Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00277-A/2003 PORTO
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/25/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO;
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO;
INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:1. A inexecução do julgado, por causa legítima, pode dar lugar ao pagamento de uma indemnização;
2. Não sendo possível determinar o valor exato dos danos resultantes da inexecução o tribunal julgará equitativamente.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Presidente Instituto Politécnico de B...
Recorrido 1:MJCT
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução para prestação de factos ou de coisas - arts. 162.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Presidente do Instituto Politécnico de B..., devidamente identificado nos autos, no âmbito de Execução consequente de Recurso Contencioso, inconformado com a Sentença proferida em 4 de Janeiro de 2013, na qual foi determinado o pagamento de uma indemnização ao Exequente no valor de 10.000€, resultante da anulação do originário ato recorrido, consubstanciado na não admissão do então Recorrido ao concurso a que se candidatara, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferido em primeira instância no TAF do Porto.

Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 93 a 103 Procº físico):

“1ª. O presente recurso vem interposto da douta decisão proferida a 4 de Janeiro de 2013 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – UO 2, que condenou “…o Executado a pagar uma indemnização ao Exequente, pela inexecução da Sentença proferida nos autos principais, pelo valor de € 10.000,00 €, acrescida de juros de mora, a contar da data do transito em julgado desta Sentença” – fls. 84 e 85 dos autos.

2ª. Compulsada a douta sentença verifica-se que da mesma não consta qualquer mínima fundamentação, de fato ou de direito, das razões pelas quais se fixou a quantia de 10.000,00 € a pagar pelo executado ao exequente: Não resulta minimamente invocado ou demonstrado porque razão tal valor - e não o de 20.000,00 €, 5.000,00 € ou 1.000,00 € ou outro qualquer -, foi considerado como adequado pelo fato da inexecução julgada causa legitima, nos termos do artº 166º, nº 2, CPTA.

3ª. Em face da douta sentença o executado não consegue ter mínima perceção das razões de fato e de direito que reconduziram á fixação daquele valor e não de outro, superior ou inferior.

4ª. Tal omissão total de fundamentação quanto ao valor concretamente determinado de 10.000,00 € constitui violação do disposto no artº 659º, nº 2, CPC, que faz enfermar a douta sentença de nulidade, que se invoca nos termos do artº 668º, nº 1, al. b), CPC, aplicáveis ex vi artº 1º, CPTA. Concomitantemente:

5ª. Não obstante o teor da sentença em execução, com data de 24-12-2005, considera-se que, da conjugação do disposto nos artºs 10º, nº 2 (Legitimidade Passiva), e 162º, nº 2, CPTA, este aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, o Presidente do IPB é atualmente parte ilegítima nos autos.

6ª. Em face do disposto naqueles preceitos legais, a única parte com legitimidade passiva será o Instituto Politécnico de B..., sendo indevida a condenação do seu Presidente no pagamento da indemnização “pelo fato da execução” prevista no artº 166º, nº 2, CPTA.

7ª. Tendo a douta sentença violado, nesta parte, os artºs 10º, nº 2 e 162º, nº 2, CPTA, Sem prescindir

8ª. Mesmo não procedendo a invocada nulidade por falta de fundamentação (hipótese colocada de forma meramente académica, tendo em conta a respetiva ausência total da mesma), considera-se ainda assim que, salvo sempre o devido respeito, a douta sentença violou o quadro legal vigente, no que diz respeito à atribuição de indemnização ao executado pelo fato da inexecução. Assim:

9ª. Conforme legal e jurisprudencialmente consagrado a indemnização a determinar nos termos do artº 166º, 2, CPTA, pelo fato da inexecução da sentença, destina-se apenas - e tem como respetivo limite - a compensar o exequente pelos danos que não teria sofrido se a sentença fosse executada.

10ª. No caso dos autos o Tribunal não entendeu pertinente ou necessária a realização de quaisquer diligências instrutórias a que alude o artº 166º, nº 2, CPTA, para efeito de adequada ponderação do montante indemnizatório a fixar.

11ª. Tendo considerado como adequados e bastantes para a fixação daquele valor de 10.000,00 € os seguintes pressupostos – Cfr. fls. 84:

- Considerou que o fato de não ter sido refeito o concurso em causa constituiu situação que só por si impossibilitou de saber em que posição ficaria o Exequente e, daí, ser objetivamente impossível saber qual o mérito deste no mencionado concurso.

- Considerou que, não obstante, com o concurso em apreço, pretendia-se selecionar um assistente para o ensino superior, cargo que “… detém relevância profissional e social”.

- Considerou ainda que a não reformulação do concurso implicou uma perda de oportunidade ou perda de chance para o candidato.

12ª. Salvo o devido respeito, tendo em conta aquele primeiro pressuposto (de determinação impossível do mérito do candidato, por não ter sido refeito o concurso em causa), considera-se que a fixação do valor da indemnização teria de contar previamente com o apuramento, por parte do Ilustre Tribunal recorrido, com recurso às diligências instrutórias previas necessárias, da dimensão daquela “ perda de oportunidade ou perda de chance”.

13ª. Até para poder concluir, por hipótese e no limite, que, afinal, a prática do ato recorrido poderia ter determinado ao exequente um percurso profissional futuro mais favorável, situação em que, até, a indemnização poderia não ser devida em qualquer montante, ou, pelo menos, reduzida significativamente.
14ª. Considera-se que só após a obtenção de toda a prova relevante para aferir da existência e/ou dimensão daqueles pressupostos considerados como relevantes é que o Ilustre Tribunal estaria em condições de “julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, nos termos do artº 566º, nº 3, do Código Civil.

15ª. Considera-se por isso indevida a condenação do executado no valor determinado de 10.000,00 €, por violação do disposto nos artºs. 166º, nº 2, CPTA e 566º, nº 3, Código Civil.

16ª. Valor esse que, de qualquer forma, tendo em conta a finalidade da indemnização a atribuir (destinada, apenas e só, a compensar o exequente pelos danos que não teria sofrido se a sentença fosse executada), se releva claramente exagerada.

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis por VªExcªs deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por assim ser de inteira e merecida Justiça”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por despacho de 27 de Fevereiro de 2013 (Cfr. fls. 107 Procº físico).

O aqui Recorrido não veio a apresentar Contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, veio a emitir Parecer em 17 de Setembro de 2013, concluindo que “(…) o presente recurso jurisdicional deverá improceder in totum” (Cfr. fls. 120 a 122v221 Procº físico).
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões aqui em apreciação cingem-se a saber se se verificarão os vícios suscitados pelo Recorrente, a saber, Falta de fundamentação da Sentença; Ilegitimidade Passiva do Recorrente; e erro de julgamento, na fixação do montante indemnizatório estabelecido.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo considerou, no essencial, a seguinte factualidade, sendo que estava em causa Processo de Execução, consequente de Recurso Contencioso de anulação, já julgado favoravelmente ao aqui Recorrido:

“(…) tendo em vista a execução da sentença que anulou o concurso para admissão de um Assistente para o Departamento de Artes Visuais.

A Entidade Executada deduziu Oposição, na qual defendeu ocorrer causa legítima de inexecução.

Mediante Despacho de fls. 45 a 52, foi julgado ocorrer uma situação de causa legítima de inexecução, conforme os fundamentos nele constantes e convidadas a partes a acordarem na indemnização a que alude o artigo 166.º, n.º 1 do CPTA.

As partes não chegaram a acordo, requerendo o Exequente a atribuição de uma indemnização equitativa, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º do CPTA.” (Cfr. fls. 84 Procº físico):

*
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.”

IV – Do Direito
Importa pois verificar os vícios suscitados:
a) Falta de fundamentação da Sentença;
b) Ilegitimidade Passiva do Recorrente; e
c) Erro de julgamento, na fixação do montante indemnizatório estabelecido.
*
No que concerne à suscitada falta de Fundamentação, sublinha-se desde logo que mesmo a verificar-se a mesma, tal não determinaria a nulidade do ato, mas tão só a sua anulação.

No que concerne especificamente à Fundamentação, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação (neste sentido aponta claramente o elenco enunciado no artigo 124º/1 do CPA).

Diz-se “em princípio” com o intuito de salvaguardar uma margem de exceção para casos marginais e atípicos.

Em qualquer caso, é do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. (Cfr. Acórdão do TCA nº 2303/99 de 09/01/2003).

Nas palavras de Marcello Caetano (Manual, I, nº 197): “Não interessa ao jurista conhecer quaisquer motivos da vontade administrativa, mas tão-somente os motivos determinantes, aquelas razões de direito ou considerações de facto objetivamente consideradas, sem cuja influência a vontade do órgão administrativo não se teria manifestado no sentido em que se manifestou”.

Como resulta, de entre muitos outros, do Acórdão do STA nº 032352 de 28/04/94 “A fundamentação do ato administrativo deve ser expressa, o que implica que só é válida a fundamentação contextual, ou seja, a que se integra no próprio ato e dele é contemporânea”.

A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido.

Como ficou dito no Acórdão do Colendo STA nº 762/02, de 19 de Fevereiro de 2003, “…a fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.”

É, por isso, um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão.

Vejamos em concreto:
Se é certo que a fundamentação adotada se mostrou sucinta, tal não significa que a mesma se mostre insuficiente, o que não invalidada que o Recorrente possa discordar da mesma, o que é diverso.

Efetivamente o valor indemnizatório não surgiu “do nada”, antes tendo sido consequência do conjunto de diligências que processual e procedimentalmente haviam ocorrido.

Efetivamente, foi a Entidade Executada quem defendeu ocorrer causa legítima de inexecução, o que determinou, correspondentemente, que o juiz a quo tenha convidado as partes a acordarem o valor da indemnização, nos termos do artigo 166.º, n.º 1 do CPTA.

Foi em resultado da circunstância das partes não terem chegado a acordo, que o tribunal se viu na contingência de atribuir uma indemnização equitativa, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º do CPTA.

Quando o tribunal a quo refere que “para apreciação da compensação a atribuir, considera-se relevante o facto de não ter sido refeito o concurso em causa, situação que só por si impossibilita saber em que posição ficaria o Exequente”, está, naturalmente a enquadrar e a fundamentar os pressupostos em que assenta a decisão.

Mais se refere na Sentença que “é objetivamente impossível saber qual o mérito do Exequente no mencionado concurso”, tanto mais que “com o concurso em apreço, pretendia-se selecionar um assistente para o ensino superior, cargo que detém relevância profissional e social”, sendo que “a não reformulação do concurso implicou uma perda de oportunidade ou perda de chance para o candidato”.

Está pois fundamentada de forma suficiente a decisão proferida, sendo que o valor arbitrado (10.000€) se não mostra desviado da necessária equidade, justiça e proporcionalidade, em conformidade factualidade dada como provada, aliás como destacou o Ministério Público no Parecer emitido.
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Relativamente à suscitada ilegitimidade Passiva do Recorrente é, desde logo, uma questão “nova”, na medida em que o podendo ter sido, nunca foi anteriormente suscitada, o que desde logo determinaria a desnecessidade da sua apreciação em sede de recurso jurisdicional.

Sempre se dirá, em qualquer caso, que tendo o Recurso Contencioso sido interposto à luz da então LPTA, os mesmos eram interpostos contra os Autores dos atos recorridos, razão pela qual o mesmo foi, e bem, então apresentado contra o Presidente do Instituto Politécnico de B....

Assim, a presente Execução, não obstante ter sido apresentada na vigência do CPTA, mas como visava tirar as consequências e as ilações decorrentes da anulação do referido ato, foi, por assim dizer, “contagiado” pelo Processo que visava executar, em face do que inadvertidamente a Entidade Executada foi identificada como sendo o Presidente do Instituto, e não, como seria suposto, o próprio Instituto.

Em qualquer caso, nos termos do nº 4 do Artº 10º do CPTA, considera-se a Execução intentada contra o Instituto Politécnico de B..., em face do que sempre improcederia a suscitada ilegitimidade passiva.
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Quanto ao suscitado erro de julgamento, na fixação do montante indemnizatório estabelecido, a questão mostra-se já lateral e parcialmente abordada aquando da análise da fundamentação.

No entanto, entende o Recorrente que deveriam ter sido adotadas diligências instrutórias tendentes à fixação do montante indemnizatório definido.

Sublinha-se que na presente Execução apenas está em causa uma “compensação pelo facto da inexecução” (Mário Aroso e Fernandes Cadilha – CPTA Anotado – 3ª Ed – pag. 1079).

Não podendo ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é legítimo fixar essa indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566.º do CC, tendo como limite máximo os danos invocados pelo Requerente. Neste Sentido vg acórdão do Colendo STA de 29-11-2005, recurso n.º 41321A.

Do que se trata pois é de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” (Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 821).

O que interessa é determinar como é que essa perda deve ser compensada. É apenas essa perda que está em causa, essa perda é que é o “dano real”, e está demonstrada. O que falta determinar é o “dano de cálculo”, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, pág. 545).

Atento o circunstancialismo do caso presente, afigura-se que o tribunal não poderia fixar a indemnização senão através da formulação de um juízo equitativo (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil), não havendo, naturalmente, parâmetros únicos que devam ser considerados.

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, não se vislumbra qualquer dos vícios suscitados, mostrando-se razoável e equitativa a indemnização arbitrada, em face do que se manterá a decisão recorrida, improcedendo, consequentemente, o Recurso Jurisdicional interposto.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em confirmar a Sentença do TAF do Porto, negando-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 25 de Setembro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Luís Migueis Garcia