Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00050/12.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS;
PRESSUPOSTOS;
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

II - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

III – Inexactidões, irregularidades ou omissões nas declarações têm que ser demonstradas pela Administração Tributária, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.

IV - Compete, por isso, à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, incumbindo ao Tribunal analisar se ela enunciou factos objectivos e concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo método presuntivo.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, Lda.», contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Rua ..., em ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 22/01/2015, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios, relativamente ao ano de 2007, nos montantes de €26.879,69 de IRC e €2.886,05 de juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I. Do conjunto da prova produzida, e por concatenação lógica e coerente com os demais factos considerados provados, a sentença recorrida deveria ter considerado como provados os seguintes factos:
a. Os factos constantes do ponto 2.º dos "factos não provados";
b. Os factos constantes do ponto 3.º dos "factos não provados";
c. Os factos constantes do ponto 4.º e 7.º dos "factos não provados";
II. Ao não o ter feito, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, bem como em contradição com os demais "Factos provados";
III. Mesmo com os factos que a douta sentença recorrida deu como provados, e por maioria de razão com os factos que agora se impetra sejam também considerados como provados, a decisão recorrida incorreu também em manifesto erro de julgamento em matéria de direito;
IV. A recorrente não efectuou qualquer prestação de serviços de construção civil à empresa «P, S.A.»;
V. E como tal, não omitiu o registo ou facturação de quaisquer proveitos inerentes;
VI. A construção, com custos suportados pela recorrente, de um armazém noutro lote de terreno de propriedade da «P, S.A.» consistiu na entrega a esta empresa de uma componente em espécie, do preço do bem imóvel que a recorrente lhe tinha adquirido por escritura de 07/10/2005;
VII. A «P, S.A.» nunca estaria obrigada a pagar qualquer factura de prestação de serviços que a recorrente lhe fizesse a esse propósito - caso contrário, não estaria a receber a contrapartida da venda do imóvel nos termos a que tinha direito;
VIII. A recorrente não incorreu em nenhuma omissão de proveitos, sendo ilegítimo o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.
IX. Ao não entender assim, a sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 87.º e 88.º da LGT;
Sem conceder e a título meramente subsidiário,
X. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invocar;
XI. Quando a AT invoca uma margem média de 22% como sendo a margem bruta média distrital e nacional para o sector de actividade de construção de edifícios, e nisso se baseia para determinar um acréscimo à matéria colectável por métodos indirectos, é à AT que compete o ónus da prova desse facto;
XII. Competiria à AT alegar e provar que essa margem de lucro é adequada e corresponde à média do sector;
XIII. Não cabe ao contribuinte o ónus de provar outra margem, ou que a margem média adequada não é essa.
XIV. Ao ter decidido que tal ónus de prova cabia à recorrente, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em violação do n.º 1 do artigo 74.º da LGT;
XV. Nada se provou quanto à margem bruta que corresponde ao lucro médio do sector da construção de edifícios;
XVI. Razão pela qual o Tribunal não se pode substituir a tal demonstração, tendo que concluir-se pela falta de fundamentação da avaliação indirecta da matéria colectável, com consequente falta de fundamentação na quantificação do facto tributário.
XVII. O que determina a anulação da liquidação impugnada.
Ainda sem conceder,
XVIII. Mesmo que se admitisse que foram prestados à «P, S.A.» serviços de construção de um armazém, e que na contabilidade da recorrente teriam sido omitidos os proveitos correspondentes (no que não se concede), a avaliação indirecta da matéria colectável só poderia ser efectuada para os serviços referentes ao ano de 2007, dada a caducidade do direito à liquidação relativo ao ano de 2006;
XIX. Ficou provado no Ponto 19.º dos factos provados que em 2007 apenas foram incorridos pela recorrente custos de construção do armazém pelo montante total de € 21.862,10, com IVA incluído.
XX. Ora, e 2007 a recorrente não poderia ter prestado mais serviços do que os que adquiriu, atendendo a que não tem capacidade produtiva própria;
XXI. E por essa razão, o valor dos serviços que (na tese da AT, que não se aceita) deveriam ter sido facturados era apenas daquele montante.
XXII. Aplicando a (mesmo que indemonstrada) margem de 22% de lucro àqueles serviços, teríamos um acréscimo ao lucro tributável de apenas € 4.809 66, e nunca um acréscimo de € 68.415,62, como resulta da avaliação indirecta impugnada;
XXIII. Dos Factos provados não consta nenhum dado que permita considerar que em 2007 foram omitidos proveitos em relação aos quais, aplicada uma margem de lucro presumida de 22%, resultaria um acréscimo à matéria colectável no montante de € 68.415,62;
XXIV. Também aqui sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, condenando à revelia dos factos que ficaram provados.
XXV. Donde se conclui que a liquidação impugnada deveria ter sido anulada, ao contrário do que ficou decidido na sentença recorrida.
Deste modo, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
- Deve ser revogada a sentença recorrida em matéria de facto, por erro de julgamento;
- Deve também a sentença recorrida ser revogada por erro de julgamento em matéria de direito;
E consequentemente deve ser determinada a anulação da liquidação baseada na determinação do rendimento colectável por métodos indirectos, por erro na qualificação e na quantificação do facto tributário.
Como é de inteira JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar não existir erro na qualificação nem na quantificação da determinação da matéria colectável por recurso aos métodos indirectos.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“III. DOS FACTOS
Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa.
1.º- A ora impugnante foi sujeita a ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço n.º ...37, iniciada em 1 1 ,01 201 1 e concluída em 09.05.201 1 cf. teor de fls. 18 verso do Processo Administrativo (PA), correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apenso a este processo.
2.º- No decurso da ação inspetiva foi alterado o âmbito do procedimento, de parcial para geral, tendo esta alteração sido dada a conhecer á ora impugnante em 09.05.2011 - cf. teor de fls.18 verso do PA, correspondente ao RI T, apenso a este processo.
3.º- A proposta de inspeção aos anos de 2006 a 2009 foi despoletada para verificação do contrato-promessa, datado de 17.01.2006, no qual a ora impugnante promete vender à «H», NIPC: ..., o prédio urbano sito na Avenida ... e ..., freguesia ..., concelho ... e inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...50 da respetiva freguesia, no entanto, a escritura foi realizada com outro sujeito passivo no ano de 2009, tendo o sujeito passivo recebido valores da «H» referentes a rendas (no montante de € 17 500,00 no ano de 20061 € 15.750,00 no ano de 2007, € 5.000,00 no ano de 2008 e € 15.000,00 no ano de 2009), que não se encontram relevadas nas declarações entregues e porque a administração fiscal (AF), verificou uma divergência do montante registado em compras, pois o sujeito passivo declara o montante de €838.379,38 e da consulta ao sistema informático - Modelo 11 , apenas consta a aquisição do artigo ..28 - L da freguesia 110617, pelo montante de €500.000,00 - cf. teor de fls.19 do PA [Imagem que aqui se dá por reproduzida]correspondente ao RIT, apenso a este processo.
4.º- A ação de inspeção em causa incidiu sobre os anos de 2007, 2008 e 2009 - cf. teor de fls. 19 do PA correspondente ao RIT, apenso a este processo.
5.º- A ora impugnante encontra-se coletada nas seguintes atividades, com início de atividade em 20.02.2001 :
- atividade principal de compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100).
- atividade secundária de cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos - cf. teor de fls. 19 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
6.º- A ora impugnante para efeitos de IRC, encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, pelo Serviço de Finanças de ... - cf. teor de fls. 19 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
7.º- Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada, no regime de isenção do art.9 0 do CIVA, desde 01 .01.2008 - cf. teor de fls. 19 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
8.º- No ano de 2007 encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA - cf. teor de fls. 19 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
9.º- Está obrigada a possuir a contabilidade regularmente organizada - cf. teor de fls. 19 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo,
10.º- A impugnante não procedeu à entrega dos anexos O e P referentes aos anos de 2007 a 2009 - cf. teor de fls. 19 verso do PA, correspondente ao RI T, apenso a este processo.
11.º- Da análise aos elementos de escrita, bem como dos elementos recolhidos junto do Serviço de Finanças, Câmara Municipal ... e fornecedores, os serviços de inspeção tributária (SIT) constataram que as atividades exercidas no ano em análise foram as seguintes:
. Venda de um imóvel inscrito na matriz urbana sob o nº ..97 (teve origem no artigo ...96).
. Prestação de Serviços de construção de um pavilhão na Zona Industrial ... (localizada na freguesia ..., concelho ...).
. Produção agrícola, nomeadamente viticultura - cf. teor de fls.20 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
12.º - Foram colocados à disposição dos SI T, através de ficheiros informáticos e em papel, os extratos de todas as contas da contabilidade dos anos de 2007 a 2009, bem como os balancetes - cf. teor de fls.20 verso do PA] correspondente ao RIT, apenso a este processo.
13.º- O valor registado na Conta 71 1 - Vendas de Mercadorias, diz respeito à venda do imóvel destinado a armazém, localizado na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o n.º ...97- cf. teor de fls.21 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
14.º- Nas Contas 712 e 732, nos anos de 2007 a 2009, foram registados os valores referentes a vendas de uvas à sociedade «M, S.A.», NIPC: ...; isentas do IVA nos termos do n. 033 do artigo 9 0 do CIVA - cf. teor de fls.21 do PA, correspondente ao RI T, apenso a este processo.
15 0 - A ora impugnante registou no ano de 2007, na Conta 731 - Proveitos Suplementares, os valores recebidos da sociedade «H, Lda.», NIPC: ..., recebidos a título de compensação, nos termos do ponto 7 do contrato promessa de compra e venda celebrado em 17.01.2006, entre as duas sociedades - cf. teor de fls.21 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
16.º Na Conta 612 - Custo das mercadorias vendidas, referente ao ano de 2009, regista-se a soma das contas 32109 (€79.875,00) e 3721 (€263.629,38), acrescido erradamente do valor de € 40.000,00 (resultante do erro na transferência dos valores da compra do imóvel adquirido em 2009 no montante de €574.750,00 e registado na conta de existências por €534.750,00, após o apuramento deste custo - cf. teor de fls.21 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
17.º A impugnante considerou que o valor de € 263.629,38 foi imputado aos custos do pavilhão/armazém inscrito na matriz urbana sob o nº ..97, que teve origem no artigo ...96 - cf. teor de fls.21 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
18 0 - O pavilhão já se encontrava construído no momento da sua aquisição - cf. teor de fls.22 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
19.º- No que diz respeito à conta 621 Subcontratos, relativa ao ano de 2007: Custos referentes à construção de um pavilhão:
Fornecedor
«S, Unipessoal, Lda.», contribuinte fiscal n.º ..., valor faturado com IVA incluído € 8.612,60, doc. FT.990 A.
«D,Lda.», contribuinte fiscal n.º ... , valor faturado com IVA no montante de € 1.028,50 e doc. n.º FT.71 .
«G» contribuinte fiscal n.º ..., no valor com IVA de €12.221 ,00, doc. n.º FT.....09
Total: 21.862, 10, foram considerados custos do exercício - cf. teor de fls.22 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
20.º- Os SIT constataram que a impugnante registou na conta 3721 0 valor total das faturas recebidas referentes à construção de um pavilhão - cf. teor de fls.22 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
21.º- Em 07.10.2005, a ora impugnante adquiriu como um terreno para construção, o artigo U - ...96 da freguesia ..., à sociedade «P, S.A.», NIPC: ..., por escritura pública, registando a sua compra na contabilidade - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
22.º - Nos anos de 2006 e 2007 procedeu à construção de um pavilhão e registou esses custos nas contas de subcontratos e na conta 3721 - "Adiantamento por conta de Compras - Pavilhão de ..." - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
23.º - No ano de 2009 e em consequência da venda do artigo U-9097 (que teve origem no artigo U-...96), apura o Custo das Mercadorias Vendidas, imputando os custos registados na conta 3721 à construção de um pavilhão/armazém no referido terreno - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
24.º- Os SIT entenderam que “a escritura lavrada e a forma de contabilização destas operações indiciam que se tratou da compra de um terreno e construção de um pavilhão nesse mesmo terreno, seguida da respectiva venda” - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
25.º- Os SIT, verificaram, no sistema informático, que o artigo na matriz correspondente ao terreno para construção deu origem a um armazém no ano de 2006, no entanto na contabilidade os custos para a renovação do pavilhão só terminaram em 2007, o que indiciou que já existia um pavilhão construído e levou a efetuar diligências junto do Serviço de Finanças e da Câmara Municipal ... - cf . teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
26.º- Dos elementos remetidos pelo Serviço de Finanças constatou-se que apesar da participação para inscrição na matriz do referido pavilhão/armazém tenha ocorrido em 09.03.2009, foi apresentado Alvará de Utilização n.º ...6 emitido pela Câmara Municipal ... em 28.07.2006 e, consequentemente a avaliação do armazém foi reportada ao ano de 2006 - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
27.º- Da consulta ao Processo de Obra na C.M. ..., os SIT constataram que:
. Em 27.05.2004 a «P, S.A.» solicitou a emissão de Licença de Construção de um armazém no referido terreno.
. O "Termo de Responsabilidade pela Direcção Técnica da Obra" foi elaborado pelo Eng. Civil «AA», NIF: ..., ao serviço da sociedade «O, S.A.», NIPC: ... , em que declara que a obra do Alvará de Obras para Construção n.º 267/2004 cujo titular é a sociedade «P, S.A.», se encontra concluída desde 08.07.2005.
. Em 2006-06-02 a «P, S.A.» solicita a concessão do Alvará de Utilização, que foi emitido em 2006-07-28 - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
28.º- Confrontado com estes factos, a ora impugnante explicou que:
. Inicialmente era para adquirir um outro lote para construção de um pavilhão, mas acabou por adquirir o lote em questão que já tinha um pavilhão em fase de conclusão.
. O preço de aquisição foi o estipulado para o primeiro lote e assumiu os custos de construção de outro pavilhão - cf. teor de fls.23 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
29.º- A ora impugnante em 06.05.2011, requereu junto do Serviço de Finanças o pagamento do IMT que se encontrava em falta e procedeu ao respetivo pagamento - cf. teor de fls.23 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
30.º- Da análise efetuada pelos SIT à contabilidade da ora impugnante e dos elementos solicitados aos seus fornecedores, constataram esses serviços que todas as entidades apresentam os contratos de construção de um pavilhão na Zona Industrial ..., Autos de Medição, Facturas, recibos e fotocópias dos meios de pagamento emitidos pelo sujeito passivo - cf. teor de fls.23 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
31.º- Os SIT não têm dúvidas, que existiu a construção de um pavilhão - cf. teor de fis.23 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
32.º- O gerente «BB» encontra-se diretamente ligado com as sociedades relacionadas com o loteamento e construção dos pavilhões na Zona Industrial ..., pois é administrador das sociedades:
- «O, S.A.», NIPC: ... e,
- «P, S.A.»., NIPC: ...- cf. teor de fls.23 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
33.º- A ora impugnante esclareceu por escrito, em 28.04.2011 e via e-mail, que fazia parte do negócio com a «P, S.A.» assumir os custos de construção de outro pavilhão - cf. teor de fls.23 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
34.º- Os SIT comprovaram que foi adquirido um armazém já construído à «P, S.A.» e não um terreno para construção, e de forma a compensar o diferencial do valor de aquisição a ora impugnante construiu um outro armazém - cf. teor de fls.24 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
35.º- Os custos suportados com essa construção foram registados como custo das mercadorias vendidas - cf. teor de fls.24 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo.
36.º- No entender dos SIT tais custos foram registados indevidamente como custo das mercadorias vendidas, enquanto na realidade esses custos foram suportados para a realização de serviços prestados à «P, S.A.» - cf. teor de fls.24 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
37.º - No entender dos serviços de inspeção tributária, os referidos “factos retiram a credibilidade aos elementos de escrita e consequentemente aos valores declarados, e que por carência de elementos é impossível determinar de forma directa e exacta a matéria tributável para efeitos do IRC e IVA, encontrando-se reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indirectos de tributação para o exercício de 2007, de acordo com alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), conjugado com o disposto no n.º 1 do art. 52.º e artigo 54.º do CIRC e artigo 90.º do CIVA" - cf. teor de fls.24 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
38.º - Para a quantificação dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos, os serviços de inspeção tributária utilizaram os seguintes critérios:
1. Omissão da Prestação de Serviços
- Nos termos do artigo 19.º do CIRC, a determinação dos resultados das obras de carácter plurianual será efetuada segundo o critério de encerramento da obra, pelo que se considera que a obra se iniciou no ano de 2006 e foi concluída no ano de 2007, em conformidade com os valores registados na contabilidade e com os contratos.
- O cálculo para a obtenção do valor da omissão das prestações de serviços será efetuado aplicando ao valor de custo da construção a margem de 22% que corresponde à média distrital e nacional da Margem Bruta II do sector de actividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais), correspondente ao CAE 41200,
- A Margem é obtida da seguinte forma: (Volume Negócios - CMV FSE/VoIume Negócios, tendo-se optado pela escolha deste rácio para o ano em questão, por o sujeito passivo ter subcontratado todas as especialidades, que implica que deveria ter sido contabilizados na conta de Fornecimentos e Serviços Externos (FSE).
- Os custos de construção foram determinados pelos serviços de inspeção tributária, não considerando o IVA incluído:
. Ano de 2006: valores registados na conta 3721, com exclusão do montante de € 7.500,00 referente à comissão paga a uma sociedade de mediação imobiliária.
. Ano de 2007: valores registados na conta 3721 e na conta de subcontratos.
39.º- cálculo dos custos de construção encontram-se no quadro a fls.24 verso do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
40.º- O cálculo do valor da prestação de serviços, encontra-se no quadro a fls. 25 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
41.º - Os SIT consideraram que houve por parte da impugnante omissão de proveitos:
. As Prestações de Serviço de Construção em falta constituem proveito para efeito do IRC, nos termos do artigo 20.º do CIRC, no montante de €298.160,64.
42.º - Os SIT procederam a correções de custos:
No ano de 2007 a ora impugnante só tem registado custos com Fornecimentos e Serviços Externos, pelo que os custos do ano correspondem aos custos de construção e FSE apurados no montante de €232.565,30 - cf. teor de fls. 25 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
43.º - Das correções aos proveitos e custos resulta o lucro tributável corrigido, para o ano de 2007, de €91 .019,02, cujo apuramento se encontra discriminado no quadro a fls.25 do PA, correspondente ao RIT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
44.º- A ora impugnante foi notificada, via postal para a morada da sede (data do registo: 2011-05-27), nos termos dos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LCT) e art.60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Correções do RIT no prazo de quinze dias - cf. teor de fls.26 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
45.º- No dia 14.06.2011, deu entrada na Direção de Finanças ..., por escrito, o exercício do direito de audição - cf. teor de fls.26 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
46.º- Os argumentos expostos pela ora impugnante no exercício do seu direito de audição não foram aceites pelos SIT pelas razões elencadas a fls.26 e 26 verso e 27 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido
47.º- A impugnante não se dedica à atividade de construção civil - cf. depoimento da testemunha «CC».
48.º -A sociedade impugnante dedica-se à compra e venda de imóveis e pontualmente a atividades de natureza agrícola - cf. depoimento da testemunha «CC».
49.º - A impugnante negociou com a «P, S.A.» a aquisição de um lote de terreno para construção de armazém na Zona Industrial ..., em ..., ... - cf. depoimento da testemunha «CC».
50.º - A impugnante acordou com a «P, S.A.» que, em vez, de comprar o lote que inicialmente tinha em vista, adquiriria um outro lote, no qual já se encontrava praticamente construído um armazém, mas sem licença de utilização [Imagem que aqui se dá por reproduzida]cf. depoimento da testemunha «CC».
51.º - A escritura de transmissão de propriedade do lote de terreno - artigo U-...96 da freguesia ..., ..., incluindo a construção nele existente foi celebrada entre a ora impugnante e a «P, S.A.» em 07.10.2005 - cf. depoimento da testemunha «CC».
52.º- O preço constante da escritura, sobre o qual foi pago o IMT, referia-se apenas ao valor do lote de terreno - cf. depoimento da testemunha «CC».
53.º- O alvará de licença de utilização do armazém construído no lote adquirido pela impugnante foi emitido em .../.../2006 - cf. depoimento da testemunha «CC».
54.º- No decurso da ação inspetiva, a ora impugnante liquidou e pagou IMT adicional sobre o valor patrimonial tributável do armazém construído no lote por si adquirido à «P, S.A.».
Factos não provados.
1.º - A impugnante nunca exerceu a atividade de construção civil, nunca vendeu nenhum pavilhão à «P, S.A.» e, como tal, nunca seria devida a emissão de nenhuma fatura a esse propósito.
2.º- O preço acertado pela compra do imóvel consistiu no valor do terreno e na obrigação, como forma a compensar o valor adicional do armazém que já lá estava construído (que ainda não tinha licença de utilização), foi estabelecido um acréscimo no valor de aquisição, e que se traduziu na obrigação de a impugnante suportar os custos com a construção de um outro armazém equivalente, situado noutro terreno da sociedade vendedora.
3.º - Nessa sequência, um conjunto de empresas de construção civil, contratadas pela ora impugnante, procederam à construção desse outro armazém, faturaram os respetivos serviços à aqui impugnante e esta entregou esse armazém construído à «P, S.A.», assim se cumprindo a remanescente contrapartida da aquisição do imóvel em causa.
4.º - A impugnante foi a entidade que suportou e pagou tais custos, tendo-lhe estes custos sido faturados, com incidência de IVA, o qual foi regularmente pago.
5.º - O facto de a impugnante suportar os custos com a componente do preço que tinha que ser paga em espécie, traduz-se em suportar os naturais custos inerentes ao exercício da sua atividade económica (a compra e venda de propriedades, com uma determinada forma de pagamento acordada entre as partes).
6.º - A impugnante não obteve qualquer proveito ou ganho com o facto de ter suportado os custos da construção do armazém.
7.º - O IVA devido pela construção do armazém foi liquidado nas faturas emitidas pelas empresas construtoras do mesmo e foi suportado pela ora impugnante.
8.º - A consideração de uma margem bruta de 22% como "média distrital e nacional" para o setor de atividade de construção de edifícios é, uma total e absoluta ficção desgarrada da realidade.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74.0 e 76.0 n.0 1 da LGT e artigos 362.0 e seguintes do Código Civil (CC)) e, no depoimento das testemunhas «CC», técnica oficial de contas da ora impugnante e «DD», inspetor tributário, responsável pela inspeção que originou a liquidação objeto de impugnação.
O depoimento da testemunha «CC» revelou-se sério e objetivo, demonstrativo do conhecimento, em parte, da situação que deu origem aos presentes autos, por ser a responsável pela contabilidade da impugnante.
Sucede que, o seu conhecimento resulta apenas da análise dos documentos e, não das situações em concreto que originaram a sua elaboração, pois não esteve presente nas negociações estabelecidas entre a impugnante e a «P, S.A.».
Afirmou ao Tribunal que a impugnante não se dedica à construção civil, mas à compra e venda de imóveis e pontualmente a algumas atividades agrícolas.
Resultou do seu depoimento que, a impugnante adquiriu um terreno à «P, S.A.» com vista à construção de um armazém na Zona Industrial ..., em ..., ....
A testemunha foi respondendo de forma afirmativa às questões que lhe foram colocadas pelo Ilustre Mandatário da impugnante, socorrendo-se por vezes de documentação.
O seu depoimento traduziu-se numa confirmação, com base documental da alegação da impugnante.
Mas, o seu depoimento não foi suficiente para abalar a consistência dos elementos de prova resultantes da atividade de investigação dos SIT, plasmados no RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
A testemunha «CC» não conseguiu com o seu depoimento afastar a tese da AT de que a impugnante obteve proveitos que não declarou, que levaram às correções que deram origem às liquidações objeto da presente impugnação.
A testemunha da Fazenda Pública, na qualidade de autor do RIT, limitou-se a confirmar e esclarecer alguns aspetos plasmados no RIT ínsito no PA, apenso a este processo, reiterando o entendimento nele expresso e, que, desencadeou as liquidações objeto da presente impugnação judicial.”
*
O tribunal “a quo” utilizou uma técnica censurável ao verter nos factos provados algumas passagens/fundamentação do relatório de inspecção tributária (RIT), como os pontos 2.º a 46.º da decisão da matéria de facto.
Embora se compreenda que toda esta matéria foi retirada da motivação do RIT, a melhor técnica impunha que constasse da decisão da matéria de facto a existência do acto proferido com a fundamentação (de facto e de direito) mais relevante desse acto impugnado, que serviu de sustentação para a AT optar pelo recurso aos métodos indirectos para fixação da matéria tributável.
Isto porque não podemos olvidar que nos presentes autos estamos perante um contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, onde o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto.
Observamos que o julgador em primeira instância ficou convencido sobre a existência dos pressupostos da norma em discussão no pleito, considerando legais as correcções operadas por recurso a métodos indirectos, dando como provados vários factos que constam do relatório de inspecção tributária.
Analisando o probatório, é forçoso sublinhar e alertar para a importante distinção entre considerar provado que a AT realizou os actos de inspecção descritos no probatório, com recolha das informações aí referidas, e julgar provado o que aquela concluiu na fiscalização levada a cabo. Ou seja, é distinto o juiz dar como provada a percepção do inspector aquando da elaboração do relatório, de dar como provado directamente o que lá foi vertido.
A verdade é que a decisão recorrida aponta para um acolhimento directo no probatório de diversos factos, sem cuidar que, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu a contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Por este motivo, como alerta a Recorrente, parte da matéria julgada não provada parece encontrar-se em contradição com a factualidade assente.
Importa, desde logo, salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA.
Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Mais uma vez, é nossa convicção que a técnica utilizada pelo tribunal “a quo” não se apresenta a melhor quanto à selecção da matéria vertida nos factos não provados, dado que, como acentuámos, o julgador deve optar por carrear factos simples, individuais e concretos relevantes para a decisão da causa.
Os pontos 1.º, 5.º, 6.º e 8.º são conclusivos, sendo que o ponto 8.º encerra um juízo de valor e o ponto 6.º traduz uma afirmação que condiciona, necessariamente, o desfecho da causa, pelo que estas matérias devem ser excluídas do acervo factual.
A Recorrente solicita que a matéria vertida nos pontos 2.º, 3.º, 4.º e 7.º dos factos não provados seja levada aos factos provados, contudo, tal matéria, no essencial, já consta do teor do RIT e do probatório – cfr. pontos 33.º a 35.º, 49.º e 50.º da decisão da matéria de facto.
Por tudo quanto ficou dito, será tida em conta, na apreciação da causa e do presente recurso, a motivação da decisão final proferida no âmbito do procedimento de revisão, que remete para a fundamentação integral constante do RIT, que, por isso, não perderemos de vista; pelo que fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, na medida em que, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, se elimina da decisão recorrida a matéria vertida em todos os pontos dos factos não provados.

2. O Direito

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e pela qual se considerou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações do IRC e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2007.
As liquidações supra referidas resultaram da decisão final de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável, por referência a uma acção inspectiva promovida pelos serviços da AT, onde, por terem constatado omissão de prestação de serviços, no exercício de 2007, se apurou a necessidade de correcções à matéria tributável por recurso a métodos indirectos.
A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, afirmando que incorreu em manifesto erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 87.º e 88.º da LGT. Reitera não ter efectuado qualquer prestação de serviços de construção civil à empresa «P, S.A.» e, como tal, não omitiu o registo ou facturação de quaisquer proveitos inerentes. A Recorrente volta a explicar, como já o tinha realizado em sede inspectiva, no procedimento de revisão e na petição de impugnação, que a construção, com custos suportados pela Recorrente, de um armazém noutro lote de terreno de propriedade da «P, S.A.» consistiu na entrega a esta empresa de uma componente em espécie, do preço do bem imóvel que a Recorrente lhe tinha adquirido por escritura de 07/10/2005. Neste circunstancialismo, a «P, S.A.» nunca estaria obrigada a pagar qualquer factura de prestação de serviços que a Recorrente lhe fizesse a esse propósito - caso contrário, não estaria a receber a contrapartida da venda do imóvel nos termos a que tinha direito. Concluiu, portanto, não ter incorrido em nenhuma omissão de proveitos, sendo ilegítimo o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.
No caso dos autos, decorre do relatório de inspecção, para o qual remete a decisão final proferida em sede de procedimento de revisão, que a Administração fundamentou o recurso a métodos indirectos no disposto na alínea a) do artigo 88.º da LGT – “impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável”, em razão de irregularidades da contabilidade.
De facto, a AT, apoiando-se nos factos descritos no capítulo II, ponto 3-C.4, do RIT, considerou revelarem a comprovação de que, na realidade, foi afinal adquirido um armazém já construído à «P, S.A.», e não um terreno para construção, e de forma a compensar o diferencial do valor de aquisição, o sujeito passivo construiu um outro armazém (propriedade da «P, S.A.»), tendo registado indevidamente os custos suportados com essa construção como custo das mercadorias vendidas, entendendo que, na realidade, esses custos foram suportados para a realização de serviços prestados à «P, S.A.». Face aos factos relatados no relatório de inspecção tributária, que retiram, na óptica da AT, a credibilidade aos elementos de escrita e aos declarados, havendo carência de elementos, concluiu não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do resultado tributável, pelo que o seu apuramento ocorreu com recurso aos métodos indirectos, por força do disposto na alínea b) do artigo 87.º, alínea a) do artigo 88.º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 52.º e artigo 54.º do Código de IRC.
Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, nas situações de aplicação de métodos indirectos, cumpre, desde já, assinalar que a nossa jurisprudência vem entendendo, pacífica e reiteradamente, que compete à AT, no exercício da sua actividade fiscalizadora, provar a existência dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção da matéria tributável - cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Neste aspecto, a sentença recorrida procedeu a um correcto enquadramento, referindo caber à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável.
Nessa sequência, concluiu que, da prova efectuada nos autos, resulta que a AT logrou provar os pressupostos que levaram à tributação da impugnante mediante o recurso a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável. Isto por entender, em sintonia com a AT, que a contabilidade da impugnante não merece credibilidade, pois não espelha a realidade económica da empresa, nem sequer contém os documentos de suporte às reais operações da sociedade comercial, o que tornou impossível aos serviços inspectivos determinar de forma directa a matéria tributável para efeitos de liquidação do IRC para o exercício de 2007.
Tudo se resume à seguinte ilação: tendo a impugnante considerado como custo na sua contabilidade a construção do pavilhão, necessariamente teria de registar o correlativo proveito, o que não fez. Sustenta a AT, com confirmação do tribunal recorrido, que a dedução de custos só é possível perante assunção do respectivo proveito.
No entanto, a Recorrente insiste não ter obtido qualquer proveito, pelo que não faz sentido tributar como proveito a construção do armazém.
Ora, a omissão deste proveito é a base para a AT ter optado pela utilização de métodos indirectos, in casu; sustentando que as prestações de serviço de construção em falta constituem proveito para efeito do IRC, nos termos do artigo 20.º do Código de IRC.
Nestes termos, a questão premente a apreciar consiste em saber se se encontram reunidos os pressupostos necessários de fixação da matéria colectável por métodos indirectos.
No que tange à apreciação dos requisitos para o recurso a métodos indirectos, tudo assentará na fundamentação constante da decisão final proferida no âmbito do procedimento de revisão.
Nessa decisão final não se realizou enquadramento legal (existe apenas uma alusão genérica aos artigos 87.º e 88.º da LGT), limitando-se o órgão decisor competente, como os vogais não chegaram a acordo, a decidir com base nos fundamentos invocados no laudo do perito da Fazenda Pública e no relatório de inspecção tributária, mantendo os valores fixados para efeitos de IRC com referência ao exercício de 2007.
Ora, o perito do Contribuinte não aceitou a correcção, não tendo chegado a discutir-se a quantificação propriamente dita, ficando sempre limitada a discussão pela inadequação dos factos para recorrer a métodos indirectos; o perito da Administração Tributária limitou-se a afirmar no seu parecer que a fixação inicial se encontrava devidamente fundamentada, com base nos elementos constantes no relatório elaborado pela inspecção tributária.
Assim, sem mais, toda a discussão assentou nos elementos e pressupostos utilizados pela fiscalização e vertidos no respectivo relatório, pelo que se impõe revisitá-lo para melhor percepção do labor da AT.
Aqui, esta concluiu que os factos descritos comprovam que o sujeito passivo prestou serviços de construção civil para a sociedade «P, S.A.», pelo que deveria ter emitido factura ao seu cliente («P, S.A.») indicando que o IVA é devido pelo adquirente, registado os proveitos na contabilidade e entregue a declaração periódica do IVA correspondente declarando o valor da base tributável da operação, bem como ter procedido à entrega da declaração de alterações previstas no artigo 32.º do CIVA, declarando a nova actividade exercida.
O perito do Contribuinte pretendia discutir a incongruência entre a conclusão de que os factos comprovavam que, na realidade, foi adquirido um armazém já construído e a ficção do exercício de uma actividade de construção civil, pretendendo a AT que a impugnante se colectasse pelo exercício de tal actividade. Mas tal raciocínio não foi objecto de ponderação por parte do perito da AT, como vimos.
A impugnante reconhece que a sua motivação para ter realizado, em 2005, a escritura pública de compra, apenas tomando em conta o valor do lote de terreno (sem considerar o armazém que já lá estava praticamente construído, mas que ainda não tinha licença de utilização) foi a redução do pagamento do IMT, procurando obter dele uma receita “suplementar”, mas cuja atitude inicial foi emendada, dado que, entretanto, o IMT foi devidamente liquidado e pago, o que se mostra expressamente referido no RIT – cfr. ponto C.4.3.
Com efeito, independentemente da forma adoptada pela Recorrente nas operações que realizou, a verdade é que a sua contabilidade parece reflectir a realidade dos factos por si descrita – cfr. ponto C.3 do RIT.
Tendo ficado demonstrado que a Recorrente não se dedica à actividade de construção civil, mas antes à de compra e venda de imóveis e, pontualmente, a actividades de natureza agrícola (cfr. pontos 5.º, 47.º e 48.º da decisão da matéria de facto), mostra-se duvidoso o entendimento da AT de que a Recorrente prestou serviços de construção civil de um pavilhão (cujos proveitos terá omitido), sem ponderar que a Recorrente esclareceu, por escrito, em 28/04/2011 e via e-mail, que fazia parte do negócio com a «P, S.A.» assumir os custos de construção de outro pavilhão, na medida em que terá acordado que, em vez de comprar o lote de terreno para construção que inicialmente tinha em vista, adquiriria um outro lote, no qual já se encontrava praticamente construído um armazém, mas sem licença de utilização – cfr. pontos 49.º a 51.º do probatório e pontos C.4.3 e C.4.4. do RIT.
É por estes motivos que o recurso a métodos indirectos teria que assentar em factos objectivos (o que não aconteceu) que revelassem, de forma fundada, que ocorreu omissão de proveitos advenientes da prestação de serviços de construção de um pavilhão, não podendo a escolha de um método presuntivo alicerçar-se numa outra presunção (de que a «P, S.A.» pagou à Recorrente por prestação de serviços de construção civil).
A verdade é que inexiste nos autos qualquer demonstração de que a Recorrente auferiu proveitos por força da construção desse outro pavilhão, tendo a AT reduzido a sua instrução e busca factual ao raciocínio de que se existiram custos também terão ocorrido os proveitos correspondentes; trata-se de uma mera conjectura, sem qualquer documento ou registo contabilístico subjacente.
A AT afirma que a Recorrente registou indevidamente os custos suportados com a construção do outro pavilhão/armazém. Ora, não tendo sido carreados mais elementos probatórios, a AT, provavelmente, no pressuposto de que seriam indevidos, deveria ter desconsiderado tais custos ao invés de presumir que esses custos foram suportados para a realização de serviços prestados à «P, S.A.».
Com efeito, a AT entendeu que a construção (alegadamente compensatória) do armazém/pavilhão no terreno da «P, S.A.» era uma prestação de serviços que não foi facturada. Porém, a Recorrente explicou que comprou à «P, S.A.» um lote de terreno para construção, onde já estava edificado um pavilhão e que, de acordo com o negócio celebrado entre as partes, como na escritura apenas ficou declarado o terreno e o seu preço, a Recorrente teria que entregar à «P, S.A.» a contrapartida do pavilhão lá edificado, havendo, portanto, um preço adicional em espécie, que consistiria na construção de edifício equivalente noutro lote de terreno de que a «P, S.A.» era proprietária. Acrescenta que adquiriu e pagou os serviços, prestados por terceiros, referentes à construção civil do pavilhão que tinha que entregar e entregou à «P, S.A.», por conta do mesmo negócio celebrado em 07/10/2005.
Neste circunstancialismo, não faz sentido ou, pelo menos, é duvidoso, que a Recorrente tivesse tido, naquele momento, “alguma margem de lucro” na construção do pavilhão que entregou à «P, S.A.», nem tão-pouco tal ficou demonstrado pela AT, desconhecendo-se a evidência de qualquer proveito a esse propósito, que surge somente presumido por contraponto ao registo de custos, como vimos.
Este tribunal constata, portanto, que a AT utilizou um método presuntivo não para determinar a matéria colectável, mas para concluir que houve omissão de proveitos. Tal significa que, ao invés de recolher elementos fundados em factos concretos e objectivos, a AT sustentou a sua tese em conclusões e em meras conjecturas, tanto mais que não detectou propriamente falhas ou irregularidades na contabilidade da Recorrente.
O recurso a métodos indirectos de tributação exige, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária – cfr. Acórdão deste TCAN, de 12/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 503/06.3BEBRG.
O que, efectivamente, não ocorreu in casu, pelo que a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos tem de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária.
Destarte, impera concluir pela ilegalidade das liquidações decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhes subjaz, por a Administração Tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indirectos de avaliação.
Tal é suficiente para julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso.
Por tudo o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações impugnadas.

Conclusões/Sumário

I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.
III – Inexactidões, irregularidades ou omissões nas declarações têm que ser demonstradas pela Administração Tributária, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.
IV - Compete, por isso, à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, incumbindo ao Tribunal analisar se ela enunciou factos objectivos e concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo método presuntivo.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações impugnadas.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 07 de Junho de 2023

Ana Patrocínio
Margarida Reis
Conceição Soares