
Por sua vez, o artigo 153.º impõe a que fundamentação deverá ser expressa, devendo ser feita com recurso a uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Resulta pois dos referidos normativos legais que a obrigação de fundamentar importa a explicitação dos motivos, de facto e de direito, que conduziram à prática de determinado ato administrativo por parte do órgão administrativo.
Conforme referiu no Ac. do TCAN de 25-05-2012, Processo n.º 00730/10.9BECBR : “A fundamentação da decisão administrativa consiste, portanto, na enunciação de forma expressa das premissas fácticas e jurídicas em que a mesma assenta, visando, desta feita, impor à Administração que pondere antes de decidir e, assim, contribuir para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem essa responsabilidade para além de permitir ao administrado seguir o processo intelectual que a ela conduziu.”
Nas palavras de Mário Aroso de Almeida (in Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 3ª edição,2016, pág. 299): “a fundamentação é (…) uma declaração que deve constar do ato, na qual se justifica a sua prática e, quando seja caso disso, se expõem os motivos que determinaram a escolha do seu conteúdo, no caso de haver lugar à sua definição discricionária.”
A fundamentação deverá pois permitir ao administrado, enquanto homem médio, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, perceber o porquê do sentido da decisão proferida.
Preveem os artigos 146.º e 148.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), a realização, a cargo do júri do procedimento, a preparação da adjudicação através de, respetivamente, um relatório preliminar e um relatório final pelo qual, de forma fundamentada, são ponderadas as observações dos concorrentes ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou alterando o teor do relatório preliminar.
Subsequentemente, nos termos do nº3 do artigo 148.º do CCP, o relatório final e os demais documentos que compõem o processo de concurso são enviados ao órgão competente para a decisão de contratar.
Assim, o ato impugnável consiste na decisão de contratar que, no presente caso, acolheu as conclusões e fundamentos constantes do relatório final.
Importa assim analisar a fundamentação do ato impugnado, o qual contém em si a decisão de exclusão da autora.
Mostra-se provado nos presentes autos que em sede de relatório preliminar (cfr. al. H) do probatório), pelo júri do procedimento foi proposta a exclusão da proposta apresentada pela autora com a seguinte fundamentação: “o concorrente não apresentou os documentos solicitados na cláusula 12.a do programa de procedimentos, propondo-se assim a sua exclusão, nos termos do disposto na al. n) do n.º 2 do art. 146. ° do CCP, bem como do disposto na al. m) da cláusula 14.a do Programa do Procedimento.”
Na sequência da realização de audiência prévia, em 13/08/2019 (cfr. al. Q) dos factos provados), viria a ser proferido relatório designado como final, mantendo o teor do relatório preliminar relativamente à proposta de exclusão da autora, inovando relativamente à exclusão da concorrente R., admissão da concorrente P., e alteração da ordem das propostas admitidas, passando a figurar em primeiro lugar a contrainteressada G., S.A.
Com fundamento nestas alterações, foi realizada nova audiência prévia, momento em que a autora participaria (cfr. al. R) do probatório), insurgindo-se contra a sua exclusão.
Em 9/10/2019, o júri do procedimento viria a apresentar novo relatório, agora final, propondo a adjudicação à concorrente G., S.A., e no que releva quanto à análise do vício suscitado, em sede de análise da fase de audiência prévia de interessados, após ter reproduzido a pronúncia da autora, decidiu: “Após a verificação dos factos apresentados pela concorrente O., S.A., o Júri entende não dar acolhimento à reclamação apresentada.” (cfr. al. S) dos factos provados).
Da leitura da apreciação feita pelo júri do procedimento relativamente à participação da autora em sede de audiência prévia, resulta desde logo que o mesmo a admitiu, não a considerando inadmissível, e diga-se que bem.
É certo que a autora não se pronunciou em sede de audiência prévia após a proposta de exclusão do relatório preliminar, bem como que a realização de nova audiência prévia teve como fundamento a exclusão da concorrente R. e a alteração na ordenação das propostas. Todavia, excluída a proposta da R., a proposta submetida pela autora seria a que apresentaria um melhor preço e, nessa medida, influenciaria as suas possibilidades de ver adjudicado o concurso à proposta por si apresentada. Por outro lado, o relatório preliminar configura um mero ato preparatório, constando do mesmo uma proposta que poderá, ou não vir a ser acolhida a final, pelo que, realizada a audiência prévia e não se mostrando já a autora excluída, entendemos que poderia a mesma participar daquele momento procedimental.
Certo é que, recebida a pronúncia em sede de audiência prévia, o júri do procedimento aceitou-a, pronunciando-se sobre o mérito da mesma.
Tendo admitido a pronúncia da ali concorrente, ora autora, estava o júri do procedimento obrigado a ponderar os argumentos trazidos por aquela ao procedimento, e a decidir, de forma fundamentada pela sua aceitação ou rejeição. Tal obrigação não importava que o júri rebatesse todos os argumentos apresentados pela concorrente em sede de audiência prévia, porém, impunha que o mesmo apreciasse a pretensão daquela e exteriorizasse as razões da sua discordância quanto à mesma, expondo o fio condutor da sua decisão (vide no mesmo sentido os acórdãos do STA de 12/03/2008, Processo n.º 082/07, e de 13/04/2000, Processo n.º 04150).
Ao invés, a decisão de apreciação em sede de audiência de interessados aqui transcrita, não revela que os elementos trazidos pela concorrente tivessem sido apreciados e ponderados, limitando-se a não dar acolhimento à pretensão, não remetendo sequer a sua fundamentação para a anterior pronúncia em sede de relatório preliminar.
Analisando a resposta, bem como a alegação trazida pela autora, verifica-se que em causa não está verdadeiramente o vício de falta de fundamentação, mas sim o de preterição de audiência prévia.
Com efeito, retomando as considerações que se deixaram anteditas relativamente à exigência de fundamentação, conclui o Tribunal que a decisão impugnada, com os motivos constantes do relatório final para a qual remete (cfr. artigo 153.º, n.º 1 do CPA), ainda que com recurso a uma fundamentação bastante sintética, mostra-se fundamentada.
É que, conforme se deixou dito, constando do aludido relatório que a proposta foi excluída nos termos da Cláusula 14ª do Programa do Procedimento ao não ser acompanhada dos documentos previstos na Cláusula 12.ª, o destinatário do ato teve conhecimento do concreto motivo pelo qual foi determinada a sua exclusão. E tal mostra-se evidente pelo facto de o mesmo, quer em sede de audiência prévia quer em sede da presente ação, contestar a sua exclusão com base naquela cláusula que entende não lhe ser aplicável.
Torna-se pois claro que a autora percebeu o iter cognoscitivo seguido pelo réu na sua decisão. Veja-se o Ac. do TCA Norte de 14/02/2014, Processo n.º 00127/11.3BEMDL com o sumário que ora se transcreve:
“I- Decorre da decisão sob recurso que o Tribunal a quo entendeu que os fundamentos invocados não lograram esclarecer concretamente a motivação por serem obscuros e insuficientes; I.1-como tal, anulou o acto.
II-A fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o seu autor decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação;
II.1-o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
II.2-no caso posto, o próprio Tribunal reconhece que se descortina qual a intenção da Administração ao determinar a suspensão do pagamento da pensão atribuída ao autor, qual seja, a de evitar a duplicação de prestações pelo mesmo facto;
II.3-não pode, por isso, manter-se o julgado que concluiu pelo vício de falta de fundamentação do acto.”
Entendemos ser este o caso nos autos em que, ainda que com recurso a uma fundamentação poupada, as razões alegadas pela entidade adjudicante para a exclusão da concorrente foram pela mesma compreendidas.
Contudo, conforme se deixou dito, realizada formalmente a audiência prévia, impunha-se que a entidade administrativa apreciasse efetivamente os argumentos apresentados pela autora, sob pena de aquele momento procedimental ser meramente formal e vazio de conteúdo. Tal como se referiu supra, não resultando dos autos que tenha havido uma efetiva avaliação e ponderação dos argumentos apresentados pela autora em sede de audiência prévia, ter-se-á de concluir não ter a mesma sido materialmente realizada, ocorrendo o vício de preterição de audiência prévia por violação dos artigos 147.º do CCP e 121.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Deste modo, considerando o que se deixou exposto, julga-se verificado o vício de falta de audiência prévia.
Importa agora aferir como sanciona a lei o vício em causa, se com a nulidade, ou com mera anulabilidade.
Resulta do CPA a regra de que, em princípio, os vícios do ato importarão a sua anulabilidade (Cfr. artigo 163.º do CPA), e apenas em casos expressamente previstos, ocorrerá nulidade.
Com efeito, o n.º1 do artigo 161.º do CPA sanciona com nulidade os atos para os quais a lei comine de forma expressa essa forma de invalidade.
O n.º2 do mesmo artigo elenca, de forma exemplificativa, alguns casos que o legislador entendeu serem constitutivos de nulidade, e entre os quais se encontram, na al. d), “os atos que ofendam o conteúdo de um direito fundamental”. Não é manifestamente esse o caso nos presentes autos.
Desde logo, não resulta da alegação da autora qual o direito fundamental cujo núcleo se mostra violado.
Por outro lado, ainda considerando o direito de audição prévia, bem como o direito de participação na formação das decisões da administração, este não se encontra previsto na Parte I, da CRP, dedicada aos direitos e deveres fundamentais. Conforme referiu a propósito o ac. do STA de 28/02/2018, Processo 81/17.8YFLSB: “
(…) Trata-se antes da concretização do modelo de administração participada estabelecido no art. 267º da CRP, sendo certo que essa positivação poderia ser consagrada de outra forma e não necessariamente pela audiência prévia.
O regime regra de invalidade dos atos administrativos é, como dispõe o art. 163º do CPA, o da anulabilidade e apenas será o da nulidade nos casos em que a lei preveja essa sanção (art. 161º, nº 1).
O CPA elenca os atos nulos no seu art. 161º, nº 2, pese embora o faça de forma não exaustiva, como resulta do advérbio “designadamente”.
É certo que na al. d) se estabelece que são nulos “[o]s atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
Mas, como referimos, entendemos que o direito de audiência prévia, qua tale, não constitui um direito fundamental com consagração constitucional. Por conseguinte, a sua inobservância pela administração não torna o ato nulo mas anulável.”
Verificado que está a existência do vício de preterição de audiência prévia, sancionado com o desvalor da anulabilidade, casos em há em que este efeito não se produz, mantendo-se na ordem jurídica o ato a que foi assacada a invalidade, por força do princípio do aproveitamento do ato.
Foi a jurisprudência quem primeiro se pronunciou e criou o Princípio do aproveitamento do ato. Neste capítulo, sumariou-se no acórdão do STA de 22.01.2014, proc. n.º 441/13:
“III- Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.
IV - Todavia, a possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige sempre um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela audição da requerente”. “
Sucede que, a alteração legislativa operada em 2015 com a redação introduzida pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, no CPA consagrou o referido princípio no n.º5 do artigo 163.º do mesmo diploma.
Veio o mesmo número estabelecer que o efeito anulatório nãos e produz em 3 situações distintas:
a) Quando o conteúdo do ato seja vinculado ou a apreciação do caso permita apenas identificar uma só solução como legalmente admissível;
b) Quando o fim visado pela formalidade violada tenha sido logrado por outra via;
c) Quando resulte inequívoco que a decisão tomada seria a mesma, mesmo que não existisse o vício em causa.

Pretendeu pois o legislador evitar os casos em que à anulação do ato administrativo se seguiria a prolação de novo ato, com o mesmo sentido, depurado do vício identificado.
Conforme se deixou referido supra, resulta do probatório que, em sede de relatório preliminar, foi justificada a proposta de exclusão da autora com base na não entrega dos documentos solicitados na Cláusula 12ª do Programa de Procedimento.
Diferentemente, a autora alegou em sede de audiência prévia, e alega agora na petição inicial, que a entrega dos documentos em causa não lhe era exigível, e a sua exigência configura uma invalidade que afeta o próprio ato administrativo.
Desta forma, no caso de se mostrarem exigíveis os documentos previstos na Cláusula 12ª do Programa de Procedimento e a sua não apresentação estar sancionada com a exclusão, resultando dos factos provados que os mesmos não foram entregues pela autora, aquela decisão de exclusão, nesse caso, configurará um ato vinculado ao qual a entidade administrativa estava obrigada, sendo a decisão de exclusão da concorrente a única admissível.
Impõe-se assim a apreciação do vício apontado em segundo lugar ao ato administrativo impugnado pela autora.
- Da improcedência do argumento de falta de apresentação de documentos
A autora alega ainda que o argumento pelo qual foi determinada a sua exclusão o procedimento terá de improceder porquanto, exigindo a Cláusula 12ª a apresentação de documentos referentes à fase procedimental de habilitação, estes apenas lhe poderiam ser exigíveis nessa fase, e não aquando da apresentação das propostas. Mais alega que, no caso de assim se não entender, não poderia a mesma ter sido excluída do procedimento por não haver norma no Programa de Procedimento que o previsse, caso em que sempre estaria o júri do procedimento obrigada a procurar suprir essa falta.
Cumpre apreciar.
O artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), com a epígrafe “Documentos da proposta”, veio estabelecer quais os documentos que integram a proposta. Prevê assim o n.º1 do referido artigo que a proposta é constituída pelos seguintes documentos:
“a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;
d) (Revogada.)”
Assim, no se que se refere à al. a) do n.º1 do artigo 57.º do CCP, está em causa a imposição ao mercado pela entidade adjudicante das condições que pretende ver observadas por quem pretende celebrar consigo um contrato público, no que se refere à alínea b), estão em causa documentos referentes aos atributos da proposta, isto é, documentos pelos quais o concorrente visa responder a cada um dos fatores que compõem o critério de adjudicação.
Por último, a al. c) do mencionado artigo, prende-se já com os termos e condições da proposta pelos quais o concorrente esclarece a maneira como assegurará o cumprimento dos aspetos imperativos fixados para a execução do contrato.
Os elementos em causa configuram elementos obrigatórios das propostas, sancionando o legislador a sua não entrega com a exclusão daquela.
Refere a este propósito o artigo 146.º, n.º 2, al. d) do CCP, que o júri, em sede de relatório preliminar, deverá propor a exclusão das propostas que “não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º.
A previsão constante do n.º1 do artigo 57.º do CCP, foi acolhida na Cláusula 11.ª do Programa de Procedimento, prevendo o n.º2 desta que da proposta entregue no âmbito do concurso constasse:
a) Declaração do concorrente de acordo com o modelo constante no Anexo I;
b) Proposta para cada um dos serviços, preços para cada um dos serviços e preço unitário para situações de fornecimento de diferentes quantidades.

Com efeito, o artigo 132.º do CCP, com a epígrafe “Programa do concurso”, no qual são elencados os elementos indicados no programa do procedimento, inclui na sua al. h) entre aqueles que do mesmo devem constar, os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º.
Todavia, o n.º 4 do referido artigo 132.º do CCP, reconhece à entidade adjudicante uma margem de discricionariedade procedimental, prevendo a possibilidade de: “(O) programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.
Poderão aqui ser enquadrados os documentos adicionais ou acessórios que a entidade adjudicante entenda serem convenientes, nomeadamente para comprovar a existência de atributos, ou termos ou condições, como complemento destes, enquanto documentos obrigatórios (cfr. als. b) e ) do artigo 57.º do CCP). Será igualmente o caso dos documentos informativos sobre os elementos referentes aos dados do concorrente ou seu processo de produção, e que não correspondam a uma condição contratual (no mesmo sentido vide Pedro Fernández Sánchez (in Direito da Contratação Pública, Vol. II, AAFDL Editora, 2020, pág. 104).
Conforme resultou provado em sede de fundamentação de facto, do Programa de Procedimento do Concurso Público n.º 3/2018 fazia parte a Cláusula 12ª, com a epígrafe “Documentos que acompanham a proposta”, a determinava no seu n.º1, que deveriam acompanhar a proposta os seguintes documentos:
a) “Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo 1 do CCP (e que se junta no anexo I ao presente Programa do Procedimento), assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra em nenhuma das situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.° do CCP, designadamente os seguintes documentos:
aa) Registo Criminal (no caso de se tratar de pessoas coletivas, titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência das mesmas) que comprove que o adjudicante não incorre nos impedimentos indicados nas alíneas b) e i) do artigo 55.° do CCP;
bb) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas ao Estado Português ou, se for o caso, no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
cc) Cópia do documento comprovativo em como se encontra com a situação regularizada relativamente a dívidas por contribuições para a Segurança Social em Portugal ou no Estado de que seja nacional ou no qual se situe o seu estabelecimento principal.
c) Comprovativo do pagamento da apólice de seguro de responsabilidade civil.”

Estabeleceu assim a entidade adjudicante uma disposição própria relativamente aos documentos que deverão acompanhar a proposta.
Estando em causa documentos que acompanham a proposta, e nesse sentido, que não se confundem com ela, a qual é composta sim pelos elementos constantes na Cláusula 11.ª do Programa de Procedimento, o estabelecimento da sua obrigação de entrega compreende-se no âmbito do poder de autorregulação procedimental reconhecido à entidade adjudicante no aludido artigo 132.º, n.º 4 do CCP.
E não se diga como o faz a autora quando alega que em causa está a exigência de entrega de documentos constantes do artigo 81.º do CCP e, desse modo, que respeitam à fase de habilitação, alegação essa que não é exata.
Desde logo, se tal poderá ser efetivamente o caso relativamente aos documentos cuja entrega com a proposta é exigida nas als. a) e b), n.º1 da Cláusula 12ª, não é já esse o caso relativamente ao documento identificado na al. c) daquela disposição: o “comprovativo do pagamento da apólice de seguro de responsabilidade civil”.
No que se refere a este documento, o mesmo não configura um documento de habilitação conforme previsto no artigo 81.º do CCP quanto aos contratos de fornecimento de bens e serviços.
A este propósito, o n.º1 do artigo 81.º prescreve que:
“1 - Nos procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos de habilitação:
a) Declaração do anexo ii ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e h) do n.º 1 do artigo 55.º.”
Da leitura do referido normativo constata-se que o documento exigido com a apresentação das propostas nos termos da al. c), do n.º 1 da Cláusula 12ª não integra aquele elenco de documentos de habilitação.
Por outro lado, mesmo no que respeita aos documentos exigidos nas als. a) e ) do n.º 1 da Cláusula 12ª do Programa de Procedimento, nenhum obstáculo se levantava perante a entidade adjudicante que a impedisse de ter solicitado os mesmos logo aquando da entrega das propostas.
Conforme resulta da redação do artigo 132.º, n.º 4 do CCP, o legislador garantiu à entidade adjudicante um certo grau de discricionariedade procedimental no que respeita à criação de regras específicas sobre o programa de procedimento tidas por convenientes para o efeito. Esta margem de discricionariedade sofre contudo uma limitação que respeita aos casos em que as exigências inovatoriamente definidas por aquela entidade importem uma limitação do princípio da concorrência.
Não é o caso em apreciação nos autos onde, para além de nenhuma das partes sequer assim o defender, os documentos cuja junção com a proposta foi determinada dizem respeito ao cumprimento da legislação por parte do candidato, não caindo no âmbito da concorrência na definição da proposta.
Concomitantemente, entende o Tribunal que mesmo no que concerne aos documentos de habilitação previstos no artigo 81.º e exigidos pelas als. a) e b) do n.º1 da Cláusula 12ª do CCP, nada impedia que a entrega destes fosse exigida logo num momento inicial. Conforme referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, págs. 490-492, 495 e 944): “os requisitos de habilitação não são exigíveis apenas ao adjudicatário, mas a todos os concorrentes, só não se lhes referindo a lei porque, em situações normais, a questão da habilitação vai colocar-se apenas pós-adjudicação, em relação ao concorrente da proposta vencedora”. Em observância à referida premissa, os requisitos de habilitação deverão assim existir e desde o momento de apresentação da proposta, e até ao momento da celebração do contrato. No mesmo sentido vide os ac. do TCA Sul de 7/11/2013, Processo n.º 10404/13, bem como o ac. do TCA Norte de 4/05/2018, Processo n.º 01093/17.7BEAVR, no qual se sumariou:
“ I- Os requisitos de habilitação não são exigíveis apenas ao adjudicatário, mas a todos os concorrentes;
I.1-a falta de alvarás, certificados, títulos de registo, etc., exigidos no programa do procedimento em razão de previsão normativa, legal ou regulamentar, que habilitam ao exercício da actividade inerente à execução das prestações contratuais detectada antes da adjudicação ou, mesmo, antes da conclusão da fase de análise e avaliação de propostas, implica a exclusão da proposta do concorrente em falta;
I.2-os requisitos de habilitação devem existir logo no momento da apresentação da proposta e durar até à celebração do contrato (no mínimo, até ao momento da apresentação dos documentos de habilitação) não se admitindo, portanto, a participação de um concorrente que só venha a ter alvará à data da adjudicação ou da apresentação dos documentos de habilitação;
I.3-se a falta destes elementos, que habilitam ao exercício da actividade inerente à execução das prestações contratuais for detectada antes da adjudicação ou antes, mesmo, da conclusão da fase de análise e avaliação de propostas, tal deverá levar à exclusão da proposta do concorrente faltoso, não havendo lugar nem à sua ordenação nem à adjudicação da mesma; (…)”
Em conclusão, sendo exigível ao concorrente reunir os requisitos de habilitação desde o momento em que apresenta a sua proposta, e não só em fase de habilitação, embora a tal não esteja obrigada, no âmbito do poder de autorregulação procedimental compreendido no artigo 132.º, n.º4 do CCP, poderá a entidade adjudicante exigir a entrega daqueles elementos com as propostas.
No caso de assim o fazer, como se verifica in casu, o eventual incumprimento da obrigação de entrega por parte do concorrente, não importará necessariamente a exclusão do procedimento.
Conforme se deixou dito, o artigo 146.º, n.º1, al. d) prevê a exclusão das propostas que não integrem os documentos exigidos nos termos do artigo 57.º, n.º1 e 2 do CCP.
Não está assim abrangida pelo referido normativo a não entrega de documentos exigidos ao abrigo do n.º 4 do artigo 132.º do CCP. Nestes casos, a exclusão do concorrente por incumprimento da obrigação estabelecida ao abrigo do referido artigo apenas encontra amparo legal nos casos em que, nos termos da al. n), do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, o programa do concurso tenha previsto expressamente aquela exclusão.
Contrariamente ao que alega a autora, é este o caso dos autos.
Com efeito, a Cláusula 14ª do Programa de Procedimento previu os casos de exclusão de propostas, referindo nas suas alíneas k) e m) que tal assim ocorrerá quanto às propostas que:
“(…)
K) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto na cláusula 10ª do presente Programa de Procedimento; (…)
m) Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no artigo 13.º do presente Programa de Procedimento. (…)”.
Desde logo se diga que a referência às cláusulas 10.ª e 13ª são evidentes lapsos de linguagem porquanto, aquelas cláusulas não regulam os documentos ou elementos que integram a proposta, definindo, ao invés, os requisitos de admissão dos concorrentes, e o modo de apresentação de propostas, respetivamente. Está-se pois um evidente lapso de escrita que importa (artigo 249.º do Código Civil), resultando da redação da Cláusula 14ª e do confronto desta com as redações das Cláusulas 10ª e 11ª, e 12ª e 13ª, que a causa de exclusão prevista na al. K) do n.º1 da Cláusula 14ª se reporta ao incumprimento da Cláusula 11.ª, e que a causa de exclusão da al. m) se refere à não entrega dos documentos previstos na Cláusula 12ª. do Programa de Procedimento.
Não se deixe de referir que, tendo a autora dúvidas sobre a necessidade de proceder à entrega dos documentos em causa, então sempre poderia esta ter apresentado esclarecimentos, ou mesmo pedido a alteração das peças do concurso, possibilidade prevista desde logo no artigo 9.º do Programa do Procedimento, e igualmente no artigo 50.º, n.º1 do CCP. O que esta optou por não fazer.
Incumprida a obrigação de entrega dos documentos previstos na Cláusula 12ª por parte da autora, a sua exclusão nos termos da al. m) da Cláusula 14ª mostrava-se assim fundamentada, não merecendo censura deste Tribunal.
Dito isto, impõe-se por último aferir se, não obstante, deveria o júri ter procurado suprir o incumprimento pela autora daquela cláusula.
Estabelece o artigo 72.º, n.º 3 do CCP, que “ (O) júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.”
Veio prever o legislador a possibilidade de suprimento de formalidades consideradas com não essenciais, quando esse suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.
A este propósito, serão essenciais as formalidades legalmente prescritas, porquanto a sua observância é requisito da legalidade do ato a praticar pela administração.
Será igualmente o caso da preterição de normas de forma por parte de um concorrente, na medida em que a atuação deste seja pressuposto ou requisito de uma atuação da Administração.
Em face do que se acabou de dizer, não se entende que a preterição de formalidades que a lei sanciona no artigo 146.º, n.º 2 do CCP com a exclusão do procedimento, possam ser enquadradas como formalidades não essenciais. Com efeito, nesses casos o legislador previu de forma expressa a exclusão da proposta, não se limitando a sancionar a conduta do concorrente com uma mera irregularidade, mas ao invés, enquadrando-a como suscetível de pôr em causa os princípios da contratação pública (vide ac. do STA de 17/01/2001, Processo n.º 044249).
Conforme se pronunciou recentemente o TCA Norte pelo ac. de 12/06/2019, Processo n.º 00577/18.4BEVIS, no qual se defendeu que: “III- A referência a um dever jurídico de, no relatório preliminar, propor a exclusão das propostas demonstra claramente que os requisitos exigidos têm de estar cumpridos aquando da elaboração do relatório preliminar e que, detetada a falta, o júri fica vinculado a propor e o órgão adjudicante a decretar, tal exclusão, não existindo, assim, neste âmbito, qualquer margem de livre apreciação por parte desses órgãos. Face a este regime imperativo, não poderia o júri solicitar esclarecimentos ao abrigo do art. 72.º, do CCP, ou admitir que, no decurso do pleito procedimental, fosse sanada a falta verificada, dado que o esclarecimento supõe que ainda não haja motivo para a exclusão da proposta, sendo de referir ainda que a audiência prévia não pode servir para juntar ou completar documentos inicialmente exigíveis [cf. Acs. do STA de 11/04/2012 –Proc.n.º 01166/11 e de 30/01/2013 – Proc. n.º 01123/12].”
E a idêntica conclusão se chega mediante interpretação do aludido preceito, considerando a redação do n.º3 do artigo 56.º da Diretiva 2014/24/EU, e a jurisprudência do TJUE. Neste campo, para Luís Verde de Sousa (in “Algumas Considerações sobre o regime de suprimento das irregularidades das propostas” – Comentários à revisão do código dos contratos públicos, AAFDL, 2017, pág. 631), cujo entendimento aqui se segue: “Em primeiro lugar, parece-nos claro que o direito europeu admite a existência de uma legislação nacional que preveja a possibilidade de suprimento de irregularidades determinadas por preterição de exigências legais atinentes a aspetos formais da proposta, suprimento esse que poderá mesmo implicar a junção de elementos exigidos pelas peças do procedimento (Manova). Em segundo lugar, e quanto ao modo como o pedido deve ser realizado, o TJUE exige que seja dada oportunidade a todas as empresas que se encontrem na mesma situação de suprir tais irregularidades formais, o que só deve acontecer após a entidade adjudicante conhecer o teor de todas as propostas. No entanto, e em terceiro lugar, parece-nos que a entidade adjudicante só poderá admitir o suprimento da irregularidades se a violação da formalidade em apreço não for expressa e claramente (Pippo Pizzo) sancionada pela lei ou pelas peças do procedimento com a exclusão da proposta (Manova e Cartiera dell ´Adda).”
É precisamente este o caso da situação sub iudice em que, o Programa de Procedimento sancionou com a exclusão as propostas que não cumprissem as obrigações estabelecidas ao abrigo do artigo 132.º, n.º4 do CCP, conforme se verificou no concurso em apreciação nestes autos.
Deste modo, o artigo 72.º, n.º3 do CCP era pois insuscetível de ser aplicado por forma a permitir, mediante convite do júri do procedimento, suprir a falta de entrega dos documentos em causa.
Pelo exposto, terá de improceder a argumentação da autora.
Considerando o que se deixou exposto, verifica-se que, mesmo que se mostrasse anulado o ato administrativo impugnado, e consequentemente fosse a entidade administrativa chamada a apreciar novamente a pronúncia da autora, sempre aquela decidiria no sentido em que decidiu, excluindo a proposta da autora, mantendo-se assim os demais pressupostos do ato administrativo impugnado.
Pelo exposto, nos termos do artigo 163.º, n.º5 do CPA, o vício de preterição de audiência prévia não produz os efeito de anulação do ato administrativo impugnado, mantendo-se assim o mesmo na ordem jurídica, improcedendo desse modo a pretensão da autora.
*
A regra que resulta da lei de processo é que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa (artigo 527º, n.º 1, do CPC).
Ademais, expressa a lei de processo entender-se dar causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, n.º 2, do CPC).
Vencido a autora, é a mesma condenada nas custas do processo.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente, e em consequência absolve-se o réu do pedido.
(…)”

Não merece qualquer reparo esta decisão, malgrado a crítica que lhe é feita pela Recorrente.

Determina o n.º 4 do referido artigo 132.º do Código de Contratos Públicos:

“O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.

A entidade adjudicante tem, pois, larga margem para fixar as regras do procedimento do concurso, tendo como limite essencial o respeito pelo princípio da concorrência, princípio basilar nos concursos públicos.

Não se vê, por isso, que os requisitos de habilitação não possam ser exigíveis a todos os concorrentes e não apenas ao adjudicatário. Em nada se belisca, à partida, o princípio da concorrência com essa opção.

Pelo que a Entidade Demandada tinha cobertura legal para fazer a exigência de apresentação dos documentos a que alude a cláusula 12ª do programa do procedimento e que dizem respeito na sua maioria aos requisitos de habilitação, o que não sucedem por exemplo, com o documento referido na alínea a) do n.º 1 da cláusula 12ª, onde se menciona que a proposta deve ser acompanhada de “Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos” exigência que faz todo o sentido aplicar a todos os concorrentes e não apenas ao adjudicatário.

Com a vantagem de satisfazer melhor as exigências de certeza, segurança e celeridade, evitando a adjudicação a um concorrente que não esteja habilitado para o concurso.

Por outro lado, não se pode falar em manifesto lapso ou equívoco porque a Entidade Adjudicante sempre assumiu essa opção quer em sede de procedimento quer em sede judicial. Nunca reconheceu ter-se devido a lapso. Onde a entidade que produz a regra não vê um lapso, mas antes assume a regra como opção, não pode o intérprete ver um lapso.

Sendo uma consciente opção, a existir lapso, como efetivamente existe, é na alínea m) da cláusula 14ª, onde se prevê a exclusão das propostas que:

Não sejam constituídos por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no art. 13.° do presente Programa de Procedimento”.

Na verdade a cláusula 13º não se refere aos documentos a apresentar pelo concorrentes mas antes ao “Modo de apresentação das propostas” pelo que é manifesta a intenção de remeter para a cláusula 12ª onde, aqui sim, se referem os documentos que devem acompanhar a proposta.

Resulta portanto inequívoco da conjugação das cláusulas 12ª e 14ª alínea m) (esta expurgada do manifesto lapso) do programa do concurso que é causa de exclusão de uma proposta não apresentar os documentos da habilitação.

Regra que resulta de uma exigência legal, como vimos. Não se impondo qualquer interpretação correctiva que, pelo contrário, se traduzira numa inadmissível intromissão na área de discricionariedade da Entidade Adjudicante.

Também não é correcto afirmar, como faz a Recorrente, que não existe no programa do concurso nenhuma norma expressa relativa aos documentos de habilitação que o adjudicatário deve apresentar na devida fase.

A fase escolhida para apresentar os documentos de habilitação é, nos termos das cláusulas 12ª e 14ª do programa do concurso é, num primeiro momento, a fase de apresentação das propostas, por parte de todos os concorrentes nos quais se inclui o futuro adjudicatário.

Por outro lado, é feita a exigência específica ao adjudicatário de apresentação dos documentos de habilitação nas 16.º, 17.º, 19.º e 23.º do programa do concurso onde se prevêem também as consequências da sua não apresentação tempestiva.

Também se mostra a certada a decisão recorrida na parte em que considera que não existia qualquer obrigação por parte do Júri do concurso convidar a Autora, ora Recorrente, a suprir a falta de apresentação de documentos a que inequivocamente alude a clausula 12ª como dever dirigido a todos os concorrentes e não apenas ao adjudicatário.

A Autora, ora Recorrente, é que se considerava haver lapso ou ilegalidade, deveria ter pedido esclarecimentos ou invocar a ilegalidade antes de apresentar a sua proposta, agindo depois em conformidade.

O que não fez, optando por apresentar a sua proposta sem estar instruída com os documentos inequivocamente exigidos pela cláusula 12ª do programa do concurso a todos os concorrentes.

Termos em que sem necessidade de mais considerandos, se impõe confirmar na íntegra a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 15.05.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco