Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01776/06.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:VENDA NA EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário:I - A nulidade da venda judicial pode ser arguida pelo executado quando este não tiver sido citado para a execução.
II - Esta possibilidade, porém, não pode ser observada relativamente à anulação da venda por falta ou nulidade da citação, quando o processo não correu à revelia daquele, nos termos das disposições combinadas nos artºs 483º, 909º, nº 1, al. b) e 921º, nºs 1 e 3 do CPC e 257º, nº 1, al. c) do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública e J...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I- RELATÓRIO
C…, LDA., com os demais sinais dos autos, requereu a anulação da venda realizada no âmbito do PEF. n.º3387199901000233, instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto – 7, na qual é executada.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferida sentença que julgou improcedente a requerida anulação da venda, decisão com que a executada não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. A douta sentença sob recurso interpreta e aplica erradamente os art.ºs 165.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT em conjugação com o disposto nos art.ºs 909, n.º 1, als. b) e c), 921.º, n.º 1, e 201.º do CPC.
B. Com efeito, não há no caso lugar à anulação total da execução e, consequentemente, é inaplicável a al. b) do n.º 1 do art.º 909.º do CPC
C. A venda cuja anulação se requer é nula por falta de citação nos termos conjugados do art.º 165.º, n.ºs 1 e 2, do CPP e do art.º 909.º, n.º 1, al. c), e 201.º do CPC
D. A douta sentença incorreu em erro em matéria de facto ao não dar como provado, como devia, que:
o valor da dívida constante da carta precatória inicialmente expedida pelo Serviço de Finanças do Porto 7 para o Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 é de 45.773.078$00
o valor da dívida exequenda aferida pelos títulos executivos é de 44.468,35 € (8.915.106$00) e refere-se a IVA respeitante aos anos de 1997 e 1998
o valor da dívida exequenda constante da carta precatória reexpedida pelo Serviço do Porto para o Serviço de Vila Nova de Famalicão é de 45.773.078$00
o valor da dívida exequenda a que se refere o despacho que designa a data para a venda 44.468,35 €
a notificação à executada da designação da data para a venda dos bens penhorados não identifica o valor da dívida nem o valor base para a venda dos bens penhorados.
E. Estes factos, além de reforçarem a nulidade decorrente da falta de citação com a aplicação do regime estabelecido no art.º 165.º do CPPT, devidamente subsumidos nos pertinentes preceitos legais, são igualmente determinantes da nulidade do acto da venda nos termos do art.º 201.º do CPC, tendo a douta sentença incorrido em erro de julgamento ao não se decidir pela procedência do pedido com tal fundamento
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença e final procedência do pedido, como é de Justiça.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
II - Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
ü Se a sentença recorrida incorreu em errou no julgamento a matéria de facto relevante para apreciar e decidir ao não dar como provado, a discrepância existente entre a indicação dos valores da dívida exequenda aferida pelos títulos executivos e o valor constante da carta precatória expedida para o Serviço de Finanças de Famalicão, bem como, de que a notificação à executada da designação da data para a venda dos bens penhorados não identifica o valor base para a venda dos bens penhorados e o valor da dívida;
ü Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do art. 165º, n.º 1 e 2 do CPPT, em conjugação com o disposto nos art. 909º, n.º 1 al. b) e c), 921º n.º 1 e 201º do CPC.
III - Fundamentação
1. De facto
1.1 É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que passamos a reproduzir:
1. Em 18.01.1999, pelo Serviço de Finanças do Porto 7, foi instaurado o processo executivo que corre seus termos sob o n.º 3387-99/100023.3, contra a “C…, Lda.”, por dívidas de IVA e juros compensatórios de 1997 e 1998;
2. Após penhora efectuada em 25.05.2000, e por despacho de 25 de Fevereiro de 2002, foi o responsável legal da executada F…, nomeado fiel depositário dos bens penhorados, em substituição do anterior, uma vez que por declaração anterior aceitou a nomeação para tal cargo – cf. folhas 67, 28 e 30 dos autos;
3. Por ofício expedido, por correio postal registado, em 26.02. 2002, foi o responsável legal da executada notificado da sua aceitação como fiel depositário em substituição de J… - cf. folhas 32 e 32 v.
4. Em 12 de Janeiro de 2003, a executada representada pelo seu sócio gerente F…, requereu, no processo executivo a que se reporta esta acção, um «plano de pagamentos por conta mensais de Eur 1 626.00 relativamente aos processos de dívidas fiscais a correr nesse Serviço de Finanças» - cfr. folhas 33 dos autos;
5. Em 23 de Novembro de 2004, foi proferido o seguinte despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças: «Face à informação supra e uma vez que a executada não efectuou qualquer pagamento até á presente data, desentranhe dos autos a carta precatória (…) e devolva-se ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 para que prossiga com a venda dos bens penhorados. Dê conhecimento ao referido serviço local da alteração do fiel depositário - cf. folhas 34 dos autos;
6. Foi designado o dia 26 de Maio de 2006 para venda dos bens penhorados – cfr folhas 75 dos autos;
7. A executada foi notificada da data da venda por oficio remetido por correio postal registado em 03.05.2006 - cfr folhas 83 e 84 dos autos;
8. Na data referida na alínea anterior foram os bens penhorados adjudicados a J… - cf. folhas 107 dos autos;
9. O título de adjudicação e entrega dos bens vendidos foi lavrado em 30 de Maio de 2006 - cf. folhas 117 e 188 dos autos;
10. O presente pedido de anulação de venda deu entrada no Serviço de Finanças deprecado em 14.06.2006 - cf. folhas 129 e ss dos autos;
1.2 “Factos não provados
Não se provou que a executada tivesse sido citada no processo executivo dada a inexistência de prova documental apresentada pela Fazenda Pública.
Não existem outros factos provados ou não provados.”
2.1.Quanto ao erro de Julgamento de facto
Decorre, expressamente da conclusão D) formulada pela Recorrente/Rte, a imputação, à sentença recorrida, de errado julgamento, em sede de matéria de facto provada, quando não inclui na matéria de factos que:
“ - o valor da dívida constante da carta precatória inicialmente expedida pelo Serviço de Finanças do Porto 7 para o Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1 é de 45.773.078$00
o valor da dívida exequenda aferida pelos títulos executivos é de 44.468,35 € (8.915.106$00) e refere-se a IVA respeitante aos anos de 1997 e 1998
o valor da dívida exequenda constante da carta precatória reexpedida pelo Serviço do Porto para o Serviço de Vila Nova de Famalicão é de 45.773.078$00
o valor da dívida exequenda a que se refere o despacho que designa a data para a venda 44.468,35 €
a notificação à executada da designação da data para a venda dos bens penhorados não identifica o valor da dívida nem o valor base para a venda dos bens penhorados.”
Impõe-se, portanto, aferir do julgado neste quadrante em face do conteúdo dos elementos probatórios, de cariz documental disponíveis nos autos (registe-se que não houve lugar a qualquer produção de prova para além da constante dos próprios autos de execução).
Nessa conformidade, a coberto do disposto no art. 712º n.º 1 al. a) CPC, ex vi dos arts. 281º CPPT e 749º CPC, importa aditar a decisão emitida em sede de fixação da factualidade relevante, formulando-se, com apoio em documentos e peças processuais que integram estes autos, o quadro factual que segue.
11. O valor da dívida aquando da autuação inicial em 12.05.2000 da Carta Precatória pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão n.º 23/2000 era de 45.773.078$00 - 228.315,15€, correspondente a execução fiscal n.º 99/100023.3 (cfr. fls. 60 dos autos);
12. Após efectivação da penhora sobre aquele valor, a carta precatória foi devolvida à repartição deprecante, onde viria a ser recepcionada aos 25 de Maio de 2000;
13. A carta precatória referida em 11 foi devolvida ao Serviço de Finanças de Famalicão 1 para venda dos bens penhorados (cfr. fls. 69 dos autos);
14. Em 23.11.2004 foram os autos autuados constituídos por 4 certidões de dívida e pela quantia exequenda de 44.468,35€ respeitante a IVA dos anos de 1997 e 1998 (cfr. fls. 53 a 58 cujo teor aqui se dá por reproduzido);
15. É o seguinte o teor do despacho que ordena a venda datado de 26 de Abril de 2006 e a que se alude em 6.
“Para venda dos bens constantes do auto de penhora de fls. 15, a realizar por proposta em carta fechada, designo o dia 26 de Maio de 2006, pelas 14.30 horas, para neste Serviço de Finanças se proceder á abertura das propostas recebidas.
Fixo o valor dos bens para venda o que lhes for atribuído no auto de penhora.
Diligências necessárias, tendo em especial atenção ao preceituado nos artigos 248º, 249º e 250º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 890º do Código de Processo Civil, comunicando igualmente ao executado a data de marcação da venda.
As propostas deverão ser entregues até às 16:00 horas do dia útil anterior ao da abertura.” (cfr. fls. 75 dos autos);
16. Dá-se aqui por reproduzido o teor do anúncio de fls. 78 dos autos, do qual consta que a venda é para pagamento da dívida de 44.468.35 € no processo de execução fiscal n.º 045020040700041.3
17. A notificação à executada da designação da data referida em 7. ocorreu nos seguintes termos:
“Para os devidos efeitos, designadamente permitir-lhe a tomada de providências que se afigurem oportunas ou necessárias, levo ao conhecimento de V. Ex.ª que determinei o 26 de Maio de 2006, pelas 14.30, para neste Serviço de Finanças, proceder, em resultado das propostas recebidas, à venda dos bens penhorados no processo executivo supra referido.
Oportunamente, e de conformidade com o preceituado no Código de Procedimento e Processo Tributário, será publicitada a ocorrência, mediante a inserção, em duas edições seguidas, nos jornais periódicos, do respectivo anúncio.
Poderá, querendo, desde que efectue, até à data da venda, o pagamento das dívidas em questão e demais acrescido, suster a adjudicação dos bens a vender.”
2.2. Quanto ao erro de Julgamento de Direito
Estabilizada que se mostra a matéria de facto, de encontro com as pretensões plasmadas pela recorrente em sede de recurso, cumpre conhecer do erro de julgamento de direito assacado a sentença sob recurso, que se reconduz em aferir se a constatada falta de citação da Executada é geradora da nulidade do processo de execução fiscal, contrariamente ao decidido na sentença da 1ª instância.
Sustenta a Recorrente que a sentença sob recurso aplicou erradamente os art. 165º, n.º 1 e 2 do CPPT em conjugação com o disposto nos art. 909º, n.º 1 al. b) e c), 921º, n.º 1 e 201º do CPC, considerando que a situação dos autos determina anulação total da execução, sendo inaplicável o art. 909º n.º 1 do CPC.
Vejamos:
Os presentes autos de anulação de venda requerida pela executada, tem exclusivamente como fundamento da mesma a falta de citação ocorrida no processo de execução fiscal, falta essa que a Recorrente considera susceptível de prejudicar a sua defesa face as vicissitudes do mesmo.
Como assinala o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado, 4ª edição (2003), anotação 7 ao artigo 257º do CPPT:
Os outros motivos de anulação da venda são os previstos no artigo 909º do CPC, para que remete a alínea c) do nº 1 deste artigo 257º, que deverão ser adaptados à natureza dos títulos executivos que podem servir de base à execução fiscal.
Esses motivos serão os seguintes:
a) Se for anulada ou revogada a decisão administrativa ou judicial que se executou ou se for julgada procedente a oposição à execução fiscal, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no nº 3 do artigo 921º; (sublinhado nosso)
c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201º, do CPC;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono”.
De acordo com o disposto no artigo 165°, nº 1, alínea a), do CPPT, a nulidade da falta de citação do executado só é insanável quando possa prejudicar a defesa do interessado.
Trata-se de um regime de nulidade mais restrito do que o contemplado na lei processual civil.
A nulidade sana-se se o executado tem conhecimento de que contra si foi instaurada execução, intervém no processo executivo e não alega falta de citação.
Em síntese temos que, nos termos do artigo 165°, n.º l, al. a) e n.º 2 do CPPT, a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente.
Ora, temos como assente nos autos que por carência de elementos documentais não se mostra provada a citação da executada para a execução, pelo que cumpre tão só saber se tal “não facto” é susceptível de ser considerada como falta de citação e, como tal, uma nulidade insanável, com os efeitos pretendidos pela ora Recorrente.
Sobre esta matéria - da falta de citação geradora de nulidade - escreveu-se na decisão recorrida o seguinte:
“Veio agora a impetrante suscitar a anulação da venda efectuada no processo de execução com o n.º 3387-99/100023.3, por falta de citação da executada neste mesmo processo.
Considerou a impetrante que a falta de citação prejudicou a sua defesa de execução, pelo que devia ser anulado todo o processado após o momento da falta de citação, inclusive a venda efectuada na execução fiscal.
De acordo com a matéria de facto existiu falta de citação da executada. Mas não se nos afigura que tal falta de citação possa ser considerada fundamento suficiente para que a venda seja anulada.
Por concordarmos na íntegra com o douto Acórdão do STA de 03.06.2009, in processo 082/09, que sobre esta matéria se debruçou passamos a transcrever algumas passagens: “Porém, dispõe o artº 909º, nº 1, al. b) do CPC, aqui aplicável ex vi do artº 257º, nº 1, al. c) do CPPT que a venda só fica sem efeito se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no artº 921º, nº 3 do mesmo diploma legal.
Por sua vez, estabelece o predito artº 921º, no seu nº 1 que “se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado requerer a todo o tempo, no processo de execução, que esta seja anulada.
Acresce que, o artº 483º do CPC define como revel todo aquele que não deduzir oposição, não constituir mandatário, nem intervier de qualquer forma no processo.
Da conjugação de todos estes preceitos legais, ressalta, assim, que a nulidade da venda judicial pode ser arguida pelo executado quando este não tiver sido citado para a execução.
Esta possibilidade, porém, não pode ser observada relativamente à anulação da venda por falta ou nulidade da citação, quando o processo não correu à revelia daquele.(…)”
O que aconteceu no caso em apreciação. Resultou da matéria de facto que, para além do sócio gerente da executada ter sido nomeado fiel depositário dos bens penhorados, a executada veio ao processo de execução propor um pagamento por conta mensal da dívida exequenda. Acresce ainda que a executada foi notificada da realização da venda dos bens penhorados – cfr. alíneas c), d) e g) da matéria de facto dada como provada.
A executada teve assim intervenção no processo, pelo que não pode ser considerada revel.
A ser assim, como é, vedada lhe está, legalmente a possibilidade de requerer a nulidade da venda em causa com os fundamentos invocados, uma vez que a anulação da venda com fundamento na falta de citação apenas poderá ocorrer se a executada for revel.
Como refere ainda o douto Acórdão, acima citado “Para além das situações previstas no artº 257º do CPPT e no artº 909º do CPC, a nulidade da venda por falta de citação do executado só pode ser decretada nos termos do artº 864º, nºs 1 e 11 do CPC, em que se prevê que a falta de citação do executado tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação da venda desde que o exequente, no caso a Fazenda Pública, não haja sido o “exclusivo beneficiário” (vide nº 11 do citado preceito legal).”. O que aconteceu no presente caso, dados os bens terem sido adjudicados a terceiro adquirente, que não a exequente.
Improcede assim o alegado pela impetrante.”
Não podemos deixar de concordar com o que ficou escrito, em face das disposições citadas e aplicáveis ao caso dos autos.
Aditaremos, no entanto, o seguinte:
A recorrente, nas suas conclusões insurge-se com o assim decidido, considerando que não há no caso lugar à anulação total da execução sendo-lhe inaplicável a al. b) do n.º 1 do art. 909º do CPC, ou seja, anulação que pretende opera por falta de citação nos termos conjugados do art. 165º n.º 1 e 2 do CPPT e do art. 909º n.º 1 al. c) e 201º do CPC.
Dispõem o art. 909° do CPC (sob a epígrafe «Casos em que a venda fica sem efeito»):
«1. Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) …
b) …
c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201°.
(…)».
E, o referido art. 201º do CPC estatui:
«1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dele sejam independentes.
3. (…)»
A anulação da venda nos termos deste art. 201° do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (nºs. 1 e 2 do artigo referido).
E como refere o Cons. Jorge de Sousa, (CPPT anotado, II vol. 5ª ed., anotação 9 ao art. 257º, pag. 588) estão “nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda”, sendo que “mesmo nestes casos, a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda.”
Nos presentes autos, foi invocado, exclusivamente, como fundamento da anulação da venda o art. 165º n.º 1 al. a) do CPPT (cfr. art. 6º a 24º da p.i.), em sede de alegações reclama a recorrente aplicação do art. 909°, n.º l, c) do CPC, que determina que a venda fica sem efeito se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201.º do mesmo diploma legal.
Ora a falta de citação arguida pela Recorrente não constitui uma causa de nulidade do acto de venda – nulidade processual susceptível de afectar aquele acto, nos termos do referido nº 1 do art. 201º e da al. c) do nº 1 do art. 909º do CPC, aplicáveis por força do disposto na al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT, mas sim uma nulidade operante de per si de afectar a execução no seu todo, mormente o acto de venda.
A recorrente alega que a falta de citação a prejudicou efectivamente porquanto, se tivesse sido citada, poderia ter actuado em conformidade, nomeadamente em sede de carta precatória, mediante a identificação da dívida e diligenciado pelo seu pagamento, o que não fez. Ora, se se entende o sentido desta afirmação feita pela Recorrente, a verdade é que, no caso concreto e face à factualidade apurada, ela não é aceitável para efeitos de concluir como pretende.
Tal como os autos demonstram, a Recorrente tomou conhecimento da existência do processo de execução fiscal, em Fevereiro de 2002, quando o seu representante legal foi nomeado fiel depositário dos bens penhorados e em 12 de Janeiro de 2003 quando apresentou plano de pagamento por conta mensais relativamente aos processos de dívidas fiscais a correr contra ela, sem prejuízo da notificação datada de 27.04.2006 da data determinada para a venda dos bens penhorados.
Daqui se extrai, com facilidade, que a partir de Fevereiro de 2002 a Recorrente teve intervenção no processo, teve conhecimento da execução e que, se o quisesse ter feito, podia ter vindo arguir a sua falta de citação, com a consequente possibilidade de usar de todos os meios disponíveis para assegurar a sua defesa em sede de execução fiscal. Não o fez nessa altura e só em 2006, na sequência da venda dos bens, é que veio ao processo levantar tal questão.
Ora, ao não ter arguido, logo que possível, a falta de citação na execução (como podia ter feito e não fez) tal nulidade não pode deixar de se considerar sanada, com as consequências óbvias daí decorrentes, mormente, a impossibilidade de, neste momento e por via do pedido de anulação de venda, ver tal nulidade confirmada. Isto mesmo decorre do disposto no artigo 196° do CPC. Para além do mais, e como se disse e decidiu na sentença sob recurso, tal nulidade só é insanável quando prejudique a defesa do interessado e a verdade é que, em fevereiro de 2002, a Recorrente podia ter feito valer todos os direitos de defesa julgados convenientes.
De todo o modo, sempre se dirá que concordamos inteiramente com a fundamentação a este respeito constante da sentença recorrida, pois na verdade, tal como ali se diz, a al. a) do nº 1 do art. 165º do CPPT estabelece um regime mais restrito do que o contemplado no CPC: no processo de execução fiscal a falta de citação é nulidade insanável apenas quando possa prejudicar a defesa do interessado. E esta nulidade sana-se se o executado tem conhecimento de que contra si foi instaurada execução, intervém no processo executivo e não alega falta de citação, tendo sido isso que sucedeu no caso dos autos.
Ora, se a executada não se defendeu atempadamente, invocando a nulidade da citação de modo a poder a mesma ser repetida, tal deveu-se a negligência sua pois que, conhecedora da existência da execução sobre bens seus, não cuidou de arguir atempadamente a nulidade que agora invoca.
O recurso não merece, pois, provimento, devendo manter-se a sentença recorrida.
IV. DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 26 de Abril de 2012
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro