Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02434/04.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁVEL.
Sumário:I) Muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.
II) Das normas contidas nos artigos 169º nº 1 do CPPT e 49º nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ( e não existe qualquer dúvida neste matéria) “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”, sendo que a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados, ou seja, trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
III) Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição.
IV) A partir daqui, considerando as normas acima apontadas, não se pode avalizar o discurso da Recorrida, nem a posição assumida pelo Tribunal recorrido, pois que, considerando os dados de facto constantes do PEF apenso, não se vislumbra fundamento legal para afirmar a suspensão do processo de execução fiscal e, nesta medida, a suspensão do prazo de prescrição legal, o que significa que não há que considerar qualquer período de suspensão decorrente do uso de meios procedimentais ou processuais associados a prestação de garantia idónea (art. 49º nº 3 da LGT, na sua versão inicial e n.º 4, na versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12) ou penhora susceptível de garantir a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, de modo que, tem de concluir-se que, iniciada a contagem do prazo prescricional em 23/12/2005, o prazo de 8 anos decorreu integralmente até ao dia 23/12/2013, mostrando-se consequentemente prescrita a dívida tributária, o que significa que, nesta altura, a sentença recorrida não pode manter-se, devendo, nesta sequência, proceder o presente recurso jurisdicional, impondo-se concluir no sentido de a lide ser supervenientemente inútil em virtude da prescrição da dívida de IRS impugnada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... e A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M...e A..., devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 06-10-2010, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com o acto de liquidação de IRS, referente ao ano de 1999, no valor de € 146.289,56.

Formularam nas respectivas alegações (cfr. fls. 107-113), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - Ocorreu a prescrição da obrigação tributária.
II - Os impugnantes não receberam os prédios que haveriam de adquirir em razão da permuta.
III - Os prédios em causa nem sequer estavam edificados como, aliás, ainda hoje não estão concluídos e prontos à sua utilização.
IV - Não houve transmissão e, por isso, não há facto tributável passível de tributação conforme ao disposto no artº 10º nº 1 do CIRS.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao recurso, revogar-se a, aliás douta, sentença proferida e substituir-se por outra que decrete a procedência da impugnação e a anulação da liquidação ou, se assim não se entender, declare a PRESCRIÇÃO da obrigação tributária.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 125 a 126 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em saber se a dívida relacionada com liquidação de IRS/99 se encontra ou não prescrita e ainda apreciar a invocada inexistência de facto tributável passível de tributação conforme ao disposto no artº 10º nº 1 do CIRS.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
¨ Em 03/02/1999, M…, A.., A… e M...declararam ceder à sociedade “C… – Construtora de A…, Lda.” um imóvel composto por duas casas, sito na Rua… do Seixo, freguesia São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob os artigos 8… e 2… e a aludida sociedade declarou ceder a M…., A…, A… e M… oito fracções autónomas a construir no dito prédio por escritura pública de permuta lavrada no Cartório Notarial de Aveiro – Cfr. fls. 31 do PA e 12 a 15 do processo de reclamação graciosa, apensos aos autos, cujo teor aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.
¨ Em 01/04/2002, os impugnantes apresentaram, no Serviço de Finanças de Matosinhos-2, requerimento através do qual identificavam as letras das fracções que foram objecto da escritura de permuta que celebraram em 03/02/1999, a saber: fracções “AM”; “B”, “BQ”, “D”, “F”, U”, “C” – Cfr. fls. 17 e 18 do processo de reclamação graciosa apensos aos autos, cujo teor aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.
¨ Em 04/10/2002, a sociedade “C…” apresentou, no Serviço de Finanças de Matosinhos-2, requerimento através do qual identificava as letras das fracções que foram objecto da escritura de permuta que celebrou em 03/02/1999, a saber: fracções “B”; “C”, “D”, “F”, “U”, “AM”, “BV” – Cfr. fls. 16 do processo de reclamação graciosa apensos aos autos, cujo teor aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.
¨ Em 31/10/2003, foi lavrado termo de avaliação das fracções “AM”, “B”, “C”, “D”, “F”, “U” e “BV” – Cfr. fls. 19 a 22 do processo de reclamação graciosa apensos aos autos, cujo teor aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.
¨ Em 27/11/2003, foi proferido despacho no sentido de proceder a liquidação adicional de IRS para o ano de 1999, nos termos previstos no art.º 89º do CIRS, e para os efeitos previstos no art.º 65º e 66º do referido Código, considerando-se mais valias a tributar no montante de € 305.461,58 = (€ 610.923,17: 2), com os seguintes fundamentos:
“Tendo por base fotocópia do Registo Notarial de 03 de Fevereiro de 1999, do Cartório Notarial de Aveiro, enviada a estes serviços através do ofício de 04/11/2003, dos Serviços de Finanças Locais de Matosinhos-2 verificou-se que pelo preço de € 1.300.241,42, M…, NIF 1…e marido A…, NIF 1…; M…, NIF 1…e marido A…, NIF 1…; permutaram com a sociedade “C…– Construtora da A…, Lda.”, NIPC 5…, com sede em Anadia o seguinte:
Um imóvel composto por 2 casas sito na Rua…, na freguesia de S. Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob os artigos 8…º e 2…º
Por
8 fracções autónomas a construir no dito prédio, constituídas de acordo com conhecimento de SISA de 03/02/1999 por: Um lugar de aparcamento; 5 lojas; 2 apartamentos.
Após consulta ao sistema informático central, verificamos que, não consta da respectiva declaração de rendimentos IRS/1999 entregue de acordo com o disposto no art.º 57º do CIRS, anexo G, para a declaração dos ganhos auferidos com a permuta mencionada.
2. Os ganhos obtidos com a alienação de direitos reais sobre bens imóveis constituem mais-valias, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do CIRS, e consideram-se obtidos logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto de contrato conforme dispõe a alínea a) do n.º 3 do art.º 10º do CIRS.
Tais rendimentos são determinados de acordo com o disposto nos artigos 43º a 51º do referido código, considerando-se como valor de aquisição o montante de € 45.315,07, que corresponde ao valor patrimonial que serviu de base à liquidação do imposto sucessório para os referidos artigos – art.º 870º e 2619º.
Face ao que ficou anteriormente exposto, vão estes Serviços proceder à liquidação adicional de IRS para o ano de 1999, nos termos previstos no art.º 89º do CIRS, e para os efeitos previstos no art.º 65º e 66º do referido código, considerando-se mais valias a tributar no montante de € 305.461,58 = (610.923,17:2), conforme Mapa demonstrativo em anexo (…)
Nessa medida, vamos proceder à liquidação adicional de IRS, para o referido ano de 1999, nos termos previstos no art.º 89º e para os efeitos mencionados nos artigos 65º e 6º do CIRS, considerando:
Ano de aquisição – 1989
Valor de aquisição – (Valor patrimonial que serviu de base à liquidação do Imposto Sucessório):
Art.º 870º - € 11.269,23 (€ 22.538,46 : 2)
Art.º 2619º - € 11.388,30 (€ 22.766,61 : 2)
Ano de realização – 1999
Valor de realização total dos dois artigos - € 650.120,71 (€ 1.300.241,42:2).”
Cfr. fls. 21 a 24 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 04/12/2003, foram os impugnantes notificados das alterações dos elementos constantes da declaração de rendimentos de IRS – Cfr. fls. 25 e 26 do PA.
¨ Em 10/12/2003, foi emitida a nota de liquidação n.º 5324121509 de 04/12/2003, no valor de € 146.289,56, relativa a IRS do ano de 1999, da qual foram os impugnantes notificados em 23/12/2003, com data limite de pagamento de 22/01/2004 – Cfr. fls. 37 do PA e fls. 9 do processo de reclamação graciosa apensos aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
¨ Em 19/01/2004, por escritura pública, os aqui impugnantes declararam que por escritura de três de Fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, iniciada a folhas cinquenta e sete, do livro de notas para escrituras diversas número duzentos e noventa e sete-B, do 1º Cartório Notarial de Aveiro, foi celebrada entre a sociedade “C...”, os impugnantes, M...e A…, uma escritura de permuta pela qual os impugnantes, M… e A… transferiram para a sociedade “C…” um imóvel composto por duas casas sito na Rua…, freguesia de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob os artigos 8.. e 2…, então descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o número 5…, e, em permuta, a aludida sociedade lhes cedeu, também em comum, como contraprestação futura oito fracções autónomas do edifício a construir pela indicada sociedade no referido prédio, após demolição das construções lá existentes – Cfr. fls. 4 a 8 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.
¨ Mais declararam, no mesmo instrumento notarial de 19/01/2004, que por esta escritura rectificavam a aludida escritura de permuta, no sentido de que passasse a constar que a prestação a receber pelos impugnantes, A… e mulher é composta por sete fracções autónomas e não por oito, como foi indicado naquela escritura com base no que erradamente constava do respectivo termo de declaração de sisa, de três de Fevereiro de 1999 - Cfr. fls. 4 a 8 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Mais declararam que em tudo o mais se mantinha o que na aludida escritura consta, nomeadamente, os valores ali atribuídos - Cfr. fls. 4 a 8 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.
¨ Em 31/03/2004, os impugnantes apresentaram reclamação graciosa – Cfr. fls. 2 a 10 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 01/08/2004, foi instaurado contra os impugnantes o processo de execução fiscal n.º 3514200401031724, para cobrança da certidão de dívida n.º 2004/38795 relativa a IRS de 1999 no valor de € 146.289,56 – Cfr. fls. 1 e 2 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 12/08/2004, os impugnantes foram citados para a execução - Cfr. fls. 3 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 15/09/2004, os impugnantes requereram, no âmbito do PEF, a suspensão da execução nos termos do art.º 169º do CPPT em virtude de terem deduzido reclamação graciosa – Cfr. fls. 4 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 21/09/2004, foram os impugnantes notificados para apresentarem garantia idónea, no âmbito do PEF- Cfr. fls. 10 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 28/10/2004, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa – Cfr. fls. 48 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Não consta do processo de reclamação graciosa qualquer paragem do mesmo por período superior a um ano.
¨ Em 09/11/2004, foram os impugnantes notificados do despacho de indeferimento da reclamação graciosa - Cfr. fls. 48 e seguintes do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 22/11/2004, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinho-2 – Cfr. carimbo aposto na petição inicial a fls. 2 do processo físico.
¨ Em 22 /12/2004, foi proferido despacho de admissão liminar, no âmbito da presente impugnação – Cfr. fls. 14 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Não consta do processo de execução fiscal que os impugnantes tenham vindo constituir garantia.
¨ Não consta do processo de execução fiscal a promoção de quaisquer diligências entre 21/09/2004 e 14/09/2006 – cfr. fls. 10, 10 verso e 11 do PEF apenso aos autos.
¨ Em 14/09/2006, foi emitido mandado de penhora – Cfr. fls. 11 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 14/09/2006, foi penhorado aos impugnantes metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6185-AM - Cfr. fls. 12 e 13 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 15/09/2006, foi penhorado aos impugnantes metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6…-B - Cfr. fls. 19 e 20 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 20/09/2006, foi a impugnante, M... , notificada de que tinha sido nomeada fiel depositária do bem, bem como da realização das penhoras em 14/09/2006 e 15/09/2006 – Cfr. fls. 35 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ As aludidas penhoras encontram-se registadas na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos – Cfr. fls. 49 a 57 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ O processo de execução fiscal foi suspenso pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 2- Cfr. fls. 65 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 01/07/2008, foi enviada notificação ao Representante da Fazenda Pública para contestar – Cfr. fls. 20 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Não consta do presente processo de impugnação a promoção de quaisquer diligências entre 22/12/2004 e 01/07/2008.
*
Não existem factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos, dos ínsitos no processo administrativo, processo de reclamação graciosa e processo de execução fiscal apensos aos presentes autos.
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que importa, desde já, apreciar a questão suscitada com referência à prescrição da obrigação tributária, insistindo os Recorrentes nesta matéria.

Quanto a este ponto, é sabido que muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.

Desde logo, cumpre notar que a presente liquidação versa sobre a liquidação de IRS do ano de 1999, sendo que de acordo com o princípio geral da aplicação da lei no tempo, segundo o qual a que lei só dispõe para o futuro, nos termos do artigo 12º do Código Civil, a lei reguladora do regime da prescrição das obrigações tributárias é a que vigorar à data em que tiver ocorrido o facto tributário.
Ora, à data do facto tributário (IRS 1999), encontrava-se em vigor a Lei Geral Tributária que determinava no seu art. 48º nº 1, na redacção dada pelo D.L. n.º 398/98 de 17/12, que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.”.

A partir daqui, é sabido que no quadro da LGT, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição (art. 49º nº 1 da LGT), sendo que, de acordo com o nº 2 do mesmo dispositivo legal, a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fazia, no entanto, cessar esse efeito interruptivo, somando-se, nesse caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido ate a data da autuação.
Neste ponto, importa deixar já consignado que o art. 49º nº 2 da LGT foi revogado pelo art. 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, aplicando-se essa revogação a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei n.º 53-A/2006.
Por outro lado, o art. 49º nº 4 da LGT, na linha do que já dispunha o n.º2 3 da versão original do preceito, passou a dispor que “o prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”.
Pois bem, no caso em apreço, como se disse, o prazo de prescrição da dívida exequenda teve o seu início em 01.01.2000 e interrompeu-se com a apresentação da reclamação graciosa (art. 49º nº 1 da LGT) em 31-03-2004.
Nesta sequência, é sabido que em 28/10/2004, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa – Cfr. fls. 48 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, sendo que não consta do processo de reclamação graciosa qualquer paragem do mesmo por período superior a um ano.
Assim, e na medida em que interrupção do decurso do prazo inutiliza todo o tempo entretanto decorrido para a prescrição, temos que ocorreu a interrupção da prescrição em 31/03/2004, com a apresentação da reclamação graciosa, inutilizando-se todo o tempo entretanto decorrido para a prescrição e o novo prazo só começa a contar-se a partir da decisão final proferida na reclamação graciosa.

Antes de avançar, importa notar que as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.
Sobre a questão, aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, na sua obra Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª edição, pag. 118 que «a solução do problema da aplicação da lei no tempo depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo e não eventualidade de, face às regras do art. 297º do Código Civil, ser aplicável o regime do CPT ou da Lei Geral Tributária no que concerne à duração do prazo e prescrição».
Tal significa que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o art. 297º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e tudo o mais que releva para o seu curso.

Isto para dizer, como se nota na decisão recorrida, que a citação dos impugnantes em processo de execução fiscal ocorreu em 12/08/2004, sendo que a citação dos impugnantes em processo de execução fiscal tem o seu efeito interruptivo próprio, eliminando para a prescrição o tempo já decorrido, sendo indiferente que existisse um período que já estava eliminado pelo efeito interruptivo que teve a reclamação graciosa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, “a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Decorre do probatório que, no âmbito do processo de execução fiscal, não foram promovidas quaisquer diligências entre 16/09/2004, data da notificação dos impugnantes, data da notificação dos impugnantes para constituir garantia, e 14/09/2006, data da emissão do mandado de penhora, pelo que o processo esteve parado por período superior a um ano, não revelando os autos ser essa paragem imputável aos impugnantes.
Com efeito, decorrido o prazo concedido aos impugnantes para constituírem garantia, impunha-se ao órgão de execução fiscal promover as diligências necessárias para a penhora de bens, o que só veio a acontecer em 14/09/2006, não revelando os autos motivo justificável para essa delonga, pelo que se terá que concluir que essa paragem não é imputável aos executados.
Assim, em 16/09/2005, completou-se um ano de paragem do processo de execução fiscal, pelo que o prazo de prescrição estaria em condições de iniciar a sua marcha normal a partir de 17/09/2005.
No entanto, a realidade em análise não se fica por aqui, porquanto, em 22/11/2004, foi apresentada a presente impugnação no Serviço de Finanças de Matosinho-2, verificando-se que não consta do presente processo de impugnação a promoção de quaisquer diligências entre 22/12/2004 e 01/07/2008.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, é ponto assente que em 22-12-2005 completou-se um ano de paragem do processo de impugnação, pelo que o prazo de prescrição estaria em condições de iniciar a sua marcha normal a partir de 22/12/2005 ao prazo decorrido até à interrupção.
Neste contexto, e fazendo o cotejo da realidade até aqui considerada, tem de concluir-se que o prazo de prescrição começou a correr a partir de 23-12-2005, o que quer dizer que o acima apontado prazo de 8 anos termina em 23-12-2013.

A partir daqui, surge então a matéria que merece melhor reflexão nos autos, posto que até aqui o discurso da decisão recorrida merece total adesão, procedendo a uma cuidada análise do conjunto de factos relacionados com as causas interruptivas da prescrição.

Com efeito, depois de aludir ao arts. 48º nº 3 da LGT e 169º nº 1 do CPPT, a decisão recorrida considerou que “No âmbito do processo de execução fiscal n.º 3514200401031724 pendente contra os impugnantes, e no qual se reclama o IRS de 1999 ora impugnado, foram aqueles notificados para constituir garantia em virtude da dedução de reclamação graciosa, em 21/09/2004, no montante de € 201.421,97, nos termos do art.º 199º do CPPT, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal nos termos do art.º 169º do CPPT, e na sequência de pedido formulado pelos impugnantes nesse sentido.
Os impugnantes não vieram constituir garantia, pelo que, em 14/09/2006 e 15/09/2006, foram efectuadas as penhoras de metade indivisa das fracções autónomas designadas pelas letras AM e B do artigo urbano inscrito na matriz sob o n.º 6185-AM e n.º 6185-B e, em virtude disso, suspensos os autos de execução fiscal.
Assim, a partir de 15/09/2006 a execução fiscal ficou suspensa, nos termos do art.º 169º, n.º 1, do CPPT, ficando, igualmente, suspensa a prescrição, nos termos do art.º 49º, n.º 3, da LGT.”.

Ora, cumpre notar que das normas contidas nos artigos 169º nº 1 do CPPT e 49º nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ( e não existe qualquer dúvida neste matéria) “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”.
Além disso, a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 19-12-2012, Proc. nº 01372/12, www.dgsi.pt).
Trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.

Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição ( neste sentido, Acs. do S.T.A. de 04-03-2009, Proc. nº 0160/09, 26-01-2011, Proc. nº 01/11 e de 25-05-2011, Proc. nº 0465/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Diga-se ainda que, como se deixou suM...do nos Acórdãos do S.T.A. de 05-05-2010, Proc. nº 0140/10 e de 07-12-2010, Proc. nº 0490/10, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt, “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do artº 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do artº 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução”.

Com este pano de fundo, não podemos acompanhar a decisão recorrida quando refere que o prazo de prescrição começou a contar a partir de 23/12/2005 e até 14/09/2006, data em que a prescrição se suspendeu em virtude de suspensão da execução fiscal nos termos do art.º 49º, n.º 3 da LGT e art.º 169º, n.º 1, do CPPT (14/09/2006 e 15/09/2006).
Efectivamente, o probatório informa que:
¨ Em 14/09/2006, foi emitido mandado de penhora – Cfr. fls. 11 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 14/09/2006, foi penhorado aos impugnantes metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6185-AM - Cfr. fls. 12 e 13 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 15/09/2006, foi penhorado aos impugnantes metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6185-B - Cfr. fls. 19 e 20 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ Em 20/09/2006, foi a impugnante, M..., notificada de que tinha sido nomeada fiel depositária do bem, bem como da realização das penhoras em 14/09/2006 e 15/09/2006 – Cfr. fls. 35 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ As aludidas penhoras encontram-se registadas na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos – Cfr. fls. 49 a 57 do PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
¨ O processo de execução fiscal foi suspenso pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 2- Cfr. fls. 65 do referido PEF apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Quanto a este último ponto, não se percebe a posição assumida pelo Tribunal recorrido em função dos elementos presentes no PEF apenso, pois que o teor de fls. 65 corresponde a um print relacionado com a tramitação do processo de execução fiscal em apreço, o qual contém uma alusão a Suspensão do Processo com data de 2004-11-04 e código F100, situação manifestamente incompatível com a sequência relacionada com os outros elementos descritos e alguns deles vertidos no probatório, não se vislumbrando fundamento para o alinhamento do facto em apreço no probatório, impondo-se, nos termos do art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 662º) a respectiva eliminação.
Aliás, com referência ao teor do aludido print, já neste Tribunal, foi determinada a notificação da Fazenda Pública para esclarecer se tinha sido prestada qualquer garantia neste domínio e justificar os termos de uma eventual suspensão do processo de execução fiscal.
A resposta da Fazenda Pública é elucidativa, defendendo que a execução fiscal encontra-se suspensa em função da penhora do imóvel constante do auto de fls. 12 a 20 do PEF apenso, referindo que aquela penhora garantia a totalidade da quantia exequenda e acrescido.
Isto porque a realidade apontada não tem acolhimento nos termos do PEF apenso, sendo que dos próprios elementos ora juntos pela FP, deparamos com uma dívida de € 213.885,05, sendo depois identificada uma garantia (penhora) cujo valor descrito é de € 56.700,00, e que corresponde ao valor apontado no auto de penhora relacionado com a metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6…-AM - Cfr. fls. 12 e 13 do referido PEF.
Não se olvida também que em 15/09/2006, foi penhorado aos impugnantes metade indivisa do artigo urbano inscrito na matriz predial sob o n.º 6185-B - Cfr. fls. 19 e 20 do referido PEF apenso aos autos, sendo que do auto de penhora em apreço consta a consideração do valor patrimonial de € 27.000,00.

A partir daqui, considerando que das normas contidas nos artigos 169º nº 1 do CPPT e 49º nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ( e não existe qualquer dúvida neste matéria) “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”, não se pode avalizar o discurso da Recorrida, nem a posição assumida pelo Tribunal recorrido, pois que, considerando os dados de facto constantes do PEF apenso, não se vislumbra fundamento legal para afirmar a suspensão do processo de execução fiscal e, nesta medida, a suspensão do prazo de prescrição legal.

Deste modo, não há que considerar qualquer período de suspensão decorrente do uso de meios procedimentais ou processuais associados a prestação de garantia idónea (art. 49º nº 3 da LGT, na sua versão inicial e n.º 4, na versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12) ou penhora susceptível de garantir a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Neste medida, tem de concluir-se que, iniciada a contagem do prazo prescricional em 23/12/2005, o prazo de 8 anos decorreu integralmente até ao dia 23/12/2013, mostrando-se consequentemente prescrita a dívida tributária, o que significa que, nesta altura, a sentença recorrida não pode manter-se, devendo, nesta sequência, proceder o presente recurso jurisdicional, impondo-se concluir no sentido de a lide ser supervenientemente inútil em virtude da prescrição da dívida de IRS impugnada, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito desta instância de recurso.

Finalmente, cabe notar que, verificada a prescrição da dívida (facto extintivo da obrigação tributária), a mesma deve ser qualificada como facto superveniente determinante da extinção da instância no processo de impugnação judicial que conhece da legalidade da liquidação donde aquela emana, por manifesta inutilidade do prosseguimento dos autos. E a extinção da instância, cuja ocorrência é agora afirmada por este Tribunal teve origem na prescrição que a lei considera integrar “uma alteração das circunstâncias não imputável às partes” (cfr. o art. 450.º, nºs 1 e 2, alínea c), do C. Proc. Civil – actual art. 536º nºs 1 e 2 c)), pelo que a regra é a da repartição das custas em partes iguais.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide em virtude da prescrição da dívida de IRS impugnada.
Custas pelos Recorrentes e Recorrida, em partes iguais.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves