Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01137/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/05/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO;
EXTINÇÃO (INDEVIDA) DO DIREITO DE OCUPAÇÃO DE HABITAÇÃO SOCIAL;
RESIDÊNCIA PERMANENTE NO LOCADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Objecto:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», «BB» e «CC» instauraram acção administrativa de impugnação do acto de 31 de janeiro de 2019 que extinguiu o direito de ocupação do fogo de ..., ..., contra o Município ..., todos melhor identificados nos autos, peticionando:
- a) Ser anulado o acto administrativo de 31 de janeiro de 2019 que extingue o direito de ocupação dos Autores do fogo de ..., ... no ...;
b) Ser reconhecido aos autores o direito de ocupar a referida casa ou a que vier a ser atribuída (de tipologia adequada) aquando do realojamento em virtude da necessidade de desocupação do contentor 23 por parte do agregado;
c) Ser o réu condenado ao pagamento da indemnização para ressarcimento dos danos sofridos com a execução do acto que ora se impugna, a liquidar em execução de sentença, e respectivos juros de mora desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento;
d) Mais requerem a suspensão da eficácia do acto administrativo em apreço.

Por requerimento de 15.04.2021, o Autor, «CC» desistiu do pedido.
Por despacho de 10.09.2021, foi julgada válida a desistência do pedido na parte relativa ao Autor, do mesmo se absolvendo o Réu.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- anulado o acto administrativo impugnado, com todas as consequências legais;
- absolvido o Réu do demais peticionado.
Desta vem interposto recurso pelo Réu.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo entendeu que a base factual do presente caso permite concluir que assiste razão aos A. quando afirmam que existe um erro nos pressupostos de facto que sustentam o ato administrativo de extinção do seu direito de ocupação da habitação social, o fogo de ..., ... e, mais tarde, o contentor nº23.
II. Contudo, na verdade, o Tribunal a quo julgou incorretamente factos que são imprescindíveis para a boa decisão da causa.
III. Por um lado, os A. não residiam com carácter permanente na referida habitação social.
IV. Das deslocações dos serviços da R. à habitação social resultou claro que era do conhecimento geral que os A. não lá residiam.
V. Além disso, os serviços da R. não conseguiram visualizar a existência de indícios de permanência dos A. na habitação social.
VI. Mais, a existência de dúvidas por parte da Técnica Especializada da Gestão das Ocupações da DOMUS Social em nada favorece a tese dos A. pois prova a diligência com que o procedimento foi conduzido, tendo apenas sido tomada a decisão de extinção do direito de ocupação dos A. da habitação social apenas após a existência de provas inequívocas nesse sentido.
VII. Por outro lado, os A. não residiam com carácter permanência na referida habitação social pois tinham uma alternativa habitacional onde residiam, sita na morada Travessa ... ....
VIII. Tal se fundamenta no facto de a A. «AA» ter celebrado um contrato de TV ... em seu nome naquela morada (e não em nome do proprietário da mesma).
IX. Acresce que o A. «BB» teve o “azar” de ter sido interpelado pelos fiscais da R. quando este se encontrava de calções e chinelos a sair da habitação em ..., mostrando um comportamento em nada consentâneo com a tese da residência pontual em ....
X. Aliás, do depoimento do A. «BB» apenas é possível concluir pela residência permanente em ... pois lá residia com a sua esposa quando o imóvel “estava disponível” (o que pode perfeitamente suceder por períodos superiores a 6 meses dado o facto do proprietário do mesmo trabalhar em ...).
XI. Além disso, do depoimento do A. «BB» resulta igualmente a residência permanente na casa em ... pois caso contrário a interpelação dos fiscais da R. nessa habitação não seria um “azar”.
XII. Com efeito, os pontos números 25, 26, 27 e 28 da matéria de facto provada na sentença estão incorretamente julgados e devem ser julgados como não provados em vez de provados e os pontos números 30 e 31 da matéria de facto provada na sentença estão corretamente julgados como provados, contudo, dos mesmos retira-se a decisão contrária à tomada pelo Tribunal a quo, isto é, pela existência de fundamentos de facto do ato administrativo.
XIII. Assim, por todas estas razões se deve concluir que os pressupostos factuais do ato administrativo de extinção do direito de ocupação do fogo de ..., ..., se encontram cumpridos pois os A. não lá residiam com carácter permanente, tendo alternativa habitacional.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO,
DEVE SER DADO COMO PROVADO QUE OS A. NÃO RESIDIAM COM CARÁCTER PERMANENTE NA HABITAÇAO SOCIAL E QUE TINHAM ALTERNATIVA HABITACIONAL, PELO QUE DEVE
O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, ASSIM, REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA, ABSOLVENDO-SE A RÉ DO PEDIDO.
Os Autores «AA» e «BB» juntaram contra-alegações, concluindo:
- Os autores sempre residiram permanentemente no fogo de ..., ....
- Esporadicamente, por uma questão de privacidade pernoitaram em casa da mãe do Autor e de um amigo deste.
Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida nos seus exatos termos, assim se fazendo
Justiça!
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. No dia 04.12.1979, o Director dos Serviços Municipais de Habitação, no uso de competência delegada pelo Presidente da Câmara Municipal ... (CM...), concedeu a «DD», a título precário, licença para habitar a moradia ...33 da Rua ... do Bairro ..., titulada pelo Alvará nº ...63 – p.a. junto, fls. 12;
2. De acordo com o relatório de actualização de dados, em 05.02.2016, o agregado familiar autorizado a residir na moradia identificada no ponto anterior era composto pelo arrendatário «DD», sua mulher «EE» e seu sobrinho «CC» – p.a. junto, fls. 189;
3. Através de requerimento datado de 16.03.2017, dirigido ao Conselho de Administração da {EMP01...} e recepcionado no dia 20.03.2017, «DD» solicitou a reinscrição da sua filha «AA» e do seu genro, «BB» no seu agregado familiar – p.a. junto, fls. 209 a 220;
4. No seguimento de proposta de inscrição dos referidos elementos (dois) no agregado familiar, em 24.04.2017 foi proferido despacho de concordância por parte do Vereador responsável – p.a. junto, fls. 219 e 351;
5. A partir de 24.04.2017 o agregado familiar autorizado a residir no Bairro ..., ... era composto pelos seguintes elementos: «DD» (arrendatário), «EE» (mulher), «CC» (sobrinho), «AA» (filha) e «BB» (genro) – p.a. junto, fls. 221;
6. Por força da reabilitação do bairro, em 04.05.2017 o referido agregado familiar foi alojado provisoriamente em contentor de tipologia T2 (contentor nº 23), dado que não dispunham de contentores de tipologia T3 disponíveis – p.a. junto fls.378;
7. Na sequência de denúncias sobre a composição do agregado familiar, foram efectuadas deslocações ao local (em 23.05.2017 e 24.05.2017), extraindo-se do relatório de averiguação local de 25.05.2017, a seguinte conclusão:
“(...) De acordo com os testemunhos obtidos existem dúvidas quanto à composição do agregado.” – p.a. junto, fls. 236 a 238;
8. Posteriormente, foram efectuadas novas deslocações ao local (em 06.08.2018, 08.08.2018, 28.08.2018 e 05.09.2018), sendo elaborado novo relatório de averiguação local, com data de 05.09.2018, de onde se extrai a seguinte conclusão:
“Face ao exposto, verifica-se que é do conhecimento geral, entre os moradores em ..., que este agregado familiar é composto há vários anos apenas pelo arrendatário e esposa, que «AA», «BB» e «CC» possuem alternativa habitacional, que no interior da habitação (contentor nº 23) não visualizei indícios de permanência de todos os elementos do agregado, que apesar das deslocações às moradas das alegadas alternativas habitacionais não foi possível validar as mesmas, assim, salvo melhor entendimento, proponho que sejam efectuadas mais deslocações às moradas apuradas, pelo que, coloco à consideração para as diligências tidas por convenientes.” – p.a. junto, fls. 243 e 244;
9. Neste seguimento o arrendatário, «DD», foi convocado para comparecer no ..., acompanhado da documentação actualizada de todos os elementos do agregado familiar – p.a. junto, fls. 250 e 251;
10. Do auto de declarações nº 1668/2018 é possível extrair, entre o mais, o seguinte:
“Aos dezoito dias do mês de setembro do ano de dois mil e dezoito, compareceram na {EMP01...}, E.M., (...) «DD», (...), arrendatário da habitação social municipal de S. João de Deus Rua ... de tipologia 2, no âmbito do plano de requalificação em curso naquele aglomerado habitacional e filha, «AA», (...), coabitante inscrita e autorizada na sua habitação.
(...)
Nos presentes autos declaram que:
O agregado familiar residente no contentor 23, não obstante ser de tipologia 2, é composto por 5 elementos, a saber: arrendatário, 65 anos, desempregado, esposa, «EE», 66 anos, reformada, sobrinho, «CC», 34 anos, ativo, filha, «AA», 40 anos, desempregada, e genro, «BB», 40 anos, igualmente desempregado.
O agregado encontra-se em contentor de tipologia 2, dado à data dos alojamentos provisórios não ter havido possibilidade dos serviços desta empresa municipal concederem ao agregado contentor de tipologia adequada (T3).
Com efeito, o arrendatário e esposa pernoitam num quarto, o sobrinho no outro quarto, a filha e genro no sofá da sala.
Face ao exposto, sempre que vão pessoas lá a casa jantar, não raras as vezes, a «AA» e o «BB» vêm-se obrigados a pernoitar a casa da mãe do «BB» – sogra, para que não prejudiquem os convívios dos pais.
Conforme já haviam informado os serviços aquando do realojamento do agregado em contentor, a «AA» encontra-se desempregada, contudo esporadicamente trabalha umas horas no Café ... ali mesmo no bairro. (...)
O agregado necessita de habitação de tipologia T3, o adequado à sua composição. Aguarda assim a conclusão das obras de requalificação nas moradias unifamiliares do bairro para obter melhores condições habitacionais.” – p.a. junto, fls. 293;
11. No âmbito do procedimento em causa nos presentes autos foi apurado que a Autora «AA» tinha um contrato de TV, telefone e dois telemóveis na morada Travessa ..., ... – p.a. junto, fls. 302;
12. A Autora tendo sido contactada pela {EMP01...} para esclarecer tal situação declarou: “... ser a habitação de um primo do marido, «FF», enfermeiro de profissão e por vezes ausente em ... por motivos laborais. Comunicou ainda que, a própria e o marido já ficaram a pernoitar na habitação, quando não dispõe de condições no contentor. Informa ainda não ter prestadio tal informação em auto, considerando que as vezes que por ali pernoitam não são significativas, sendo que a maior parte das vezes é na casa dos sogros que ficam conforme declarou em sede desta empresa.” – p.a. junto, fls. 377;
13. Com data de 03.10.2018, foi prestada informação subscrita por «GG», Técnica Especializada da Gestão das Ocupações da Domus Social e que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se conclui da seguinte forma: Isto posto, não obstante as denúncias e dúvidas que possam persistir sobre a efetiva composição do agregado familiar inscrito e autorizado a residir na casa ...33 da Rua ... (contentor 23), de momento e salvo melhor entendimento, face aos documentos e declarações em auto, não estão reunidos os requisitos para que se proceda à exclusão de elementos por falta de residência permanente na habitação (...)
Face ao sobredito, submete-se à consideração do CA a prossecução do presente processo habitacional para alojamento em moradia unifamiliar de tipologia 3, o adequado à composição do agregado inscrito e autorizado a residir na habitação 133 da Rua ... (contentor 23).– p.a. junto, fls. 377 a 379;
14. Com base na informação referida no número anterior, o Conselho de Administração da {EMP01...} tomou em 18.10.2018 a seguinte deliberação: “Promova-se processo de exclusão dos não residentes.” – p.a. junto, fls. 379;
15. Dos Editais nºs CE-GPH – 12537-2018, CE-GPH – 12538-2018 e CE-GPH – 12540-2018, todos datados de 19.10.2018, é possível extrair, entre o mais, o seguinte:
“A casa ...33 da Rua ..., propriedade do Município ... e afeta à função de habitação social, foi atribuída a «DD», para que este e o respetivo agregado, identificado no processo que instruiu aquela decisão, a ocupasse a título precário, para o que foi emitido o competente título.
Compulsado o processo administrativo, o senhorio tomou conhecimento que [Nome do Autor/a], elemento inscrito no agregado familiar e, como tal, titular do direito e da obrigação de manter residência permanente na habitação arrendada, não a ocupa.
Constitui obrigação dos elementos inscritos no agregado familiar inscrito utilizar a habitação em permanência, não se ausentando por um período superior a seis meses, exceto nos casos previstos no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, com as alterações determinadas pela Lei nº 32/2016, de 24 de Agosto.
Nestes termos, (...), e o despacho do Sr. Vereador dos Pelouros da Educação, Habitação e Coesão Social, de 18 de outubro de 2018, (...), notifica-se V. Exa. da intenção de extinguir o direito de ocupação do fogo de ..., ... a [Nome do Autor/a].
Poderá o interessado querendo, no prazo de dez dias contados da presente data, pronunciarem-se, por escrito, sobre aquela intenção que se notifica, ao abrigo do disposto no artigo 121º e 122º do Código de Procedimento Administrativo podendo, para o efeito, consultar o processo habitacional na sede da {EMP01...}, na Rua ..., ... ....” – p.a. junto, fls. 383, 385 e 387;
16. Em 24.10.2018, os Editais referidos no ponto anterior, foram afixados na porta do contentor 23 – p.a. junto, fls. 382, 384 e 386;
17. Em 25.10.2018 foi solicitada pela mandatária dos Autores a consulta ao processo habitacional dos Autores na sede da {EMP01...}, a qual só foi conseguida, após agendamento, em 30.11.2018 – p.a. junto, fls. 389 e 412;
18. Os Autores apresentaram as audiências prévias constantes de fls. 395 a 399 do Processo Administrativo (antes da consulta do Processo Administrativo) e de fls. 403 a 413 do Processo Administrativo (após consulta do Processo Administrativo), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – p.a. junto, fls. 395 a 399 e 403 a 413, respectivamente;
19. Em 16.01.2019, a Técnica Especializada da Gestão das Ocupações da Domus Social, «GG», prestou nova informação e que aqui se dá por integralmente reproduzida, submetendo para decisão do CA o seguinte:
“(...)
a) A prossecução do procedimento de cessação do direito de ocupação do fogo com a notificação imediata, via edital aos interessados «CC»; «AA» e «BB», para a última morada conhecida, habitação da Rua ..., ... de ... (contentor nº 23), de acordo com a minuta superiormente aprovada;
b) Em caso de deferimento do ponto a), a conclusão da atualização do agregado familiar inscrito e autorizado a residir na habitação (casal), e realojamento em moradia unifamiliar de tipologia adequada – T1 no âmbito do plano de requalificação em curso;
ou
c) Extinção da decisão de exclusão de elementos no presente agregado familiar, mantendo-se o agregado inscrito e autorizado a residir na habitação o constante na EGAPI, com posterior realojamento do agregado em moradia unifamiliar de tipologia adequada – tipologia 3 no âmbito do plano de requalificação em curso.” – p.a. junto, fls. 421 e 422;
20. Com base na informação referida no número anterior, o Conselho de Administração da {EMP01...} tomou, em 24.01.2019, a seguinte deliberação: “Aprovado o proposto em “A” e “B”. – p.a. junto, fls. 422;
21. Em 30.01.2019 foi remetida ao Vereador dos Pelouros da Educação, Habitação e Coesão Social da Câmara Municipal ..., a seguinte proposta subscrita por «HH», Gestão das Ocupações:
“i) A extinção do direito de ocupação a «CC», «AA» e «BB» do fogo municipal de ..., ..., com fundamento no facto de não se encontrarem a ocupar permanentemente a habitação municipal;”, a qual veio a ser objecto do seguinte despacho, datado de 31.01.2019: “Aprovado. Proceda-se conforme proposto” – p.a. junto, fls. 430;
22. Na sequência da decisão identificada no número anterior, em 6.02.2019 foi afixado edital na porta do contentor 23 referente à decisão de extinguir o direito de ocupação do fogo de ..., ... a «AA», «BB», «CC», com fundamento no seguinte:
“A casa ...33, da Rua ..., em ..., propriedade do Município ... e afeta à função de habitação social, foi atribuída a «DD», e respetivo agregado, constituído por «EE», «CC», «AA» e «BB», para que a ocupassem a título precário, para o que foi emitido o competente título.
Na sequência do processo de atualização do agregado constante no processo habitacional, tomamos conhecimento que «CC», «AA» e «BB», elementos do agregado familiar, não mantêm residência permanente na habitação.
Notificado o projeto de decisão, o interessado pronunciou-se em sede de audiência prévia, por intermédio de mandatário. Na exposição apresentada, limita-se a requerer a consulta do processo, invocando a necessidade de tal diligência para o exercício do direito de defesa. Contudo, o mandatário procedeu à consulta do processo, em 30 de novembro de 2018, tendo, nessa medida, sido assegurado o direito que lhe assiste, pelo que, não se vislumbra necessidade de, nesse particular, proferir qualquer decisão ou comunicação, dado que o direito de acesso à informação administrativa procedimental foi, efetivamente, exercido.
É, ainda, alegado pelo mandatário que, de acordo com os elementos constantes do processo, não é possível concluir, com certeza, que «CC», «AA» e «BB» não residem permanente na habitação, pois consideram que tal conclusão apenas resulta da valoração da prova testemunhal, o que deixa muitas dúvidas. Sucede que, em qualquer momento da pronúncia apresentada, os argumentos invocados pelos interessados contrariam a intenção de decisão, nem constituem factos novos suscetíveis de alterar o sentido já projetado. Os interessados apenas expõem considerações sobre a interpretação dos factos apurados, declarando a sua discordância perante os mesmos.
Nesta medida, mantêm-se inalterados os fundamentos que estiveram na base da intenção de decisão de extinção do direito ao arrendamento apoiado, enquanto elemento do agregado, nos termos do disposto no artigo 24.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações determinadas pela Lei n.° 32/2016, de 24 de agosto.
Nestes termos, (...), e o despacho do Sr. Vereador dos Pelouros da Educação, Habitação e Coesão Social, de 31 de janeiro de 2019, (...), notifica-se V. Exas. da decisão de extinguir o direito de ocupação do fogo de ..., ..., a «CC», «AA» e «BB».
Mais ficam os interessados notificados que, a ora determinação de extinção do direito de ocupação do fogo deverá ser voluntariamente cumprida, sob pena de estar a Câmara Municipal ..., enquanto concedente da casa, legitimada a promover a sua desocupação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 156° do Código de Procedimento Administrativo.” – p.a. junto, fls. 431 a 433;
23. Em 11.02.2019, o arrendatário «DD» foi informado de que foi autorizado o realojamento definitivo do agregado, composto por ele e sua mulher, após a extinção do direito de ocupação dos Autores, numa habitação de tipologia 2 na Rua ..., ..., ... – p.a. junto, fls. 443;
24. Em 09.04.2019 foram entregues as chaves do contentor 23 à {EMP01...} por «EE», mulher do arrendatário – p.a. junto, fls. 457 e 458;
25. Desde pelo menos Maio de 2017, os Autores residiram em 1), tendo sido transferidos para o contentor 23 no qual também residiram até 9 de abril de 2019, e a partir de tal data até à presente residem na casa n.º 111, Rua ..., ....
26. Os Autores não têm qualquer outra residência própria ou arrendada, ou sequer, qualquer imóvel – p.a. junto, fls. 317 e 326;
27. Os Autores «AA» e «BB» ausentaram-se pontualmente do contentor 23, pernoitando quer na casa dos sogros da Autora, quer na casa de um amigo sita na Travessa ..., ..., em virtude de o contentor ser de tipologia T2, existindo falta de espaço e de intimidade, tendo os mesmos de dormir na sala em sofá-cama;
28. Em dias mais festivos e quando a irmã da Autora se deslocava a casa dos pais com os sobrinhos, os Autores «AA» e «BB» pernoitavam na casa de um amigo do marido sita na Travessa ..., ..., de forma a não perturbar os convívios familiares e a permitir uma maior intimidade do casal;
29. Actualmente já não se verifica tal situação, dormindo a Autora mulher com a sua mãe num dos quartos da habitação, o seu pai no outro (devido à utilização de um aparelho por força da apneia do sono) e o Autor marido na sala;
30. A Autora «AA» tinha um contrato de TV ... em seu nome na morada Travessa ..., ..., como compensação ao amigo do seu marido de por vezes pernoitar em tal morada;
31. Em data não apurada, os fiscais da {EMP01...} interpelaram o Autor marido a ir colocar o lixo no contentor de calções e chinelos, junto da morada referida no ponto anterior;
32. A presente acção e a respectiva providência cautelar deram entrada no Tribunal no dia 06.05.2019 – cf. fls. 2 do suporte físico do processo e fls. 2 do suporte físico do processo nº 1136/19....;
33. Por sentença de 14.08.2019, proferida no âmbito do processo cautelar (Proc. nº 1136/19....), foi julgada procedente a providência cautelar requerida e suspensa a eficácia da decisão datada de 31 de Janeiro de 2019 de extinguir o direito de ocupação do fogo ..., ... aos aí Requerentes, determinada retroactivamente em função de se tratar de acto já executado – cf. fls. 81 a 90 do suporte físico do processo.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
X

Vejamos.
Está em causa a sentença que julgou parcialmente procedente a acção.
Do erro de julgamento de facto -
Como é sabido, entende a doutrina e a jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, que o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2005 proferido no âmbito do proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266/267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88).
A este propósito e tal como sustentado pelo Professor Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” ( In Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª ed.).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.”
No mesmo sentido, os Acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto. Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
Assim sendo, não se pode secundar o entendimento do Réu no sentido da errada interpretação da matéria de facto.
Retomando o caso concreto, o Tribunal expôs, de forma detalhada, a forma como formou a sua convicção acerca de cada facto.
Exarou que:
Se baseou numa apreciação livre da prova testemunhal, depoimentos de parte dos Autores «AA» e «BB», conjugada com a prova documental oferecida pelas partes (artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil).
Relativamente aos factos considerados provados com suporte na prova documental o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise dos documentos juntos aos autos e dos documentos constantes do processo administrativo apenso, nos termos expressamente referidos no final de cada facto, os quais foram valorados e apreciados livremente pelo Tribunal, em conjunto com as demais provas produzidas.
No que concerne ao facto vertido no ponto 25 da factualidade provada, o Tribunal considerou quer os depoimentos de parte dos Autores, bem como o depoimento das testemunhas «II», «JJ» e «KK». Relativamente ao depoimento das três testemunhas indicadas, a 1ª amiga de infância da Autora «AA» e o 2º e 3º, amigos e vizinhos dos Autores no Bairro ... todas afirmaram, de forma objectiva, que os Autores sempre moraram com os pais da Autora no Bairro em questão. A testemunha «II» concretizou dizendo que os Autores quando casaram deixaram de viver no Bairro, todavia, passado algum tempo, regressaram a casa dos pais da Autora, aí tornando a residir, pois a vida não lhes correu bem. Pese embora não se recorde de uma data concreta, questionada sobre o momento em que os Autores terão regressado a casa dos pais da Autora, afirmou com clareza e sem hesitações que já terá sido há mais de 5 anos. Tal conhecimento advém para a testemunha da circunstância de, desde há cerca de 6 anos, se encontrar de forma permanente no Bairro a cuidar da sua mãe que aí reside e teve um AVC. Mais afirmou a testemunha que encontrava muitas vezes a «AA» em pijama, ainda na casa ...33, posteriormente no contentor (23) e actualmente na casa ...11. Esclarece que, quando moravam no contentor, algumas vezes o casal dormia fora, mas tornava a regressar. Quanto às restantes testemunhas, as mesmas afirmaram com clareza que os Autores moravam com os pais da Autora e que os viam sempre lá.
Todas as testemunhas foram unanimes ao dizer que os Autores, «AA» e «BB», não possuem outra casa, não tendo conhecimento da existência de qualquer morada alternativa, nomeadamente a de ....
Relativamente à factualidade vertida nos pontos 27 a 30, foi determinante o depoimento de parte da Autora. Efectivamente, a mesma referiu com toda a clareza e sem qualquer hesitação que quando se encontravam a residir no contentor 23 ela e o marido dormiam na sala. Mais salientou que, em ocasiões festivas e quando a irmã se deslocava a casa dos pais com os sobrinhos não podiam abrir o sofá na sala, onde dormiam e, para não privar os pais do convívio familiar, pernoitavam em casa de um amigo do marido sita na Travessa ..., em ....
Refere ainda a Autora que o motivo para pernoitarem, ocasionalmente, em casa do referido amigo do marido se devia à circunstância de a tipologia do contentor corresponder a um T2, havendo falta de espaço e não permitindo a intimidade entre o casal.
Esclareceu ainda que, como eram um casal jovem e gostavam de ver televisão, formalizou um contrato da TV ... em seu nome na referida morada, como forma de “agradecimento” ao amigo do marido pelo facto de, por vezes, lhes permitir pernoitar em tal morada.
Mais afirma, sem qualquer hesitação, que continuam a viver com os seus pais embora na nova casa (111), ela dorme com a mãe num dos quartos, no outro dorme o seu pai e o marido dorme na sala.
No que concerne ao facto 31, foi claro o Autor ao referir que no dia em questão, que embora não consiga precisar temporalmente, tinha pernoitado na casa do seu amigo sita na Travessa ... e que ia deitar o lixo fora pois quando aí pernoitavam, igualmente faziam as refeições.
A testemunha «GG», técnica superior de gestão de ocupação na {EMP01...}, desde 2007, esclareceu o Tribunal sobre o procedimento administrativo levado a cabo relativamente à exclusão de elementos do agregado familiar e respectivos procedimentos, confirmando o teor das informações por si elaboradas. Esclareceu ainda que não realizou as diligências de averiguação que foram levadas a cabo no procedimento em questão, cabendo as mesmas aos fiscais municipais. Mais referiu que os Autores estavam autorizados a residir na casa ...33 à data da decisão de exclusão dos mesmos do agregado familiar e que ficou determinado que apenas o casal (pais da Autora) deveria regressar à zona de origem (T2) após terminar o alojamento provisório no contentor (23). Tal conhecimento advém para a testemunha da circunstância de, ao tempo, ser responsável pelos processos de realojamento do Bairro ....
As testemunhas «LL» e «MM», fiscais de habitação da {EMP01...}, pese embora tenham referido que se deslocaram ao local para averiguar dos elementos de agregado, salientando que falaram com diversas testemunhas, as quais terão referido que os Autores («AA» e «BB») não residiam na habitação, pouco se recordavam sobre o concreto procedimento em questão, quer em termos temporais, espaciais e factuais. Ainda assim, a testemunha «MM», recorda-se de ter efectuado a deslocação à morada alternativa de ... e de aí ter visto e interpelado o Autor «BB», que se encontrava a sair de casa com um saco do lixo, de chinelos e calções. Referiu ainda que, em ..., não conseguiram falar com os vizinhos.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados em virtude de constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.
Reapreciada/reexaminada a prova nela não detetámos qualquer erro, mormente ostensivo, crasso, palmar.
Defrontámo-nos com um Tribunal empenhado na busca da verdade material.
No essencial, o Réu/Município baseia o seu recurso nos seguintes aspetos:
-O contrato da TV ...;
-A visualização do Autor com um saco de lixo na mão;
-As testemunhas dos Autores não serem credíveis.
Ora, conjugada a prova testemunhal e documental não assiste razão ao Recorrente.
O busílis da presente ação é saber se os Autores/Recorridos residiram permanentemente no fogo de ..., ....
E como bem decidiu o Tribunal a quo, a resposta é positiva.
A sentença colocada em crise é clara na indicação do raciocínio que o Tribunal seguiu, das concretas provas em que se baseou para a final, concluir pela procedência parcial da presente ação.
Nesse mesmo sentido foi também a providência cautelar intentada pelos Autores.
Em conclusão a prova produzida aponta e denota que os Autores residiram permanentemente no fogo de ..., .... Esporadicamente, por uma questão de privacidade pernoitaram em casa da mãe do Autor e de um amigo deste.
Não é possível dos elementos probatórios juntos extrair a avaliação de facto almejada pelo Réu.
Logo não se bulirá no probatório, mormente nos pontos 25, 26, 27, 28, 30 e 31.
E, afastado o erro de julgamento de facto sucumbe o erro de julgamento de direito.
É que, como julgado, nenhuma prova foi carreada nesse sentido.
Assim, contrariamente ao alegado, não se pode concluir que os pressupostos factuais do ato administrativo de extinção do direito de ocupação do fogo de ..., ..., se encontram cumpridos pois que os Autores lá residem com carácter permanente.
Improcedem, desta feita, as Conclusões das alegações.
DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.

Notifique e DN.
Porto, 05/5/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro