Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01973/20.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/03/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:MULTAS- DECISÃO DE CONTRATAR- REPARTIÇÃO DE CUSTOS – COVID-LOTES-TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO
- ARTIGO 36.º/5 DO CCP
Sumário:1-Nos termos do artigo 329.º/1 do CCP as sanções contratuais têm de ser tipificadas nas peças concursais que integram já o próprio contrato a celebrar ou na lei, assim se garantindo “condições mínimas de determinabilidade dos comportamentos proibidos”, de modo a permitir-se a “determinabilidade objetiva, de forma clara e precisa” dos possíveis incumprimentos contratuais sancionáveis pelo Contraente Público.

2-A decisão de contratar é o ato unilateral por via do qual, constatada a necessidade de obter, no mercado, certos bens ou serviços, a entidade pública competente decide abrir um procedimento para determinar com quem e em que condições concretas será celebrado o correspondente contrato, constituindo o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública.

3- O sentido a extrair do disposto no art.º 4.º, n.º1, al.c) do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, considerando a comunicação “Orientações para a Interpretação do regulamento (CE) n.º 1370/2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário” emitida pela Comissão Europeia, e do art.º 21.º, n.º1, al.i) da Lei n.º 52/2015, é o de que devem ser claramente estabelecidas entre as partes as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços.

4- O surgimento da pandemia provocada pelo novo vírus SARS-CoV-2 é idóneo, por princípio, a constituir uma circunstância superveniente com impacto nos pressupostos que serviram de base à decisão de contratar proferida antes da sua emergência, e, nessa medida, perfeitamente suscetível, em tese, de fundamentar uma decisão de não adjudicação e consequente extinção do procedimento, à luz do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.

5- Porém, não havendo ainda uma estabilização sobre a perspetiva da evolução da crise pandémica, estando-se perante um concurso que visa a celebração de um contrato por um período de 7 anos, cujo início de execução apenas se previa, na melhor das hipóteses, para o mês de novembro de 2021, não sendo previsível à data afirmar que no início do “Período de Funcionamento Normal” do contrato e durante 7 anos da sua vigência irão permanecer, e com impactos significativos, no setor do transporte público, os fenómenos desencadeados pela pandemia, não se verificam os pressupostos que justificariam uma decisão de não adjudicação do contrato.

6- Nada impede o Contraente Público de fixar nas peças do procedimento pré-contratual limites ao número dos lotes a adjudicar a um proponente, estando essa possibilidade legitimada, de forma expressa e consciente, pelos legisladores europeu e nacional, respetivamente, no n.º2 do artigo 46.º da Diretiva 2014/24/EU e no n.º4 do artigo 46.º-A do CCP.

7- O regime laboral da transmissão de unidade económica previsto no Código do Trabalho “opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular».
8-A ratio do art.º 36.º, n.º5 do CCP, tem por fito exclusivamente assegurar que, antes do lançamento de um procedimento pré-contratual, as entidades adjudicantes já tenham obtido todos os atos prévios que possam condicionar a validade do procedimento, e que esse dever fica satisfeito com a demonstração de que a entidade adjudicante “não carece de qualquer ato prévio que esteja ainda em falta, deixando todos os atos prévios já identificados nas peças do procedimento».
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:C.,SA E OUTROS
Recorrido 1:ÁREA METROPOLITANA DO PORTO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

1.1.C., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede no Edifício (…); Empresa de Transportes (...), Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…); A., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…); e V., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Avenida (…), AUTORAS no Processo n.º 1977/20.5BEPRT, apenso aos presentes autos, doravante designadas como “As AA. G.”; B., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Avenida (…) e R., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), AUTORAS no Processo n.º 1985/20.6BEPRT, apenso aos presentes autos, doravante designadas como “ As AA. B.” e. U., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Avenida (…); J., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…); e M., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), AUTORAS no Processo n.º 2019/20.6BEPRT, apenso aos presentes autos, doravante designadas como “ As AA. UTC” , intentaram a presente ação de contencioso pré-contratual, contra a ÁREA METROPOLITANA DO PORTO(AMT), com sede na Avenida dos Aliados, n.º 236 – 1º, no Porto, indicando como Contrainteressadas, as sociedades identificadas nas suas petições iniciais, tendo em vista obter do Tribunal sentença que reconheça, com as consequências daí decorrentes, as várias invalidades que impetram aos documentos conformadores do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto”.
Citada, a R. AMP contestou defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.
Citadas na qualidade de contrainteressadas, apresentaram contestação as seguintes empresas : (i) a X., SA, que se defendeu, por exceção, invocando a (a) ilegitimidade ativa da A. C. e a falta de interesse em agir da A. C., da A. ET G., da A. B. e da A. UT , relativamente aos lotes em relação aos quais não apresentaram proposta. Defendeu-se também por impugnação, pugnando pela legalidade das peças procedimentais; (ii) a B., LDA. e A. LIMITADA., que aderiram ao teor da contestação apresentada pela R. AMP; (iii) a ET G. e outras (AA. na petição inicial apresentada no Processo n.º 1977/20.5BEPRT, apenso aos presentes autos), onde no que releva, pugnam pela procedência da presente ação; (iv) a UT e outras (AA. na petição inicial apresentada no Processo n.º 2019/20.6BEPRT, apenso aos presentes autos), onde no que releva, a final, pugnam pela procedência da presente acção; (v) a S. SL e P., SA., que se defendeu, por excepção, invocando a (a) ilegitimidade activa da A. C. e a falta de interesse em agir da A. C., da A. ET Transportes G., da A. B. e da A. UT relativamente aos lotes em relação aos quais não apresentaram proposta. Por impugnação, pugnou pela legalidade das peças procedimentais em apreço; (vi) a N., SL, que aderiu ao teor da contestação apresentada pela R. AMP, “com exceção do disposto nos arts. 57º, 59º, 233º a 240º, 382º a 393º da referida contestação, o que a ora Contrainteressada não subscreve, por não partilhar necessariamente do entendimento da Entidade Demandada.”
As AA. C. ET G., B. e UT replicaram, pugnando pela improcedência das exceções suscitadas.
Proferiu-se despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal, dispensou a realização de audiência prévia e a apresentação de alegações.
Foi requerida a admissão de apresentação de alegações escritas, em consequência da alteração legislativa decorrente da Lei n.º 18/2021, de 08.04, o que foi indeferido por despacho de 30.04.2021.
Fixou-se o valor da presente ação em 30.000,01 € (trinta mil euros e um cêntimo).
O TAF do Porto proferiu decisão que julgou improcedentes as exceções invocadas, e julgou parcialmente procedente a presente ação, absolvendo a Ré “ÁREA METROPOLITANA DO PORTO (AMP)” do pedido relativamente a várias invalidades assacadas pelas Autoras aos documentos conformadores do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«Pelo exposto julgo:
(i) improcedentes as excepções de ilegitimidade activa da A. C. e de falta de interesse em agir da A. C., da A. ET G., da A. B. e da A. UT ;
(ii) parcialmente procedente a presente acção, e em consequência declaro ilegal o artigo 18º n.º12 do programa de concurso, apenas no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e a cláusula 53º n.º3 alínea i), n.º4 alínea m), e n.º 5 alínea n) do caderno de encargos, – cujas referências deverão, em conformidade, ser expurgadas das respectivas peças procedimentais, com as legais consequências.
Custas pelas AA. e R. AMP e Contrainteressadas «X.», «B. e A.», «S.» e «N.», na proporção de 90% para as AA. e 10% para a R. e Contrainteressadas identificadas, nos termos do artigo 527º n.1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.».
1.2. A Entidade Demandada, JUNTA METROPOLITANA DO PORTO, inconformada com a sentença proferida, vem interpor o presente recurso de apelação, no qual formula as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Nenhum dos autores imputou ao artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso, como causa de invalidade, a circunstância de essa norma excluir a indemnização em caso de ato ilícito.
II. Essa não foi, pois, uma das questões (binómio pedido-causa de pedir) que coubesse ao Tribunal decidir.
III. Contudo, o Tribunal a quo decidiu a invalidade do inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” apenas por abranger a responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, daí decorrendo a violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade entre os contratantes.
IV. Deste modo, o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, sancionável com a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil.
V. Mesmo que se admitisse a possibilidade de o Tribunal a quo apreciar essa questão, impor-se-ia que a AMP fosse ouvida, nos termos do artigo 95.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – o que não ocorreu.
VI. Tendo proferido sentença sem nunca suscitar essa questão nova (pedido-causa de pedir), o Tribunal a quo incorreu em nulidade secundária, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva), que teve influência determinante no conteúdo da sentença e que apenas no momento da notificação da sentença foi revelada e que determina a respetiva nulidade.
VII. De acordo com a interpretação teleológica e sistemática propugnada pelo 9.º, n.os 1 e 2, do Código Civil do disposto no artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso, resulta que este apenas se destina a regular os casos em que é adotada uma decisão válida de caducidade da adjudicação, não abrangendo a hipótese de suposto afastamento da responsabilidade civil extracontratual da AMP por facto ilícito.
VIII. A redação do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso enquadra-se, de resto, no artigo 87.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, que não prevê o direito de indemnização do adjudicatário em casos, como o presente, em que causa de caducidade da decisão de adjudicação se impõe à entidade adjudicante, cabendo a esta apenas verificar a causa de caducidade, ainda que não seja por ela pretendida no quadro da respetiva discricionariedade.
IX. Ao assim não ter considerado, interpretando o inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso como abrangendo os casos de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, o Tribunal a quo, ressalvado o respeito devido, incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 9.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e no artigo 87.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
X. A cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos prevê a aplicação de sanções para outros incumprimentos contratuais cujos comportamentos não se encontram expressamente tipificados.
XI. Procede a uma remissão intra-sistemática para os deveres obrigacionais contidos no Caderno de Encargos, nos termos permitidos pelo princípio da legalidade.
XII. O artigo 29.º, n.º 1, da Constituição não se opõe a que as normas que preveem disposições administrativas sancionatórias não obedeçam ao grau de tipicidade que prescreve para as normas penais e os artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos não impõem essa densificação.
XIII. No campo do direito administrativo sancionatório é suficiente que a infração seja tipificada através da referência à violação de deveres, como sucede no caso das obrigações contratuais, admitindo-se, inclusivamente, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, bastando-se a afirmação como ilícito o comportamento que atente contra tais deveres, e isso mesmo que a conduta adotada não esteja descrita na previsão de qualquer preceito.
XIV. Exige-se apenas condições mínimas de determinabilidade, que permitam considerar que os destinatários da disposição sancionatória têm conhecimento de que a respetiva violação é passível de gerar a aplicação de uma sanção – o que é alcançado através da previsão dos deveres contratuais a que se encontrará sujeito o cocontratante.
XV. No caso das disposições contidas na cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, deve ter-se em consideração que os destinatários não são todos e quaisquer administrados, considerados de modo indiferenciado, mas apenas os operadores económicos experientes que, após analisar detidamente o Caderno de Encargos, resolveram apresentar proposta para prestar serviço durante 7 anos num contrato cujo valor ascende a muitos milhões de euros em cada lote posto a concurso.
XVI. São, assim, sujeitos qualificados, operadores económicos experientes, apenas se podendo presumir que têm total e completa consciência das obrigações contratuais previstas no Caderno de Encargos, pelo que têm igualmente conhecimento de quais os comportamentos que poderão gerar a aplicação de sanção — apenas os incumprimentos de obrigações contratuais que não estejam de outro modo tipificadas.
XVII. Pelo que estão plenamente satisfeitas as obrigações que o princípio da legalidade impõe à determinação de sanções administrativas contratuais.
XVIII. Não se inclui no princípio da legalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição o dever de tipificar comportamentos ilícitos nos termos exigidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, o mesmo sucedendo com o disposto nos artigos 302.º, alínea d), e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
XIX. Ao considerar que não se encontra suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objetiva, exigindo que essa determinação fosse feita de forma clara e precisa para que pudesse respeitar o princípio da legalidade e da tipicidade, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 302.º, alínea d), e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as:
a) Deve ser parcialmente anulada a douta sentença proferida, no que respeita ao julgamento que fez do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso.
b) Deve ser julgado integralmente procedente o recurso interposto, sendo revogada a douta sentença e substituída por Acórdão que julgue improcedentes os vícios imputados às disposições contidas no artigo 18.º, n.º 12, do Programa de Concurso, no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e na cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, assim se fazendo
Justiça!»
1.3. A Autoras “U. LDA.”, “J. LDA.”, e “M., S.A.”( Autoras no Processo n.º 2019/20.6BEPRT), designadas como “ As AA. UTC”, inconformadas com a sentença proferida pelo TAF do Porto, interpuseram o presente recurso de apelação, cujas alegações terminam com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto, nos autos em epígrafe, que julgou improcedente algumas das invalidades assacadas pelas Recorrentes (e outros concorrentes) às peças procedimentais no âmbito do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto” e, em consequente, absolveu parcialmente a Ré AMP, aqui Recorrida, do pedido.
B. Estão em causa as seguintes invalidades procedimentais que o Tribunal a quo julgou improcedentes: (i) a violação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 36.º do CCP; (ii) a violação da alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015; (iii) a desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19); (iv) o incumprimento do Regime das PPP; (v) a violação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, a violação do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência; (vi) a ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do regime das PPP e (vii) a violação decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
C. As Recorrentes não se conformam com o decidido na sentença recorrida, porquanto entendem que a mesma padece de uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais. Vejamos,
D. Em primeiro lugar, as peças concursais violam o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 36.º do CCP.
E. Determina o n.º 1 do artigo 36.º do CCP que “o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última”, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que “quando o valor do contrato for igual ou superior a (euro) 5 000 000 ou, no caso de parceria para a inovação, a (euro) 2 500 000, a fundamentação prevista no n.º 1 deve basear-se numa avaliação de custo-benefício e deve conter, quando aplicável: a) a identificação do tipo de beneficiários do contrato a celebrar; b) a taxa prevista de utilização da infraestrutura, serviço ou bem; c) a análise da rentabilidade; d) os custos de manutenção; e) a avaliação dos riscos potenciais e formas de mitigação dos mesmos; f) o impacto previsível para a melhoria da organização; g) o impacto previsível no desenvolvimento ou na reconversão do país ou da região coberta pelo investimento”.
F. Com efeito, nos casos em que o valor do contrato for igual ou superior a € 5.000.000, a fundamentação da decisão de contratar deve basear-se numa avaliação de custo-benefício, com consideração dos diversos aspetos que constam das respetivas alíneas a) a g) – sucede que no concurso em crise essa avaliação de custo-benefício não consta da decisão de contratar.
G. Sobre este aspeto entendeu o Tribunal a quo que, analisando as peças procedimentais – maxime a «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» [cfr. ponto T) do probatório]”, “a referida análise custo/benefício foi efectuada e disponibilizada aos interessados juntamente com o caderno de encargos”.
H. As Recorrentes discordam naturalmente deste entendimento do Tribunal a quo: o Tribunal andou bem ao considerar que esta análise custo-benefício é obrigatória, mas errou quando considerou que essa análise poderia ser realizada numa qualquer peça do procedimento (nomeadamente num anexo ao caderno de encargos), ignorando que tal fundamentação se reporta à decisão de contratar (a qual é obviamente precedente da elaboração das peças do procedimento).
I. É, com efeito, a decisão de contratar que carece daquela fundamentação e não revela que noutros documentos (máxime nas peças do concurso, que, atente-se, são sempre elaboradas à posteriori daquela decisão), a entidade adjudicante venha discorrer sobre uma suposta análise de custo-benefício.
J. O Tribunal a quo andou, assim, mal ao aceitar que a exigida análise fosse efectuada e disponibilizada apenas juntamente com o caderno de encargos, na «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» [cfr. ponto T) do probatório];
K. O Tribunal a quo deveria ter considerado que tal análise deveria ter sido efetuada sob a forma de estudo prévio às peças do concurso, devendo estar inclusa na decisão de contratar – por essa razão, a sentença recorrida baseou-se numa errada interpretação e aplicação daquela normal legal.
L. Por outro lado, analisada a «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» também se verifica que não são tratadas todas as alíneas do n.º 3 do artigo 36.º do CCP, pelo que a entender-se que a fundamentação exigida pelo preceito é a que consta de tal documento, a mesma sempre seria manifestamente insuficiente e ditaria, ainda assim, a ilegalidade da decisão de contratar e consequentemente das peças procedimentais, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do CCP.
M. Em segundo lugar, as peças concursais do concurso violam a alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da lei n.º 52/2015.
N. Prevê a alínea c), do artigo 4.º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, que o conteúdo obrigatório do contrato de serviço público deve “estabelecer as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços”.
O. Esses custos podem incluir: os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.
P. No mesmo sentido, prevê a alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho), que do contrato de serviço público devem constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços, nomeadamente, os custos de pessoal, de energia, de gestão, de manutenção e de operação de veículos”.
Q. Porém, o Caderno de Encargos do presente concurso (Doc. n.º 11 junto com a petição inicial das Recorrentes, processo apenso n.º 2019/20.6BEPRT) não contém qualquer disposição relativa às modalidades de repartição de custos relativos à prestação de serviços que constitui o objeto do contrato.
R. Por essa razão, o Caderno de Encargos viola, por omissão, o disposto na alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015.
S. O Tribunal a quo considerou, todavia, que in casu “o preço/a compensação pela obrigação do serviço público à cocontratante está, expressamente, definido na cláusula 42º do caderno de encargos [cfr. ponto R) do probatório] em termos não impugnados por qualquer dos concorrentes, donde decorre que estes, na elaboração das suas propostas, consideraram que os termos em que a respectiva remuneração ali estava prevista eram suficientes para a adequada remuneração dos capitais próprios, não carecendo de qualquer outro elemento relativo à modalidade de repartição de custos” Pág. 93 da sentença recorrida..
T. As Recorrentes não podem concordar com esta interpretação do Tribunal a quo.
U. O artigo 42.º do Caderno de Encargos não prevê nem detalha qualquer repartição de custo ou modalidades de repartição de custos ligados à prestação do serviço; do que ali se cura é exclusivamente da remuneração do cocontratante, como contrapartida pela execução do contrato, identificando a cláusula a fórmula de cálculo dessa remuneração (mensal).
V. Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que “da leitura do caderno de encargos se verifica que a repartição de custos – ainda que não quantificada – se encontra ali realizada”, arremessando um conjunto de cláusulas do caderno de encargos relativas a obrigações do cocontratante.
W. Uma vez mais, andou mal ao Tribunal a quo ao aceitar como bom para o preenchimento do que é exigido na alínea c), do artigo 4.º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) a referência àquelas cláusulas obrigacionais, designadamente as cláusulas 10.º, 20.º e 26.º e assumindo que as obrigações previstas em tais cláusulas não estejam tão-pouco quantificadas.
X. Discordam naturalmente as Recorrentes da interpretação que o Tribunal a quo confere àqueles comandos legais.
Y. Dos custos e modalidades de repartição de custos que ali se cura são, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios; sobre a modalidades de repartição de custos nada é dito no Caderno de Encargos.
Z. O artigo 4.º n.º 1 alínea c) do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, de 23.10 e o artigo 21.º, n.º 1 do Lei n.º 52/2015 são perentórios ao exigirem que do contrato de serviço público devem constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços.
AA. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o Caderno de Encargos não era violador do regime previsto exigido na alínea c), do artigo 4º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do Artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) e que a obrigação aí exigida se encontrava dispersa em várias cláusulas do contrato, ainda que não quantificada, tendo-se por isso baseado a sentença recorrida numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
BB. Em terceiro lugar, as peças concursais são manifestamente ilegais porquanto desconsideram a existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus sars-cov-2 (covid-19).
CC. O Caderno de Encargos e respetivos Anexos (cfr. Doc. n.º 11 da petição inicial das Recorrentes) foram elaborados e aprovados partindo de um modelo de que se manteria estável e regular a procura e, por isso, a oferta associada à prestação do serviço público de transporte de passageiros em cada uma das cinco áreas geográficas que compõem os cinco lotes objeto do concurso aqui em causa; prova disso é o Anexo VII ao Programa do Concurso (Doc. n.º 10 da petição inicial das Recorrentes, processo apenso n.º 2019/20.6BEPRT), que, após insistentes solicitações dos diversos interessados, foi finalmente incluído nas peças do procedimento pela Recorrida, aquando da revisão oficiosa das peças do procedimento realizada em julho de 2020 [cfr. pontos P) e V) do probatório].
DD. Sobre este conspecto, o Tribunal a quo considerou como assente o conteúdo desse anexo VII: “V). O teor do “anexo VII” ao programa de concurso, com a redacção de Julho de 2020, intitulado “Procura”, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 2484 a 2488 do processo administrativo”.
EE. Ora, como resulta do referido Anexo, os elementos em que se alicerça todo o planeamento e o dimensionamento das cinco operações de serviço público aqui em causa nos sete anos de duração e que, portanto, estão na base do Caderno de Encargos, têm por referência os dados de procura e de oferta referente ao último quadrimestre de 2019.
FF. Nos últimos anos e em especial no último quadrimestre de 2019, registaram-se valores estáveis e regulares de diminuição de custos operacionais e de aumento da procura do serviço de transporte rodoviário de passageiros que se vinha verificando por força do aumento dos preços dos combustíveis rodoviários e de aquisição de automóvel por parte dos particulares, da aposta pública de diminuição de faixas de trânsito e do estacionamento disponível nos centros urbanos, da política de mobilidade sustentável e, bem assim, do crescimento exponencial do turismo nos centros urbanos.
GG. É manifesto que é no modelo constante dos anexos I e VII que assenta e se alicerça o Caderno de Encargos e, consequentemente, todo o regime contratual definido para o período de duração de sete anos, muito em especial o regime remuneratório.
HH. Acontece que, a Pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 veio alterar, significativa e profundamente, o planeamento e o dimensionamento da operação de serviço público aqui em causa e, muito em especial, o regime remuneratório definido que foi flagrantemente afetado.
II. Esta circunstância foi categoricamente ignorada e totalmente desconsiderada pela Recorrida e pelo Tribunal a quo; efetivamente, a AMP não introduziu qualquer alteração nas peças do concurso no sentido de acautelar ou mitigar contratualmente este evento disruptor.
JJ. Para isso alertaram as Recorrentes o Tribunal a quo, requerendo que este declarasse a ilegalidade das peças procedimentais (na versão de julho 2020), por desconsideração das circunstâncias supervenientes; e pugnaram por uma decisão de não adjudicação à luz do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP.
KK. Sobre este conspecto começou o Tribunal a quo por considerar que era “notório que a pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 impactou, profundamente, na vida das pessoas e nos seus hábitos, designadamente, no tocante à utilização dos meios de transporte colectivos”; todavia, num sopro, concluiu que resultava “da factualidade assente [cfr. ponto AB) do probatório] que estas circunstâncias e o seu impacto na execução do programa a concurso foram devidamente consideradas e ponderadas, designadamente quanto à manutenção das peças procedimentais e, também, relativamente à subsistência do próprio procedimento concursal Pág. 66 da sentença recorrida.; e, fundando-se na discricionariedade que assiste às entidades adjudicantes na elaboração das peças concursais, o Tribunal a quo acabou por julgar “in casu devidamente fundadas, não padecendo de qualquer erro grosseiro que sustente a sua sindicância jurisdicional, as razões constantes do memorando de 20.06.2020, e bastantes para que se considere ter existido uma adequada ponderação da alegada “alteração superveniente das circunstâncias”, concluindo-se pela ausência de impacto relevante na tramitação do presente procedimento contratual Idem., pelo que, conclui o Tribunal a quo, “por carecer de suporte fundamentação fáctico-legal, improcede a alegação vertida a este propósito Ibidem..
LL. As Recorrentes discordam frontalmente desta decisão do Tribunal.
MM. A factualidade assente relativa ao conteúdo dos documentos conformadores do procedimento e todos os factos carreados para os autos pelas Recorrentes (e por outros Autores e Contrainteressados), assim como todos os factos notórios, de todos conhecidos, que não carecem de alegação ou de prova, impunham decisão diversa ao Tribunal a quo; e nem a discricionariedade administrativa a que alude o Tribunal a quo é suficiente para legitimar a apreciação levada a cabo pelo Tribunal a quo.
NN. Primeiro, deve deter-se que na factualidade assente o Tribunal a quo deu por assente e aí reproduzido o conteúdo dos documentos concursais;
OO. Depois, no ponto AB) o Tribunal a quo deu como provado que, com data de 20.06.2020, os serviços da R. AMP elaboraram documento denominando ¯ MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP” (Doc. n.º 1 junto com a contestação da Recorrida), cujo teor deu aí por integralmente por reproduzido. Desse documento consta, além do mais, o seguinte: “O impacto da pandemia no TP decorreu da quebra quase total na procura durante o período de confinamento. Apesar de se verificar a subida gradual do número de passageiros com o desconfinamento, esta ainda está longe dos valores normais. (…) “… há alguns fatores que indiciam que o nível de procura existente antes da pandemia poderá ser difícil de atingir, dos quais destacamos: um maior nível de desemprego, maior utilização do teletrabalho mesmo em situação normal, receio de utilização do TP e preferência pelo transporte individual (TI)” (…) (sublinhados das Recorrentes).
PP. Sobre a declaração da pandemia, dos estados de emergência, de calamidade e novamente de estado de emergência, os impactos da mesma no transporte público, designadamente, a redução drástica da procura, a alteração dos padrões de mobilidade, a acentuada quebra do turismo, associados à implementação de normas adicionais de limpeza e de número máximo de pessoas transportadas, assim como a notória dificuldade da recuperação do sistema nada ficou vertido no segmento fáctico jurídico.
QQ. A este respeito veja-se que o Tribunal não levou em consideração, como se impunha, nenhum destes factos, que são do conhecimento geral, não careciam de prova e deviam ter sido ponderados e considerados pelo Tribunal a quo na sua decisão.
RR. Com efeito, sempre deverá ter-se os mesmos como factos notórios, do conhecimento geral, não carecendo, por isso, de alegação ou de prova, à luz do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c), primeira parte, e 412.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.º do CPTA).
SS. Impendia sobre o Tribunal a quo o dever de considerar tais factos na sua decisão, paralelamente à consideração daquele “MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP”.
TT. Recorde-se que, em consequência da Pandemia Covid-19, houve uma redução drástica do número de passageiros transportados, registando-se uma alteração profunda dos padrões de mobilidade associados a um conjunto de fatores tão distintos como o aumento do desemprego, a acentuada quebra no turismo, o receio natural na utilização de transportes públicos, dinamização de meios alternativos de transporte individual (como trotinete, bicicletas, táxis ou tvde), a inexistência da totalidade de aulas presenciais (sobretudo nos planos universitários e técnico), o cancelamento de festivais, de eventos culturais e musicais, encerramento de serviços públicos e de locais de atendimento ao público e, inclusivamente, a opção pelo teletrabalho pela quase totalidade das entidades empregadoras, com profundo impacto no perfil da mobilidade antes da Pandemia.
UU. Tudo condições supervenientes ao lançamento do procedimento pré-contratual aqui em causa e que não foram equacionadas durante a elaboração e aprovação das peças ou durante o procedimento e, bem se vê, impactam significativa e decisivamente na execução dos contratos de serviço público a outorgar.
VV. Torna-se claro, portanto, o impacto altamente significativo disruptivo da Pandemia Covid-19 no âmbito do presente procedimento e que, por isso, determina obrigação de rever e alterar as peças do procedimento.
WW. Conclui-se que andou mal o Tribunal a quo por não ter tido em consideração na sua ponderação e apreciação da prova, enquanto factos notórios, para prolação da sua decisão e depois por ter, a coberto de uma suposta discricionariedade administrativa que assiste às entidades adjudicantes na elaboração das peças concursais, julgado devidamente fundadas, por não padecerem de “qualquer erro grosseiro que sustente a sua sindicância jurisdicional”, as razões constantes do memorando de 20.06.2020 (Doc. n.º 1 junto com a contestação da Recorrida), “e bastantes para que se considere ter existido uma adequada ponderação da alegada “alteração superveniente das circunstâncias”, concluindo, num sopro, “pela ausência de impacto relevante na tramitação do presente procedimento contratual”.
XX. Ora, se tivesse o Tribunal a quo na sua apreciação dos factos levado em consideração os factos notórios descritos supra, certamente que concluiria que a conclusão vertida naquele memorando de 20.06.2020 carecia de fundamento e era ostensivamente irrazoável e desproporcional face à realidade conhecida, não servindo como tábua de salvação qualquer discricionariedade das entidades adjudicantes.
YY. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou também mal na sua decisão, porquanto deveria ter considerado na sua ponderação e decisão os factos referidos, os quais deveriam ter influenciado a sua apreciação e tê-lo conduzido a declarar o impacto relevante da pandemia na tramitação do presente procedimento concursal e, em consequência, deveria o Tribunal a quo ter declarado a necessidade de alteração profunda das peças do concurso, o que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, sempre implicaria uma decisão de não adjudicação do presente procedimento.
ZZ. A sentença recorrida baseou-se assim numa errónea apreciação de factos que são do conhecimento geral e numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
AAA. Em quarto lugar, as peças do concurso violam regime das parcerias público-privadas.
BBB. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 111/2012, “entende-se por parceria público-privada, abreviadamente designada por parceria, o contrato ou a união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”.
CCC. Ora, tendo em conta a referida definição – e ainda o disposto nos n.º s 2 e 4 da mesma norma –, não pode senão concluir-se que os contratos a celebrar na sequência do presente procedimento são parcerias público-privadas, na medida em que as entidades privadas (os operadores de transportes adjudicatários) se obrigam perante o parceiro público (a AMP), de forma duradoura, por um período fixo de 7 anos, a assegurar o serviço de transporte de passageiros por autocarro na área metropolitana do Porto, designadamente a operação e a manutenção dos bens afetos ao serviço público contratado, assumindo em parte o risco associado à atividade.
DDD. Sobre este conspecto entendeu erradamente o Tribunal a quo o regime constante do Decreto-Lei n.º 111/2012 não era aplicável na situação em apreço - ad Recorrentes discordam naturalmente deste entendimento do Tribunal.
EEE. Em primeiro lugar, veja-se que o cocontratante, nos termos dos n.º s 2 e 3 das Cláusulas 10.ª e das Cláusulas 17.ª, 18.ª e 38.ª do Caderno de Encargos (cfr. Doc. n.º 11 junto com a petição inicial das Recorrentes), se obriga a disponibilizar todos os bens que se mostrem necessários ou convenientes à boa prossecução das atividades compreendidas no contrato, nomeadamente, o material circulante, o sistema de bilhética e o equipamento para transmissão da operação da operação em tempo real, sendo inteiramente responsável pela gestão da operação (cfr. Cláusula 12.ª do Caderno de Encargos).
FFF. Das disposições do Caderno de Encargos acima citadas resulta, portanto, com evidência, que os contratos a celebrar entre a AMP e os adjudicatários dos lotes em concurso são configuráveis como parcerias público-privadas e, sendo assim, só pode concluir-se que o procedimento de formação aqui em causa estava adstrito ao cumprimento do regime das parcerias previsto no Decreto-Lei n.º 111/2012.
GGG. Ora, acontece que a AMP, na elaboração das peças do procedimento aqui em causa, manifestamente não se ateve às normas imperativas do regime do Decreto-Lei n.º 111/2012, aplicáveis a todas as parcerias público-privadas.
HHH. Conclui-se, portanto, no sentido da violação do princípio da legalidade, consubstanciado na omissão do cumprimento do regime imperativo do Decreto-Lei n.º 111/2012, o que determina a ilegalidade em bloco das peças do procedimento de contratação aqui em causa, pelo que o Tribunal a quo andou também mal na sua decisão, tendo baseado a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação daquele regime legal, máxime dos artigos 2.º e 9.º a 14.º
III. Em quinto lugar, as peças concursais também violam a teleologia da “divisão em lotes” do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 deste preceito legal e do princípio da concorrência
JJJ. De acordo com os artigos 1.º e 15.º do Programa do Concurso (Doc. n.º 10 da petição inicial das Recorrentes), está em causa um procedimento pré-contratual com adjudicação por lotes, o que significa que a Recorrida lançou mão do instituto previsto no artigo 46.º-A do CCP, tendo dividido o quid submetido à concorrência de forma a possibilitar que, sobre cada uma das partes desse objeto, recaísse uma adjudicação autónoma.
KKK. Como é sabido, a divisão do contrato em lotes – que foi consagrada por transposição do artigo 46.º da Diretiva 2014/24/UE – tem um objetivo claro devidamente enunciado: o acesso direto das pequenas e médias empresas (PME) aos contratos públicos e, por esta via, aumentar a concorrência.
LLL. Nesse sentido, veja-se o considerando (78) da Diretiva 2014/24/UE que prevê que "os contratos públicos deverão ser adaptados às necessidades das PME" e que a "divisão poderá ser feita numa base quantitativa, adaptando melhor a dimensão dos contratos individuais à capacidade das PME, ou numa base qualitativa, em função dos diferentes setores comerciais e de especializações envolvidos, adaptando mais estreitamente o conteúdo dos contratos individuais aos setores especializados de PME e/ou em função das diferentes fases subsequentes do projeto".
MMM. No quadro nacional, apesar de não ser imposta a obrigação de divisão do contrato em lotes, torna-se claro que, havendo recurso a essa divisão do objeto de um contrato, o critério utilizado para a divisão deve estar em linha com a teleologia do instituto jurídico aqui em causa.
NNN. Ora, no caso do procedimento em causa, constata-se que a divisão em lotes não logrou minimamente o objetivo que se propunha alcançar, já que não estava adaptada às necessidades de operadores de transporte de menor dimensão – nem, de resto, permitiu o acesso destes ao concurso.
OOO. Na verdade, a divisão por lotes operada pela Recorrida corresponde à agregação da prestação de serviços de transporte de passageiros de 17 Municípios em apenas cinco lotes, pelo que as cinco áreas geográficas a adjudicar correspondem a áreas muito superiores, em dimensão, às áreas em que são atualmente prestados os serviços de transporte rodoviário de passageiros; o que corresponde, inversamente ao pretendido, a uma agregação ou aglutinação de 17 contratos de serviço público em 5 contratos – e viola flagrantemente o instituto da divisão em lotes atenta a teleologia que lhe subjaz.
PPP. Em suma, a configuração dos cinco lotes em que foi dividido o objeto do contrato a adjudicar, nos termos em que foi feita, corresponde verdadeiramente a uma agregação de 17 diferentes sistemas de transporte rodoviários atualmente existentes e, por isso, teve como consequência o afastamento de operadores de transporte público de menor dimensão, em sentido diametralmente oposto, portanto, ao objetivo declarado e reconhecido pelo Legislador Europeu e devidamente preconizado no artigo 46.º da Diretiva 2014/24/UE e no artigo 46.º-A do CCP.
QQQ. Sobre este conspecto, conclui o Tribunal a quo que a divisão em lotes operada – nos termos em que o foi – e a limitação da adjudicação a um lote (em regra) não viola o disposto no artigo 46º-A do CCP, nem o princípio da concorrência, em todas as suas vertentes, incluindo o da liberdade de circulação - não podem senão as Recorrentes discordar do Tribunal a quo.
RRR. É evidente que o n.º 1 do artigo 1.º do Programa do Concurso (Doc. n.º 10 da petição inicial das Recorrentes) é manifestamente ilegal por violação da teleologia da divisão em lotes constante do artigo 46.º-A do CCP (por referência para o que se encontra previsto na norma correspondente da Diretiva 2014/24/UE), pelos motivos supra expostos.
SSS. É manifesto, pois, que a divisão operada não facilita, antes dificulta, aliás seriamente, o acesso das PME’S aos contratos públicos a celebrar.
TTT. O presente concurso está pois, clara e ostensivamente – e agora com o crivo do Tribunal a quo –, em contramão daquela que é a intenção clara de promoção do instrumento da divisão em lotes como objetivo de incentivar o acesso das PME’S aos contratos públicos.
UUU. Com efeito, conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que aquela norma não violava a teleologia subjacente ao artigo 46.º-A do CCP, tendo-se baseado a sentença recorrida numa errónea incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
VVV. Acresce que, conforme se referiu acima, o presente concurso foi dividido em cinco lotes nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do respetivo Programa, apesar de cada concorrente poder apresentar proposta para todos ou só algum (ns) desses lotes, ficou definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso que a cada concorrente só poderia ser adjudicado um único lote.
WWW. Ora, como decorre do que vem dito, esta limitação é manifestamente ilegal: é verdade que o n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP prevê que a entidade adjudicante pode limitar o número máximo de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente (o que deverá constar do programa do procedimento), mas isso não significa que se possa chegar ao ponto de, nesse caso, se limitar a adjudicação a um único lote; na verdade, a limitação do número de lotes a adjudicar a um determinado concorrente constitui inequivocamente uma limitação do princípio da concorrência; ao proceder à redução daquele benefício económico a que qualquer concorrente poderia aspirar, a entidade adjudicante limita desde logo o universo dos potenciais interessados e reduz o interesse que aqueles poderiam ter na participação do procedimento (o que implicará, evidentemente, a obtenção de piores propostas) e levará inevitavelmente a um prejuízo para o interesse público, porque permitirá a adjudicação a propostas que não eram as propostas economicamente mais vantajosas de acordo com os critérios de adjudicação fixados, como também é claramente lesiva de todos aqueles interessados que, por serem mais competitivos e capazes de formular as melhores propostas ao conjunto dos diversos lotes, legitimamente aspiravam ao benefício económico associado ao contrato submetido ao procedimento, resultando assim numa clara restrição da concorrência - pelo que deveria ter sido pelo Tribunal a quo declarada ilegal a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso.
XXX. O mesmo acontece com a alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso: nos termos da referida norma, relativamente aos cinco lotes em concurso só pode ser adjudicada uma proposta de entre aquelas que sejam “apresentadas por concorrentes que sejam sociedades comerciais que estejam entre si em relação de domínio ou de grupo ou que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo com uma mesma entidade”.
YYY. Ou seja, na prática, se duas empresas que façam parte do mesmo grupo económico – e que são empresas completamente distintas – forem adjudicatárias de dois dos lotes postos a concurso, só uma delas poderá celebrar contrato para um único lote, de acordo com as regras estabelecidas no n.º 4 do artigo 15.º do Programa.
ZZZ. Ora, também a referida limitação não é admissível à luz dos princípios gerais da contratação pública e do disposto no artigo 46.º-A do CCP.
AAAA. Com efeito, o que a entidade adjudicante pode fazer, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP, é limitar – dentro de certos parâmetros – o número de lotes a adjudicar ao mesmo concorrente.
BBBB. Conclui-se, assim, que andou igualmente mal o Tribunal a quo ao não declarar a ilegalidade da referida limitação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso, tendo baseado também aqui a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação do artigo 46º-A, n.º 4 do CCP e do princípio da concorrência.
CCCC. Em sexto lugar, o artigo 21.º do programa do concurso é ilegal por violação do CCP, do regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do regime das PPP.
DDDD. Dispõe o artigo 21.º do programa de concurso (Doc. n.º 10 da petição inicial das Recorrentes), sob a epígrafe “Novos serviços”, que “Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, desde já se indica a possibilidade de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços que consista na repetição de serviços similares ao objeto do presente concurso público”.
EEEE. Ora, o Programa do presente Concurso prevê, no respetivo artigo 21.º, a possibilidade – nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) – de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços similares ao objeto do presente contrato.
FFFF. Da referida norma concursal decorre que a Recorrida, terminado o contrato no fim dos 7 anos previstos no Caderno de Encargos, poderia contratar com o adjudicatário uma extensão do mesmo por mais 7 anos por ajuste direto, sem recurso a um procedimento concorrencial.
GGGG. Defenderam, assim, as Recorrentes perante o Tribunal a quo a ilegalidade daquela norma concursal, que, em seu entender, não poderá aplicar-se no caso concreto.
HHHH. Sobre este conspecto, esclareceram as Recorrentes que a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – que transpõe a correspondente norma do n.º 5 do artigo 32.º da Diretiva 2014/24/UE – tem em vista a adjudicação de meros contratos de prestação de serviços não duradouros, com prazos máximos de 3 anos, em que precisamente se permite uma adjudicação ao mesmo prestador desde que o procedimento concorrencial tenha ocorrido há menos de três anos e que essa possibilidade tenha sido anunciada nas peças desse procedimento concorrencial anterior.
IIII. Não é esse o caso do concurso aqui sindicado, em que está em causa uma concessão (ou prestação) de uma atividade de serviço público que tem carácter duradouro, contratação que não pode subsumir-se no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – por não preenchimento dos respetivos requisitos cumulativos – e que, portanto, não é aplicável no caso.
JJJJ. E, sendo assim – como é – a norma do Programa do Concurso em causa viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
KKKK. Acontece, porém, que sobre este conspecto o Tribunal a quo entendeu, tendo presente que o artigo 21º do programa de concurso refere expressamente “nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, (…)”, é patente que a norma em apreço se refere a uma possibilidade - que se anuncia, nos termos e para os efeitos do artigo 27º n.1 alínea a)” (…), “inexistindo, portanto, qualquer violação do disposto no artigo 20º e 21º do CCP, já que estamos perante um “aviso” relativamente a uma faculdade de recurso ao ajuste directo prevista na lei” (sublinhado das Recorrentes).
LLLL. Discordam naturalmente as Recorrentes do entendimento e interpretação que o Tribunal a quo fez quer do artigo 21.º do Programa do Procedimento como dos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
MMMM. Como referido, a norma do Programa do Concurso em causa viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP, e que no caso, em função do valor do contrato, impõem a adoção, em alternativa, de um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicação de anúncio no JOUE e não permite, por isso, o recurso ao ajuste direto.
NNNN. De resto, a mencionada norma do Programa também não está de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros.
OOOO. É que, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento, a duração dos contratos de serviço público é limitada e não pode ser superior a dez anos para os serviços de autocarro.
PPPP. No caso em apreço, tendo o contrato inicial a duração de sete anos, a adjudicação (renovação do contrato) por ajuste direto por igual período, sempre violaria a limitação prevista no mencionado Regulamento (CE) n.º 1370/2007.
QQQQ. Sobre este conspecto também andou mal o Tribunal a quo ao considerar que “é irrelevante para a escolha do procedimento a adoptar a estipulação do n.3 do artigo 4º do mencionando Regulamento (CE), quanto ao prazo de duração de contratos públicos previsto”, defendendo que “inexistindo na norma do programa de concurso em apreço qualquer estipulação de prazo, a legalidade relativa ao prazo de duração do contrato a celebrar por ajuste directo haverá de ser observada e aferida, no caso de, verificados os demais requisitos legais, existir – de facto – um ajuste directo”.
RRRR. Efetivamente, a norma concursal tal como está definida é manifestamente ilegal e viola ostensivamente tanto o CCP como o n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento.
SSSS. Em todo o caso, a aplicação do disposto na referida norma do artigo 21.º do Programa do Concurso sempre consubstanciaria também uma violação do regime das PPP, nos termos assinalados supra e para onde se remete.
TTTT. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o artigo 21.º do programa do concurso não viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP, o n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e o regime das PPP, tendo baseado a sentença recorrida numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais citadas.
UUUU. Em sétimo lugar, a cláusula 26.º do caderno de encargos relativa aos trabalhadores é manifestamente ilegal.
VVVV. A cláusula 26.ª do Caderno de Encargos (Doc. n.º 11 da petição inicial das Recorrentes) insere-se sistematicamente no Capítulo VI, intitulado de “Recursos Humanos”, sob a epígrafe “estrutura de recursos humanos” e trata, entre outros aspetos, de uma matéria de extrema relevância jurídica e social: a (obrigatoriedade) da transmissão dos trabalhadores por força da transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica.
WWWW. Do n.º 2 da Cláusula 26.ª do Caderno de Encargos resulta que o cocontratante deve respeitar integralmente a obrigação de suceder na posição contratual de empregador relativamente aos trabalhadores do operador atual, no caso de essa obrigação ser imposta pelos instrumentos de contratação coletiva aplicáveis, pelo regime jurídico aplicável ao caso de transmissão de unidade económica e pelos artigos 285.º e segs. do Código do Trabalho.
XXXX. Acresce que, como resulta em particular dos n.º s, 3, 6, 7, 8 e 9 da mesma Cláusula do Caderno de Encargos, o adjudicatário será também obrigado a contratar os trabalhadores do operador atual, no caso de necessidade de contratação de recursos humanos para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, no período de transição e durante o primeiro ano contratual.
YYYY. Daqui resulta que foi opção da Recorrida, quanto a esta temática o que segue: (i) na versão revista e final do Caderno de Encargos foi opção da Recorrida inserir no n.º 2 da Cláusula 26.ª a mera possibilidade de ter de existir no Concurso uma transmissão dos contratos de trabalho, por sucessão, entre o cocontratante e o incumbente do serviço público; (ii) trata-se, efetivamente, de uma cláusula neutra, que se limita, sem mais, a remeter para o regime legal aplicável; (iii) nos números que lhe seguem, a Recorrida decidiu considerar um cenário hipotético da existência de casos em que o novo incumbente do serviço público não estaria vinculado àquele regime da transmissão e assim prever um regime de preferência pelos trabalhadores antigos; (iv) tal significa que depende do concorrente e incumbente considerar ou não estar na presença de uma verdadeira transmissão de estabelecimento ou de empresa ou de unidade económica; (v) tal significa também que a Recorrida se auto-desresponsabiliza desta matéria, deixando o seu (in)cumprimento nas mãos dos operadores privados, com quem aquela pretende contratar e (vi) por fim, nenhuma informação sobre os trabalhadores afetos aos atuais operadores (como por exemplo, remuneração, antiguidade, categoria, etc.) foi incluída nas peças do concurso, designadamente no Programa de Concurso ou no Caderno de Encargos (Docs. n.ºs 10 e 11 juntos na petição inicial das Recorrentes).
ZZZZ. E foi precisamente contra estas opções que as Recorrentes se insurgiram, requerendo ao Tribunal a quo que declarasse a ilegalidade da referida cláusula, por entenderem que a redação da mesma violava, por um lado, (i) os princípios da transparência, igualdade e concorrência (previstos no artigo 1.º-A do CCP) e, por outro (ii) a obrigação de disponibilização de informações relativas aos trabalhadores que seriam objeto de transmissão (cf. n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007).
AAAAA. Sobre este conspecto entendeu o Tribunal a quo, primeiro que (i) não existe no concurso a imposição pela Recorrida aos concorrentes da obrigação de sucessão na posição contratual de empregador, pelo que, por essa razão, a Recorrida não está adstrita à obrigação prevista no n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) N.º 1370/2007 de disponibilização de informações relativas aos trabalhadores,
BBBBB. E, depois que (ii) “a remissão para os institutos jurídicos e respectivos regimes, constante da cláusula 26º n.2 torna acessível e evidente a qualquer interessada em participar no presente procedimento concursal as obrigações que sobre si impendem, se se verificarem os critérios de transmissão de empresa e estabelecimento”, pelo que inexiste por isso qualquer violação dos princípios da transparência, igualdade e concorrência (previstos no artigo 1.º-A do CCP)
CCCCC. Ora, as Recorrentes discordam frontalmente deste entendimento do Tribunal a quo.
DDDDD. Consideram as Recorrentes que o Tribunal a quo baseou a sentença numa correta interpretação da cláusula 26.ª do Caderno de Encargos e bem assim do regime legal aplicável. Primeiro, o n.º 2 da cláusula 26.ª, com a redação que a Recorrida lhe conferiu não passa de uma norma neutra, de pura remissão para o regime legal aplicável.
EEEEE. Significa isso que a Recorrida não cuidou de salvaguardar no caderno de encargos a obrigatoriedade da transmissão dos trabalhadores, bem sabendo que in casu tal regime é aplicável – bem sabendo porque foi a Recorrida que desenhou a obrigação a executar, portanto, melhor que ninguém, sabe do que se trata.
FFFFF. Deveria por isso a Recorrida, em nome dos princípios da transparência, igualdade e concorrência (previstos no artigo 1.º-A do CCP), e bem assim da sua obrigação de fazer cumprir normas laborais aplicáveis tanto na formação como na execução do contrato (artigo 1.º-A, n.º 2 do CCP) ter previsto a obrigação de sucessão na posição de empregador ao invés de lançar os trabalhadores atuais para uma incerteza.
GGGGG. Com efeito, deveria o Tribunal a quo desde logo ter reconhecido e julgado a ilegalidade daquele n.º 2 da cláusula 26.ª e ter exigido da Recorrida que o seu Caderno de Encargos fosse claro e isento de dúvidas.
HHHHH. Por outro lado, andou igualmente mal o Tribunal a quo quando julgou que nos n.ºs 3 e seguintes da cláusula 26.ª, nomeadamente nos n.ºs 3 a 9, a Recorrida não impunha nenhuma obrigação de sucessão para daí concluir que, por esse facto, não estava adstrita à obrigação de fornecimento de informação relativa aos trabalhadores.
IIIII. Ora, como resulta em particular dos n.º s, 3, 6, 7, 8 e 9, da mesma Cláusula do Caderno de Encargos, o adjudicatário será também obrigado a contratar os trabalhadores do operador atual, no caso de necessidade de contratação de recursos humanos para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, no período de transição e durante o primeiro ano contratual.
JJJJJ. Isso mesmo resulta claro, também da resposta dada em sede de esclarecimentos (ver resposta 3 ao pedido de esclarecimento n.º 29 do Doc. n.º 4 junto com p.i., dado no âmbito do anterior n.º 2 da Cláusula e cujo conteúdo entretanto passou parcialmente para o novo n.º 3), onde, a propósito, se esclarece que tal cláusula “estabelece que a obrigação de contratação de trabalhadores dos atuais operadores se limita aos recursos humanos que sejam necessários para assegurar uma estrutura de recursos humanos que dê cumprimento à obrigações emergentes do Contrato, devendo ser assegurados aos trabalhadores que assim sejam contratados os direitos e garantias de que eram titulares no âmbito da anterior relação laboral” (sublinhado das Recorrentes).
KKKKK. Acontece que a referida informação era absolutamente vital para efeitos de elaboração de uma proposta séria e razoável em termos de recursos humanos, e, mais, não poderia deixar de ter que ser fornecida nas peças do procedimento,
LLLLL. Impõem-no também os princípios gerais da contratação pública previstos no artigo 1.º-A do CCP, nomeadamente, os princípios da transparência, e da concorrência e bem assim o n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) N.º 1370/2007.
MMMMM. Por isso, ainda que hipoteticamente se colocasse a hipótese de não existir obrigação legal de transmissão – que evidentemente há! – os novos operadores, e neste conspecto claramente por imposição da Recorrida, sempre estariam obrigados a dar cumprimento aos n.ºs 3 a 9 daquela cláusula, que preveem um regime de preferência dos trabalhadores antigos –, pelo que, o fornecimento no concurso dos dados sobre os trabalhadores era, também neste cenário, obrigatório, à luz da obrigação de fornecimento da referida informação que decorre de forma clara do n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) N.º 1370/2007.
NNNNN. Conforme se prescreve na referida norma, “sempre que as autoridades competentes exijam dos operadores de serviço público o cumprimento de determinados padrões sociais, os documentos relativos aos concursos e os contratos de serviço público devem incluir uma lista dos membros do pessoal em causa e fornecer informações transparentes relativas aos seus direitos contratuais e às condições nas quais os trabalhadores são considerados vinculados aos serviços”.
OOOOO. Ora, é este também manifestamente o caso do concurso sub judice (pelo menos nos n.ºs 3 a 9 daquela cláusula) em que o adjudicatário, caso necessite de pessoal para dar cumprimento às obrigações contratuais, se vê obrigado pela Recorrida a contratar, em determinadas condições, os recursos humanos pertencentes aos atuais operadores do serviço público.
PPPPP. Por uma razão ou outra, aquela cláusula 26.ª do Caderno de Encargos é efetivamente ilegal e assim deveria ter sigo julgado pelo Tribunal a quo.
QQQQQ. Conclui-se, assim, pela ilegalidade do Caderno de Encargos, em especial, da respetiva Cláusula 26.ª, por falta de disponibilização da informação relativa aos recursos humanos dos atuais operadores do serviço público, em clara violação dos princípios da transparência, igualdade e concorrência e da obrigação prevista naquele n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) N.º 1370/2007.
RRRRR. O Tribunal a quo andou mal ao considerar legal a disposição 26.ª do Caderno de Encargos, porquanto baseou-se, numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
Nestes termos e nos demais de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as legais consequências, com o que fará este Venerando Tribunal inteira e sã,
JUSTIÇA
1.4. “EMPRESA DE TRANSPORTES (...), LDA”, “ A., LDA” E “V., TRANSPORTES RODOVIÁRIOS, S.A.” designadas como as “AA. G.”, inconformadas com a sentença proferida interpuseram o presente recurso de apelação em que formulam as seguintes CONCLUSÕES:
«
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente as seguintes invalidades assacadas pelas Recorrentes (e outros concorrentes) às peças procedimentais no âmbito do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto” e, em consequência, absolveu parcialmente a aqui Recorrida, do pedido de declaração de:
a. Violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento;
b. Violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”);
c. Desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19);
d. Incumprimento do Regime das Parcerias Público-Privadas (“PPP”);
e. Violação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência;
f. Ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP;
g. Violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015, e
h. Ilegalidade da Cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, por violação do regime legal aplicável e pela violação decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
B. As Recorrentes não se conformam com o decidido na sentença recorrida, porquanto entendem que a mesma padece de uma errónea qualificação dos factos, nuns casos, e de uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais, noutros casos.
C. No que concerne à ilegalidade identificada em A.a.A violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento”. é entendimento das Autoras que as peças do procedimento concursal em apreço violam a alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da AMT e o n.º 5 do artigo 36.º do CCP, por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento.
D. Assim é, porquanto, a alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, determina que compete à AMT “emitir parecer prévio vinculativo sobre as peças do procedimento de formação de contratos de concessão ou de prestação de serviços públicos nos setores regulados (…)” (sublinhado das Recorrentes).
E. Acontece que, já no decurso do procedimento, as peças concursais foram revistas pela Recorrida, por duas vezes (!), não tendo, num caso, enviado tal revisão para emissão de parecer prévio e vinculativo da AMT e, noutro caso (que corresponde à última versão das peças) enviado as peças revistas só depois de as ter publicitado na plataforma para conhecimento dos concorrentes e ter conferido prorrogação de prazo para apresentação de propostas [ponto A), I), J), K), L), M), N), P), Q), R), Y) da factualidade assente];
F. Com efeito, só mais tarde, já em 30.07.2020, e, portanto, já durante o curso do prazo de apresentação das propostas que teriam por base as peças revistas oficiosamente, é que a Recorrida procedeu ao envio das peças revistas – entenda-se, apenas desta última versão – à AMT [ponto Z) da factualidade assente].
G. A AMT acabou (por sorte…) por confirmar que as alterações efetuadas às peças procedimentais não alteravam o sentido do Parecer emitido anteriormente, em 09.01.2020 [ponto Z) da factualidade assente], o que, note-se, poderia muito bem não ter acontecido… e nesse caso já todos os concorrentes estariam a laborar em erro na elaboração das suas propostas….
H. Ora, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que do normativo da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da AMT resulta “ser obrigatória a obtenção de parecer relativo a alterações contratuais – sem distinção quanto à substancialidade, ou não, das mesmas – pelo que, o Tribunal julga que, relativamente às alterações das peças procedimentais é, também, obrigatória a obtenção de parecer Cf. pág. 59 da sentença recorrida.; todavia, entendeu o mesmo Tribunal que tendo as alterações ocorrido já no decurso do procedimento concursal “o referido parecer não será prévio, mas meramente vinculativo”;
I. As Recorrentes discordam frontalmente de tal entendimento do Tribunal a quo, que assenta numa errada apreciação, interpretação e aplicação jurídica daquele normativo.
J. Como é evidente, preceitua o Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, na alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º o seguinte: “No exercício dos poderes de regulação compete, em especial, à AMT: (…) b) Emitir parecer prévio vinculativo sobre peças de procedimento de formação dos contratos de concessão ou de prestação de serviços públicos nos setores regulados, ou sobre alterações promovidas aos contratos em vigor;
K. As condições exigidas neste comando legal são claras e expressas: o parecer a emitir pela AMT é, em qualquer caso – entenda-se antes ou depois da abertura do procedimento – prévio e vinculativo, pelo que não podia o Tribunal a quo interpretar como interpretou aquela norma;
L. Efetivamente, mesmo após o início do procedimento concursal, caso se verifiquem alterações às peças concursais, as entidades adjudicantes estão obrigadas a solicitar à entidade competente a emissão de parecer, prévio e vinculativo, sobre as peças concursais e/ou sobre as alterações introduzidas; em qualquer caso, sempre antes de as divulgarem e notificarem aos interessados,
M. Até e sobretudo porque o parecer da AMT poderia condicionar o procedimento; basta pensar-se que se a AMT não validasse as alterações, os interessados e concorrentes teriam estado a laborar numa proposta que teriam, posteriormente, de alterar, com todos os gastos envolvidos nessa circunstância, ou, pior, nem poderiam apresentar, dependendo do sentido do parecer da AMT;
N. Estava por isso a Recorrida vinculada a recolher o parecer prévio da AMT e não o tendo feito violou o disposto naquela alínea b) do n.º 2 do artigo 34. dos Estatutos da AMT;
O. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que a obtenção de parecer da AMT no que toca à alteração das peças concursais em procedimentos em curso não é prévia à sua publicitação no âmbito do procedimento concursal, tendo-se baseado, neste conspecto, a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação daquela normal legal.
P. Acresce que, para além de não ter sujeitado as alterações das peças (tanto as de março, como as de julho) a parecer prévio da AMT, a Recorrida não deu a conhecer aos interessados e concorrentes o conteúdo do parecer da AMT, aliás, nem do parecer inicial, proferido em janeiro de 2020, nem da confirmação de parecer após as alterações efetuadas, em setembro de 2020, como estava obrigada pelo disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CCP, que determina que “as peças do procedimento devem identificar todos os pareceres prévios, licenciamentos e autorizações necessárias que possam condicionar o procedimento e a execução do contrato”;
Q. Sobre este conspecto, entendeu o Tribunal a quo que, em termos literais, “o que lá se diz [entenda-se, naquele n.º 5 do artigo 36.º] é que as peças do procedimento devem “identificar” atos jurídicos “que possam condicionar o procedimento e a execução do contrato”” Cf. págs. 60 e 61 da sentença recorrida..
R. In casu, o Tribunal a quo atendo-se a uma interpretação literal do normativo indicado, julgou que a menção da existência/obtenção do parecer prévio vinculativo a que se refere o artigo 34.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, era suficiente para a formulação de um juízo de legalidade de acordo com o citado normativo.
S. As Recorrentes não podem concordar com a interpretação e aplicação daquela normal legal pelo Tribunal a quo; primeiro, porque não deveria o Tribunal a quo ater-se a uma interpretação meramente literal e diminuída do sentido daquele preceito legal; segundo, porque, ainda que se louvasse uma interpretação literal, deveria o Tribunal a quo ter analisado de que forma foi feita tal menção da existência/obtenção do parecer prévio vinculativo nas peças procedimentais.
T. Quanto à interpretação do preceito, entendem as Recorrentes que resulta do n.º 5 do artigo 36.º do CCP não apenas uma obrigação de identificação nas peças do concurso de todos “os pareceres prévios, licenciamentos e autorizações necessárias que possam condicionar o procedimento e a execução do contrato”, mas também uma obrigação de divulgação do seu conteúdo aos interessados, pelo que o novo n.º 5 do artigo 36.º do CCP impõe às entidades adjudicantes a divulgação dos pareceres que “devam ser previamente conhecidos pelos concorrentes tendo em vista a elaboração das suas propostas Gonçalo Guerra Tavares, Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Almedina, janeiro 2019, pág. 200..
U. Por outro lado, quanto à obrigação de identificação, o preceito legal em análise é claríssimo ao determinar que “as peças do procedimento devem identificar todos os pareceres prévios”; ou seja: é nas peças do procedimento concursal e não em qualquer outro documento que as entidades adjudicantes estão obrigadas à referenciação da existência e obtenção dos pareceres vinculativos;
V. Ora, o Tribunal a quo julgou que a circunstância de o mesmo não estar divulgado nem identificado nas peças concursais não merecia reparo, porquanto a circunstância do mesmo “constar do processo administrativo [cfr. pontos A), B) e Z) do probatório] a que respeita o procedimento concursal é, igualmente, suficiente para garantir a observância dos princípios da transparência e boa-fé Cf. pág. 61 da sentença recorrida.;
W. Se no primeiro passo o Tribunal a quo se ateve a uma interpretação meramente literal, sem indagar o espírito daquele comando legal, que prevê a obrigação de divulgação do conteúdo dos pareceres prévios vinculativos, num segundo passo o Tribunal desprende-se totalmente do teor literal deste comando legal do n.º 5 do artigo 36.º e dele faz uma interpretação totalmente contra legem;
X. As Recorrentes discordam, por isso, frontalmente de tais entendimentos do Tribunal a quo, que assentam numa errada apreciação, interpretação e aplicação jurídica daquele normativo; como é evidente, para além do incumprimento do dever de divulgação do conteúdo do parecer da AMT, a Recorrida também não cuidou de o identificar nas peças do procedimento.
Y. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou também mal ao considerar que identificação daquele parecer no seio do procedimento administrativo a que respeita o procedimento e não nas próprias peças procedimentais era suficiente, tendo-se baseado, neste conspecto, a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação daquela normal legal.
Z. Relativamente à ilegalidade identificada em A.b.A violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”)”., determina o n.º 1 do artigo 36.º do CCP que “o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última”, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que “quando o valor do contrato for igual ou superior a (euro) 5 000 000 ou, no caso de parceria para a inovação, a (euro) 2 500 000, a fundamentação prevista no n.º 1 deve basear-se numa avaliação de custo-benefício e deve conter, quando aplicável: a) a identificação do tipo de beneficiários do contrato a celebrar; b) a taxa prevista de utilização da infraestrutura, serviço ou bem; c) a análise da rentabilidade; d) os custos de manutenção; e) a avaliação dos riscos potenciais e formas de mitigação dos mesmos; f) o impacto previsível para a melhoria da organização; g) o impacto previsível no desenvolvimento ou na reconversão do país ou da região coberta pelo investimento”.
AA. Sucede que, no concurso em crise e sindicado pelo Tribunal a quo, essa avaliação de custo/benefício não consta da decisão de contratar, o que evidentemente determina a ilegalidade das peças do presente procedimento.
BB. Sobre este conspecto, entendeu o Tribunal a quo que, in casu, analisando as peças procedimentais – maxime a «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» [cfr. ponto T) do probatório]”, “a referida análise custo/benefício foi efectuada e disponibilizada aos interessados juntamente com o caderno de encargos Cf. pág. 63 da sentença recorrida..
CC. As Recorrentes discordam naturalmente deste entendimento do Tribunal a quo: o Tribunal a quo andou bem ao considerar que esta análise custo-benefício, que tem por referência aquelas alíneas a) a g), é obrigatória no caso sub judice, mas errou quando considerou que essa análise custo-benefício poderia ser realizada numa qualquer peça do procedimento, nomeadamente num anexo ao caderno de encargos, ignorando que tal fundamentação se reporta à decisão de contratar, que é obviamente precedente da elaboração das peças do procedimento.
DD. Com efeito, o preceito legal em análise determina que a avaliação de custo/benefício respeita à decisão de contratar (a tal “decisão quantificada”); é, portanto, esta decisão que deve ser fundamentada e cuja fundamentação tem de basear-se numa avaliação custo-benefício, com consideração dos diversos aspetos que constam das respetivas alíneas a) a g) do n.º 3 do artigo 36.º do CCP.
EE. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou também mal ao aceitar que a exigida análise custo-benefício fosse efectuada e disponibilizada aos interessados apenas juntamente com o Caderno de Encargos, máxime na «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» [cfr. ponto T) do probatório].
FF. O Tribunal a quo deveria ter considerado que tal análise deveria ter sido efetuada sob a forma de estudo prévio às peças do concurso, devendo estar inclusa na decisão de contratar – o que não se verificou.
GG. Com efeito, neste conspecto, a sentença recorrida baseou-se numa errada interpretação e aplicação daquela normal legal ao considerar que fundamentação ali exigida poderia ser incluída em qualquer outro documento que não a decisão de contratar.
HH. Acresce que, compulsada a «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» também se verifica que não são tratadas todas as alíneas do n.º 3 do artigo 36.º do CCP, pelo que a entender-se que a fundamentação exigida pelo preceito é a que consta de tal documento, como considerou – erradamente – o Tribunal a quo, a mesma sempre seria manifestamente insuficiente e ditaria, ainda assim, a ilegalidade da decisão de contratar e consequentemente das peças procedimentais por violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do CCP.
II. Quanto à ilegalidade identificada em A. c. A desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19), as peças do procedimento aqui em causa, muito em especial o Caderno de Encargos (Doc. n.º 11 da petição inicial das Recorrentes) e respetivos Anexos, foram elaboradas e aprovadas partindo de um modelo, natural e expectável, de que se manteria estável e regular a procura e, por isso, a oferta associada à prestação do serviço público de transporte de passageiros em cada uma das cinco áreas geográficas que compõem os cinco lotes objeto do Concurso aqui em causa;
JJ. Prova disso é o conteúdo do Anexo VII ao Programa do Concurso, que o Tribunal a quo considerou como assente o conteúdo desse anexo VII: “V). O teor do “anexo VII” ao programa de concurso, com a redacção de Julho de 2020, intitulado “Procura”, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 2484 a 2488 do processo administrativo Cf. pág. 52 da sentença recorrida. (sublinhado das Recorrentes).
KK. Ora, como resulta do referido Anexo VII, os elementos em que se alicerça todo o planeamento e o dimensionamento das cinco operações de serviço público aqui em causa nos sete anos de duração e que, portanto, estão na base do Caderno de Encargos, têm por referência os dados de procura e de oferta referente ao último quadrimestre de 2019.
LL. Ou seja: as peças do procedimento refletem a realidade do mercado de transporte de passageiros à data da elaboração e da aprovação das versões iniciais das peças do procedimento e de todo o modelo contratual para os sete anos seguintes à outorga dos contratos de serviço público de transporte.
MM. É, por isso, importante recordar que, nos últimos anos e em especial no último quadrimestre de 2019, registaram-se valores estáveis e regulares de diminuição de custos operacionais e de aumento da procura do serviço de transporte rodoviário de passageiros.
NN. É manifesto que é no modelo constante dos anexos I e VII que assenta e se alicerça o Caderno de Encargos e, consequentemente, todo o regime contratual definido para o período de duração de sete anos, muito em especial o regime remuneratório.
OO. Acontece que, a Pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 veio alterar, significativa e profundamente, o planeamento e o dimensionamento da operação de serviço público aqui em causa e, muito em especial, o regime remuneratório definido que foi flagrantemente afetado.
PP. Esta circunstância foi categoricamente ignorada e totalmente desconsiderada pela Recorrida, que não introduziu qualquer alteração nas peças do concurso no sentido de acautelar ou mitigar contratualmente este evento disruptor, e agora também pelo Tribunal a quo.
QQ. Para isso alertaram as Recorrentes o Tribunal a quo, requerendo que este declarasse a ilegalidade das peças procedimentais (na versão de julho 2020), por desconsideração das circunstâncias supervenientes; e pugnaram por uma decisão de não adjudicação à luz do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP.
RR. Sobre este conspecto o Tribunal a quo começou por considerar que era “notório que a pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 impactou, profundamente, na vida das pessoas e nos seus hábitos, designadamente, no tocante à utilização dos meios de transporte colectivos”, mas, num sopro, concluiu que resultava “da factualidade assente [cfr. ponto AB) do probatório] que estas circunstâncias e o seu impacto na execução do programa a concurso foram devidamente consideradas e ponderadas, designadamente quanto à manutenção das peças procedimentais e, também, relativamente à subsistência do próprio procedimento concursal Pág. 66 da sentença recorrida. e fundando-se na discricionariedade que assiste às entidades adjudicantes na elaboração das peças concursais, o Tribunal a quo acabou por julgar “in casu devidamente fundadas, não padecendo de qualquer erro grosseiro que sustente a sua sindicância jurisdicional, as razões constantes do memorando de 20.06.2020, e bastantes para que se considere ter existido uma adequada ponderação da alegada “alteração superveniente das circunstâncias”, concluindo-se pela ausência de impacto relevante na tramitação do presente procedimento contratual Idem., pelo que, conclui o Tribunal a quo, “por carecer de suporte fundamentação fáctico-legal, improcede a alegação vertida a este propósito Ibidem..
SS. Naturalmente que as Recorrentes discordam frontalmente desta decisão do Tribunal – a factualidade assente relativa ao conteúdo dos documentos conformadores do procedimento e todos os factos carreados para os autos pelas Recorrentes, assim como todos os factos notórios, de todos conhecidos, que não carecem de alegação ou de prova, impunham decisão diversa ao Tribunal a quo.
TT. Além de que a Entidade Adjudicante, aqui Recorrida, não gozava in casu de qualquer poder discricionário.
UU. Primeiro, deve deter-se que na factualidade assente o Tribunal a quo deu por assente e aí reproduzido o conteúdo dos documentos concursais Programa do Concurso, na redação de julho de 2020 [ponto Q) do probatório]; Caderno de Encargos, na redação de julho de 2020 [ponto R) do probatório]; o «Anexo X – Modelo de repartição de receitas e comissões» ao Caderno de Encargos [ponto S) do probatório]; «Memória Descritiva» [ponto T) do probatório]; “Anexo I” ao Programa de Concurso, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Rede existente” [ponto U) do probatório]; “Anexo VII” ao Programa de Concurso, com a redação de julho de 2020, intitulado “Procura”, [ponto V) do probatório]; “Anexo II” ao Caderno de Encargos, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Rede”, [ponto W) do probatório]; “Anexo III” ao Caderno de Encargos, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Plano de oferta”, com as alterações introduzidas ao “apêndice III.e”, em março 2020, [ponto X) do probatório]..
VV. Depois, no ponto AB) o Tribunal a quo deu como provado que, com data de 20.06.2020, os serviços da R. AMP elaboraram documento denominando ¯ MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP” (Doc. n.º 1 junto com a contestação da Recorrida, processo apenso n.º 1977/20.5BEPRT), cujo teor deu aí por integralmente por reproduzido.
WW. Sobre a declaração da pandemia, dos estados de emergência, de calamidade e novamente de estado de emergência nada ficou vertido na factualidade assente; igualmente, sobre os impactos da mesma no transporte público, designadamente, a redução drástica da procura, a alteração dos padrões de mobilidade, a acentuada quebra do turismo, associados à implementação de normas adicionais de limpeza e de número máximo de pessoas transportadas, assim como a notória dificuldade da recuperação do sistema também nada ficou assente no probatório.
XX. Ora, é evidente tais factos deveriam ter ficado a constar da matéria assente (a este respeito veja-se particularmente a alegação constante dos artigos 26.º a 56.º da petição inicial).
YY. Com efeito, tais factos deveriam ter ficado a constar da matéria assente, dados como provados.
ZZ. Sem prescindir e subsidiariamente, sob outra perspetiva, a verdade é que tais factos são do conhecimento geral, por isso notórios e não carecem de alegação ou de prova (cf. factos que constam do artigo 97.º, 104.º a 108.º e 127.º) – por isso, caso se entenda que tais factos não deveriam constar da factualidade assente, sempre deverá ter-se os mesmos como factos notórios, do conhecimento geral, não carecendo, por isso, de alegação ou de prova, à luz do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c), primeira parte, e 412.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.º do CPTA) – o que vai invocado para todos os efeitos.
AAA. Num caso ou no outro, impendia sobre o Tribunal a quo o dever de considerar tais factos na sua decisão, paralelamente à consideração daquele “MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP” (Doc. n.º 1 junto com a contestação da Recorrida, processo apenso n.º 1977/20.5BEPRT).
BBB. Recorde-se que, em consequência da Pandemia Covid-19, houve uma redução drástica do número de passageiros transportados, registando-se uma alteração profunda dos padrões de mobilidade associados a um conjunto de fatores tão distintos como o aumento do desemprego, a acentuada quebra no turismo, o receio natural na utilização de transportes públicos, dinamização de meios alternativos de transporte individual (como trotinete, bicicletas, táxis ou tvde), a inexistência da totalidade de aulas presenciais (sobretudo nos planos universitários e técnico), o cancelamento de festivais, de eventos culturais e musicais, encerramento de serviços públicos e de locais de atendimento ao público e, inclusivamente, a opção pelo teletrabalho pela quase totalidade das entidades empregadoras, com profundo impacto no perfil da mobilidade antes da Pandemia.
CCC. Tudo condições supervenientes ao lançamento do procedimento pré-contratual aqui em causa e que não foram equacionadas durante a elaboração e aprovação das peças ou durante o procedimento e, bem se vê, impactam significativa e decisivamente na execução dos contratos de serviço público a outorgar.
DDD. Atente-se que este é também o entendimento do atual Presidente da Direção do Conselho Metropolitano da Área Metropolitana do Porto (“AMP”), E., o qual, em entrevista ao Porto Canal, pelas 22h25, no passado dia 21 de agosto de 2021, declarou e reconheceu o impacto da Pandemia no concurso em apreço Entrevista disponível em: https://portocanal.sapo.pt/um_video/LYI7yjZpys0Us23bdhS8., o conteúdo da entrevista é um facto notório e, portanto, do conhecimento geral, não carecendo, por isso, de alegação ou de prova, à luz do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c), primeira parte, e 412.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.º do CPTA).; nessa entrevista, foi proferido pelo atual Presidente da Direção do Conselho da AMP:
“É bom não esquecer que nós lançamos o concurso, em 2019, numa altura em que estávamos com um aumento da procura de 24% ao ano” (…) “e a partir desse momento começamos com um processo de pandemia, este processo de pandemia alterou tudo: alterou aquilo que é o valor hoje da compra de um autocarro, alterou aquilo que é o preço dos combustíveis. E temos que reconhecer com alguma tranquilidade que os dados socioeconómicos / económico-financeiros que estiveram subjacentes ao estudo económico e financeiro para o concurso em 2019 hoje são muito diferentes (…) [declarações que aqui se transcrevem, entre os minutos 04:10 a 06:31 da referida entrevista].
EEE. Torna-se claro, portanto, o impacto altamente significativo disruptivo da Pandemia Covid-19 no âmbito do presente procedimento e que, por isso, determina obrigação de rever e alterar as peças do procedimento.
FFF. Com efeito, o regime remuneratório e todo o modelo contratual está completamente desfasado, desatualizado e radicalmente alterado face às consequências da Pandemia Covid-19.
GGG. Em suma: verificou-se, após o lançamento do concurso, uma significativa alteração das circunstâncias em que assentaram essas peças, pelo que a Entidade Adjudicante estava (e está) juridicamente obrigada a rever tais peças, por forma a acomodá-las às novas circunstâncias.
HHH. Conclui-se, portanto, que andou mal o Tribunal a quo em diversos sentidos.
III. Primeiro, e por um lado, por não ter considerado na matéria assente, como PROVADOS, os seguintes factos:
a. Declarações de Estado de Emergência cf. (i) Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, (ii) Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, (iii) Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril; Declarações de Situação de Calamidade cf. (iv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, (v) Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, de 15 de maio, (vi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, (vii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 9 de junho, (viii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2020, de 25 de junho, (ix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho; Declarações de Situação de Alerta em todo o território nacional continental (com exceção da Área Metropolitana de Lisboa, onde foi declarada a situação de contingência) cf. (x) Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020, de 30 de julho, (xi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2020, de 13 de agosto, (xii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 68-A/2020, de 28 de agosto, (xiii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2020, de 10 de setembro, (xiv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2020, de 24 de setembro, (xv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020, de 14 de outubro; Declaração da Situação de Calamidade em todo o território nacional continental cf. (vxi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 31 de outubro; Declarações do Estado de Emergência cf. (xvii) Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020 de 6 de novembro, (xviii) Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020, de 20 de novembro, (xix) Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, (xx) Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020, de 17 de dezembro, (xxi) Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, (xxii) Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de janeiro, (xxiii) Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, de 28 de janeiro, (xxiv) Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021, de 11 de fevereiro, (xxv) Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021, de 25 de fevereiro, (xxvi) Decreto do Presidente da República n.º 25-A/2021, de 11 de março, (xxvii) Decreto do Presidente da República n.º 31-A/2021, de 25 de março, (xxviii) Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril; Declarações de Situação de Calamidade cf. (xxix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, (xxx) Resolução do Conselho de Ministros n.º 46-C/2021, de 6 de maio, (xxxi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13 de maio, (xxxii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 62-A/2021, de 20 de maio, (xxxiii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 64-A/2021, de 27 de maio, (xxxiv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2021, de 2 junho, (xxxv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021, de 9 de junho, (xxxvi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 76-A/2021, de 18 de junho, (xxxvii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021, de 24 de junho, (xxxviii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 86-A/2021, de 1 de julho, (xxxix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 91-A/2021, de 8 de julho, (xl) Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2021, de 15 de julho, (xli) Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/2021, de 22 de julho, (xlii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, de 29 de julho; Declaração da situação de Contingência cf. (xliii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021, de 20 de agosto.
b. A pandemia Covid-19 impactou profundamente o transporte público rodoviário de passageiros, designadamente, verificou-se a redução drástica da procura, a alteração dos padrões de mobilidade, a acentuada quebra do turismo;
c. Devido à pandemia foram impostos aos operadores de transporte público rodoviário normas adicionais de limpeza e de número máximo de pessoas transportadas;
d. É expectável uma dificuldade da recuperação do sistema de transporte público rodoviário de passageiros.
JJJ. Ou, sob outra perspetiva, por os não ter tido em consideração na sua ponderação e apreciação da prova, enquanto factos notórios, para prolação da sua decisão.
KKK. E depois por ter, a coberto de uma suposta discricionariedade administrativa que assiste às entidades adjudicantes na elaboração das peças concursais, julgado devidamente fundadas, por não padecerem de “qualquer erro grosseiro que sustente a sua sindicância jurisdicional”, as razões constantes do memorando de 20.06.2020, “e bastantes para que se considere ter existido uma adequada ponderação da alegada “alteração superveniente das circunstâncias”, concluindo, num sopro, “pela ausência de impacto relevante na tramitação do presente procedimento contratual Pág. 66 da sentença recorrida..
LLL. Ora, se tivesse o Tribunal a quo na sua apreciação dos factos levado em consideração os factos descritos nos artigos 97.º, 104.º a 108.º e 127.º desta peça (ou por os incluir na sua matéria assente ou por os tomar como factos notórios), certamente que concluiria que a conclusão vertida naquele memorando de 20.06.2020 (Doc. n.º 1 junto com a contestação da Recorrida, processo apenso n.º 1977/20.5BEPRT) carecia de fundamento e era ostensivamente irrazoável e desproporcional face à realidade conhecida.
MMM. Acresce que, como supra referido, a entidade adjudicante não gozava de qualquer poder discricionário; houve um tempo, de facto, em que se pensava que existia discricionariedade administrativa em todos os casos em que não fosse possível extrair uma solução de uma norma legal, por mera dedução automática e subsuntiva – mas já lá vai um século desde que findou esse pensamento obsoleto.
NNN. Com efeito, desde o início do século passado que a doutrina e a jurisprudência se deram conta de que o princípio da legalidade administrativa não é apenas legalidade, mas também juridicidade; ou seja: quando a questão é jurídica, não há poder discricionário.
OOO. Discricionariedade existiria se se tratasse de uma questão de mera oportunidade ou conveniência administrativas, sem lesar quaisquer direitos dos interessados; assim sucederia se a Entidade Adjudicante optasse por lançar o procedimento num determinado ano ou no ano seguinte, por uma questão de oportunidade ou de conveniência relacionada com a gestão do erário público, por exemplo.
PPP. Mas, a partir do momento em que foi lançado o Concurso, a Entidade Adjudicante criou legítimas expectativas aos interessados – e, por conseguinte, entrou no terreno da juridicidade, aí acabando a discricionariedade.
QQQ. E a juridicidade está desde logo patente no instituto da alteração das circunstâncias, plasmado como princípio geral no CCP: a Entidade Adjudicante juridicamente estava (e está) obrigada a rever as peças do concurso, por forma a acomodá-las às novas circunstâncias.
RRR. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou também mal na sua decisão sobre os factos provados, pelo que deveria na factualidade assente ter dado como provados os factos elencados em 97.º, 104.º a 108.º e 127.º supra ou, em alternativa, entendê-los como factos de conhecimento geral, que, sempre e em qualquer caso, deveriam ter influenciado a sua apreciação e tê-lo conduzido a declarar o impacto relevante da pandemia na tramitação do presente procedimento concursal e, em consequência, deveria o Tribunal a quo ter declarado a necessidade de alteração profunda das peças do Concurso, o que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, sempre implicaria uma decisão de não adjudicação do presente procedimento.
SSS. A sentença recorrida baseou-se assim numa errónea qualificação dos factos e numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
TTT. No que concerne à ilegalidade vertida no ponto A.d. O incumprimento do Regime das Parcerias Público-Privadas (“PPP”)., nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 111/2012, “entende-se por parceria público-privada, abreviadamente designada por parceria, o contrato ou a união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”;
UUU. Ora, tendo em conta a referida definição – e ainda o disposto nos n.º s 2 e 4 da mesma norma –, deve concluir-se que os contratos a celebrar na sequência do procedimento em crise são parcerias público-privadas, na medida em que as entidades privadas (os operadores de transportes adjudicatários) se obrigam perante o parceiro público (a AMP), de forma duradoura, por um período fixo de 7 anos, a assegurar o serviço de transporte de passageiros por autocarro na área metropolitana do Porto, designadamente a operação e a manutenção dos bens afetos ao serviço público contratado, assumindo em parte o risco associado à atividade;
VVV. Sobre este conspecto entendeu erradamente o Tribunal a quo o regime constante do Decreto-Lei n.º 111/2012 não era aplicável na situação em apreço.
WWW. As Recorrentes discordam naturalmente deste entendimento do Tribunal.
XXX. Em primeiro lugar, veja-se que o cocontratante, nos termos dos n.º s 2 e 3 das Cláusulas 10.ª e das Cláusulas 17.ª, 18.ª e 38.ª do Caderno de Encargos (Doc. n.º 11 da petição inicial das Recorrentes), se obriga a disponibilizar todos os bens que se mostrem necessários ou convenientes à boa prossecução das atividades compreendidas no contrato, nomeadamente, o material circulante, o sistema de bilhética e o equipamento para transmissão da operação da operação em tempo real, sendo inteiramente responsável pela gestão da operação (cfr. Cláusula 12.ª do Caderno de Encargos).
YYY. No mesmo sentido militam as Cláusulas 20.ª, 26.º, 42.º, 44.º e 47.º do Caderno de Encargos;
ZZZ. De todas as disposições do Caderno de Encargos acima citadas resulta, portanto, com evidência, que os contratos a celebrar entre a AMP e os adjudicatários dos lotes em concurso são configuráveis como parcerias público-privadas e, sendo assim, só pode concluir-se que o procedimento de formação aqui em causa estava adstrito ao cumprimento do regime das parcerias previsto no Decreto-Lei n.º 111/2012;
AAAA. Acontece que a AMP, na elaboração das peças do procedimento aqui em causa, manifestamente não se ateve às normas imperativas do regime do Decreto-Lei n.º 111/2012, aplicáveis a todas as parcerias público-privadas, pelo que não foram manifestamente observadas as formalidades necessárias à preparação e lançamento da parceria, previstas nos artigos 9.º a 14.º do Decreto-Lei n.º 111/2012;
BBBB. Conclui-se, portanto, no sentido da violação do princípio da legalidade, consubstanciado na omissão do cumprimento do regime imperativo do Decreto-Lei n.º 111/2012, o que determina a ilegalidade em bloco das peças do procedimento de contratação aqui em causa, pelo que o Tribunal a quo andou também mal na sua decisão, tendo baseado a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação daquele regime legal, máxime dos artigos 2.º e 9.º a 14.º do Decreto-Lei n.º 111/2012;
CCCC. Quanto à ilegalidade identificada em A.e. A violação da teleologia da “divisão em lotes” do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 deste preceito legal e do princípio da concorrência., de acordo com os artigos 1.º e 15.º do Programa do Concurso (Doc. n.º 10 junto com a petição inicial das Recorrentes), está em causa um procedimento pré-contratual com adjudicação por lotes, o que significa que a Recorrida lançou mão do instituto previsto no artigo 46.º-A do CCP, tendo dividido o quid submetido à concorrência de forma a possibilitar que, sobre cada uma das partes desse objeto, recaísse uma adjudicação autónoma.
DDDD. Como é sabido, a divisão do contrato em lotes – que foi consagrada por transposição do artigo 46.º da Diretiva 2014/24/UE – tem um objetivo claro devidamente enunciado: o acesso direto das pequenas e médias empresas (PME) aos contratos públicos e, por esta via, aumentar a concorrência; nesse sentido, veja-se o considerando (78) da Diretiva 2014/24/UE que prevê que "os contratos públicos deverão ser adaptados às necessidades das PME" e que a "divisão poderá ser feita numa base quantitativa, adaptando melhor a dimensão dos contratos individuais à capacidade das PME, ou numa base qualitativa, em função dos diferentes setores comerciais e de especializações envolvidos, adaptando mais estreitamente o conteúdo dos contratos individuais aos setores especializados de PME e/ou em função das diferentes fases subsequentes do projeto";
EEEE. No quadro nacional, apesar de não ser imposta a obrigação de divisão do contrato em lotes, torna-se claro que, havendo recurso a essa divisão do objeto de um contrato, o critério utilizado para a divisão deve estar em linha com a teleologia do instituto jurídico aqui em causa;
FFFF. Ora, no caso concreto do procedimento aqui em causa, constata-se que a divisão em lotes não logrou minimamente o objetivo que se propunha alcançar, já que não estava adaptada às necessidades de operadores de transporte de menor dimensão – nem, de resto, permitiu o acesso destes ao Concurso.
GGGG. Na verdade, a divisão por lotes operada pela Recorrida corresponde antes a uma agregação de 17 sistemas de transporte diferentes, pelo que as cinco áreas geográficas a adjudicar correspondem a áreas muito superiores, em dimensão, às áreas em que são atualmente prestados os serviços de transporte rodoviário de passageiros;
HHHH. Esta decisão da Recorrida viola flagrantemente o instituto da divisão em lotes atenta a teleologia que lhe subjaz;
IIII. Em suma, a configuração dos cinco lotes em que foi dividido o objeto do contrato a adjudicar, nos termos em que foi feita, corresponde verdadeiramente a uma agregação de 17 sistemas de transporte rodoviários atualmente existentes e, por isso, teve como consequência o afastamento de operadores de transporte público de menor dimensão, em sentido diametralmente oposto, portanto, ao objetivo declarado e reconhecido pelo Legislador Europeu e devidamente preconizado no artigo 46.º da Diretiva 2014/24/UE e no artigo 46.º-A do CCP.
JJJJ. Sobre este conspecto, conclui o Tribunal a quo que a divisão em lotes operada – nos termos em que o foi – e a limitação da adjudicação a um lote (em regra) não viola o disposto no artigo 46º-A do CCP, nem o princípio da concorrência, em todas as suas vertentes, incluindo o da liberdade de circulação.
KKKK. Não podem senão as Recorrentes discordar do Tribunal a quo.
LLLL. É evidente que o n.º 1 do artigo 1.º do Programa do Concurso é manifestamente ilegal por violação da teleologia da divisão em lotes constante do artigo 46.º-A do CCP (por referência para o que se encontra previsto na norma correspondente da Diretiva 2014/24/UE), pelos motivos supra expostos;
MMMM. Com efeito, conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que aquela norma não violava a teleologia subjacente ao artigo 46.º-A do CCP, tendo-se baseado a sentença recorrida numa errónea incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
NNNN. Acresce que, conforme se referiu acima o presente concurso foi dividido em cinco lotes nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do respetivo Programa, apesar de cada concorrente poder apresentar proposta para todos ou só algum (ns) desses lotes, ficou definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso que a cada concorrente só poderia ser adjudicado um único lote.
OOOO. Ora, como decorre do que vem dito, as Recorrentes entendem que esta limitação é manifestamente ilegal e concorrente constitui inequivocamente uma limitação do princípio da concorrência;
PPPP. Ao proceder à redução daquele benefício económico a que qualquer concorrente poderia aspirar, a Entidade Adjudicante limita desde logo o universo dos potenciais interessados e reduz o interesse que aqueles poderiam ter na participação do procedimento (o que implicará, eviden­te­men­te, a obtenção de piores propostas) e levará inevitavelmente a um prejuízo para o interesse público, porque permitirá a adjudicação a propostas que não eram as propostas economicamente mais vantajosas de acordo com os critérios de adjudicação fixados.
QQQQ. Com efeito, deveria ter sido pelo Tribunal a quo declarada ilegal a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso.
RRRR. O mesmo acontece com a alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso; nos termos da referida norma, relativamente aos cinco lotes em concurso só pode ser adjudicada uma proposta de entre aquelas que sejam “apresentadas por concorrentes que sejam sociedades comerciais que estejam entre si em relação de domínio ou de grupo ou que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo com uma mesma entidade”.
SSSS. Ou seja, na prática, se duas empresas que façam parte do mesmo grupo económico – e que são empresas completamente distintas – forem adjudicatárias de dois dos lotes postos a concurso, só uma delas poderá celebrar contrato para um único lote, de acordo com as regras estabelecidas no n.º 4 do artigo 15.º do Programa.
TTTT. Ora, também a referida limitação não é admissível à luz dos princípios gerais da contratação pública e do disposto no artigo 46.º-A do CCP.
UUUU. Com efeito, o que a entidade adjudicante pode fazer, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP, é limitar – dentro de certos parâmetros – o número de lotes a adjudicar ao mesmo concorrente. Nada mais!
VVVV. Conclui-se, assim, que andou igualmente mal o Tribunal a quo ao não declarar a ilegalidade da referida limitação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso, tendo baseado também aqui a sentença recorrida numa errada interpretação e aplicação do artigo 46º-A, n.º 4 do CCP e do princípio da concorrência.
WWWW. No que concerne à ilegalidade identificada em A. f. A ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP., dispõe o artigo 21º do Programa de Concurso (Doc. n.º 10 junto com a petição inicial das Recorrentes), sob a epígrafe “Novos serviços”, que: “Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, desde já se indica a possibilidade de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços que consista na repetição de serviços similares ao objeto do presente concurso público”;
XXXX. Ora, o Programa do presente Concurso prevê, no respetivo artigo 21.º, a possibilidade – nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) – de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços similares ao objeto do presente contrato.
YYYY. Da referida norma concursal decorre que a Recorrida, terminado o contrato no fim dos 7 anos previstos no Caderno de Encargos, poderia contratar com o adjudicatário uma extensão do mesmo por mais 7 anos por ajuste direto, sem recurso a um procedimento concorrencial.
ZZZZ. Defenderam, assim, as Recorrentes perante o Tribunal a quo a ilegalidade daquela norma concursal, que, em seu entender, não poderá aplicar-se no caso concreto; sobre este conspecto, esclareceram as Recorrentes que a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – que transpõe a correspondente norma do n.º 5 do artigo 32.º da Diretiva 2014/24/UE – tem em vista a adjudicação de meros contratos de prestação de serviços não duradouros, com prazos máximos de 3 anos, em que precisamente se permite uma adjudicação ao mesmo prestador desde que o procedimento concorrencial tenha ocorrido há menos de três anos e que essa possibilidade tenha sido anunciada nas peças desse procedimento concorrencial anterior.
AAAAA. Não é esse o caso do Concurso aqui sindicado, em que está em causa uma concessão (ou prestação) de uma atividade de serviço público que tem carácter duradouro, contratação que não pode subsumir-se no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – por não preenchimento dos respetivos requisitos cumulativos – e que, portanto, não é aplicável no caso. E, sendo assim – como é – a norma do Programa do Concurso em causa viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP, e que no caso, em função do valor do contrato, impõem a adoção, em alternativa, de um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicação de anúncio no JOUE.
BBBBB. Acontece, porém, que sobre este conspecto o Tribunal a quo entendeu, tendo presente que o artigo 21º do programa de concurso refere expressamente “nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, (…)”, é patente que a norma em apreço se refere a uma possibilidade - que se anuncia, nos termos e para os efeitos do artigo 27º n.1 alínea a)” (…), “inexistindo, portanto, qualquer violação do disposto no artigo 20º e 21º do CCP, já que estamos perante um “aviso” relativamente a uma faculdade de recurso ao ajuste directo prevista na lei” Cf. pág. 89 da sentença recorrida. (sublinhado das Recorrentes).
CCCCC. Discordam naturalmente as Recorrentes do entendimento e interpretação que o Tribunal a quo fez quer do artigo 21.º do Programa do Procedimento como dos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
DDDDD. Como referido, a norma do Programa do Concurso em causa viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP, e que no caso, em função do valor do contrato, impõem a adoção, em alternativa, de um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicação de anúncio no JOUE e não permite, por isso, o recurso ao ajuste direto.
EEEEE. De resto, a mencionada norma do Programa também não está de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros.
FFFFF. É que, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento, a duração dos contratos de serviço público é limitada e não pode ser superior a dez anos para os serviços de autocarro.
GGGGG. No caso em apreço, tendo o contrato inicial a duração de sete anos, a adjudicação (renovação do contrato) por ajuste direto por igual período, sempre violaria a limitação prevista no mencionado Regulamento (CE) n.º 1370/2007.
HHHHH. Sobre este conspecto também andou mal o Tribunal a quo ao considerar que “é irrelevante para a escolha do procedimento a adoptar a estipulação do n.3 do artigo 4º do mencionando Regulamento (CE), quanto ao prazo de duração de contratos públicos previsto”, defendendo que “inexistindo na norma do programa de concurso em apreço qualquer estipulação de prazo, a legalidade relativa ao prazo de duração do contrato a celebrar por ajuste directo haverá de ser observada e aferida, no caso de, verificados os demais requisitos legais, existir – de facto – um ajuste directo Cf. pág. 89 da sentença recorrida..
IIIII. Efetivamente, a norma concursal tal como está definida é manifestamente ilegal e viola ostensivamente tanto o CCP como o n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento.
JJJJJ. Em todo o caso, a aplicação do disposto na referida norma do artigo 21.º do Programa do Concurso sempre consubstanciaria também uma violação do Regime das PPP, nos termos assinalados supra e para onde se remete.
KKKKK. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o artigo 21.º do Programa do Concurso não viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP, o n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e o Regime das PPP, tendo baseado a sentença recorrida numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais citadas.
LLLLL. Relativamente à ilegalidade apontada em A.g. A violação da alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015., prevê-se na alínea c), do n.º 1 do artigo 4º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, que o conteúdo obrigatório do contrato de serviço público deve “estabelecer as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços.”
MMMMM. Esses custos podem incluir, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.
NNNNN. No mesmo sentido, prevê a alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho), que do contrato de serviço público devem constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços, nomeadamente, os custos de pessoal, de energia, de gestão, de manutenção e de operação de veículos”.
OOOOO. Acontece que, o Caderno de Encargos do presente Concurso não tem uma única disposição relativa às modalidades de repartição de custos ligados à prestação de serviços que constitui o objeto do contrato.
PPPPP. Defenderam e defendem, por isso, as Recorrentes que o Caderno de Encargos viola, por omissão, o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015.
QQQQQ. Considerou, todavia, o Tribunal o quo que in casu “o preço/a compensação pela obrigação do serviço público à cocontratante está, expressamente, definido na cláusula 42º do caderno de encargos [cfr. ponto R) do probatório] em termos não impugnados por qualquer dos concorrentes, donde decorre que estes, na elaboração das suas propostas, consideraram que os termos em que a respectiva remuneração ali estava prevista eram suficientes para a adequada remuneração dos capitais próprios, não carecendo de qualquer outro elemento relativo à modalidade de repartição de custos” Pág. 93 da sentença recorrida.. Ora, nada mais errado, pelo que discordam as Recorrentes desta interpretação do Tribunal a quo.
RRRRR. A Cláusula 42.º do Caderno de Encargos não prevê nem detalha qualquer repartição de custo ou modalidades de repartição de custos ligados à prestação do serviço. Do que ali se cura é exclusivamente da remuneração do cocontratante, como contrapartida pela execução do contrato, identificando a Cláusula a fórmula de cálculo dessa remuneração (mensal). Tal Cláusula nada tem que ver, nem é tão pouco suscetível de se ponderar que a mesma possa cumprir os requisitos exigidos por aqueles comandos legais.
SSSSS. Mais. Na elaboração das suas propostas os concorrentes tiverem de ter em consideração uma série de fatores, muitos deles não previstos, por omissão, nas peças do concurso, e não é por terem sido apresentadas, ainda assim, propostas que as ilegalidades das peças do concurso ficam sanadas…
TTTTT. Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que “da leitura do caderno de encargos se verifica que a repartição de custos – ainda que não quantificada – se encontra ali realizada Cf. pág. 93 da sentença recorrida., arremessando um conjunto de Cláusulas do Caderno de Encargos relativas a obrigações do cocontratante.
UUUUU. Uma vez mais, entendem as Recorrentes que andou mal ao Tribunal a quo ao aceitar como bom para o preenchimento do que é exigido na alínea c), do n.º 1, artigo 4º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e alínea i) do n.º 1 do Artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) a referência àquelas Cláusulas obrigacionais, designadamente as Cláusulas 10.º, 20.º e 26.º, e, pasme-se, assumindo o Tribunal mesmo que as obrigações previstas em tais Cláusulas não estejam tão-pouco quantificadas.
VVVVV. Discordam naturalmente as Recorrentes da interpretação que o Tribunal a quo confere àqueles comandos legais.
WWWWW. Dos custos e modalidades de repartição de custos que ali se cura são, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias á exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.
XXXXX. E sobre este aspeto concreto – leia-se modalidades de repartição de custos – nada é dito no Caderno de Encargos, nem uma palavra! Em clara e ostensiva violação do que é exigido na alínea c), do n.º 1, do artigo 4º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho).
YYYYY. O artigo 4º n.º 1 alínea c) do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, de 23.10 e artigo 21º, n.º 1 da Lei n.º 52/2015 são perentórios ao exigirem que do contrato de serviço público devem constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços.
ZZZZZ. Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o Caderno de Encargos não era violador do regime previsto exigido na alínea c), do n.º 1, do artigo 4º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do Artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) e que a obrigação aí exigida se encontrava dispersa em várias Cláusulas do contrato, ainda que não quantificada, tendo-se por isso baseado a sentença recorrida numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
AAAAAA. Em suma, deveria o Tribunal a quo ter declarado a ilegalidade das normas do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros” na Área Metropolitana do Porto”, por:
a. Desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas;
b. Incumprimento do Regime das PPP;
c. Violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos AMT e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento;
d. Violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do CCP;
e. Violação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência;
f. Ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP;
g. Violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015, e
h. Ilegalidade da Cláusula 26.ª, por violação do regime legal aplicável e decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
Nestes termos e nos demais de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as legais consequências, com o que fará este Venerando Tribunal inteira e sã,
JUSTIÇA
1.5. “B. TRANPORTES, S.A.” e “R. S.A”, designadas como as “AA. B.”, inconformadas com a sentença proferida vêm interpor o presente recurso de apelação em que formulam as seguintes CONCLUSÕES:
«
A. O presente recurso tem por objeto a Douta Sentença recorrida que julgou parcialmente procedente a ação de impugnação das peças do procedimento do Concurso lançado pela AMP em janeiro de 2020, declarando ilegal o artigo 18.º, n.º 2 do programa de concurso, apenas no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e a cláusula 53.º, n.º 3, al. i), n.º 4, alínea m) e n.º 5, alínea n) do caderno de encargos.
B. Não obstante, resultou, ainda, da Douta Sentença recorrida, erro no julgamento a quo quanto à improcedência das outras invalidades das peças do procedimento suscitadas pelas Recorrentes e não atendidas pelo Tribunal a quo, entre as quais:
(i) A não submissão, por parte da AMP, da versão final das peças do procedimento a parecer, obrigatório e vinculativo, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes;
(ii) A desconsideração de existência de circunstâncias supervenientes imprevistas, trazidas pela pandemia da doença COVID-19;
(iii) A ilegalidade da cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do caderno de encargos por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência;
(iv) A ilegalidade da cláusula 45.º, n.º 2 do caderno de encargos, por violação do artigo 282.º do CPC e do princípio da proporcionalidade.
As Recorrentes não se conformam com o decidido na Douta Sentença recorrida, uma vez que entendem existir vários erros de julgamento a quo resultantes de (i) uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais, (ii) uma errónea qualificação dos factos, e (iii) a violação dos princípios basilares da contratação pública.
C. No que diz respeito à primeira invalidade – da não submissão da versão final das peças do Concurso a parecer da AMT – cumpre referir que:
a. A posição do Tribunal a quo não contempla todos os factos constantes da matéria assente e viola o disposto no artigo 34.º, n.º 2, alínea b) do DL 78/2014.
b. A posição do Tribunal a quo apoia-se numa errada interpretação do artigo 34.º, n.º 2, alínea b) do DL 78/2014, através da qual o Tribunal a quo (i) desconsidera as circunstâncias em que a lei foi elaborada, bem como o seu elemento sistemático, fim e razão de ser da norma e, ainda, (ii) viola o princípio da estabilidade das peças do procedimento previsto no artigo 51.º do CCP.
Por outro lado, desconsidera o Tribunal a quo o relevante facto da AMP ter aprovado e disponibilizado a versão final das peças procedimentais aos interessados, em momento anterior à submissão das mesmas a parecer prévio e vinculativo da AMT.
A verdade é que, caso a AMT emitisse parecer negativo quanto às últimas versões das peças do procedimento em momento posterior à apresentação das propostas por parte dos concorrentes, tal causaria constrangimentos irreversíveis na tramitação procedimental em apreço – consequência totalmente ignorada pelo Tribunal a quo aquando da sua interpretação e aplicação (erradas) do artigo 34.º, n.º 2, alínea b) do DL 78/2014…
c. A Douta Sentença recorrida não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar e que são suscetíveis de alterar o julgamento a quo, nomeadamente sobre a manifesta violação do princípio da transparência gerada pelo facto da AMP não ter disponibilizado o parecer da AMT a respeito da revisão final das peças do procedimento.
d. O Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a invalidade consubstanciada na não submissão, por parte da AMP, da versão final das peças do Concurso a parecer da AMT.
D. Quanto à segunda invalidade - da desconsideração de existência de circunstâncias supervenientes imprevistas trazidas pela pandemia da doença COVID-19 –, a Sentença recorrida logra de erro de julgamento uma vez que:
a. O Tribunal a quo procede a uma errada valoração dos factos dados como provados, nomeadamente do Memorando sobre o impacto da pandemia no Concurso.
Pois, ao atribuir uma relevância “excessiva” a um documento que apenas se traduz em meras especulações e suposições, vê-se o Tribunal a quo impossibilitado de sustentar um adequado julgamento à luz da certeza e verossimilhança decorrentes do princípio da livre apreciação da prova.
O Tribunal a quo, desconsidera, ainda, todos os factos notórios (i.e, de conhecimento geral e que não carecem de prova), comprometendo, desta forma, a decisão explanada na Douta Sentença Recorrida.
Ao valorar de forma errónea os factos, o Tribunal a quo fundou a sua decisão numa discricionariedade administrativa da AMP, largamente, ilegal, da qual resulta, inevitavelmente para além de uma errónea qualificação dos factos e uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
b. A Douta Sentença recorrida não se pronuncia sobre a invocada e devidamente fundamentada violação do princípio da sustentabilidade do Concurso, provocada pela pandemia Covid-19.
c. Pelo que deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente a invalidade referente à desconsideração, por parte da entidade adjudicante AMP, das circunstâncias supervenientes imprevistas trazidas pela pandemia Covid-19.
E. Relativamente à terceira invalidade - da ilegalidade da cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do caderno de encargos por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência – resulta erro de julgamento da Sentença recorrida o facto de a mesma atribuir à AMP uma legitimidade que ultrapassa em larga escala os limites do seu poder discricionário, resultando da decisão a violação dos princípios da boa-fé, confiança e transparência da contratação pública.
F. Por fim, quanto à quarta invalidade – da ilegalidade da cláusula 45.º, n.º 2 do caderno de encargos por violação do artigo 282.º do CPC e do princípio da proporcionalidade – o Tribunal a quo serve-se de um julgamento que (i) atribui uma ilegal e excessiva margem de discricionariedade administrativa ao contraente público; (ii) viola o direito que os cocontratantes têm à reposição do equilíbrio financeiro e que decorre do artigo 282.º do CCP; e, (iii) viola, ainda, a prevalência do CCP sobre as peças do Concurso prevista no artigo 51.º do CCP.
Um entendimento de acordo com a lei da contratação pública e os seus princípios impunha que o Tribunal proferisse decisão diversa, julgando, deste modo, procedente a invalidade consubstanciada na ilegalidade do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro.
O entendimento do Tribunal a quo - de que a norma presente na cláusula 45.º, n.º 2, do caderno de encargos é legal - deturpa, de forma grave, a finalidade do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro e os princípios basilares da contratação pública.
G. Em conclusão, deveria o Tribunal a quo ter declarado a ilegalidade das normas do Concurso Público lançado pela AMP em janeiro de 2020, com vista à aquisição do serviço público de transporte rodoviário de passageiros na Área Metropolitana do Porto, pelas seguintes razões:
a. Desconsideração, nas peças do Concurso, de existência de circunstâncias supervenientes imprevistas trazidas pela pandemia da doença COVID-19;
b. Violação do disposto no artigo 34.º, n.º 2, alínea b) do DL 78/2014 (Estatutos da AMT), por consequência da incorreta interpretação e aplicação da norma;
c. Violação dos princípios da transparência, boa-fé e confiança, por imposição de excessiva margem de discricionariedade da AMP;
d. Violação do artigo 282.º do Código dos Contratos Públicos.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, requer-se a Vs. Exas. que se dignem a julgar o presente recurso provado e procedente e, em consequência, seja revogada a Douta Sentença recorrida na parte em que não atendeu às primeira, quarta, décima e décima terceira invalidades das peças do Concurso apreciadas como improcedentes na Douta Sentença recorrida, com as respetivas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.».
1.6. As “ AA. UCT” contra-alegaram no recurso interposto pela Ré “ÁREA METROPOLITANA DO PORTO” (AMP), apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«
A. Vem o presente recurso interposto pela Ré AMP da sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos autos em epígrafe, que julgou parcialmente procedente a ação de impugnação dos documentos conformadores do procedimento de “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros” na Área Metropolitana do Porto”, instaurada pelas Recorridas contra a Recorrente, e, em consequência, declarou, com as legais consequências, a (i) ilegalidade do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”, e a (ii) ilegalidade da Cláusula 53.ª n.º 3 alínea i), n.º 4 alínea m), e n.º 5 alínea n), do Caderno de Encargos.
B. Na tentativa de ver anulada esta parte do segmento decisório, a Recorrente, através do presente recurso, requerer que a sentença proferida seja (i) parcialmente anulada, no que respeita ao julgamento que fez do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Consurso e (ii) julgado integralmente procedente o recurso interposto, sendo revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por Acórdão que julgue improcedentes os vícios imputados às disposições contidas no artigo 18.º, n.º 12, do PC e na Cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do CE.
C. Todavia, para infortúnio da Recorrente, não lhe assiste razão no que alega, pelo que o recurso interposto será julgado totalmente improcedente, devendo este Tribunal superior confirmar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, quanto a estas ilegalidades, nos exatos termos proferidos e com as legais consequências.
D. Começou a Recorrente por assacar à douta sentença uma nulidade, decorrente de um putativo excesso de pronúncia do Tribunal a quo, quanto à declaração da ilegalidade do artigo 18.º, n.º 12, do PC no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”; para tanto, alegou a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, sancionável com a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do CPC, ao ter decidido como causa de invalidade a circunstância de essa norma afastar, sem mais, qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário possa ter, em caso de ato ilícito, porquanto, no seu entender (e só no seu mesmo…), nenhuma das Autoras imputou àquela disposição esta concreta causa de invalidade;
E. O que é manifestamente errado como à saciedade se deixou demonstrado e bem compreendeu o Tribunal a quo
F. Sobre este conspecto, esclareça-se que as Recorridas (e Autoras) fizeram alusão expressa à questão e à disposição sobre que se debruçou o Tribunal a quo na parte que a Recorrente identifica como geradora de “excesso de pronúncia”, pelo que carece, desde logo, a alegação da Recorrente de qualquer adesão à realidade.
G. Efetivamente, as Autoras alegaram nas suas petições iniciais que o artigo 18.º, n.º 12, do PC, viola os princípios constitucionais da boa fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade, por excluir liminarmente a responsabilidade da entidade adjudicante nos vários casos que elenca.
H. E, em boa verdade, não tinha de ser feita pelas Autoras qualquer distinção expressa entre a responsabilidade civil por factos lícitos e ilícitos (!)
I. Isso mesmo notou e sublinhou o Tribunal a quo referindo-se à alegação das Recorridas (e Autoras): “concluem que “(…) seja por força da primeira parte da norma constante do n.º 12, do Art.º 18, (impossibilidade de indemnização), seja pela segunda parte (possibilidade de responsabilidade), a norma em causa é claramente ilegal seja por ser contrária aos supra citados princípios, todos eles inscritos no Art.º 1-A do CCP, seja por contrária a norma que decorre do Art.º 105º, n.º 3, do CCP, norma essa claramente imperativa. (…)” [pi B.]” (sublinhados das Recorridas);
J. Em face do alegado e da questão decidenda colocada pelas Recorridas (e Autoras), o Tribunal a quo reconheceu que aquele inciso (contido no artigo 18.º, n.º 12, do PC), “cria uma desigualdade injustificada”, pois “se no tocante à previsão de responsabilidade pré-contratual por parte do adjudicatário se remete para o regime geral aplicável; o mesmo não sucede com uma eventual pretensão indemnizatória do adjudicatário, a qual é, através deste normativo, ab initio excluída”; Com efeito, o Tribunal a quo entendeu que era cristalino que aquele n.º 12 daquele preceito, tal qual formulado pela Recorrente, “afasta, sem mais, qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário possa ter, pressupondo uma inimputabilidade/ irresponsabilidade da entidade adjudicante - o que pode, ou não, suceder. Tal previsão - nessa parte - é, pois, abusiva e ilegal por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes”.
K. Está por isso bom de ver que o Tribunal a quo não faz qualquer análise ou sequer menção à distinção entre a responsabilidade por factos ilícitos e por factos lícitos, ou ao regime de cada uma; contrariamente ao afirmado pela AMP, o Tribunal a quo limitou-se a clarificar a improcedência do argumento que esta pugnou nos autos, tendo tido aquele Tribunal o cuidado de alertar que “se numa análise perfunctória esta asserção [da Ré] é válida, o mesmo não sucede com a mesma evidência se atentarmos na hipótese de a caducidade da adjudicação ser declarada, porque a entidade adjudicante “(…) considera[r] que as condições ou obrigações impostas pela decisão da AdC implicam uma alteração substancial do caderno de encargos ou, caso entenda que o cumprimento dessas condições e/ou obrigações, pelo adjudicatário, não é legalmente admissível (…)””.
L. Está também bem percetível que a tese avançada pela Recorrente, e que é o fundamento do recurso neste conspecto, assenta num excerto da sentença recorrida que tem evidente intuito exemplificativo / ilustrativo, como aquela bem sabe.
M. Em qualquer caso, certo é, no entanto, que, mesmo que a decisão do Tribunal a quo assentasse naquele (suprarreferido) exemplo, nada obsta a que o Tribunal a quo se socorra dos argumentos e da motivação que bem entender para a sua decisão, sem que esteja sujeito aos argumentos ou às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, bastando que se limite a decidir a questão decidenda colocada.
N. E assim foi, tal qual.
O. Isso mesmo determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que prevê que “[é] nula a sentença quando: (…) [o] juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
P. Por isso mesmo, note-se que a “noção de questão, para este efeito, não se confunde com a de fundamentos ou razões jurídicas apresentadas pelas partes [Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228; entre outros, AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816; AC STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; e AC STA de 10.03.2005, Rº046862].
Q. Para este efeito, a questão é uma “pretensão a que o juiz tem de dar resposta, enquanto os fundamentos, ou razões, cimentam o caminho que a tal resposta conduz. A questão tem a ver com a tese adoptada, e os fundamentos são as razões pelas quais ela se adopta. (…) apenas a pronúncia sobre «questão» nova é sancionada com a nulidade, o que significa que o não são as simples razões jurídicas novas aduzidas em abono da tese legitimamente tratada” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de outubro de 2017).
R. E é certo dizer que a decisão do tribunal tem única e exclusivamente por impulso a “questão” decidenda (à luz do 608.º n.º 2 do CPC) colocada pelas Autoras ao Tribunal a quo: a apreciação da conformidade legal do artigo 18.º n.º 12.º do PC, com os princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade – identificada nos pontos (12) e (20) no Relatório [págs. 2 a 4 da sentença recorrida].
S. Naufraga, assim, a nulidade invocada, não se verificando excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
T. Outra das causas apontadas pela Recorrente para fundamento do presente recurso prende-se com um putativo erro de julgamento ainda sobre esse mesmo artigo 18.º n.º 12 do PC.
U. Como resulta do que já se referiu, o artigo 18.º do PC, sob a epígrafe “Decisão de adjudicação e notificação à AdC”, prevê os casos em que a caducidade da adjudicação pode ser declarada, sendo que, em concreto, o n.º 12 desse artigo 18.º do PC, prevê que “[a] declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização e, além dos efeitos próprios da caducidade, pode determinar ainda a responsabilidade pré-contratual do adjudicatário, nos termos gerais”.
V. E esta disposição, como já esclarecido e resulta cristalino da motivação do Tribunal a quo, foi declarada abusiva e ilegal por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes”.
W. Para fundamentar o almejado erro de julgamento, alega a Recorrente que o artigo 18.º, n.º 12, do PC não se destina a regular a responsabilidade civil extracontratual da AMP por ato ilícito, porquanto destina-se, só e apenas, a indicar que, não sendo a declaração de caducidade da adjudicação imputável à AMP, essa declaração, conquanto válida, não confere um direito de indemnização, pelo que, nesta parte, a sentença revela, na interpretação do artigo 18.º n.º 12 do PC, um “erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e no artigo 87.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos”.
X. Esgrime a Recorrente que o artigo 18.º, n.º 12, do PC deve ser interpretado no seguinte sentido:
(i) o preceito apenas se destina a regular os casos em que é adotada uma decisão válida de caducidade da adjudicação, não abrangendo a hipótese de suposto afastamento da responsabilidade civil extracontratual da AMP por facto ilícito, e
(ii) o preceito enquadra-se no artigo 87.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, que não prevê o direito de indemnização do adjudicatário em casos, como supostamente o presente, em que a causa de caducidade da decisão de adjudicação se impõe à entidade adjudicante, cabendo apenas a esta verificar a sua ocorrência, ainda que não seja por ela pretendida no quadro da respetiva discricionariedade.
Y. Tudo alega a Recorrente para, em conclusão e em suma, concluir que o n.º 12 do artigo 18.º do PC deve ser interpretado no sentido de abranger apenas casos de atuação lícita da AMP (em linha com o disposto no artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP).
Z. Mas esquece-se a Recorrente da obediência que deve aos princípios básicos de interpretação de normas jurídicas, porquanto os mesmos conduzem forçosamente a solução oposta.
AA. É que, à luz do princípio decorrente do artigo 9.º do Código Civil, e da respetiva doutrina e jurisprudência, é claro o intuito abrangente do n.º 12 do artigo 18.º do PC, que se aplica a atos lícitos e ilícitos de declaração de caducidade, assentes nos factos enunciados nesse artigo;
BB. Depois ainda, a subsunção dos factos descritos no artigo 18.º do PC à norma do artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP, só vem demonstrar que o propósito do dispositivo em crise é efetivamente afastar todas as pretensões indemnizatórias do adjudicatário, sejam elas motivadas por atos lícitos ou ilícitos.
CC. É fácil de ver que o seu propósito é o de isentar a entidade adjudicante de toda e qualquer responsabilidade afastando todas (“quaisquer”) as pretensões indemnizatórias que o adjudicatário possa ter, em razão da declaração de caducidade da adjudicação, sendo evidente que a expressão “qualquer indemnização” comporta a ideia de que o preceito pretende abarcar toda e qualquer pretensão indemnizatória do adjudicatário, seja de que natureza for, aí se incluindo, consequentemente, as pretensões indemnizatórias assentes em atos lícitos e ilícitos.
DD. É, pois, esta a interpretação que corresponde ao significado “natural” e “direto” da expressão “qualquer indemnização”, pelo que “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas”; “o ponto de partida da interpretação” é, pois, o texto da lei, sendo, nesta esteira, de salientar que o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil consagra que “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” – decorre, pois, que “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”.
EE. Significa isto dizer que, se no (artigo 18.º n.º 12 do) PC não se encontra a distinção entre responsabilidade por ato lícito e ilícito, e, existindo a possibilidade, como apontado na sentença recorrida, de a entidade adjudicante atuar ilicitamente nas situações de declaração de caducidade da adjudicação, é de concluir, forçosamente, que o propósito daquela disposição foi o de acautelar que a entidade adjudicante não suportaria qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário pudesse ter – mesmo que fundada na sua atuação ilícita.
FF. A acrescer a este respeito, cf. referido supra, a invocação pela Recorrente da norma do artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP, só vem demonstrar que o propósito do dispositivo é, efetivamente, o de afastar todas as pretensões indemnizatórias do adjudicatário, sejam elas motivadas por atos lícitos ou ilícitos.
GG. Reparo algum merece, por isso, a decisão do Tribunal neste segmento, devendo manter-se na íntegra a declaração da ilegalidade do n.º 12 do artigo 18.º do PC, naquele inciso.
HH. Por último, veio ainda a Recorrente assacar à decisão do Tribunal um suposto erro de julgamento também quanto à ilegalidade declarada da Cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, sustentando que o Tribunal a quo teria aqui incorrido em erro de julgamento por entender que a Cláusula não se encontrava suficientemente determinada, violando, assim, os princípios da legalidade e da tipicidade.
II. Também neste conspecto soçobra a tese da Recorrente.
JJ. A Cláusula 53.ª do CE prevê as “sanções contratuais pecuniárias” que o Contraente Público pode aplicar em caso de incumprimento pelo Cocontratante das suas obrigações, prevendo-se aí os incumprimentos do Cocontratante que se classificam como leves, graves e muito graves.
KK. Em concreto, das disposições constantes da alínea i) do n.º 3, da alínea m) do n.º 4 e da alínea n) do n.º 5 – que são aqui o centro da controvérsia –, todas da Cláusula 53.ª do CE, resulta prevista a possibilidade de aplicação de sanções contratuais pecuniárias (que variam, numa visão global, entre os €500 e os €10000) em todas as situações de incumprimento não tipificados nas alíneas anteriores e nos n.ºs restantes que resultem, respetivamente, de culpa leve, negligência grosseira ou comportamento doloso, do cocontratante, seu funcionário ou agente.
LL. A este respeito, o Tribunal a quo julgou que estas normas, ao referirem-se, sem mais, a situações não tipificadas, “violam o princípio da legalidade e tipicidade subjacente à previsão de sanções contratuais”; Discorreu o Tribunal a quo, em sequência, que “se é pacifico que a previsão de sanções contratuais está sob reserva lei, bastando a mera autorização legal para a sua previsão no contrato, e que à entidade adjudicante é reconhecida discricionariedade, num quadro de razoabilidade e proporcionalidade, para a elaboração das peças procedimentais; a verdade é que, não é razoável nem legal, a imposição de uma sanção contratual pecuniária - que pode variar entre leve, grave ou muito grave, consoante o grau de culpa - para o incumprimento das mesmas obrigações contratuais, que podem ser principais ou acessórias, as quais, ainda que previstas no contrato, não se encontram, contudo, objectivamente tipificadas nas alíneas em apreço”; e conclui, por fim, que “[t]ratam-se, pois, de incumprimentos geradores de uma sanção contratual pecuniária - que pode ser leve, grave ou muito grave – cujo enquadramento fáctico o futuro cocontratante desconhece. E, considerando, que à previsão das sanções contratuais está subjacente uma finalidade punitiva e coercitiva, não se encontrando suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objectiva, de forma clara e precisa, o Tribunal julga que o estatuído nos n.3 alínea i), n.4 alínea m), e n.5 alínea n) da cláusula 53º do caderno de encargos viola o princípio da legalidade”.
MM. Na tentativa de contrariar o entendimento do Tribunal a quo, a Recorrente alega que “o Tribunal a quo impõe um grau de tipicidade à previsão de sanções administrativas contratuais que não se encontra pressuposta, nem é exigida, no/pelo artigo 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, e que, manifestamente, não é exigida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição”, concluindo que “o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição não impõe a absoluta tipicidade das sanções administrativas contratuais, permitindo a remissão intra-sistemática da previsão do comportamento sancionado para as demais disposições do Caderno de Encargos (aliás, em termos análogos aos que ocorrem em matéria disciplinar)”; mais alegando, para este efeito, que “o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 302.º, alínea d), e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos”, porque, segundo alega, “[o] artigo 29.º, n.º 1, da Constituição não se opõe a que as normas que preveem disposições administrativas sancionatórias não obedeçam ao grau de tipicidade que prescreve para as normas penais e os artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos não impõem essa densificação”.
NN. Acontece que, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer, a doutrina e a jurisprudência que invoca não concedem as conclusões que delas veio retirar sobre aquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE.
OO. Ao contrário do que a Recorrente pretendeu fazer crer, o Tribunal a quo não fez qualquer análise ou referência a uma aplicação qua tale do princípio da tipicidade no caso das sanções contratuais administrativas
PP. … Concreta e unicamente, o Tribunal a quo entendeu não ser razoável nem legal o facto de as “obrigações contratuais, que podem ser principais ou acessórias” (e cujo incumprimento corresponde à imposição de uma sanção contratual pecuniária) não se encontrarem “objectivamente tipificadas nas alíneas em apreço”, uma vez que nelas apenas se encontram previstas a imposição de sanções contratuais pecuniárias à "[t]odas as demais situações de incumprimento não tipificadas”.
QQ. Significando o mesmo dizer que aquelas disposições das alíneas i), do n.º 3, m), do n.º 4, e n), do n.º 5, todas da Cláusula 53.ª do CE em apreço, não permitem o conhecimento, nem pelo Concorrente nem pelo futuro Cocontratante, do “enquadramento fáctico” “de incumprimentos geradores de uma sanção contratual pecuniária” no âmbito do respetivo Contrato a celebrar.
RR. E o facto de não vigorar, noutros domínios sancionatórios, todo o rigor garantístico e a tipicidade “absoluta” e “máxima” atinentes ao Direito Penal por força do artigo 29.º n.º 1 da CRP, não significa que em matéria de “sanções contratuais administrativas” a tipicidade não exista; e daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE resulta uma total atipicidade dos incumprimentos contratuais passíveis de serem sancionados pecuniariamente com base no Contrato.
SS. Deixar na livre disposição da AMP decidir a futura tipificação dos comportamentos que podem ficar sujeitos a sanções contratuais viola, manifestamente, os princípios da legalidade e da tipicidade.
TT. E foi, precisamente, em defesa dos princípios da legalidade e da tipicidade, e dos demais princípios gerais de Direito Administrativo, que o Legislador impôs a necessidade de as sanções contratuais serem tipificadas no próprio contrato ou na lei, cf. artigo 329.º n.º 1 do CCP.
UU. Significa isto não só que a aplicação de sanções tem que estar prevista nas peças do procedimento, no contrato e na lei, como também que tem que estar tipificado o comportamento concreto que pode originar a sua aplicação.
VV. E, por essa mesma razão, tais disposições da Cláusula 53.ª padecem de manifesta ilegalidade, por preverem a possibilidade de aplicação de sanções contratuais em casos aí não tipificados objetivamente e, mais, cuja formulação não permite o enquadramento fáctico do universo dos demais incumprimentos geradores de sanção contratual, pelo futuro Cocontratante privado… merecendo, porquanto, censura.
WW. Ainda, é de notar que Recorrente, não obstante procure servir-se, no mínimo, de uma tipicidade aberta, ou, no limite, de uma (discutível) atipicidade a aplicar na matéria em apreço, a fim de legitimar a configuração dada àquelas disposições da Cláusula 53.ª, vem afirmar entender que tais situações se encontram “perfeitamente determinadas” porque “os tipos de infração em causa estão preenchidos por cada uma das obrigações previstas claramente no Caderno de Encargos”…
XX. Sucede que, contrariamente ao pugnado pela Recorrente, qualquer norma remissiva que se tente retirar daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE falha, desde logo, nas exigidas “condições mínimas de determinabilidade dos comportamentos proibidos” (que a própria Recorrente, como se viu, admite nas suas Alegações) e, mais, não permite a “determinabilidade objetiva, de forma clara e precisa” dos potenciais incumprimentos contratuais sancionáveis pelo Contraente Público; na verdade, desde logo, mesmo num cenário de “mínimo de previsibilidade”, é certo que os incumprimentos das obrigações contratuais sancionáveis pelo Contraente Público não estão objetivamente tipificados nas alíneas em apreço.
YY. A acrescer, e por fim, cumpre às Recorridas apontar a sua estupefação quanto ao alegado pela Recorrente a propósito da suposta satisfação daquele grau de tipicidade ou de determinabilidade que a Recorrente entende, em alternativa, que pode ser devido e que, segundo alega, encontra-se cumprido, ao entender que, por serem os destinatários da Cláusula 53.ª do CE “sujeitos qualificados, operadores económicos experientes”, “se pod[e] presumir que têm total e completa consciência das obrigações contratuais previstas no Caderno de Encargos, pelo que têm igualmente conhecimento de quais os comportamentos que poderão gerar a aplicação de sanção”…
ZZ. Ora, e isso alega ao passo que, contra si própria, a AMP reconhece que “se afigura virtualmente impossível descrever toda e cada uma das obrigações contratuais previstas no Caderno de Encargos”.
AAA. Com efeito, se até para a própria Entidade Adjudicante – que é a responsável por todo o desenho e lançamento do Concurso, bem como pela elaboração das peças do procedimento concursal – é virtualmente impossível descrever aqueles “demais” comportamentos sancionáveis anunciados nas tais disposições da Cláusula 53.ª em apreço, é absolutamente irrazoável e ilegal deixar os concorrentes à mercê da imposição de sanções contratuais pecuniárias pelo incumprimento de obrigações contratuais cuja descrição se afigura “virtualmente impossível”.
BBB. Ora, bem esteve o Tribunal a quo ao entender que “não se encontr[a] suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objectiva, de forma clara e precisa”; não restando dúvidas de que daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE não resulta uma “cognoscibilidade razoável” do respetivo conteúdo, e contrariar o douto entendimento do Tribunal a quo, nesta matéria, significa reconhecer que qualquer incumprimento está sujeito a sanção (!)
CCC. Em suma, devem improceder todos os vícios assacados pela Recorrente à decisão recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente Recurso improceder totalmente, mantendo-se a douta sentença recorrida quanto as ilegalidades reconhecidas e declaradas pelo Tribunal a quo, com as suas devidas legais consequências, com o que fará este Venerando Tribunal inteira e sã,
JUSTIÇA!
1.7. As AA. “G.”, contra-alegaram no recurso interporto pela Ré “ÁREA METROPOLITANA DO PORTO”, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«
DDD. A Ré AMP, aqui Recorrente, veio interpor recurso da parte em que foi vencida na sentença proferida nos autos em epígrafe pelo Tribunal a quo, a qual julgou parcialmente procedente a ação de impugnação das peças procedimentais do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros” na Área Metropolitana do Porto”, interposta pelas aqui Recorridas;
EEE. Concretamente, a AMP recorre do ponto (ii) do dispositivo da suprarreferida sentença, que julgou parcialmente procedente a ação interposta pelas Autoras e, em consequência, declarou ilegal o artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso (“PC”) no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e ainda a Cláusula 53.ª, n.º 3, al. i), n.º 4, al. m), e n.º 5, al. n) do Caderno de Encargos (“CE”);
FFF. A AMP insatisfeita com a procedência daquelas invalidades, alega, em síntese, que (i) a sentença é nula por excesso de pronúncia, por ter alegadamente o Tribunal feito assentar a sua decisão, no que concerne à ilegalidade do artigo 18.º, n.º 12, do PC, na circunstância desta norma “afastar a responsabilidade civil extracontratual por facto lícito”; que (ii) o Tribunal fez uma errada interpretação do artigo 18.º, n.º 12, do PC, incorrendo em erro de julgamento; e que (iii) o Tribunal incorreu em erro de julgamento por entender que a Cláusula 53.ª, n.º 3, al. i), n.º 4, al. m), e n.º 5, al. n), do CE não se encontra suficientemente determinada, violando, assim, os princípios da legalidade e da tipicidade;
GGG. Não assiste qualquer razão à Recorrente;
HHH. O segmento recorrido não padece de qualquer vício, erro ou mácula, devendo manter-se na íntegra as declarações de ilegalidade, com todas as consequências legais daí advenientes;
III. Quanto a almejada, mas inexistente nulidade da sentença por excesso de pronúncia, a Recorrente AMP parte de premissas erradas para retirar erradas conclusões ao alegar que a sentença proferida é nula porque o Tribunal a quo só declarou a invalidade do artigo 18.º, n.º 12, do PC, por entender que esta disposição abrange a responsabilidade civil extracontratual da Entidade Adjudicante por ato ilícito, circunstância essa que, segundo alega a AMP, embora sem razão, não terá sido suscitada por qualquer das partes;
JJJ. Neste conspecto, a Recorrente, porque parte da errada premissa de que as Autoras, apesar de imputarem invalidades ao segmento do artigo 18.º, n.º 12, do PC, não apontam nenhuma concreta causa de exclusão de responsabilidade que abarque a conduta ilícita da AMP, conclui que a decisão do Tribunal a quo padece de excesso de pronúncia porquanto, alega, se reportou exclusivamente à conduta ilícita da AMP;
KKK. Primeiro, conforme se retira de uma leitura breve das Petições Iniciais, as Autoras alegaram que o artigo 18.º, n.º 12, do PC, viola os princípios constitucionais da boa fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade por excluir liminarmente a responsabilidade da entidade adjudicante nos vários casos aí elencados;
LLL. Segundo, ao contrário do que afirma a AMP, a invalidade da disposição contida artigo 18.º, n.º 12, do PC, quando aplicada ao n.º 9 do mesmo preceito, i.e., nos casos a em que “a ENTIDADE ADJUDICANTE considerar que as condições ou obrigações impostas pela decisão da AdC implicam uma alteração substancial do caderno de encargos ou, caso entenda que o cumprimento dessas condições e/ou obrigações, pelo ADJUDICATÁRIO, não é legalmente admissívelfoi expressamente alegada pelas Autoras B. e outra, no artigo 85.º da sua Petição Inicial, justamente a mesmíssima disposição lida nos exatos termos em que a leu o Tribunal a quo;
MMM. Terceiro, também ao contrário do que afirma a AMP, a decisão recorrida não procedeu a uma concreta análise sobre o fundamento da responsabilidade objeto de exclusão no artigo 18.º, n.º 12, do PC, de tal sorte que se possa dizer, como diz a Recorrente que “o Tribunal a quo considerou válida a exclusão de responsabilidade da AMP no caso de a declaração de caducidade consubstanciar um ato válido”;
NNN. Na verdade, o Tribunal a quo limitou-se a constatar que o artigo 18.º, n.º 12, do PC, “cria uma desigualdade injustificada” porquanto, “se no tocante à previsão de responsabilidade pré-contratual por parte do adjudicatário se remete para o regime geral aplicável; o mesmo não sucede com uma eventual pretensão indemnizatória do adjudicatário, a qual é, através deste normativo, ab initio excluída”; pelo que, nesse sentido, concluiu na decisão recorrida que “o artigo 18º n.12 em apreço afasta, sem mais, qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário possa ter, pressupondo uma inimputabilidade/ irresponsabilidade da entidade adjudicante - o que pode, ou não, suceder. Tal previsão - nessa parte - é, pois, abusiva e ilegal por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes”;
OOO. Mais, o Tribunal a quo limitou-se a clarificar que não procede o argumento trazido aos autos pela AMP, segundo o qual a declaração de caducidade da adjudicação prevista no artigo 18.º do PC não tem como causa qualquer atuação ilegal e culposa da entidade adjudicante; e, mais, tendo tido o cuidado de advertir que só numa análise perfunctória a asserção da AMP seria válida, logo exemplificou com uma situação concreta;
PPP. Depois, ainda que assim fosse – no que não se concede – a verdade é que nada obsta a que o Tribunal a quo decida que o artigo 18.º, n.º 12.º, do PC, é inválido e que essa invalidade resulta do afastamento da responsabilidade extracontratual por facto ilícito; e assim é mesmo que nenhuma das partes tivesse aludido concretamente a esse fundamento de responsabilidade, o que todavia não foi o caso, como referido;
QQQ. Em boa verdade, a AMP confunde as “questões” a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC com os “argumentos” e a “motivação” da decisão, ao estabelecer que “a sentença é nula quando: […] o juiz […] conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”;
RRR. Como salienta e bem o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 29.11.2005, proferido no âmbito do Proc. n.º 05S2137:
2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
3. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
4. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”;
SSS. Ou seja, uma coisa são os argumentos ou as razões aduzidas para concluir pela invalidade do artigo 18.º, n.º 12.º, do PC, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes e coisa diferente é a questão de fundo suscitada, essa mesma a da invalidade do artigo 18.º, n.º 12.º, do PC, por violação dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade – tal como identificada no relatório da sentença a alíneas (12) e (20) – que vale por si, independentemente das razões que lhe subjazem;
TTT. Ou seja, a “questão” suscitada pelas Autoras, e sobre a qual o Tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se, foi a da conformidade legal do artigo 18.º, n.º 12.º, do PC, com os princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade; é, pois, esta – e apenas esta – a “questãodecidenda nos termos e para os efeitos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC;
UUU. Portanto, avaliar se a exclusão de responsabilidade da entidade adjudicante prevista nesse artigo 18.º, n.º 12, do PC, abrange para além de factos lícitos também factos ilícitos e/ou se esse normativo se afigura ilegal e violador daqueles princípios quando concretamente aplicado a cada uma das factualidades que nele se subsumem é matéria que integra “os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões”;
VVV. Sendo certo, ademais, que as Autoras aludiram expressamente à situação e à disposição sobre que se debruçou o Tribunal a quo na parte que a Recorrente identifica como geradora de “excesso de pronúncia”;
WWW. Em qualquer caso, a análise da factualidade subsumível àquela norma e, concretamente, se a (ilegal) exclusão de responsabilidade abrange factos lícitos e/ou ilícitos constitui uma decorrência, um argumento ou no limite, uma motivação que não configura uma “questão” (autónoma) nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
XXX. Razão pela qual deverá improceder o vício assacado pela Recorrente à decisão recorrida, nada havendo a censurar na decisão quanto à pronúncia respeitante à ilegalidade do Artigo 18.º n.º 12 do Programa de Concurso no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”;
YYY. No que concerne ao putativo erro de julgamento sobre o mesmo artigo 18.º n.º 12 do PC, assacado pela Recorrente AMP, importa esclarecer que aquela disposição tem o propósito de abranger qualquer pretensão indemnizatória do adjudicatário o que, como bem decidiu o Tribunal a quo, pressupõe uma inimputabilidade/irresponsabilidade da entidade adjudicante e “é, pois, abusiva e ilegal por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes”;
ZZZ. O artigo 18.º do PC – que se destina, como bem salienta o Tribunal a quo, a “adequar a tramitação do procedimento contratual com as exigências decorrentes do regime jurídico da concorrência”, acautela, concretamente, a necessidade de incluir no procedimento pré-contratual um “sub-procedimento” de notificação de operações de concentração à Autoridade da Concorrência (“AdC”);
AAAA. A disposição concretamente em crise, o n.º 12 do referido artigo 18.º, estabelece que “a declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização e, além dos efeitos próprios da caducidade, pode determinar ainda a responsabilidade pré-contratual do adjudicatário, nos termos gerais”;
BBBB. A pedido das Autoras, o Tribunal a quo considerou que o citado n.º 12 do artigo 18.º “cria uma desigualdade injustificada” na medida em que “afasta, sem mais, qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário possa ter, pressupondo uma inimputabilidade/irresponsabilidade da entidade adjudicante”;
CCCC. A AMP discorda da decisão do Tribunal a quo, designadamente porque propugna uma interpretação segundo a qual esta disposição do PC se aplica apenas a casos em que a declaração de caducidade da adjudicação não resulta de uma manifestação de vontade discricionária da AMP e corresponde à verificação de uma circunstância que dita a caducidade da adjudicação ao abrigo do artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP; por essa razão, a AMP conclui que a exclusão de indemnização a que se refere o artigo 18.º, n.º 12 do PC limita-se a abranger casos em que a entidade adjudicante validamente declara a caducidade da adjudicação, nas especificadas situações;
DDDD. Sucede que a Recorrente AMP, no seu labor argumentativo, olvidou os mais elementares princípios de interpretação de normas jurídicas, que necessariamente conduzem a solução inversa e deixou por explicar qual o sentido útil da norma contida no n.º 12 do artigo 18.º do PC, se interpretado com o sentido que propugna;
EEEE. Com efeito, determina o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil que “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”;
FFFF. O texto da lei é, como ensina Baptista Machado, “o ponto de partida da interpretação”, e como salienta o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão proferido em 29.11.2011, no âmbito do Proc. n.º 0701/10:
“O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete.
A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Temos de pensar que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam”;
GGGG. Neste contexto, ao estabelecer o n.º 12 do artigo 18.º do PC, sem mais, que “a declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”, inculca a ideia de que o preceito tem a pretensão de abarcar toda e qualquer pretensão indemnizatória do adjudicatário, seja de que natureza for; sendo que o propósito é – bem se vê – o de isentar a entidade adjudicante de toda e qualquer responsabilidade afastando todas (“quaisquer”) pretensões indemnizatórias que o adjudicatário possa ter em razão da declaração de caducidade da adjudicação, aí se incluindo, claro está, as pretensões indemnizatórias assentes em atos lícitos e ilícitos;
HHHH. É essa a interpretação que corresponde ao significado “natural” e “direto” da expressão “qualquer indemnização, pelo que, “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas”;
IIII. A confirmar o intuito abrangente do n.º 12 do artigo 18.º do PC, o princípio interpretativo decorrente do artigo 9.º do Código Civil, e assente na doutrina e na jurisprudência, relembra-nos que “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”; ou seja, se o PC não teve o cuidado de distinguir entre responsabilidade por ato lícito e ilícito, e existindo a possibilidade, como apontado na decisão recorrida, de a entidade adjudicante atuar ilicitamente nas situações de declaração de caducidade da adjudicação, haverá que concluir que o propósito da norma em crise foi o de acautelar que a entidade adjudicante não suportaria qualquer pretensão indemnizatória, mesmo que fundada na sua atuação ilícita;
JJJJ. Acresce que, a subsunção que a Recorrente faz dos factos descritos no artigo 18.º do PC à norma do artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP, só vem demonstrar que o propósito do dispositivo em crise é efetivamente afastar todas as pretensões indemnizatórias do adjudicatário, sejam elas motivadas por atos lícitos ou ilícitos;
KKKK. Com efeito, o artigo 87.º-A, n.º 1, do CCP, determina que “sem prejuízo de outras causas de caducidade previstas no presente Código ou resultantes de outra legislação aplicável, determina ainda a caducidade da adjudicação a ocorrência superveniente de circunstâncias que inviabilizem a celebração do contrato, designadamente por impossibilidade natural ou jurídica, extinção da entidade adjudicante ou do adjudicatário ou por insolvência deste”;
LLLL. A AMP socorre-se do advérbio “designadamente” para afirmar que as causas de caducidade de adjudicação elencadas no artigo 18.º do CE se reconduzem a este preceito do CCP e afirma, em abono da sua tese, que nestes casos, “o legislador não previu qualquer dever de indemnização por parte da entidade adjudicante ao adjudicatário. Pela simples razão de que estão em causa circunstâncias sobre as quais a entidade adjudicante não tem qualquer controlo ou influência […]”;
MMMM. O que a Recorrente se esqueceu de apontar é que o referido preceito do CCP não consagra expressamente, mas também não afasta a responsabilidade da entidade adjudicante;
NNNN. Ao introduzir no artigo 18.º do PC uma norma onde se estabelece que “a declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”, a AMP pretendeu, justamente, afastar o regime geral de responsabilidade aplicável no contexto do artigo 87.º-A do CCP, excluindo também ou até principalmente a responsabilidade por atuação ilícita da AMP;
OOOO. Por conseguinte, se o n.º 12 do artigo 18.º do PC for interpretado como propugna a Recorrente, não terá, pois, sentido útil. Mais a mais se se considerar que, como aponta a própria AMP nas Alegações de recurso “todas as [demais] causas de não adjudicação, não podendo ser imputadas à vontade discricionária da entidade adjudicante, não geram o dever de indemnização”;
PPPP. A tudo isto acresce que a leitura integral do n.º 12 do artigo 18.º vem, justamente, confirmar que essa disposição visa afastar a possibilidade de o adjudicatário deduzir quaisquer pretensões ao abrigo do regime geral de responsabilidade, aí se incluindo, pois, as fundadas em atos ilícitos: basta atentar na circunstância de a aludida norma, referindo que a declaração de caducidade “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” logo clarificar que, em sentido inverso, a entidade adjudicante pode deduzir uma pretensão indemnizatória contra o adjudicatário ao abrigo da responsabilidade pré-contratual, nos termos gerais;
QQQQ. Fica claro, portanto, que se o adjudicatário pode ser responsabilizado “nos termos gerais”, tal não poderá suceder com a entidade adjudicante, em virtude da exclusão expressa e total de responsabilidade prevista no artigo 18.º, n.º 2, do PC;
RRRR. Por todas as razões expostas, só é possível concluir que o inciso em crise constante do n.º 12 do artigo 18.º do PC tem o propósito de abranger qualquer pretensão indemnizatória do adjudicatário, tendo bem decidido o Tribunal a quo que a disposição naquele inciso “é, pois, abusiva e ilegal por violação do princípio da igualdade e proporcionalidade entre os contratantes”, não se verificando a existência de qualquer erro de julgamento que pudesse conduzir à sua alteração, devendo a Decisão ser mantida nos seus precisos termos;
SSSS. Relativamente ao almejado erro de julgamento sobre a Cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, que estatui o poder de aplicação de “sanções contratuais pecuniárias” para “[t]odas as demais situações de incumprimento não tipificadas” na mesma Cláusula, como bem julgou o Tribunal a quo, tal disposição do CE não se encontra suficientemente determinada, violando, assim, os princípios da legalidade e da tipicidade;
TTTT. Do alegado pela Recorrente a este propósito resulta evidente que parte de um raciocínio disforme para concluir no sentido que mais lhe convém, ocupando largos parágrafos das suas Alegações dissertando sobre o grau e a intensidade do princípio da tipicidade no Direito Penal para discorrer que aquele princípio “não se transpõ[e] integralmente para o direito disciplinar [da função pública]”, porquanto neste último Direito “as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau”;
UUUU. Sucede que, ao contrário do que a Recorrente tenta fazer crer, o Tribunal a quo não faz qualquer análise ou sequer referência a uma aplicação qua tale do princípio da tipicidade no caso das sanções contratuais administrativas…
VVVV. Ora, concreta e unicamente, o Tribunal a quo entendeu, não mais que, não ser razoável nem legal o facto de as “obrigações contratuais, que podem ser principais ou acessórias” – cujo incumprimento corresponde à imposição de uma sanção contratual pecuniária – não se encontrarem “objectivamente tipificadas nas alíneas em apreço”;
WWWW. Desde logo, o facto de não vigorar, noutros domínios sancionatórios, todo o rigor garantístico e a tipicidade “absoluta” e “máxima” atinentes ao Direito Penal (cf. decorre do artigo 29.º n.º 1 da CRP), não significa que em matéria de “sanções contratuais administrativas” a tipicidade não exista;
XXXX. E daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE resulta uma total atipicidade dos incumprimentos contratuais passíveis de serem sancionados pecuniariamente com base no Contrato, nas quais a AMP introduziu uma cláusula genérica e absolutamente abstrata, em que se permite aplicar sanções pecuniárias, leves, graves ou muito graves, em “[t]odas as demais situações de incumprimento não tipificadas”…
YYYY. Por força disso, defenderam e defendem as Autoras (e aqui Recorridas), que “[v]igora, portanto, em matéria de sanções contratuais, o princípio da tipicidade, devendo as mesmas encontrar-se tipificadas no contrato ou na lei”;
ZZZZ. Importa reparar que aquelas disposições significam que, para além de se sujeitar a que lhe seja aplicada uma sanção contratual pecuniária por situações que o Contrato tipifica como incumprimento, o Concorrente/Adjudicatário e/ou Cocontratante ainda se vê na circunstância de lhe poder ser aplicada sanção contratual pecuniária por ação ou omissão cuja tipificação, como incumprimento contratual, depende exclusivamente do poder arbitrário da AMP, e que o Concorrente ou futuro Cocontratante não pode, aquando da apresentação da proposta ou durante a execução do contrato, equacionar qual possa ser (!)
AAAAA. Ora, deixar na livre disposição da AMP decidir a tipificação (posterior) dos comportamentos que podem ficar sujeitos a sanções contratuais, mesmo que o seu valor esteja determinado, é uma inaceitável afronta aos princípios da legalidade e da tipicidade;
BBBBB. Trata-se, claramente, de uma daquelas cláusulas que tem a abertura suficiente para que o Contraente Público possa tomar decisões arbitrárias, abusivas…
CCCCC. A acrescer, ao contrário do que a AMP afirma, não é possível encontrar naquelas disposições em apreço da Cláusula 53.ª do CE a exigida, legal e razoável, determinabilidade objetiva do conteúdo dos comportamentos censurados; sendo certo que, desprovidas de conteúdo objetivo e sem um mínimo de determinabilidade, não concedem ao Cocontratante privado o conhecimento – nem permitem que lhe seja exigível saber – dos comportamentos proibidos e sancionados, se o remete para as demais 64 Cláusulas e dez Anexos que compõem o CE;
DDDDD. Consequentemente, e ao contrário do pugnado pela Recorrente, nem mesmo o “mínimo de previsibilidade (condições mínimas de determinabilidade) que aponta à matéria das sanções contratuais administrativas, “é alcançado a partir do momento em que os concorrentes e o adjudicatário conhecem integralmente as obrigações previstas no Caderno de Encargos antes mesmo de apresentar as respetivas propostas”;
EEEEE. Ora é de sublinhar que mesmo em matéria de “normas sancionatórias administrativas em branco (não penais)” – que, apesar de excluídas da “aplicação direta do princípio da legalidade penal”, não são subtraídas ao “princípio do Estado de Direito”, “desde logo, porque tal princípio não pode deixar de conter uma garantia de “certeza na orientação” e de “segurança na implementação”” – exige-se que o Legislador fixe “de modo esclarecedor, inequívoco e objetivamente cognoscível – quer um comando proibitivo, quer o correspondente comando sancionatório da conduta proibida”;
FFFFF. Assim, é de reiterar que, a “norma remissiva” contida naquelas disposições da Cláusula 53.ª é insuficiente para enunciar e determinar objetivamente os demais comportamentos censuráveis no caso concreto daquele Contrato;
GGGGG. A verdade é que – mesmo que na hipótese pugnada de um “mínimo de previsibilidade” – é por demais evidente que (os incumprimentos das) obrigações contratuais sancionáveis pelo Contraente Público não estão objetivamente tipificadas nas alíneas em apreço;
HHHHH. Foi em defesa dos princípios da legalidade e da tipicidade, e dos demais princípios gerais de Direito Administrativo, que o Legislador impôs a necessidade de as sanções contratuais serem tipificadas no próprio contrato ou na lei, cf. artigo 329.º n.º 1 do CCP; e o que o “contraente público pode” é “[a]plicar as sanções previstas para a inexecução do contrato”, cf. consagrado no artigo 302.º alínea d) do CCP;
IIIII. E quando se diz previstas ou “tipificadas objetivamente”, significa que a sua previsão no Contrato (ou em Lei) deve conter todos os elementos que permitam ao seu destinatário ter a certeza de quais são concretamente os comportamentos que podem levar a que lhe seja aplicada uma sanção (contratual pecuniária);
JJJJJ. Ora, dúvidas não restam de que bem esteve o Tribunal a quo ao entender que “não se encontr[a] suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objectiva, de forma clara e precisa”;
KKKKK. Por todas as razões expostas, nenhuma mácula pode ser apontada à decisão do Tribunal a quo a este respeito, porquanto não resta outro julgamento que não o da ilegalidade daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE, por preverem a possibilidade da aplicação de sanções contratuais pecuniárias em casos ali não tipificados objetivamente e, mais, cuja formulação não permite o enquadramento fáctico do universo dos demais incumprimentos geradores de sanção contratual, pelo futuro Cocontratante privado…
LLLLL. Bem foi reconhecida pelo Tribunal a quo a ilegalidade daquelas disposições da Cláusula 53.ª do CE, porque, sem margem para dúvidas, violam o princípio da legalidade e tipicidade subjacente à previsão de sanções contratuais, não se verificando a existência de qualquer erro de julgamento que pudesse conduzir à sua alteração, devendo a Decisão ser mantida nos seus precisos termos;

Nestes termos e nos demais de Direito deve ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida na parte em que julga parcialmente procedente a ação interposta e, em consequência, declarou ilegais o inciso do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso e a Cláusula 53.ª n.º 3 alínea i), n.º 4 alínea m), e n.º 5 alínea n), do Caderno de Encargos, com as devidas legais consequências, com o que fará este Venerando Tribunal inteira e sã,
JUSTIÇA!»
1.8. A Entidade Demandada AMP contra-alegou no recurso interposto pelas Autoras “ AA. G.”, “AA. UTC” e “AA. B.” mas não formulou conclusões.
1.9. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber:
II.A. NO RECURSO INTERPOSTO PELA JUNTA METROPOLITANA DO PORTO.
(b.1) se a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia, sancionável com a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil, ou pelo menos em nulidade secundária, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva).
(b.2) se a sentença recorrida errou ao julgar verificada a invalidade do artigo 18.º, n.º 12, do Programa de Concurso, no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e na cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, assim se fazendo.
II.B.1 NO RECURSO INTERPOSTO PELAS “AA. UTC”:
(b.3) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violoção do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 36.º do CCP;
(b.4) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação da alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015;
(b.5) se a sentença recorrida errou ao desconsiderar o reflexo nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19);
(b.6) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente o invocado incumprimento do Regime das PPP;
(b.7) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a invocada violação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, a violação do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência;
(b.8.) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do regime das PPP e
(b.9) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
II.B.2- NO RECURSO INTERPOSTO PELAS “AA.G.”
(b.10) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento;
(b.11) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”);
(b.12) se a sentença recorrida errou ao desconsiderar nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19);
(b.13) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente o invocado incumprimento do Regime das Parcerias Público-Privadas (“PPP”);
(b.14) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência;
(b.15) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP;
(b.16) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015, e
(b.17) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a ilegalidade da Cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, por violação do regime legal aplicável e pela violação decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
II.B.3- NO RECURSO INTERPOSTO PELAS “AA. B.”.
(b.18) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a invocada invalidade decorrente da não submissão, por parte da AMP, da versão final das peças do procedimento a parecer prévio, obrigatório e vinculativo, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes;
(b.19) se a sentença recorrida errou ao desconsiderar a existência de circunstâncias supervenientes imprevistas, trazidas pela pandemia da doença COVID-19;
(b.20) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a ilegalidade da cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do caderno de encargos por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência;
(b.21) se a sentença recorrida errou ao julgar improcedente a ilegalidade da cláusula 45.º, n.º 2 do caderno de encargos, por violação do artigo 282.º do CPC e do princípio da proporcionalidade.
2.3. Considerando que são vários os recursos interpostos contra a sentença recorrida, conheceremos, prima facie, dos fundamentos de recurso invocados no recurso interposto pela Entidade Demandada/Apelante AMP.
Quanto aos recursos interpostos pelas AA. “UTC”, “G.” E “B.” deles conheceremos pela ordem com que foram apresentandos em juizo os respetivos requerimentos de interposição de recurso. Porém, considerando, que nos três recursos que foram interpostos autonomamete pelas identificadas Apelantes, existem questões comuns, isto é, iguais fundamentos de recurso impetrados à sentença recorrida, os mesmos serão analisados em conjunto.
**
III- FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO.
3.1.A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
«A). Com data de 09.01.2020, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes remeteu à R. AMP um ofício, sob o «Assunto: Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) vimos pelo presente habilitar V.Exa. com o Parecer n.º 04/AMT/2020, de 9 de janeiro, desta autoridade, nos termos do consignado na alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto- Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, quanto ao procedimento supra referenciado. (…)”. - cfr. fls. 4 do processo administrativo;
B). O teor do “Parecer n.º 04/AMT/2020 || Supervisão – Avaliação de políticas públicas e Monitorização Setorial”, datado de 09.01.2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(…)”- cfr. fls. 5 a 64 do processo administrativo;
C). Em 13.01.2020, foi elaborada “proposta” que foi apresentada à Comissão Executiva da R. AMP, a qual foi apreciada em reunião de 16.01.2020, da qual foi lavrada acta, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”- cfr. fls. 65 a 73 do processo administrativo;
D). Com data de 24.01.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 17 – Parte L, o “Anúncio de procedimento n.º 711/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
2 - OBJETO DO CONTRATO
Designação do contrato: Contratação de serviço de transporte rodoviário de passageiros na Área Metropolitana do Porto
Descrição sucinta do objeto do contrato: Prestação de serviços de transporte rodoviário de passageiros em relação aos quais a Área Metropolitana do Porto exerce funções de autoridade de transportes
Tipo de Contrato: Aquisição de Serviços
Preço base do procedimento: Sim
Valor do preço base do procedimento: 394485119.00 EUR
(…)
Referência interna: CP 1/2020
O contrato envolve aquisição conjunta (com várias entidades)? Não
Contratação por lotes: Sim
O contrato é adjudicado por uma central de compras: Não
O concurso destina-se à celebração de um acordo quadro: Não
É utilizado um leilão eletrónico: Não
É adotada uma fase de negociação: Não
(…)
6 - PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
Prazo: Anos
7 anos
O contrato é passível de renovação? Não
7 - DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO
7.1 - Habilitação para o exercício da atividade profissional
Sim
Tipo:
Licenças para o exercicio de Actividade
Descrição:
Licenças para o exercício de Transportes Rodoviários de Passageiros no âmbito deste concurso
(…)
9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
Até às 23 : 59 do 60 º dia a contar da data de envio do presente anúncio
10 - PRAZO DURANTE O QUAL OS CONCORRENTES SÃO OBRIGADOS A MANTER AS RESPETIVAS PROPOSTAS
240 dias a contar do termo do prazo para a apresentação das propostas
11 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
Melhor relação qualidade-preço: Sim
Critério relativo à qualidade
Nome: Qualidade da Proposta
Ponderação: 50 %
Critério relativo ao custo
Nome: Preço de serviço
Ponderação: 50 %
(…)
14 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2020/01/21
15 - O PROCEDIMENTO A QUE ESTE ANÚNCIO DIZ RESPEITO TAMBÉM É PUBLICITADO NO JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA:
Sim
(…)”.- cfr. fls. 2078 a 2082 do processo administrativo;
E). Com data de 24.01.2020, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, o “Anúncio de concurso| Serviços” – “Portugal – Porto: Serviços de transporte rodoviário 2020/S 017-036765”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 2083 a 2088 do processo administrativo;
F). Com data de 11.02.2020, reuniu o júri do procedimento concursal em causa tendo proferido as seguintes deliberações: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2089 a 2090 do processo administrativo;
G). Com data de 27.02.2020, reuniu o júri do procedimento concursal em causa tendo proferido as seguintes deliberações: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2091 a 2092 do processo administrativo;
H). Em 09.03.2020, foi elaborada “proposta” pela Comissão Executiva da R., cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2094 a 2096 e 2097 a 2266 do processo administrativo;
I). Com data de 13.03.2020, reuniu o júri do procedimento concursal em causa tendo proferido as seguintes deliberações: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2282 a 2283 e 2284 a 2412 do processo administrativo;
J). Em 30.03.2020, foi elaborada “proposta” pela Comissão Executiva da R., cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2413 e 2414 do processo administrativo;
K). Com data de 06.04.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 68 – Parte L, a “Declaração de retificação de anúncio n.º 130/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
Até às 23 : 59 do 72 º dia a contar da data de envio do presente anúncio
14 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2020/01/21(…)”.- cfr. fls. 2419 e 2420 do processo administrativo;
L). Com data de 17.04.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 76 – Parte L, a “Declaração de retificação de anúncio n.º 141/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
Até às 23 : 59 do 132 º dia a contar da data de envio do presente anúncio
14 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2020/01/21(…)”.- cfr. fls. 2421 e 2422 do processo administrativo;
M). Em 29.06.2020, foi elaborada “proposta” pela Comissão Executiva da R., cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”, o que foi aprovado em reunião extraordinária da comissão executiva metropolitana do Porto, em 29.06.2020.- cfr. fls. 2425 a 2427 do processo administrativo;
N). Com data de 02.07.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 127 – Parte L, a “Aviso de Prorrogação de prazo n.º 1256/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2430 e 2431 do processo administrativo;
O). Com data de 10.07.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 133 – Parte L, a “Anúncio de procedimento n.º 7422/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2436 e 2437 do processo administrativo;
P). Em 17.07.2020, foi elaborada “proposta” pela Comissão Executiva da R., cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”, a qual foi aprovada em reunião extraordinária da comissão executiva metropolitana do Porto, em 21.07.2021- cfr. fls. 2438 e 2439 e 2463 e 2464 do processo administrativo;
Q). O teor do “Programa de Concurso” – na redacção de Julho/2020 - que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”. - cfr. fls. 2441 a 2459 do processo administrativo;
R). O teor do “Caderno de Encargos” - na redacção de Julho/2020 - que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
CLÁUSULA 2.ª (Anexos)
Constituem anexos ao Caderno de Encargos, os seguintes documentos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
CLÁUSULA 6.ª (Produção de efeitos e duração do contrato)
1. O Contrato produz efeitos a partir das 00h00m do primeiro dia do mês seguinte àquele em que ao COCONTRATANTE seja notificada pelo CONTRAENTE PÚBLICO a emissão de visto prévio pelo Tribunal de Contas.
2. O Contrato tem a duração de 7 (sete) anos contados da data do início do Período de Funcionamento Normal.
CAPÍTULO IV
FASES DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA 7.ª (Período de transição)
1. Com o início da vigência do Contrato inicia-se um Período de Transição durante o qual o COCONTRATANTE não assume obrigações de Operação e Manutenção e deve obter, caso ainda não tenha obtido, todas as licenças e autorizações necessárias para a Prestação de Serviços, assim como ultimar o desenvolvimento de todas as ações de preparação da sua estrutura (incluindo, entre outros, recursos humanos e meios técnicos) que se mostrem adequadas ou necessárias para assumir as obrigações decorrentes da Prestação de Serviços.
2. Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 10, o Período de Transição termina no último dia do 6.º (sexto) mês a contar do início da vigência do Contrato, contando-se como 1.º mês o mês do início da produção de efeitos do Contrato nos termos do n.º 1 da cláusula anterior.
3. Para o desenvolvimento das ações referidas no n.º 1, o CONTRAENTE PÚBLICO deve criar as condições necessárias para o acesso do COCONTRATANTE a quaisquer infraestruturas civis, operacionais ou técnicas que serão por si disponibilizadas para o efeito da realização da Prestação de Serviços pelo COCONTRATANTE e assegurar a disponibilidade do pessoal envolvido, desde que tal não afete o normal funcionamento das atividades que, durante a Fase de Transição, continuam a estar a cargo dos atuais operadores.
4. O COCONTRATANTE deve informar o CONTRAENTE PÚBLICO, dentro dos primeiros 20 (vinte) dias do Período de Transição, das medidas e ações que pretende adotar para efeitos da presente cláusula, podendo o CONTRAENTE PÚBLICO, no âmbito dos seus poderes de direção, caso verifique que as ações e medidas a adotar são manifestamente insuficientes e/ou desadequadas para cumprir os objetivos do Período de Transição, emitir ordens e orientações, a que o COCONTRATANTE fica vinculado, nos termos legais.
5. A informação exigida no número anterior deve ser feita por escrito com identificação e caracterização detalhada de cada medida ou ação que o COCONTRATANTE se propõe desenvolver, acompanhada do planeamento que evidencia a exequibilidade dessas medidas ou ações dentro do Período de Transição, bem com a sua adequação e suficiência para reunir as condições necessárias para iniciar, de forma plena, o exercício das atividades abrangidas pelo Contrato na data de início do Período de Funcionamento Normal.
6. Sem prejuízo de outras obrigações previstas no Caderno de Encargos e nos respetivos Anexos, antes do termo do Período de Transição, o COCONTRATANTE deve apresentar ao CONTRAENTE PÚBLICO:
a) Os documentos comprovativos de todas as licenças e autorizações necessárias para a Prestação de Serviços;
b) Os contratos celebrados com vista a garantir a disponibilidade do Material Circulante necessário para a Prestação de Serviços, nos termos da alínea a) do n.º 4 da Cláusula 10.ª e da Cláusula 18.ª;
c) Os documentos comprovativos da sua adesão ao Sistema Intermodal Andante (SIA);
d) O documento emitido pelo TIP que ateste a conformidade do sistema de bilhética referida na Cláusula 17.ª com os requisitos técnicos previstos no Anexo VII ao Caderno de Encargos, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias em face do termo do Período de Transição;
e) O primeiro Plano de Operação, nos termos da Cláusula 11.ª;
f) A imagem do Material Circulante, para aprovação pelo CONTRAENTE PÚBLICO, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar do início do Período de Transição;
g) O manual do motorista, que deve incluir, entre outros, a regulação das matérias de fardamento, higiene, segurança e saúde no trabalho e relação com os Utentes, bem como os procedimentos que referem ao controlo de álcool ou de substâncias que possam influenciar a capacidade para o desempenho das funções de motoristas, que deve ser submetido à aprovação do CONTRAENTE PÚBLICO no prazo de 30 (trinta) dias a contar do início do Período de Transição;
h) Os pedidos de subcontratação que considere necessária, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar do início do Período de Transição;
i) A lista de recursos humanos nos termos previstos na Cláusula 26.ª;
j) Os documentos comprovativos das apólices de seguros contratadas nos termos da Cláusula 47.ª;
k) Os documentos que comprovem o cumprimento das especificações técnicas do sistema de transmissão de dados previsto na Cláusula 38.ª;
l) Todos os demais documentos que se revelem necessários para demonstrar que o COCONTRATANTE reúne as condições necessárias para o exercício das atividades de Operação e Manutenção.
7. Durante os últimos 15 (quinze) dias do Período de Transição, o COCONTRATANTE deve realizar uma campanha de divulgação da Prestação de Serviços através dos meios adequados e eficientes para o efeito, sobretudo nos postos de venda e na página de internet do COCONTRATANTE, com divulgação ao público das seguintes informações mínimas:
a) Data do início do Período de Funcionamento Normal da Prestação de Serviços;
b) Aceitação ou não dos títulos de transporte adquiridos ao(s) atual(is) operador(es) para a utilização do serviço do COCONTRATANTE;
c) Percursos, paragens e horários da Prestação de Serviços, segundo o modelo a disponibilizar pelo CONTRAENTE PÚBLICO com a antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias em face do termo do Período de Transição.
8. No caso de o COCONTRATANTE conseguir reunir todas as condições necessárias para a assunção plena de todas as obrigações do Contrato antes do termo do prazo de 6 (seis) meses previsto no n.º 2, o COCONTRATANTE pode pedir ao CONTRAENTE PÚBLICO a redução, em um, dois, três ou quatro meses, da duração do Período de Transição, devendo este decidir no prazo de 5 (cinco) dias a contar da data de receção do requerimento.
9. O disposto no número anterior não implica a atribuição ao COCONTRATANTE de algum direito à redução da duração do Período de Transição.
10. No caso de o COCONTRATANTE não reunir, findo o Período de Transição, as condições necessárias para a assunção plena de todas as obrigações do Contrato por facto que não lhe seja imputável, o COCONTRATANTE deve informar imediatamente, e nunca depois de iniciados os últimos 15 (quinze) dias imediatamente anteriores a esse termo, o CONTRAENTE PÚBLICO, podendo este, tendo em conta a informação fundamentada prestada, conceder-lhe uma prorrogação da duração do Período de Transição para a conclusão das diligências em falta.
11. O incumprimento do dever de informação referido no número anterior exclui o direito do COCONTRATANTE de invocar o facto não imputável verificado para justificar o seu incumprimento das obrigações do Contrato.
12. A duração da prorrogação referida no n.º 10 depende do tipo e da gravidade dos factos invocados não imputáveis ao COCONTRATANTE.
13. A não verificação, findo o Período de Transição, das condições necessárias para a assunção plena de todas as obrigações do Contrato por facto imputável ao COCONTRATANTE configura um evento de incumprimento imputável ao COCONTRATANTE e confere ao CONTRAENTE PÚBLICO o direito de aplicar sanções, nos termos da Cláusula 53.ª ou, caso a gravidade o justifique, de promover a resolução do Contrato, nos termos da Cláusula 56.ª.
(…)
CLÁUSULA 10.ª (Obrigações gerais do COCONTRATANTE)
1. O COCONTRATANTE obriga-se a realizar a Prestação de Serviços em perfeita conformidade com o disposto no Contrato, designadamente cumprindo a Rede correspondente ao lote que lhe é adjudicado, bem como com as disposições legais e regulamentares que, em cada momento, estejam em vigor.
2. Constitui obrigação do COCONTRATANTE disponibilizar, para efeitos da Prestação de Serviços, todos os bens que se mostrem necessários ou convenientes à boa prossecução das atividades compreendidas no Contrato, por forma a assegurar, nomeadamente, que os serviços são prestados com o grau de qualidade estabelecido no Contrato e que é satisfeita a procura a cada momento verificada.
3. Os bens referidos no número anterior incluem, designadamente:
a) O Material Circulante, nos termos da Cláusula 18.ª;
b) O sistema de bilhética, nos termos da Cláusula 17.ª; e
c) O equipamento para transmissão da informação de operação em tempo real, nos termos previstos na Cláusula 38.ª.
4. Os bens a disponibilizar pelo COCONTRATANTE para efeitos da Prestação de Serviços pelo COCONTRATANTE devem, sem prejuízo de outras exigências legais, regulamentares e contratuais aplicáveis, satisfazer os seguintes requisitos mínimos:
a) Ter características e qualidade adequadas à finalidade a que se destinam e terem sido fabricados e executados de acordo com as respetivas especificações técnicas, ou, se estas não existirem, de acordo com as melhores regras e métodos da arte, salvo no caso de se tratar de soluções inovadoras, desde que previamente aceites pelo CONTRAENTE PÚBLICO; e
b) Ser concebidos de acordo com os requisitos de segurança e as normas adequadas ao funcionamento fiável de um sistema de transporte rodoviário de passageiros, moderno, seguro e plenamente operacional.
5. O COCONTRATANTE deve assegurar que dispõe dos direitos necessários à utilização dos bens abrangidos pela presente cláusula, incluindo nos termos e para os efeitos da Cláusula 31.ª, devendo suportar todos os encargos associados a esses direitos, incluindo, sem limitar, os relativos à sua aquisição e renovação, durante todo o período da Prestação de Serviços.
6. Caso se verifique que os bens utilizados pelo COCONTRATANTE para a execução do Contrato são desadequados ou insuficientes para assegurar a boa prossecução da Prestação de Serviços, o CONTRAENTE PÚBLICO pode, no âmbito dos seus poderes de direção, emitir ordens e orientações com vista a corrigir a desadequação ou insuficiência verificada, a que o COCONTRATANTE fica vinculado, nos termos legais.
7. O COCONTRATANTE não pode utilizar, para o efeito do exercício de qualquer atividade fora da Prestação de Serviços, os bens referidos na presente cláusula e na cláusula anterior, salvo autorização por parte do CONTRAENTE PÚBLICO e desde que mantenha uma contabilidade analítica que permita separar as contas de tais atividades e da Prestação de Serviços.
8. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se desde logo autorizada a utilização dos bens referidos na presente cláusula para a realização das atividades mencionadas e reguladas na Cláusula 19.ª.
9. No âmbito das atividades de Operação, o COCONTRATANTE é designadamente responsável por:
a) Garantir a boa execução do Contrato, de forma regular e contínua, satisfazendo as necessidades de procura verificadas em cada momento;
b) Assegurar o cumprimento do Plano de Operação referido na Cláusula 11.ª;
c) Prestar os serviços de transporte objeto do Contrato a todos os Utentes, sem qualquer discriminação quanto às condições de acesso e de realização, para além das que sejam impostas pelo regime tarifário;
d) Dispor de recursos humanos em qualidade e número adequados para levar a cabo as ações exigidas pela Operação;
e) Cumprir os condicionamentos ou limitações impostas pelas autoridades competentes e que se projetem na atividade de Operação, nos termos das disposições legais e regulamentares vigentes em cada momento;
f) Obter e atualizar todas as autorizações e/ou licenças para os recursos humanos e para a Operação;
g) Cumprir as normas legais, contratuais e regulamentares aplicáveis às atividades de Operação, incluindo as previstas no Decreto-Lei n.º 9/2015, de 15 de janeiro, relativo ao contrato de transporte rodoviário de passageiros;
h) Cumprir devidamente todos os deveres gerais de informação e comunicação previstos na legislação e regulamentação aplicáveis, sobretudo os constantes do artigo 22.º do RJSPTP e dos regulamentos da AMT; e
i) Articular-se com terceiros que interajam na Prestação de Serviços, designadamente com os operadores dos serviços públicos integrantes dos outros lotes previstos na Cláusula 5.ª que não se encontram adjudicados ao COCONTRATANTE, com o operador interno Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, S. A. e com os operadores da linhas inter-regionais e municipais da competência de outras autoridades de transportes
(…)
CLÁUSULA 18ª (Material circulante)
1. O COCONTRATANTE obriga-se a disponibilizar o Material Circulante necessário à Operação, o qual deve observar, no mínimo, as exigências previstas na legislação aplicável, no presente Caderno de Encargos e na Proposta.
(…)
3. O COCONTRATANTE deve afetar à Operação, no mínimo, o número de veículos indicado na Proposta, o qual, consoante o lote em causa, deve respeitar os seguintes limites máximo e mínimo durante todo o Contrato, salvo se as alterações supervenientes à produção quilométrica prevista no Anexo III ao Caderno de Encargos justificarem a disponibilização pelo COCONTRATANTE de uma quantidade diferente de veículos necessária à Prestação de Serviços:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
CAPÍTULO VI
RECURSOS HUMANOS
CLÁUSULA 26.ª (Estrutura de recursos humanos)
1. O COCONTRATANTE obriga-se a estabelecer e a manter uma estrutura de recursos humanos que permita dar integral cumprimento às obrigações decorrentes do Contrato, devendo dispor, durante todo o Período de Funcionamento Normal, de um número suficiente de pessoal dotado de experiência e formação adequadas e qualificação ou licenciamento necessário (quando aplicável) para desenvolver, de forma contínua ou pontual, as atividades incluídas na Prestação de Serviços.
2. O COCONTRATANTE obriga-se a respeitar integralmente a obrigação de suceder na posição contratual de empregador nas relações laborais existentes com trabalhadores que prestam o seu trabalho aos operadores que à data da celebração do Contrato prestam o serviço público correspondente ao objeto do Contrato, no caso de essa obrigação ser imposta pelos instrumentos de contratação coletiva aplicáveis, pelo regime jurídico aplicável em caso de transmissão de unidade económica, previsto na Diretiva n.º 2011/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, e pelos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho.
3. Fora do caso previsto no número anterior, o COCONTRATANTE, caso tenha necessidade de contratar recursos humanos para assegurar o cumprimento das obrigações emergentes do Contrato durante o Período de Transição e durante o primeiro Ano Contratual, obriga-se, nos termos dos n.ºs 4 a 9, seguintes, a contratar os trabalhadores que, à data da celebração do Contrato, exerçam funções correspondentes àquelas que o COCONTRATANTE pretenda contratar ao serviço dos operadores que, nessa data, prestem o serviço público correspondente ao objeto do Contrato (“Trabalhadores Antigos”) e manifestem interesse nessa contratação.
4. Sempre que, durante o Período de Transição e durante o primeiro Ano Contratual, tenha necessidade de contratar recursos humanos, o COCONTRATANTE comunica ao público, através da sua página de internet e de anúncios em, pelo menos, um jornal de âmbito regional ou nacional, a sua intenção de contratação, acompanhada das seguintes informações mínimas:
a) Número de vagas;
b) Funções e categoria profissional inerentes a cada um dos postos em recrutamento;
c) Local(ais) para a prestação do trabalho e o âmbito territorial do lote em causa;
d) Indicação de que beneficiam das regras preferenciais de recrutamento constantes do disposto no n.º 6 os Trabalhadores Antigos que:
i. Na data correspondente à da celebração do Contrato e que deve ser expressamente indicada, exerciam funções correspondentes às indicadas na alínea b); e
ii. Que juntem os elementos probatórios relevantes para verificação do preenchimento dos requisitos referidos na subalínea anterior;
e) Local onde esteja disponível, a título gratuito, cópia do correspondente modelo de contrato de trabalho, no qual se preveja as condições contratuais mínimas que o COCONTRATANTE está disposto a assumir na qualidade de empregador, em integral conformidade com o regime jurídico-laboral, incluindo o regime convencional coletivo aplicável, sem prejuízo de eventual negociação, na medida do legalmente admissível, de condições contratuais mais favoráveis com cada um dos trabalhadores;
f) Endereço eletrónico e prazo, o qual não pode ser inferior a 7 (sete) dias úteis a contar da data da comunicação da intenção de contratação, para manifestação do interesse na posição indicada no anúncio.
5. O COCONTRATANTE obriga-se a enviar ao CONTRAENTE PÚBLICO, no dia seguinte à respetiva publicitação, cópia do anúncio e cópia do modelo de contrato de trabalho a que se refere o número anterior e indicação dos meios de publicitação usados.
6. Se, em relação a uma mesma vaga, concorrerem um Trabalhador Antigo e candidato que não o seja, o COCONTRATANTE obriga-se a contratar o Trabalhador Antigo, exceto se demonstrar que este não reúne as qualificações, habilitações, experiência e certificações exigidas para a ocupação do correspondente posto de trabalho ou que tal trabalhador recusou as condições contratuais previstas no modelo de contrato disponibilizado pelo COCONTRATANTE nos termos e para o efeito da alínea e) do n.º 4.
7. Caso o número de Trabalhadores Antigos que tenham manifestado interesse na posição indicada no anúncio nos termos da alínea f) do n.º 4 seja superior ao número de vagas fixado nesse anúncio, o COCONTRATANTE pode escolher livremente, de entre esses e em conformidade com critérios legítimos e objetivos, de natureza gestionária, quais os trabalhadores a contratar.
8. O contrato de trabalho a celebrar com os Trabalhadores Antigos nos termos dos números anteriores deve respeitar, no mínimo, as condições contratuais previstas no modelo de contrato disponibilizado pelo COCONTRATANTE nos termos e para o efeito da alínea e) do n.º 4, sem prejuízo da integral conformidade com o regime jurídico-laboral, incluindo o regime convencional coletivo, aplicáveis à data da celebração do contrato de trabalho.
9. Nos casos em que o COCONTRATANTE seja uma sociedade constituída nos termos do artigo 19.º do Programa do Concurso, a obrigação prevista nos n.ºs 3 a 8 apenas lhe é aplicável quando contrate recursos humanos para efeitos do presente Contrato que não sejam trabalhadores que, à data da celebração do Contrato, estivessem ao serviço dos sócios fundadores do COCONTRATANTE.
10. Até 40 (quarenta) dias antes do termo do Período de Transição, o COCONTRATANTE deve apresentar, para aprovação do CONTRAENTE PÚBLICO, a lista da estrutura de recursos humanos a utilizar para a Prestação de Serviços no primeiro dia do Período de Funcionamento Normal, informando quais os recursos humanos que foram contratados ao abrigo da obrigação prevista nos n.ºs 3 a 8,a justificação para a não contratação daqueles que, nos termos dos n.ºs 3 a 8, nesta tenham demonstrado interesse, e, se for o caso, aqueles que estavam ao serviço dos sócios da SOCIEDADE COCONTRATANTE constituída nos termos e para o efeito do artigo 19.º do Programa do Concurso à data da sua constituição, incluindo ainda aqueles que pertencem a entidades subcontratadas, com indicação da função e categoria profissional e identificação completa de cada elemento integrante da equipa de recursos humanos.
11. O CONTRAENTE PÚBLICO deve pronunciar-se sobre a lista referida no número anterior no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da sua receção.
12. O COCONTRATANTE é responsável pelo atraso no início do Período de Funcionamento Normal que resulte da não aprovação dos recursos humanos nos termos dos números anteriores.
13. O COCONTRATANTE obriga-se a apresentar provas das qualificações, habilitações e experiência do seu pessoal ou do pessoal subcontratado, sempre que tal seja solicitado pelo CONTRAENTE PÚBLICO.
14. O COCONTRATANTE obriga-se a assegurar que todos os meios humanos utilizados no âmbito da Prestação de Serviços, incluindo o pessoal de entidades subcontratadas, empregam toda a sua competência e diligência na realização das tarefas que lhe forem cometidas.
15. Qualquer alteração à composição dos recursos humanos durante a execução do Contrato deve ser comunicada de imediato pelo COCONTRATANTE ao CONTRAENTE PÚBLICO, demonstrando o cumprimento do disposto nos números anteriores.
16. O COCONTRATANTE deve cumprir todas as disposições legais e regulamentares e o previsto em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis, sendo da sua responsabilidade os encargos que daí resultem.
17. O COCONTRATANTE, na qualidade de entidade empregadora e responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos seus trabalhadores, obriga-se a dar cumprimento ao dever legal de informar os trabalhadores que utilizar na Prestação dos Serviços dos tratamentos que efetuar quanto aos seus dados pessoais, nos termos previstos na legislação aplicável, e, em particular, das finalidades e dos fundamentos jurídicos da comunicação desses dados pessoais, nos termos do Caderno de Encargos, ao CONTRAENTE PÚBLICO.
(…)
CLÁUSULA 42.ª (Remuneração do COCONTRATANTE)
1. Como contrapartida pela execução integral do Contrato, a partir do início do Período de Funcionamento Normal, o COCONTRATANTE tem direito a receber do CONTRAENTE PÚBLICO:
a) Uma remuneração mensal, acrescida do IVA à taxa legalmente aplicável, calculada nos termos seguintes, sem prejuízo dos ajustamentos nos termos do n.º 4:
R(n) = P * K(n)
Sendo:
R(n): o valor da remuneração mensal devida ao COCONTRATANTE respeitante ao mês n;
P: o preço unitário por quilómetro indicado na Proposta, o qual nunca pode ser superior a 1.70€ (um euro e setenta cêntimos), sem prejuízo da possibilidade de atualização anual nos termos do n.º 2; e
K(n): o valor de produção quilométrica mensal previsto para o mês n no Anexo III ao Caderno de Encargos (sem consideração de quaisquer alterações ao longo da vigência do Contrato), em função do respetivo número de dias úteis, sábados, domingos e feriados desse mês, calculado através do produto do número de Serviços pela respetiva extensão;
b) 25 (vinte e cinco) % da receita tarifária proveniente da venda dos títulos intermodais do Sistema Intermodal Andante (cuja configuração vigente à data de lançamento do concurso está prevista no Anexo VI ao Caderno de Encargos) recolhida, repartida e imputada mensalmente pelo TIP à Prestação de Serviços nos termos previstos no Anexo X ao Caderno de Encargos, líquida de comissões, incluindo a receita associada aos bilhetes de assinatura nos termos do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, e as compensações devidas pela prática dos descontos referidos no Anexo VI ao Caderno de Encargos, acrescida do IVA à taxa legalmente aplicável;
c) 25 (vinte e cinco) % da receita tarifária proveniente da venda dos bilhetes de bordo Andante (cuja configuração vigente à data de lançamento do concurso está prevista no Anexo VI ao Caderno de Encargos), cobrada diretamente aos Utentes pelo COCONTRATANTE em nome do CONTRAENTE PÚBLICO, acrescida do IVA à taxa legalmente aplicável.
2. O preço unitário por quilómetro indicado na Proposta referido na alínea a) do número anterior é objeto de atualização anual em função do valor máximo da TAT previsto na Portaria nº 298/2018, de 19 de novembro, ou, quando seja o caso, em função da atualização tarifária extraordinária que seja determinada pelo CONTRAENTE PÚBLICO nos termos do artigo 8.º da Portaria nº 298/2018, de 19 de novembro.
3. O risco de procura associado à percentagem da receita tarifária prevista nas alíneas b) e c) do n.º 1 corre por conta do COCONTRATANTE.
4. Caso, por força do disposto nas Cláusula 11.ª, Cláusula 12.ª, Cláusula 14.ª ou por força de alguns desvios dos percursos constantes dos Planos de Operação, o COCONTRATANTE realize, no mês n, um número de quilómetros diferente do valor de K(n) referido na alínea a) do n.º 1, a remuneração mensal devida ao COCONTRATANTE calculada nos termos da alínea a) do n.º 1 é objeto de ajustamento nos termos seguintes:
a) Caso o número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no âmbito da Prestação de Serviços no mês n seja superior ou inferior ao valor de K(n) referido na alínea a) do n.º 1 em até 1 (um) %, não há lugar a qualquer ajustamento da remuneração;
b) Caso o número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no âmbito da Prestação de Serviços no mês n seja superior ao valor de K(n) referido na alínea a) do n.º 1 em até 10 (dez) %, o valor de R(n) obtido nos termos da alínea a) do n.º 1 deve ser ajustado para o valor correspondente ao resultado da seguinte fórmula:
R(n) = P * (Q(n) – 0,01 * K(n))
Sendo:
R(n): o valor da remuneração mensal devida ao COCONTRATANTE respeitante ao mês n;
P: o preço unitário por quilómetro mencionado na alínea a) do n.º 1; e
Q(n): o número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no mês n no âmbito da Prestação de Serviços, cujo cálculo deve ter em conta o disposto no n.º 5;
K(n): o valor de produção quilométrica mensal previsto para o mês n no Anexo III ao Caderno de Encargos, em função do respetivo número de dias úteis, sábados, domingos e feriados desse mês, calculado através do produto do número de serviços pela respetiva extensão;
c) Caso o número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no âmbito da Prestação de Serviços no mês n seja inferior ao valor de K(n), referido na alínea a) do n.º 1 em até 10 (dez) %, o valor de R(n) obtido nos termos da alínea a) do n.º 1 deve ser ajustado para o valor correspondente ao resultado da seguinte fórmula:
R(n) = P * (Q(n) + 0,01 * K(n))
Sendo:
R(n): o valor da remuneração mensal devida ao COCONTRATANTE respeitante ao mês n;
P: o preço unitário por quilómetro mencionado na alínea a) do n.º 1 e no n.º 3;
Q(n): o número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no mês n no âmbito da Prestação de Serviços, cujo cálculo deve ter em conta o disposto no n.º 5; e
K(n): o valor de produção quilométrica mensal previsto para o mês n no Anexo III ao Caderno de Encargos (sem consideração de quaisquer alterações ao longo da vigência do Contrato), em função do respetivo número de dias úteis, sábados, domingos e feriados desse mês, calculado através do produto do número de Serviços pela respetiva extensão;
5. Para o efeito da aplicação do número anterior, não são tidos em conta:
a) Os quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE fora do exercício da Prestação de Serviços;
b) Os quilómetros realizados na Prestação de Serviços pelo COCONTRATANTE, mas não previstos no Anexo III ao Caderno de Encargos e nos Planos de Oferta, salvo os que decorram de qualquer autorização expressa do CONTRAENTE PÚBLICO e os que resultem do disposto na Cláusula 12ª;
c) Os quilómetros dos Serviços que o COCONTRATANTE prestou ou deixou de prestar de acordo com as decisões de ajustamento pontual adotadas pelo CONTRAENTE PÚBLICO nos termos da Cláusula 13.ª com invocação expressa do artigo 31.º do RJSPTP.
6. Nos prazos abaixo indicados, o CONTRAENTE PÚBLICO envia ao COCONTRATANTE a seguinte informação mensal:
a) O número de quilómetros realizados pelo COCONTRATANTE no âmbito da Prestação de Serviços no mês passado, até ao dia 5 de cada mês;
b) A identificação de qualquer desvio do valor referido na alínea anterior em face do valor de produção quilométrica mensal previsto no Anexo III ao Caderno de Encargos (sem consideração de quaisquer alterações a este anexo ao longo da vigência do Contrato), até ao dia 5 de cada mês;
c) O valor da remuneração mensal devida ao COCONTRATANTE apurada nos termos da alínea a) do n.º 1, do n.º 2 e do n.º 4, caso haja lugar à sua aplicação, referente ao mês passado, acrescido do IVA à taxa legal aplicável, até ao dia 5 de cada mês;
d) O valor correspondente a 25 (vinte e cinco) % da receita tarifária, proveniente da venda dos títulos intermodais Andante, referida na alínea b) do n.º 1, acrescido do IVA à taxa legal aplicável, após a conclusão do processo de repartição tarifária mencionado no Anexo X ao Caderno de Encargos;
e) O valor correspondente a 25 (vinte e cinco) % da receita tarifária, proveniente da venda dos bilhetes de bordo Andante, referida na alínea c) do n.º 1, cobrada pelo próprio COCONTRATANTE, acrescido do IVA à taxa legal aplicável, em simultâneo com o envio da informação referida na alínea anterior.
7. O COCONTRATANTE pode pronunciar-se sobre as informações referidas no número anterior, no prazo de 3 (três) dias úteis, a contar da data da respetiva receção.
8. A partir das datas de receção das informações referidas no n.º 6, ou da data de notificação da decisão final do CONTRAENTE PÚBLICO caso o COCONTRATANTE se pronuncie sobre as informações nos termos do número anterior, o COCONTRATANTE pode emitir ao CONTRAENTE PÚBLICO as faturas mensais referentes aos respetivos créditos pecuniários, apurados mediante dedução, à soma dos valores indicados pelo CONTRAENTE PÚBLICO nos termos das alíneas c) e d) do n.º 6 ou ao valor indicado na decisão final do CONTRAENTE PÚBLICO, consoante o caso, do valor correspondente a 75 (setenta e cinco) % da receita tarifária proveniente da venda dos bilhetes de bordo Andante registada no mês a que se refere a fatura, acrescido do respetivo IVA.
9. O CONTRAENTE PÚBLICO dispõe de um prazo de 10 (dez) dias úteis para efetuar o pagamento das faturas emitidas pelo COCONTRATANTE nos termos do número anterior.
10. A remuneração atribuída ao COCONTRATANTE ao abrigo da presente cláusula constitui a única contrapartida pecuniária que lhe é devida pelo CONTRAENTE PÚBLICO pelo cumprimento do Contrato e das obrigações de serviço público nele previstas, sem prejuízo das deduções ou acréscimos à remuneração nos termos previstos na Cláusula 40.ª.
11. O risco da variação dos custos da Prestação de Serviços corre por conta do COCONTRATANTE, qualquer que seja a sua causa, incluindo alterações legislativas, com exceção das alterações legislativas de caráter específico.
(…)
CLÁUSULA 45.ª (Reposição do equilíbrio económico-financeiro)
1. Sem prejuízo dos casos legalmente impostos e dos previstos expressamente noutras cláusulas do Caderno de Encargos, o COCONTRATANTE tem apenas direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato quando se verifique um aumento de gastos ou uma diminuição de rendimentos provenientes do exercício das atividades objeto da Prestação de Serviços que altere os pressupostos nos quais o COCONTRATANTE determinou o valor das prestações a que se obrigou e desde que tal efeito seja o resultado direto da modificação unilateral, imposta pelo CONTRAENTE PÚBLICO, nos termos da Cláusula 48.ª, das condições de desenvolvimento das atividades objeto do Contrato, exceto no caso de serviços complementares e de serviços a menos, aos quais se aplica o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 da mesma cláusula.
2. Só há lugar à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão se, em resultado direto e acumulado de um ou vários eventos referidos no n.º 1, resultar, comprovadamente, uma diminuição das receitas ou aumento dos custos resultantes da execução do Contrato que provoque uma variação do VAL acionista superior a 100.000€ (cem mil euros), desde a data em que ocorreu o(s) evento(s) gerador(es) da reposição do equilíbrio financeiro até ao termo da Concessão.
3. O procedimento, os meios, os efeitos e os termos de reposição do equilíbrio financeiro devem observar o disposto na lei, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
4. A determinação das consequências do exercício do direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro é feita por acordo resultante de negociação entre as Partes nos termos dos números seguintes.
5. Para o exercício do direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato, cabe ao COCONTRATANTE demonstrar o preenchimento de todas as condições constitutivas do seu direito.
6. O pedido do COCONTRATANTE de reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato deve incluir:
a) Descrição detalhada do evento ou eventos elegíveis;
b) Indicação da disposição ou disposições contratuais na(s) qual(is) o pedido se funda;
c) Quantificação detalhada, fundamentada e comprovada do aumento dos gastos e/ou da redução dos rendimentos, decorrente diretamente do evento ou eventos elegíveis;
d) Indicação do(s) membro(s) por si indicados para a comissão de negociação prevista no número seguinte.
7. Recebido o pedido do COCONTRATANTE referido no número anterior, o CONTRAENTE PÚBLICO, no prazo de 10 (dez) dias, indica ao COCONTRATANTE o(s) membro(s) da comissão de negociação seus representantes.
8. A comissão de negociação deve desenvolver um processo negocial no sentido de analisar a existência de direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro, definir o respetivo valor, se for o caso, e de estabilizar um acordo de reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato.
9. O pedido de reposição do equilíbrio económico-financeiro previsto no Contrato nos termos da presente cláusula deve ser apresentado ao Contraente Público no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar do evento que o constitua.
10. Cada uma das Partes é responsável pelos seus próprios custos associados à realização do procedimento de reposição do equilíbrio financeiro nos termos da presente cláusula
(…)
CLÁUSULA 53.ª (Sanções contratuais pecuniárias)
1. Sem prejuízo da possibilidade de resolução sancionatória do Contrato nos termos do artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos, o CONTRAENTE PÚBLICO pode, com observância das regras previstas nos artigos 325.º e 329.º do Código dos Contratos Públicos e no artigo 45.º do RJSPTP, aplicar sanções contratuais pecuniárias em caso de incumprimento pelo COCONTRATANTE das suas obrigações, incluindo as resultantes de determinações do CONTRAENTE PÚBLICO emitidas nos termos da lei ou do Contrato.
2. Para efeitos da presente cláusula, os incumprimentos do COCONTRATANTE classificam-se em leves, graves e muito graves.
3. Consideram-se infrações leves, sancionáveis com sanção contratual pecuniária entre 500 € (quinhentos euros) e 1500€ (mil e quinhentos euros):
a) Não manter os equipamentos afetos ao serviço em perfeitas condições de higiene e limpeza, com exclusão daqueles bens cuja responsabilidade de Manutenção não cabe ao COCONTRATANTE nos termos do Contrato;
b) Não respeitar os procedimentos de higiene e segurança no trabalho;
c) Não manter em bom estado de conservação os materiais de informação ao público;
d) Não atualizar a informação ao público;
e) Incumprimento das regras constantes do manual do motorista, referido na alínea g) do n.º 6 da Cláusula 7.ª;
f) Falta de identificação do pessoal que desempenhe funções em contacto com o público;
g) Incumprir os prazos previstos no Contrato;
h) Não respeitar as regras do uso do Material Circulante para o exercício de atividades publicitárias previstas na Cláusula 19.ª;
i) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 4 e 5 que resultem de um comportamento de culpa leve por parte da COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
4. Consideram-se infrações graves, sancionáveis com multa contratual de 1500€ (mil e quinhentos euros) a 5000€ (cinco mil euros):
a) Transporte de Utentes sem título de transporte válido, salvo quando tal se deva a circunstâncias extraordinárias não imputáveis ao Cocontratante; cada situação singular registada por Utente é considerada como uma infração sancionável autonomamente;
b) Manter, num veículo do Material Circulante em serviço, o sistema de bilhética sem contacto avariado pelo período de duas horas, sendo cada veículo que permanece nessa situação em cada período adicional de 120 (cento e vinte) minutos, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
c) Manter, num veículo do Material Circulante em serviço, os painéis exteriores de informação ao público avariados pelo período de duas horas, sendo cada veículo que permanece nessa situação em cada período adicional de 120 (cento e vinte) minutos, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
d) Conduta inadequada dos funcionários, na sua relação com os Utentes e CONTRAENTE PÚBLICO, sendo cada evento reportado com procedência como uma infração sancionável autonomamente;
e) Qualquer obstrução ao trabalho de inspeção do CONTRAENTE PÚBLICO ou de outras autoridades competentes, sendo cada dia de atraso causado aos trabalhos de inspeção considerado como uma infração sancionável autonomamente;
f) Incumprimento das regras respeitantes à comunicação das alterações da Operação e anomalias que ponham em causa o regular e bom funcionamento do serviço;
g) Não realização de qualquer Serviço que prejudique o cumprimento dos horários escolares por parte dos alunos, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
h) Desvio do itinerário estabelecido, sem causa justificada, por cada serviço;
i) Incumprimento das indicações e/ou instruções do CONTRAENTE PÚBLICO emitidas nos termos da lei ou do Contrato;
j) Não parar nas paragens para tomada/largada de passageiros sempre que tal seja solicitado, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
k) Utilização de veículo do Material Circulante que não cumpra as exigências respeitantes à classe de emissões previstas na CLÁUSULA 18.ª, considerandose cada dia de utilização, por veículo, como uma infração sancionável autonomamente;
l) Falta de observância do disposto quanto a livro de reclamações;
m) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 3 e 5 que resultem de um comportamento de negligência grosseira por parte do COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
5. Consideram-se infrações muito graves, sancionáveis com multa contratual de 5000€ (cinco mil euros) a 10000€ (dez mil euros):
a) Falta de obtenção prévia da autorização expressa do CONTRAENTE PÚBLICO para a prática de atos que, nos termos da lei ou do Contrato, dependa de tal autorização;
b) Prática de tarifários diferentes dos definidos pelo CONTRAENTE PÚBLICO ou pelas autoridades competentes, sendo cada prática irregular, por título de transporte, considerada como uma infração sancionável autonomamente;
c) Emissão de títulos de transporte diferentes dos aprovados pelo CONTRAENTE PÚBLICO ou pelas autoridades competentes, sendo cada prática irregular considerada como uma infração sancionável autonomamente;
d) Utilização de veículo do Material Circulante que não cumpra o disposto na legislação e regulamentação aplicáveis, considerando-se cada dia de utilização, por veículo, como uma infração sancionável autonomamente;
e) Ter ao serviço, por Linha, um veículo do Material Circulante que não cumpra a classe de emissões prevista na lei ou no Contrato em 4 (quatro) ou mais dias, durante um período de 7 (sete) dias consecutivos, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
f) Não admissão no Material Circulante de qualquer Utente que reúna as condições para tal, sendo cada não admissão ilegítima, por Utente, considerada como uma infração sancionável autonomamente;
g) Interrupção da Prestação de Serviços numa Linha em todos os horários previstos durante 24 (vinte e quatro) horas, salvo casos excecionais admitidos na lei ou no Contrato, sendo cada período de 24 (vinte e quatro) horas adicional de incumprimento contínuo, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
h) Falsificação de qualquer informação ou documentos que o COCONTRATANTE deva facultar ao CONTRAENTE PÚBLICO ou a outras autoridades competentes;
i) Atraso no início do Período de Funcionamento Normal da Prestação de Serviços, sendo cada dia, ainda que incompleto, de mora considerado como uma infração sancionável autonomamente;
j) Fraude na execução da Prestação de Serviços;
k) Não apresentação da documentação necessária e solicitada pelo CONTRAENTE PÚBLICO para a obtenção pelo CONTRAENTE PÚBLICO de quaisquer subsídios e apoios financeiros no âmbito do objeto do Contrato;
l) Subcontratar terceiros na Prestação de Serviços sem a autorização do CONTRAENTE PÚBLICO;
m) Usar os veículos que integram o Material Circulante para o exercício de atividades fora da Prestação de Serviços sem autorização prévia do Contraente Público nos termos do n.º 8 da Cláusula 10.ª e da Cláusula 19.ª;
n) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 3 e 4 que resultem de um comportamento doloso por parte do COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
6. A determinação da medida concreta da multa, dentro dos limites suprarreferidos de cada categoria de infrações, é feita em função da gravidade da infração.
7. Sem que tal constitua um direito ou sequer uma legítima expetativa do COCONTRATANTE, o CONTRAENTE PÚBLICO pode atenuar ou revogar, total ou parcialmente, qualquer sanção pecuniária aplicada, quando se vier a verificar que a situação de incumprimento foi totalmente recuperada dentro do prazo definido na notificação referida no n.º 1 da cláusula anterior e que o incumprimento não causou qualquer impacto significativo na realização das atividades incluídas no Contrato.
8. No caso de infrações leves, o CONTRAENTE PÚBLICO pode, consoante a gravidade da infração, substituir a multa contratual pela sanção de simples advertência.
9. Independentemente do tipo de infração praticada, caso o COCONTRATANTE não proceda ao pagamento voluntário das multas contratuais aplicadas no prazo de 10 dias a contar da sua notificação, pode o CONTRAENTE PÚBLICO determinar a perda da caução no valor correspondente à multa aplicável, sendo o COCONTRATANTE obrigado a repor a mesma nos termos da Cláusula 46.ª.
10. A aplicação de sanções contratuais pecuniárias nos termos dos números anteriores não impede, com referência ao mesmo facto, a aplicação cumulativa das deduções por avaliação de desempenho previstas na Cláusula 40.ª e no Anexo IX ao Caderno de Encargos.
11. O pagamento das sanções pecuniárias contratuais não isenta o COCONTRATANTE do cumprimento integral do Contrato, nem de responsabilidade criminal, contraordenacional e civil a que eventualmente haja lugar, nem exclui o exercício do poder de fiscalização, de controlo e sancionatório de outras entidades que decorra da lei.
12. À aplicação das sanções previstas na presente cláusula são aplicáveis os limites máximos do respetivo valor acumulado previstos nos n.ºs 2 a 4 do artigo 329.º do Código dos Contratos Públicos.
(…)
CLÁUSULA 62.ª (Dever de confidencialidade)
1. Sem prejuízo do dever legal e contratual de proteção de dados pessoais referido designadamente na Cláusula 32.ª, durante a vigência do Contrato e nos 5 (cinco) anos posteriores à sua cessação, as Partes obrigam-se a guardar o sigilo de todos os dados e informações a que tenham acesso em virtude da preparação ou execução do Contrato e/ou cuja confidencialidade resulte da sua própria natureza.
2. As Partes devem assegurar que os seus trabalhadores e colaboradores cumprem integralmente o dever de confidencialidade e tomar todas as medidas necessárias e convenientes para o efeito.
3. O COCONTRATANTE apenas pode dar conhecimento a terceiros do conteúdo dos documentos e informações referidos no n.º 1 quando haja autorização prévia do CONTRAENTE PÚBLICO para o efeito.
4. O acesso por terceiros a quaisquer documentos ou informações referidas no n.º 1 que estejam na posse ou sejam detidos em nome do CONTRAENTE PÚBLICO regese especialmente pela Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
5. Não são considerados como terceiros para efeitos da presente cláusula as entidades com as quais as Partes legitimamente celebrem contratos no âmbito do Contrato cuja execução implique a utilização necessária dos elementos previstos nesta cláusula, nem com quem tenha contactado para o mesmo efeito, desde que essas entidades aceitem e declarem, por escrito, vincular-se ao cumprimento das obrigações de confidencialidade que decorrem da presente cláusula.
6. As obrigações de confidencialidade previstas na presente cláusula não se aplicam aos dados e informações que:
a) Já sejam de acesso público aquando da receção dos mesmos por qualquer das Partes;
b) Passem, de acordo com a lei aplicável, a ser de acesso público após a sua receção por qualquer das Partes; e
c) Qualquer das Partes prove ter já na sua posse legítima, quando da sua receção, sem terem sido diretamente obtidos da outra Parte.
7. Não constituem violação das obrigações de sigilo e confidencialidade que resultam da presente cláusula:
a) Transmissão dos dados ou informações confidenciais ou classificados a autoridades, assessores (v.g. jurídicos e/ou financeiros), instituições financeiras ou seguradoras, para a obtenção de autorizações, pareceres, financiamentos e/ou seguros necessários no âmbito do Contrato, desde que estas entidades ou pessoas singulares aceitem e declarem, por escrito, vincular-se ao cumprimento das obrigações de confidencialidade que decorrem da presente cláusula;
b) Utilização pelo CONTRAENTE PÚBLICO desses dados e informações na preparação e lançamento de futuros procedimentos pré-contratuais para a contratação de serviços com conteúdo ou objeto idêntico ou relacionado ao do presente Contrato;
c) Disponibilização desses dados, informações ou registos à entidade que venha a suceder ao COCONTRATANTE na prestação de todas ou algumas das atividades incluídas no objeto do Contrato; e
d) Divulgação e disponibilização desses dados e informações em cumprimento do dever legal, nomeadamente do dever constante do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento (CE) 1370/2007.
(…)
CLÁUSULA 65.ª (Invalidade parcial do contrato)
1. Se alguma das disposições do Contrato vier a ser considerada inválida, tal não afeta automaticamente a validade e eficácia do restante clausulado do mesmo, o qual se mantém plenamente em vigor, salvo quando qualquer das partes consiga provar que sem esta(s) cláusula(s) não celebraria o Contrato ou celebraria nos termos diferentes.
2. No caso de se verificar uma situação de invalidade nos termos do número anterior, as Partes comprometem-se, de boa fé e pela via amigável, a modificar ou substituir a(s) cláusula(s) inválida(s) ou ineficaz(es) por outra(s), caso tal seja necessário, o mais rapidamente possível e por forma a salvaguardar a plena validade e eficácia do Contrato e a realização das suas prestações de acordo com o espírito, finalidades e exigências deste.
(…)”.- cfr. fls. 2489 a 2575 do processo administrativo;
S). O teor do «Anexo X – Modelo de repartição de receitas e comissões» ao Caderno de Encargos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
1. A receita tarifária proveniente da venda dos títulos de transporte intermodais do Sistema Intermodal Andante (SIA) na rede de vendas (referida no Anexo VII ao Caderno de Encargos), é recolhida pelo TIP.
2. Periodicamente, o TIP procede à repartição desta receita tarifária entre os operadores aderentes do SIA, segundo as regras pré‐fixadas para o efeito.
3. Sem prejuízo da obrigação do Cocontratante de observar as regras vigentes em cada momento emitidas pelas entidades competentes que regulam a repartição de receita tarifária referida nos números anteriores, apresentam‐se neste Anexo as regras da repartição vigentes à data de lançamento do Concurso.
4. A parte da receita tarifária proveniente da venda dos títulos de transporte intermodais do SIA imputada pelo TIP à Prestação de Serviços, nos termos do n.º 2, pertence ao Contraente Público, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
5. Em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 42.ª do Caderno de Encargos, o Contraente Público atribui ao Cocontratante 25% (vinte e cinco por cento) da receita tarifária, proveniente da venda dos títulos de transporte intermodais do SIA, imputada pelo TIP à Prestação de Serviços.
(…)
4. PROCESSAMENTO DA REPARTIÇÃO DA RECEITA
4.1. Frequência de Pagamento
De modo a ser possível repartir a receita referente aos títulos Andante pelos operadores antes do final de cada mês, considera‐se que a repartição da receita de títulos é realizada com base em períodos, no máximo, de 1 mês.
A repartição e pagamento da receita de títulos suprarreferida é processada pelo TIP, de acordo com o seguinte procedimento bifaseado:
a) Até ao final do mês n, é paga aos operadores (neste caso, à AMP) um valor correspondente a pelo menos 80% da receita de títulos estimada para o mês n;
b) Até ao dia 20 do mês n+1, o TIP realiza o acerto da receita de títulos do mês n e paga aos operadores (neste caso, à AMP) o valor correspondente.
4.2. Inclusão de acertos
Quando, designadamente por falha de comunicação dos equipamentos embarcados do SIA, algumas validações do mês n não foram devidamente consideradas no momento de acerto realizado no mês n+1 nos termos da alínea b) do segundo parágrafo do ponto anterior, o TIP procede à sua inclusão superveniente no procedimento de repartição da receita de títulos referente ao mês no qual a falha seja detetada.
4.3. Arredondamento de cálculos
Os resultados são apresentados com 4 casas decimais.
(…)
6. Comissões
A comissão do TIP é formada por duas componentes:
6.1.1. COMISSÃO DE RECEITA
A comissão de receita a cobrar pelo TIP consiste em 2,5% da receita intermodal repartida.
6.1.2. COMISSÃO POR VALIDAÇÃO
A comissão por validação corresponde a 0,010 euros por validação não repetida registada em sistema, dos títulos de transporte intermodais.
7. DISPONIBILIZAÇÃO DE SAM
Os Security Access Modules (SAM) que sejam fornecidos aos operadores para estes integrarem nos respetivos equipamentos de bilhética serão sempre propriedade do TIP e serão entregues contra o pagamento de 50 € por unidade.
No caso de alguma empresa deixar de ser operador de transportes no SIA o TIP efetuará a retoma dos referidos SAM pelo valor referido no parágrafo anterior.
(…)”.- cfr. fls. 812 a 823 do processo administrativo;
T). O teor da «Memória Descritiva», que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
CAPÍTULO II – MODELO DE CONCURSO E EXECUÇÃO DO CONTRATO
3. Tipo de procedimento
O procedimento concursal adotado é o de um concurso público internacional, sem prévia qualificação, organizado por lotes que correspondem a espaços geográficos. Esta organização por lotes segue a orientação genérica do atual Código de Contratos Públicos. Dada a dimensão do serviço público de transportes a explorar, a não organização do concurso em lotes exigiria a presença de um operador com uma capacidade disponível a nível de material circulante que exigiria cerca de um milhar de viaturas ao serviço, o que, com o conhecimento do mercado atual das empresas de transporte a nível regional e mesmo nacional, limitaria de forma expressiva a concorrência, pois inviabilizaria uma grande parte delas, ou mesmo todas, de se apresentarem a concurso.
Nos termos permitidos no Código dos Contratos Públicos, a cada concorrente, e a concorrentes que se encontrem em relação de domínio ou de grupo nos termos previstos no Programa de Concurso, não poderá, em regra, ser adjudicado mais do que um lote, a menos que existam lotes com apenas um concorrente ou no caso de se verificar um número de concorrentes inferior ao número de lotes. Esta regra tem em vista evitar o esvaziamento futuro do mercado de transportes com a concentração da totalidade do serviço na área metropolitana do Porto num único operador de transportes, garantindo à AMP a diversidade de operadores no território, minimizando a dependência de um único operador e fomentando também a concorrência num futuro contrato.
4. Lotes
A constituição dos lotes baseia‐se na criação de Unidades Territoriais constituídas por concelhos contíguos e que apresentam uma maior proximidade em termos de interdependência funcional, medida quer pelo número de viagens pendulares realizadas entre eles, de acordo com o resultado obtido no Censos 2011, quer pelo número de serviços intermunicipais da atual rede de transportes públicos rodoviários que os ligam.
Exclui‐se deste processo o concelho do Porto, já que a rede de transportes públicos que o serve é explorada em regime de exclusividade pela STCP até 2023, de acordo com o contrato de serviço público entretanto celebrado.
A opção em definir as Unidades Territoriais por agregação de concelhos resulta dos dados existentes de mobilidade apresentarem este tipo de desagregação, mas também por uma maior simplicidade na futura gestão dos contratos, em particular na definição e aplicação de regras de repartição dos encargos municipais para o financiamento do sistema de transportes.
Por outro lado, a atribuição do serviço de transportes públicos por lotes/unidades territoriais também irá facilitar não só a gestão dos contratos, como também a informação ao público, distribuindo‐a por unidades mais pequenas.
A determinação do número de lotes e respetiva dimensão atendeu quer à coerência do território em matéria de mobilidade, quer ao volume de serviço público de transportes associado a cada um, de forma a dispor‐se de uma solução equilibrada entre Unidades Territoriais e simultaneamente se garanta uma exploração com uma dimensão mínima suficientemente atrativa que justifique, por parte dos operadores, a mobilização dos recursos materiais, humanos e financeiros que cumpram as exigências pretendidas de qualidade do serviço público de transporte de passageiros.
Assim, foram criados os cinco lotes seguintes:
(…)
(…)
CAPÍTULO V – FUNDAMENTAÇÃO ECONÓMICO‐FINANCEIRA
18. Metodologia da análise custo benefício e comparador público
18.1. Método
Pressupostos e metodologia geral – Operação privada e pública:
O presente capítulo densifica, em complemento aos capítulos anteriores, designadamente à matriz de risco sistematizada em 8. a análise custo/benefício nos termos e para efeitos do n.º 3 do art.º 36.º do CCP.
Os resultados obtidos foram elaborados com base em informação recolhida pelos serviços da Área Metropolitana do Porto (AMP) e com base nos rácios médios do setor.
Para a concretização da análise custo benefício, foi utilizado o método dos fluxos de tesouraria descontados ‐ Discounted Cash Flow (DCF) em conformidade com a Guia para Análise Custo‐Benefício de Projetos de Investimento (Guide to Cost‐benefit Analysis of Investment Projects ‐ Economic appraisal tool for Cohesion Policy 2014‐2020, seguindo a metodologia prevista no artigo 100.º do Regulamento (UE) N.º 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013 e de acordo com o Artigo 18.º do Regulamento Geral dos FEEI (DL Nº 159/2014, de 27 de outubro) aplicando este método a duas variantes: Operação Pública e Operação Privada, do qual resulta o comparador público.
O DCF é atualmente o método mais utilizado para fins de avaliação de empresas e projetos, sendo reconhecidamente o mais objetivo.
No método do DCF, o valor da empresa ou projeto corresponde ao somatório do valor atual dos cash‐flows futuros gerados pela mesma ao qual poderá acrescer o valor patrimonial presente.
O método DCF tem duas características principais:
1. Só são considerados os fluxos de tesouraria, ou seja, o montante real de dinheiro pago ou recebido. Assim, categorias contabilísticas que não constituam numerário, como, por exemplo, as depreciações/amortizações e as imparidades/provisões para imprevistos, não são incluídas na análise DCF;
2. Os fluxos de tesouraria futuros são descontados para o valor atual utilizando um fator de desconto que diminui com o tempo e cuja ordem de grandeza é determinada pela escolha da taxa de desconto a utilizar na análise DCF.
A rentabilidade financeira nas variantes operador privado e público foi, desta forma, avaliada calculando‐se o valor atual líquido financeiro. Este indicador representa a capacidade de as receitas líquidas remunerarem os custos de investimento, independentemente da fonte de financiamento.
Assim, o Valor Atual Líquido (VAL) resultou da diferença entre:
· As receitas líquidas atualizadas (apuradas pela diferença entre a soma de receitas atualizadas e os custos de funcionamento e exploração atualizados);
· Os custos de investimento acrescidos do valor residual calculado no final do período.
(…)

CAPÍTULO VI – CONCLUSÕES
19. Resultado da análise custo benefício e comparador público
Concluindo, da análise custo/benefício apurada nos pontos anteriores resulta que a operação privada é a que melhor salvaguarda os interesses da AMP e dos Municípios associados uma vez que:
· Minimiza os exfluxos a cargo da AMP e Municípios associados em 12.000.000 €/ano (valor necessário incremental para assegurar a viabilidade e sustentabilidade na variante operação pública);
· Não exige o recurso ao endividamento bancário para financiamento da frota de autocarros não onerando, a divida total dos Municípios associados em 46.125.000,00 €;
· Não onera o equilíbrio corrente dos Municípios associados em 12.000.000 €/ano;
· Assenta na especialização do operador privado na operação com ganhos de eficiência e eficácia mantendo, no entanto, o controlo da operação na AMP;
· Permite à AMP ganhos de know‐how capitalizando um conhecimento e base de dados que lhe permite no futuro reponderar as várias opções legalmente disponíveis;
O diferencial de viabilidade, sustentabilidade e rentabilidade evidenciado entre as duas variantes de operação, privada e pública, seria ainda mais agravado, reforçando que a opção mais racional e vantajosa para a AMP era a da operação privada, se se atualizassem outras variáveis do custo de operação, designadamente os gastos de manutenção e reparação, mais caros na operação pública.
(…)
Anexo VII – RESULTADOS DO ESTUDO DE VIABILIDADE ECONÓMICA FINANACEIRA
(…)
(…)”.- cfr. fls. 824 a 864 e 2033 a 2067 do processo administrativo;
U). O teor do “anexo I” ao programa de concurso, com a redacção de Outubro de 2019, intitulado “Rede existente”, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 0092 a 0106 do processo administrativo;
V). O teor do “anexo VII” ao programa de concurso, com a redacção de Julho de 2020, intitulado “Procura”, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 2484 a 2488 do processo administrativo;
W). O teor do “anexo II” ao caderno de encargos, com a redacção de Outubro de 2019, intitulado “Rede”, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 0244 a 0701 do processo administrativo;
X). O teor do “anexo III” ao caderno de encargos, com a redacção de Outubro de 2019, intitulado “Plano de oferta”, com as alterações introduzidas ao “apêndice III.e”, em Março 2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 0702 a 0727 e fls. 2274 e 2275 do processo administrativo;
Y). Com data de 27.07.2020, foi publicado no Diário da República IIª Série, n.º 144 – Parte L, a “Aviso de Prorrogação de prazo n.º 1422/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
Até às 23 : 59 do 66 º dia a contar da data de envio do presente anúncio
14 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2020/07/24
(…)”.- cfr. fls. 2614 e 2615 do processo administrativo;
Z). Com data de 03.09.2020, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes remeteu à R. um ofício, sob o “Assunto: Parecer prévio vinculativo – retificação das peças do procedimento – Concurso Público para a aquisição do serviço público de transporte rodoviário de passageiros da Área Metropolitana do Porto”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 2617 e 2618 do processo administrativo;
AA). Com data de 15.10.2020, pelo júri do procedimento concursal em apreço, foi elaborado “relatório preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. fls. 3929 e 3944 do processo administrativo;
AB). Com data de 20.06.2020, os serviços da R. AMP elaboraram documento denominando “MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP”, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
2. Impacto no nível de procura
O impacto da pandemia no TP decorreu da quebra quase total na procura durante o período de confinamento. Apesar de se verificar a subida gradual do número de passageiros com o desconfinamento, esta ainda está longe dos valores normais. O sistema intermodal Andante tem verificado no mês corrente uma procura de cerca de 30% do normal, enquanto no caso específico da STCP esta já ultrapassa os 50%.
No entanto, quando analisamos o impacto do nível de procura no concurso, devemos ter em consideração não os valores atuais, mas sim aqueles que são esperados durante a vigência dos futuros contratos.
A este respeito convém referir que, apesar do prazo limite para apresentação de propostas terminar no final deste mês, existe uma série de tramitações subsequentes que levará a que os contratos apenas entrem em vigor, na melhor das hipóteses, no 2º trimestre de 2021. De facto, após a apresentação das propostas será necessário proceder à elaboração do relatório preliminar, audiência prévia dos interessados, relatório final, decisão de adjudicação, envio para visto do Tribunal de Contas, etc. A este processo soma-se o período de 6 meses para a transição para os novos operadores (apesar desta fase se reportar já à vigência do contrato).
Este prazo será muito provavelmente dilatado devido à previsível litigância que o processo vai gerar por parte dos operadores preteridos no resultado do concurso.
É importante não esquecer também que os futuros contratos irão vigorar por um prazo de 7 anos, pelo que o horizonte temporal a ter em consideração na análise do nível da procura corresponderá a um período em que esta estará muito mais próximo do normal.
No entanto, há alguns fatores que indiciam que o nível de procura existente antes da pandemia poderá ser difícil de atingir, dos quais destacamos: um maior nível de desemprego, maior utilização do teletrabalho mesmo em situação normal, receio de utilização do TP e preferência pelo transporte individual (TI). Salientamos que esta tendência não é, apesar de tudo, irreversível, uma vez que existe um conjunto de ferramentas ao dispor dos municípios (e do Estado) para a promoção do TP em detrimento do TI, como por exemplo a política de estacionamento nas cidades, a criação de faixas Bus, ou o aprofundamento da política de redução tarifária.
(…)
4. Risco de insuficiência tarifária
Considerando que não existe risco do concurso ficar deserto principalmente pelo facto do risco tarifário ficar do lado da AMP, temos de considerar o reverso da medalha, ou seja a possibilidade da receita tarifária ser insuficiente para que a AMP remunere os operadores.
Recordamos que a possibilidade de haver necessidade de financiamento por parte dos municípios no âmbito dos futuros contratos já estava equacionada e balizada através do estudo do Prof. Mota e Costa, no qual se projetou o valor máximo expectável anual do défice tarifário dos contratos. Este valor eventual (cerca de 6,9 M€ anuais) foi calculado de forma indireta dada a falta de informação rigorosa quanto à receita tarifária do sistema de TP. Assim, foi considerado que a rede atual seria equilibrada (caso contrário os operadores atuais não a estariam a realizar), e que os futuros contratos apenas estariam a impor um custo acrescido nas exigências da qualidade da frota, tendo-se chegado assim ao valor de 6,9 M€ anuais.
Naturalmente, se considerarmos que no futuro o nível de procura será menor, este valor poderá ser insuficiente para colmatar o eventual défice tarifário, mas tal poderá não vir a acontecer pelas razões que se expõem a seguir:
• Conforme já referido anteriormente, poderão ser adotadas pelos municípios políticas de incentivo à utilização do TP que permitam aumentar o número de passageiros
• O financiamento estatal poderá ser aumentado através do PART ou outros programas (conforme se prevê já em breve através do orçamento suplementar em aprovação). Relembramos que o PART é uma fonte importante para o financiamento dos contratos que permite complementar a receita tarifária desde que foi implementada a redução das tarifas. Um aumento na verba disponibilizada pelo Estado (que permita tornar mais equitativa a distribuição entre a AMP e a AML por exemplo) poderá colmatar a perda de receita tarifária que resulte da menor procura.
• Os municípios com maior dispersão populacional, onde os índices de procura são menores, são aqueles que têm uma procura garantida assente no transporte escolar. Os gastos com transporte escolar serão alvo de uma poupança, uma vez que nos futuros contratos apenas existirá o tarifário intermodal andante, sendo o transporte escolar assegurado através dos passes de 30€. Desta forma serão libertadas verba que poderão ser utilizadas no financiamento do défice tarifário.
• Redução do volume de km contratados através de racionalização da rede. Apesar de não ser desejável a diminuição do serviço de TP oferecido às populações, a formatação dos contratos teve o cuidado de permitir um nível elevado de flexibilidade. Deste modo, a AMP pode unilateralmente reduzir até 10% dos km contratados sem oposição do operador. Para reduções além deste valor, o operador poderá solicitar a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, mas este reequilíbrio encontra-se balizado no próprio contrato e o preço por km nunca poderá aumentar mais de 10%.
Nota: o mais razoável é, em caso de ser necessário o financiamento do défice tarifário pelos municípios, ser fixado o montante que estão disponíveis para financiar a rede de TP e complementar com a combinação dos restantes instrumentos para que o défice não exceda esse montante.
(…)”.- cfr. documento n.º1 junto com a contestação da R. AMP no Processo n.º 1977/20;
AC). A petição inicial a que respeita a presente lide - processo n.º 1973/20.2BEPRT - foi apresentada em juízo, através do «SITAF», no dia 20.10.2020. – cfr. fls.1 dos autos (suporte físico);
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão a proferir nos autos.»
**
III.B.DE DIREITO
III.B.1- DO RECURSO INTERPOSTO PELA JUNTA METROPOLITANA DO PORTO
b.1. da nulidade da sentença por excesso de pronúncia e da nulidade secundária prevista no artigo 195.º, n.º1 do CPC.
Conforme dimana do regime estabelecido no artigo 663.º, n.º 2 do CPC o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º», devendo o juiz, conforme se prescreve no art. 608.º, n.º 2 do CPC, «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
A Entidade Demandada imputa vício de nulidade à sentença por excesso de pronúncia ao abrigo do disposto na segunda parte da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), por ter julgado inválido o artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso com fundamento em essa norma excluir a indemnização em caso de ato ilícito, quando se trata de uma questão que não lhe foi colocada por nenhuma das partes, nem oficiosamente suscitada pelo Tribunal a quo. E, ainda que se admitisse a possibilidade de o Tribunal a quo apreciar essa questão, impor-se-ia que a AMP fosse ouvida, nos termos do artigo 95.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – o que não ocorreu, pelo que o Tribunal a quo incorreu em nulidade secundária, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva), que teve influência determinante no conteúdo da sentença e que apenas no momento da notificação da sentença foi revelada e que determina a respetiva nulidade.
Vindo invocada a nulidade de sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2).
Conforme é pacífico, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC ( cfr. Ac. do STA, de 09.07.2014, Processo n.º 00858/14).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art.º 615º do CPC ex vi arts. 1º e 95º do CPTA e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida Cfr. Ac. TCAN, 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT;.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error iuris).
Nos erros de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando, atacáveis em via de recurso.
Entre as causas de nulidade da decisão judicial elencadas no art. 615º, n.º 1 do CPC, conta-se a omissão e o excesso de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidade que se relaciona com o preceituado nos arts. 608º, n.º 2 do CPC e 95º, n.º 1 do CPTA, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não conheceu) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
Nesse sentido, veja-se o recente acórdão do STA Cfr. Ac. do STA de 16/09/2020, Proc. 371/09.3BEAVR, disponível em www.dgsi,pt; no qual se expendeu que “II - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)”, ou veja-se o que se sumariou em acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCA Norte, , 1ª Secção – Contencioso Administrativo, Processo nº 32/17.0BEVIS, in www.dgsi.pt:
no qual se escreveu que “ II- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia. Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»; e lê-se no art. 609.º, n.º 1 do mesmo diploma que a «sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».
A invalidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia consubstancia uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que entre outras consequências, decorre que cabe ao autor instaurar a ação (art. 3º do CPC) e, através do pedido e da causa de pedir que invoque na petição inicial para ancorar a pretensão de tutela judiciária que formula (pedido), delimitar subjetiva (quanto às partes) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida submetida a julgamento e, assim, circunscrever o thema decidendum Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374; do tribunal, tema esse que é ainda delimitado objetivamente pela defesa que o réu venha a apresentar na contestação a título de exceções, com vista a extinguir, impedir ou modificar o direito que o autor pretende exercer (exceções perentórias) e das contra- exceções que o autor venha a opor a essas exceções invocadas pelo réu na contestação para extinguir, impedir ou modificar o efeito jurídico que o réu pretende extrair da exceção que opôs ao direito que o autor pretende exercer no processo, mas é, também, uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser nele proferida.
Acresce precisar que como já alertava Alberto dos Reis
Cfr.Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.; impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…. Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões
No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”..
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Concluindo, o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes»; e, «na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 67).
Refira-se ainda, quando à nulidade decorrente de excesso de pronúncia que a mesma apenas é verificável quanto a questões e nunca quanto a factos ou motivações.
Vejamos.
A Apelante AMP imputa vício de nulidade à sentença recorrida por alegamente o Tribunal a quo ter declarado a invalidade da norma do n.º12 do artigo 18.º do Programa de Concurso com fundamento na circunstância de essa norma afastar qualquer pretensão indemnizatória que o adjudicatário possa ter, em caso de ato ilícito, alegando, para o efeito, que nenhuma das adjudicatárias assacou a essa norma tal causa de invalidade.
Nesse sentido, argumenta que « nenhum dos autores G. e B. ( ou qualquer outro dos autores), em momento algum, sequer cogitou que o artigo 18.º, n.º12, do Programa de Concurso fosse inválido por pretender afastar a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito», uma vez que, pese embora as apeladas tenham assacado ilegalidades ao referido normativo, a verdade é que as mesmas não alegaram que aquele enfermasse de invalidade por contemplar uma qualquer causa de exclusão de responsabilidade por ato ilícito praticado pela AMP, nem invocou a invalidade dessa disposição com fundamento em violação do artigo 22.º da Constituição ou de qualquer disposição da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
E assim, conclui que o Tribunal a quo excedeu o âmbito que lhe era permitido de pronúncia sobre o litígio que lhe foi submetido a julgamento, ou, pelo menos, omitiu o dever de suscitar o contraditório nos termos que lhe eram impostos pelo artigo 95.º, n.º3 , in fine, do CPTA.
Vejamos.
O artigo 18º do Programa de Concurso, sob a epígrafe “Decisão de adjudicação e notificação à AdC” (cfr. ponto Q) do elenco dos factos provados) estabelece a seguinte disciplina:
“1. Caso da decisão de adjudicação resulte uma operação de concentração notificável à Autoridade da Concorrência (AdC) ao abrigo do regime jurídico da concorrência aplicável, o adjudicatário deve, no prazo de 20 (vinte dias) após a notificação da decisão de adjudicação, notificar a operação de concentração à AdC.
2. O adjudicatário informa imediatamente a entidade adjudicante da notificação referida no número anterior e mantém-na atualizada sobre os desenvolvimentos do procedimento.
3. No caso previsto no n.º 1, fica suspensa a fase pós-adjudicatória do presente concurso, sem prejuízo da necessidade de cumprimento integral do disposto nos Artigos 16.º e 17.º pelo adjudicatário.
4. A decisão final da AdC no procedimento deve ser comunicada pelo adjudicatário à entidade adjudicante, no dia imediatamente subsequente.
5. No caso de a decisão da AdC ser de não oposição à operação, sem imposição de condições ou obrigações (expressa ou tácita, nos termos legalmente admissíveis), ou no sentido de a operação não estar abrangida por procedimento de controlo prévio de acordo com a lei aplicável, reinicia-se a fase pós-adjudicatória do presente concurso a partir da data de comunicação referida no número anterior.
6. No caso de a decisão da AdC ser de oposição à operação, a entidade adjudicante, após tal decisão lhe ter sido comunicada nos termos do n.º 4, declara a caducidade da decisão de adjudicação, após audiência prévia do adjudicatário.
7. No caso de a decisão da AdC ser de não oposição, com imposição de condições ou obrigações, o adjudicatário deve pronunciar-se, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data de notificação da decisão da AdC, sobre as condições e obrigações impostas pela AdC, com observância do disposto nos números seguintes.
8. Se o adjudicatário considerar que as condições ou obrigações impostas pela decisão da AdC subvertem o equilíbrio financeiro do contrato a celebrar, ou que, em qualquer caso, não está em condições de dar cumprimento a alguma dessas condições ou obrigações, o adjudicatário comunica os factos à entidade adjudicante e esta declara a caducidade da decisão de adjudicação.
9. Se a entidade adjudicante considerar que as condições ou obrigações impostas pela decisão da AdC implicam uma alteração substancial do caderno de encargos ou, caso entenda que o cumprimento dessas condições e/ou obrigações, pelo adjudicatário, não é legalmente admissível, a entidade adjudicante declara, após audiência prévia, a caducidade da decisão de adjudicação.
10. No caso de não se verificar o disposto no número anterior e, cumulativamente, de o adjudicatário manifestar que aceita cumprir as condições e/ou obrigações impostas pela AdC, ou de o adjudicatário não se pronunciar depois de decorrido o prazo de 15 (quinze) dias previsto no n.º 7, reinicia-se a fase pós-adjudicatória do presente concurso, a partir da data de notificação do adjudicatário à entidade adjudicante da aceitação das condições impostas pela AdC ou do termo do prazo de 15 (quinze) dias referido no n.º 7, consoante o caso.
11. Declarada a caducidade da adjudicação nos termos do presente artigo, é adjudicada no lote em causa a proposta melhor classificada de acordo com o critério de adjudicação previsto no Artigo 13.º, sem consideração dos limites à adjudicação previstos no artigo 15.º.
12. A declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização e, além dos efeitos próprios da caducidade, pode determinar ainda a responsabilidade pré-contratual do adjudicatário, nos termos gerais.
13. Caso, de acordo com o regime jurídico aplicável, esteja em causa uma operação de concentração notificável a outras entidades competentes que não a AdC, aplica-se, com as devidas adaptações, o regime previsto no presente artigo.”

Compulsada a p.i. apresentada pelas AA. “G.” as mesmas invocaram, nos artigos 125.º a 132.º desse articulado, a ilegalidade do n.º 12 do artigo 18.º do Programa do Procedimento, por violação dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade.
Para tanto, começam por referir que o artigo 18.º do Programa do Concurso prevê que, no caso de a decisão de adjudicação resultar numa operação de concentração notificável à Autoridade da Concorrência (AdC), o adjudicatário deva fazê-lo no prazo de 20 dias após a notificação de adjudicação, ficando suspensa a fase pós-adjudicatória do procedimento (cfr. o respectivo n.º 1). E que nos termos dos n.º7 e 9 da mesma norma a entidade adjudicante pode vir a declarar a caducidade da adjudicação em três situações: i) no caso de a AdC manifestar oposição à operação; ii) no caso de o adjudicatário considerar que as condições ou obrigações impostas pela AdC subvertem o equilíbrio financeiro do contrato a celebrar ou que não está em condições de dar cumprimento a alguma dessas condições ou obrigações; iii) no caso de a entidade adjudicante considerar que as condições ou obrigações impostas implicam uma alteração substancial do caderno de encargos ou caso entenda que o cumprimento as obrigações pelo adjudicatário não é legalmente admissível.
Por último, referem que no n.º 12 do artigo 18.º do PC a declaração de caducidade nos termos deste preceito, “pode determinar ainda a responsabilidade pré-contratual do adjudicatário nos termos gerais”.
Tudo, para concluírem que esta possibilidade de imputação de responsabilidade pré-contratual ao adjudicatário no caso de caducidade da adjudicação com base nos motivos previstos no artigo 18.º do Programa é claramente violadora dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade constantes do artigo 1.º-A do CCP, conquanto, não pode imputar-se ao adjudicatário qualquer responsabilidade própria derivada da não celebração do contrato por factos que não lhe são imputáveis.
Considerando os referidos items da p.i apresentada pelas AA. “G.”, como bem conclui a Apelante AMT, estas apenas se pronunciaram sobre a suposta invalidade do n.º 12 do artigo 18.º do PC por prever a responsabilidade civil do adjudicatário nos termos gerais. Por conseguinte, é irrefragável que as mesmas não alegaram que aquele inciso normativo do PC enfermasse de invalidade por contemplar uma qualquer causa de exclusão de responsabilidade por ato ilícito praticado pela AMP, nem invocaram a invalidade dessa disposição com fundamento em violação do artigo 22.º da Constituição ou de qualquer disposição da Lei n.º 67/2007, de 31/12.

Por sua vez, compulsada a p.i. apresentada pelas AA. “B.” as mesmas, nos artigos 74.º a 94.º desse articulado, também sustentam a ilegalidade do n.º12 do Art.º 18º, do Programa de Concurso, por violação do art.º 105, n.º 3, do CCP, e dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade, constantes do art.º 1-A, do CCP.
Alegam, para tanto, em síntese, não verem como compatibilizar essa norma que dispõe acerca das várias consequências, para o procedimento e para os Adjudicatários, em função da resposta que a AdC possa dar, caso se verifique a sua obrigatória intervenção, com qualquer dos princípios jurídicos que regem atividade contratual da Administração.
Concretizam que, para os casos em que haja oposição à operação (art.º 18, n.º 6), e para os casos em que a AdC não se oponha, mas imponha condições que a Entidade Adjudicante considere que são legalmente inadmissíveis (art.º 18, n.º 9), a consequência será a de declarar a “caducidade da adjudicação “(cfr. art.º 18º, n.º 9). E até aqui, até se poderia entender o normativo e a sua ratio, mas não o que se estabelece no n.º12 do artigo 18.º, ou seja que “A declaração de caducidade da adjudicação prevista no presente artigo não confere ao ADJUDICATÁRIO o direito a qualquer indemnização e, além dos efeitos próprios da anulação/caducidade, pode determinar a sua responsabilidade précontratual, nos termos gerais”.
Observam que, aceitar que a caducidade da adjudicação não dê direito a qualquer indemnização nos casos em que haja oposição da AdC, ou em que tenham sido impostas condições pela AdC e o Adjudicatário declare que as mesmas subvertem o equilíbrio do contrato a celebrar e, por isso, não está em condições de fazer o contrato, até seria tese que, no limite, se entenderia. Porém, o que dificilmente se pode alcançar e aceitar , à luz do disposto no art.º 105º, n.º 3, do CCP, e dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da proporcionalidade, é a justificação para afastar, “à cabeça”, a possibilidade de indemnização nos casos em que, tendo a AdC imposto condições “a ENTIDADE ADJUDICANTE considerar que as condições ou obrigações impostas pela decisão da AdC implicam uma alteração substancial do caderno de encargos ou, caso entenda que o cumprimento dessas condições e/ou obrigações, pelo ADJUDICATÁRIO, não é legalmente admissível” e assim declare a caducidade da decisão de adjudicação”.
Não compreendem que sendo a decisão de não contratar uma decisão da AMP, a que propósito é deve o Adjudicatário assumir os eventuais prejuízos dessa decisão unilateral e absolutamente voluntária do contratante público, como não alcançam porque motivo, nos casos em que a decisão da AdC é de simples “oposição”, e, por isso, a AMP declara a caducidade da adjudicação, está o Adjudicante impedido de pedir indemnização pelas despesas e encargos em que possa ter incorrido, ali, onde, é evidente que a caducidade da adjudicação não decorre de qualquer facto que lhe possa ser imputado.
Mais afirmam, que à luz destes mesmos princípios, não se entende como é que a declaração de caducidade da adjudicação pode determinar “a responsabilidade précontratual nos termos gerais” do Adjudicatário, mesmo nos casos em que a decisão da AdC seja de simples oposição (art.º 18º, n.º 6).
Concluem que há, neste n.º 12, do art.º 18º, do Programa de Concurso, como que uma presunção de que o Adjudicatário terá “negociado com outrem para a conclusão de contrato” quer nos “preliminares” quer na “sua formação” em sentido contrário às “regras da boa fé”, ao contrário do que lhe impõe o art.º 227º, do Código Civil, e os princípios da boa fé perante a Administração, portanto.
O que se assiste neste n.º 12º, do Artigo 18º, é que a AMP transpõe, para o Adjudicatário, de uma forma completamente arbitrária, e abusando da sua posição “monopolista” em matéria de contratação do serviço público, todo o risco inerente à eventual necessidade da AdC intervir, ali onde este é alheio a tal intervenção, à forma como esta pode ocorrer e aos critérios de análise da operações sujeitas a esse regime legal.
Em suma, seja por força da primeira parte da norma constante do n.º 12, do Art.º 18, (impossibilidade de indemnização), seja pela segunda parte (possibilidade de responsabilidade), a norma em causa é claramente ilegal seja por ser contrária aos supra citados princípios, todos eles inscritos no Art.º 1-A do CCP, seja por contrária a norma que decorre do Art.º 105º, n.º 3, do CCP, norma essa claramente imperativa.

Ora, da p.i. inicial apresentada por estas AA. “B.” , se por um lado, se conclui que invocam a invalidade do n.º12 do artigo 18.º do PC por aí se prever a responsabilidade, nos termos gerais, do adjudicatário, também se constata que assacam invalidades ao segmento da norma em que exclui a responsabilidade da AMP. Acontece que, como bem nota a Apelante, «ao abordar este aspeto, em momento algum a B. põe em causa que essa exclusão de responsabilidade abranja a ilicitude da AMP. Limita-se a abordar a questão em termos de declaração válida da caducidade da decisão de adjudicação».
Feita a incursão que efetuamos pelos articulados iniciais apresentados pelas identificadas autoras, constata-se que as questões suscitadas a respeito da invalidade do n.º12 do artigo 18.º do PC, não incluíam, como sustenta a Apelante AMP, a de saber se aquele inciso previa também a exclusão da responsabilidade civil da entidade adjudicante nos casos em que a decisão de caducidade da adjudicação fosse determinada por ato ilícito da mesma.
Isto posto, dir-se-á que pese embora nos termos nos termos do disposto no n.º 5 do art. 5.º do CPC o juiz não esteja «sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito», e que, como é consabido, todos os vícios dos atos administrativos, mesmo dos que apenas sejam fonte de anulabilidade, são de conhecimento oficioso, considerando o disposto no art.º 3.º, n.º3 do CPC « o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Especificamente, para o caso dos processos impugnatórios, prevê o n.º3 do artigo 95.º do CPTA que «o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório».
Só por esta via se assegura o cumprimento do princípio do contraditório, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente, contraditando.
No caso em análise, pretendendo a senhora juiz a quo conhecer da invalidade do n.º 12 do artigo 18.º do PC com fundamento em nele também se prever a exclusão da responsabilidade civil extracontratual da entidade adjudicante por ato ilícito que determine a caducidade da adjudicação, a mesma devia ter ordenado a notificação das partes nos termos do disposto no n.º3 do artigo 95.º do CPTA ( e art.º 3.º, nº 3 do CPC) apresentarem alegações complementares, como o exije o respeito pelo princípio do contraditório, tudo de forma a evitar a prolação de uma decisão surpresa, sob pena de nulidade processual secundária, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º1 do CPC, por se tratar de irregularidade que tem influência determinante no exame ou na decisão da causa ( neste sentido, vide Acórdão do STA, de 15/09/2011, processo n.º 505/10).
Assim, no caso, não só ocorre excesso de pronúcnica que determina a nulidade da sentença na parte em que no dispositivo nela se escreve «(ii) parcialmente procedente a presente ação, e em consequência declaro ilegal o artigo 18.º, n.º12 do programa de concurso, apenas no tocante ao inciso “ não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”» ( sublinhado nosso), como se verifica a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório.
Porém, considerando que diversamente do entendimento perfilhado pela Senhora Juiz a quo na sentença sob escrutínio, se nos prefigura, apelando à interpretação teleológica e sistemática propugnada pelo 9.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, que do disposto no artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso resulta que este apenas se destina a regular os casos em que é adotada uma decisão válida de caducidade da adjudicação, não abrangendo a hipótese de suposto afastamento da responsabilidade civil extracontratual da AMP por facto ilícito, não será ordenada a notificação das partes para alegações complementares nos termos do artigo 95.º, n.º3 do CPTA, por se revelar um ato manifestamente inútil.
Como bem conclui a Apelante AMP, a redação do artigo 18.º, n.º 12, do Programa do Concurso enquadra-se no artigo 87.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, que não prevê o direito de indemnização do adjudicatário em casos, como o presente, em que causa de caducidade da decisão de adjudicação se impõe à entidade adjudicante, cabendo a esta apenas verificar a causa de caducidade, ainda que não seja por ela pretendida no quadro da respetiva discricionariedade.

Termos em que, se impõe declarar a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia e por violação do princípio do contraditório, quanto ao segmento decisório em que nela se decide: ««(ii) parcialmente procedente a presente ação, e em consequência declaro ilegal o artigo 18.º, n.º12 do programa de concurso, apenas no tocante ao inciso “ não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”».

b.2.da invalidade do artigo 18.º, n.º 12, do Programa de Concurso, no tocante ao inciso “não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização” e na cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, assim se fazendo.
Perante a nulidade da sentença acabada de declarar, considera-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito que a Apelante assaca a este segmento decisório declarado nulo, qual seja, o relativo à decisão que julgou a invalidade do n.º12 do artigo 18.º do Programa de Concurso.
*
Passemos, assim, à apreciação do erro de julgamento que a Apelante AMP assaca à sentença recorrido no trecho em que invalidou a cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos.
A Apelante AMP impetra erro de julgamento à sentença recorrida por nela se ter declarado ilegal a cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, e determinado que tais referências «deverão, em conformidade, ser expurgadas das respetivas peças procedimentais, com as legais consequências».
Conforme se retira da alínea R) do elenco dos factos provados, é o seguinte o teor da cláusula 53.ª do CE:
«CLÁUSULA 53.ª (Sanções contratuais pecuniárias)
1. Sem prejuízo da possibilidade de resolução sancionatória do Contrato nos termos do artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos, o CONTRAENTE PÚBLICO pode, com observância das regras previstas nos artigos 325.º e 329.º do Código dos Contratos Públicos e no artigo 45.º do RJSPTP, aplicar sanções contratuais pecuniárias em caso de incumprimento pelo COCONTRATANTE das suas obrigações, incluindo as resultantes de determinações do CONTRAENTE PÚBLICO emitidas nos termos da lei ou do Contrato.
2. Para efeitos da presente cláusula, os incumprimentos do COCONTRATANTE classificam-se em leves, graves e muito graves.
3. Consideram-se infrações leves, sancionáveis com sanção contratual pecuniária entre 500 € (quinhentos euros) e 1500€ (mil e quinhentos euros):
a) Não manter os equipamentos afetos ao serviço em perfeitas condições de higiene e limpeza, com exclusão daqueles bens cuja responsabilidade de Manutenção não cabe ao COCONTRATANTE nos termos do Contrato;
b) Não respeitar os procedimentos de higiene e segurança no trabalho;
c) Não manter em bom estado de conservação os materiais de informação ao público;
d) Não atualizar a informação ao público;
e) Incumprimento das regras constantes do manual do motorista, referido na alínea g) do n.º 6 da Cláusula 7.ª;
f) Falta de identificação do pessoal que desempenhe funções em contacto com o público;
g) Incumprir os prazos previstos no Contrato;
h) Não respeitar as regras do uso do Material Circulante para o exercício de atividades publicitárias previstas na Cláusula 19.ª;
i) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 4 e 5 que resultem de um comportamento de culpa leve por parte da COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
4. Consideram-se infrações graves, sancionáveis com multa contratual de 1500€ (mil e quinhentos euros) a 5000€ (cinco mil euros):
a) Transporte de Utentes sem título de transporte válido, salvo quando tal se deva a circunstâncias extraordinárias não imputáveis ao Cocontratante; cada situação singular registada por Utente é considerada como uma infração sancionável autonomamente;
b) Manter, num veículo do Material Circulante em serviço, o sistema de bilhética sem contacto avariado pelo período de duas horas, sendo cada veículo que permanece nessa situação em cada período adicional de 120 (cento e vinte) minutos, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
c) Manter, num veículo do Material Circulante em serviço, os painéis exteriores de informação ao público avariados pelo período de duas horas, sendo cada veículo que permanece nessa situação em cada período adicional de 120 (cento e vinte) minutos, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
d) Conduta inadequada dos funcionários, na sua relação com os Utentes e CONTRAENTE PÚBLICO, sendo cada evento reportado com procedência como uma infração sancionável autonomamente;
e) Qualquer obstrução ao trabalho de inspeção do CONTRAENTE PÚBLICO ou de outras autoridades competentes, sendo cada dia de atraso causado aos trabalhos de inspeção considerado como uma infração sancionável autonomamente;
f) Incumprimento das regras respeitantes à comunicação das alterações da Operação e anomalias que ponham em causa o regular e bom funcionamento do serviço;
g) Não realização de qualquer Serviço que prejudique o cumprimento dos horários escolares por parte dos alunos, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
h) Desvio do itinerário estabelecido, sem causa justificada, por cada serviço;
i) Incumprimento das indicações e/ou instruções do CONTRAENTE PÚBLICO emitidas nos termos da lei ou do Contrato;
j) Não parar nas paragens para tomada/largada de passageiros sempre que tal seja solicitado, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
k) Utilização de veículo do Material Circulante que não cumpra as exigências respeitantes à classe de emissões previstas na CLÁUSULA 18.ª, considerandose cada dia de utilização, por veículo, como uma infração sancionável autonomamente;
l) Falta de observância do disposto quanto a livro de reclamações;
m) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 3 e 5 que resultem de um comportamento de negligência grosseira por parte do COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
5. Consideram-se infrações muito graves, sancionáveis com multa contratual de 5000€ (cinco mil euros) a 10000€ (dez mil euros):
a) Falta de obtenção prévia da autorização expressa do CONTRAENTE PÚBLICO para a prática de atos que, nos termos da lei ou do Contrato, dependa de tal autorização;
b) Prática de tarifários diferentes dos definidos pelo CONTRAENTE PÚBLICO ou pelas autoridades competentes, sendo cada prática irregular, por título de transporte, considerada como uma infração sancionável autonomamente;
c) Emissão de títulos de transporte diferentes dos aprovados pelo CONTRAENTE PÚBLICO ou pelas autoridades competentes, sendo cada prática irregular considerada como uma infração sancionável autonomamente;
d) Utilização de veículo do Material Circulante que não cumpra o disposto na legislação e regulamentação aplicáveis, considerando-se cada dia de utilização, por veículo, como uma infração sancionável autonomamente;
e) Ter ao serviço, por Linha, um veículo do Material Circulante que não cumpra a classe de emissões prevista na lei ou no Contrato em 4 (quatro) ou mais dias, durante um período de 7 (sete) dias consecutivos, sendo cada ocorrência considerada como uma infração sancionável autonomamente;
f) Não admissão no Material Circulante de qualquer Utente que reúna as condições para tal, sendo cada não admissão ilegítima, por Utente, considerada como uma infração sancionável autonomamente;
g) Interrupção da Prestação de Serviços numa Linha em todos os horários previstos durante 24 (vinte e quatro) horas, salvo casos excecionais admitidos na lei ou no Contrato, sendo cada período de 24 (vinte e quatro) horas adicional de incumprimento contínuo, ainda que incompleto, considerado como uma infração sancionável autonomamente;
h) Falsificação de qualquer informação ou documentos que o COCONTRATANTE deva facultar ao CONTRAENTE PÚBLICO ou a outras autoridades competentes;
i) Atraso no início do Período de Funcionamento Normal da Prestação de Serviços, sendo cada dia, ainda que incompleto, de mora considerado como uma infração sancionável autonomamente;
j) Fraude na execução da Prestação de Serviços;
k) Não apresentação da documentação necessária e solicitada pelo CONTRAENTE PÚBLICO para a obtenção pelo CONTRAENTE PÚBLICO de quaisquer subsídios e apoios financeiros no âmbito do objeto do Contrato;
l) Subcontratar terceiros na Prestação de Serviços sem a autorização do CONTRAENTE PÚBLICO;
m) Usar os veículos que integram o Material Circulante para o exercício de atividades fora da Prestação de Serviços sem autorização prévia do Contraente Público nos termos do n.º 8 da Cláusula 10.ª e da Cláusula 19.ª;
n) Todas as demais situações de incumprimento não tipificadas nas alíneas anteriores e nos n.ºs 3 e 4 que resultem de um comportamento doloso por parte do COCONTRATANTE, seu funcionário ou agente, salvo os factos objeto de avaliação de desempenho nos termos do Anexo IX ao Caderno de Encargos.
6. A determinação da medida concreta da multa, dentro dos limites suprarreferidos de cada categoria de infrações, é feita em função da gravidade da infração.
7. Sem que tal constitua um direito ou sequer uma legítima expetativa do COCONTRATANTE, o CONTRAENTE PÚBLICO pode atenuar ou revogar, total ou parcialmente, qualquer sanção pecuniária aplicada, quando se vier a verificar que a situação de incumprimento foi totalmente recuperada dentro do prazo definido na notificação referida no n.º 1 da cláusula anterior e que o incumprimento não causou qualquer impacto significativo na realização das atividades incluídas no Contrato.
8. No caso de infrações leves, o CONTRAENTE PÚBLICO pode, consoante a gravidade da infração, substituir a multa contratual pela sanção de simples advertência.
9. Independentemente do tipo de infração praticada, caso o COCONTRATANTE não proceda ao pagamento voluntário das multas contratuais aplicadas no prazo de 10 dias a contar da sua notificação, pode o CONTRAENTE PÚBLICO determinar a perda da caução no valor correspondente à multa aplicável, sendo o COCONTRATANTE obrigado a repor a mesma nos termos da Cláusula 46.ª.
10. A aplicação de sanções contratuais pecuniárias nos termos dos números anteriores não impede, com referência ao mesmo facto, a aplicação cumulativa das deduções por avaliação de desempenho previstas na Cláusula 40.ª e no Anexo IX ao Caderno de Encargos.
11. O pagamento das sanções pecuniárias contratuais não isenta o COCONTRATANTE do cumprimento integral do Contrato, nem de responsabilidade criminal, contraordenacional e civil a que eventualmente haja lugar, nem exclui o exercício do poder de fiscalização, de controlo e sancionatório de outras entidades que decorra da lei.
12. À aplicação das sanções previstas na presente cláusula são aplicáveis os limites máximos do respetivo valor acumulado previstos nos n.ºs 2 a 4 do artigo 329.º do Código dos Contratos Públicos.
(…)
A 1.ª Instância considerou inválidas as referenciadas disposições do CE, por entender que as mesmas violam «o princípio da legalidade e tipicidade subjacente à previsão de sanções contratuais», afirmando que «não é razoável nem legal, a imposição de uma sanção contratual pecuniária- que pode variar entre leve, grave ou muito grave, consoante o grau de culpa- para o incumprimento das mesmas obrigações contratuais, que podem ser principais ou acessórias, as quais, ainda que previstas no contrato, não se encontram, contudo, objetivamente tipicadas nas alíneas em apreço”, e sublinhando que no caso estão em causa «incumprimentos geradores de uma sanção contratual pecuniária- que pode ser leve, grave ou muito grave- cujo enquadramento fático o futuro cocontratante desconhece.E, considerando, que à previsão das sanções contratuais está subjacente uma finalidade punitiva e coercitiva, não se encontrando suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objetiva, de forma clara e precisa, o Tribunal julga que o estatuído nos n.ºs 3, alínea i), n.º 4, alínea m) e n.º 5, alínea n) da cláusula 53º do caderno de encargos viola o princípio da legalidade».
A Apelante discorda do julgamento realizado pela 1.ª Instância, que concluiu pela invalidade das referidas disposições da cláusula 53.ª, n.º3, al.i), n.º 4, al.m), e n.º 5, al.n), do CE, contrapondo que ao invés do decidido, as referidas disposições dessa cláusula do CE prevêem a aplicação de sanções para outros incumprimentos contratuais cujos comportamentos não se encontram expressamente tipificados, procedendo a uma remissão intra-sistemática para os deveres obrigacionais contidos no Caderno de Encargos, nos termos pemitidos pelo princípio da legalidade.
Afirma que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição não se opõe a que as normas que preveem disposições administrativas sancionatórias não obedeçam ao grau de tipicidade que prescreve para as normas penais e os artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos não impõem essa densificação.
Refere que no campo do direito administrativo sancionatório é suficiente que a infração seja tipificada através da referência à violação de deveres, como sucede no caso das obrigações contratuais, admitindo-se, inclusivamente, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, bastando-se a afirmação como ilícito o comportamento que atente contra tais deveres, e isso mesmo que a conduta adotada não esteja descrita na previsão de qualquer preceito.
Exige-se apenas condições mínimas de determinabilidade, que permitam considerar que os destinatários da disposição sancionatória têm conhecimento de que a respetiva violação é passível de gerar a aplicação de uma sanção – o que é alcançado através da previsão dos deveres contratuais a que se encontrará sujeito o cocontratante.
Nota que no caso das disposições contidas na cláusula 53.ª, n.º 3, alínea i), n.º 4, alínea m), e n.º 5, alínea n), do Caderno de Encargos, deve ter-se em consideração que os destinatários não são todos e quaisquer administrados, considerados de modo indiferenciado, mas apenas os operadores económicos experientes que, após analisar detidamente o Caderno de Encargos, resolveram apresentar proposta para prestar serviço durante 7 anos num contrato cujo valor ascende a muitos milhões de euros em cada lote posto a concurso.
São, antes, sujeitos qualificados, operadores económicos experientes, apenas se podendo presumir que têm total e completa consciência das obrigações contratuais previstas no Caderno de Encargos, pelo que têm igualmente conhecimento de quais os comportamentos que poderão gerar a aplicação de sanção — apenas os incumprimentos de obrigações contratuais que não estejam de outro modo tipificadas.
Conclui que estão plenamente satisfeitas as obrigações que o princípio da legalidade impõe à determinação de sanções administrativas contratuais, não se incluindo no princípio da legalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, o dever de tipificar comportamentos ilícitos nos termos exigidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, o mesmo sucedendo com o disposto nos artigos 302.º, alínea d), e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
E, sendo assim, o Tribunal a quo, ao considerar que não se encontra suficientemente enunciado qual o comportamento censurado, de modo a permitir a sua determinabilidade objetiva, exigindo que essa determinação fosse feita de forma clara e precisa para que pudesse respeitar o princípio da legalidade e da tipicidade, incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 302.º, alínea d), e 329.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
Adiantamos que neste conspeto falha razão à Apelante AMP. O facto de não vigorar noutros domininios sancionatórios, como é o caso do direito disciplinar, que a Apelante bem demonstrou, com uma proeficiente exposição da doutrina e da jurisprudência, o mesmo grau e a intensidade que o princípio da tipicidade reveste no Direito Penal, por força do disposto no artigo 29.º, n.º1 da CRP, tal não significa que em matéria de “sanções contratuais administrativas” a tipicidade não exista.
Salta à vista, em bom rigor, que aquelas disposições insertas na cláusula 53.ª do CE conferem à Entidade Adjudicante uma ampla liberdade para decidir a futura tipificação dos comportamentos que podem ser adstritos à aplicação de sanções contratuais quando violados pelo Cocontratante, sem que, à partida, saibam quais das condutas adotadas serão relvantes para esse efeito, o que é bem demonstrativo da total atipicidade dos incumprimentos contratuais passiveis de serem sancionados pecuniariamente com base no Contrato, assim se franqueando a porta à AMP para à aplicação de sanções pecuniárias por ações ou omissões que decida considerar como incumprimento contratual relevante para tal fim.
Para evitar esta indefinição e imprevisibilidade, é que certamente o legislador previu a necessidade de as sanções contratuais serem tipificadas nas peças concursais que integram já o próprio contrato a celebrar ou na lei ( vide artigo 329.º/1 do CCP). De resto, compreende-se que a aplicação de sanções tenha que estar prevista nas peças do concurso e na lei, e que os comportamentos (incumpridores) relevantes para esse efeito, ou seja, que possam originar a aplicação de multas contratuais, tenham de estar discriminados, pois só assim os seus destinatários saberão de antemão quais as condutas que uma vez adotadas podem determinar a sujeição a multas contratuais durante a execução do contrato, no caso de vir a ser-lhe adjudicado o serviço e, por conseguinte, decidirem conscientemente como agir.
E não se diga, como pretende a Apelante, que nas referidas disposições da cláusula 53.ª do CE as situações que se pretendem abranger se encontram «perfeitamente determinadas» porque «os tipos de infração em causa estão preenchidos por cada uma das obrigações previstas claramente no Caderno de Encargos», ou seja, na afirmação de que existe uma «remissão intrasistemática da previsão do comportamento sancionado para as demais disposições do Caderno de Encargos». É que, como bem aduzem as apeladas, qualquer norma remissiva que se tente retirar daquelas disposições da cláusula 53.ª do CE falha, desde logo, nas exigidas “condições mínimas de determinabilidade dos comportamentos proibidos” e, sobretudo não permite a “determinabilidade objetiva, de forma clara e precisa” dos possíveis incumprimentos contratuais sancionáveis pelo Contraente Público.
Ponderando nas referidas disposições da cláusula 53.ª do CE é patente que nelas não se fornece qualquer indicação em termos de conteúdo que permita determinar qual ou quais os comportamentos que darão azo à aplicação de multas contratuais no universo das restantes disposições do CE.
E, o facto de, como alega a Apelante AMP, os destinatários do artigo 53.ª do CE serem «sujeitos qualificados, operadores económicos experientes» e, como tal « se pode presumir que têm total e completa consciência das obrigações contratuais previstas no Caderno de Encargos, pelo que têm igualmente conhecimento de quais os comportamentos que poderão gerar a aplicação de sanção” não é aceitável como argumento em abono da sua tese, uma vez que, por muito bem que conheçam as suas obrigações só no campo da futurologia poderiam determinar o universo das condutas, de entre as possíveis, que estariam abrangidas pela aplicação de multas contratuais, para além de, como a própria Apelante reconhece, estarem em causa um universo de obrigações contratuais cuja descrição se afigura “virtualmente impossível”.
Acrescente-se que mesmo no campo das denominadas “normas sancionatórias administrativas em branco (não penais)” exige-se que o Legislador fixe “de modo esclarecedor, inequívoco e objetivamente cognoscível- quer um comando proibitivo, quer o correspondente comando sancionatório da conduta proibida” ( cfr. Miguel Prata Roque, Direito sancionatório enquanto bissetriz (imperfeita) entre o direito penal e o direito administrativo – a pretexto de alguma jurisprudência constitucional, in Revista de Concorrência e Regulação, Ano IV, n.º 14/15, 2013, pág.146). Logo, a “previsão de uma norma sancionatória em branco” exige que o conteúdo precetivo mínimo da norma seja fixado pela “norma de remissão” e que da sua combinação com a “norma complementar” resulte uma cognoscibilidade razoável do respetivo conteúdo- “condição de determinabilidade” (cfr. ob. cit. Pág. 144 a 149 e Ac. do TConstitucional n.º 635/2011).
Por conseguinte, em face do que se expendeu, cremos ser forçoso concluir pela improcedência do invocado fundamento de recurso, impondo-se a confirmação da sentença recorrida neste segmento.
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III.B.2-DO RECURSO INTERPOSTO PELAS “AA. UCT”
b.3. da violação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 36.º do CCP ( questão igualmente colocada pela AA. G.- b.11)

As Apelantes sustentam que as peças concursais violam o disposto nos 1 e 3 do artigo 36.º do CCP, por considerarem que resultando do disposto no n.º3 do art.º 36.º do CCP que quando o valor do contrato for igual ou superior a € 5.000.000, a fundamentação da decisão de contratar deve basear-se numa avaliação de custo-benefício, com consideração dos diversos aspetos que constam das respetivas alíneas a) a g), no concurso em análise impunha-se que essa avaliação de custo-benefício constasse da decisão de contratar, o que não se verificou.
Quanto a esta questão, a 1.ª Instância considerou que «analisando as peças procedimentais – maxime a «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» [cfr. ponto T) do probatório]”, “a referida análise custo/benefício foi efectuada e disponibilizada aos interessados juntamente com o caderno de encargos”.
É desta decisão que as Apelantes discordam, aquiescendo que o Tribunal a quo decidiu bem ao considerar que esta análise custo-benefício é obrigatória, mas errou quando considerou que essa análise poderia ser realizada numa qualquer peça do procedimento (nomeadamente num anexo ao caderno de encargos), ignorando que tal fundamentação se reporta à decisão de contratar a qual é obviamente precedente da elaboração das peças do procedimento.
Para tanto, sustentam que é a decisão de contratar que carece daquela fundamentação e não releva que noutros documentos, máxime nas peças do concurso, que são sempre elaboradas à posteriori daquela decisão, a entidade adjudicante venha discorrer sobre uma suposta análise de custo-benefício.
Vejamos.
Prevê-se no n.º 1 do art.º 36.º do CCP que «o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última”, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que “quando o valor do contrato for igual ou superior a (euro) 5 000 000 ou, no caso de parceria para a inovação, a (euro) 2 500 000, a fundamentação prevista no n.º 1 deve basear-se numa avaliação de custo-benefício e deve conter, quando aplicável: a) a identificação do tipo de beneficiários do contrato a celebrar; b) a taxa prevista de utilização da infraestrutura, serviço ou bem; c) a análise da rentabilidade; d) os custos de manutenção; e) a avaliação dos riscos potenciais e formas de mitigação dos mesmos; f) o impacto previsível para a melhoria da organização; g) o impacto previsível no desenvolvimento ou na reconversão do país ou da região coberta pelo investimento».
A decisão de contratar é o ato unilateral por via do qual, constatada a necessidade de obter, no mercado, certos bens ou serviços, a entidade pública competente decide abrir um procedimento para determinar com quem e em que condições concretas será celebrado o correspondente contrato, constituindo, por conseguinte, o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública, o ato inicial do procedimento.
Porém, a decisão de contratar, como nos ensina a experiência prática da vida, envolve contemporânea e contextualmente, desde logo, a autorização da despesa que a entidade adjudicante pode despender com a execução do contrato, podendo incluir-se na decisão de contratar a própria escolha da modalidade procedimental a adotar, a aprovação das respetivas peças procedimentais ou de algumas delas, e outras questões.
No caso vertente, o facto de a análise custo-benefício não constar formalmente da decisão de contratar não significa que essa análise custo-benefício só tenha sido realizada posteriormente e que, por isso, não tenha sido tomada em conta nesse momento propulsor do procedimento pré-contratual.
Compulsado o processo administrativo e considerando a matéria dada como provada nas alíneas C) e T) do elenco dos factos provados, verifica-se que, a decisão de contratar foi simultânea com a decisão de escolha do procedimento e com a decisão de aprovação das peças do procedimento. Como observa a Apelada AMP, é absolutamente claro e evidente que a Memória Descritiva, de 19 de dezembro de 2019, antecedeu a decisão de abertura do procedimento, proposta em 13 de janeiro de 2020 e deliberada em 16 de janeiro de 2020.
Como já referimos, a mais das vezes a decisão de contratar, de autorizar a despesa e de escolha do procedimento (e outras) são concomitantes, de modo que, quando a Administração profere a decisão de contratar, ou seja, de autorização de abertura de um concreto procedimento contratual, já tem na sua disponibilidade as peças concursais essenciais desse procedimento. Alegam as Apelantes que o Tribunal a quo deveria ter considerado que tal análise deveria ter sido efetuada sob a forma de estudo prévio às peças do concurso, devendo estar inclusa na decisão de contratar e que por essa razão, a sentença recorrida baseou-se numa errada interpretação e aplicação daquela normal legal. Como já dissemos, o facto de a análise custo-benefício ter sido disponibilizada juntamente com o Caderno de Encargos não habilita a que se conclua que não foi efetuado antes da decisão de contratar.
Em face do conteúdo normativo destas disposições do art.º 36.º do CCP cremos, salvo melhor opinião, que não assiste razão às Apelantes, não se percebendo porque razão, tendo essa análise sido disponibilizada juntamente com o caderno de encargos, na «Memória Descritiva | Capítulo V – Fundamentação Económico – Financeira» (vide ponto T) do elenco dos factos provados) se deva ter-se como não observado o disposto no art.º 36.º, n.ºs 1 e 3 do CCP.
O que releva, a nosso ver, é que essa análise custo-benefício tenha sido efetuada. O facto de a mesma não constar formalmente da decisão de contratar e ter sido disponibilizada juntamente com o caderno de encargos, não tem o alcance de invalidar a decisão de contratar por dever ter-se como não fundamentada.
Termos em que, perante o exposto, se impõe concluir pela improcedência do invocado fundamento de recurso.
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b.4. se as peças concursais do concurso violam a alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da lei n.º 52/2015 ( esta questão foi igualmente colocada pelas Apelantes “G.”- b.16.

As Apelantes asseveram que o Caderno de Encargos viola, por omissão, o disposto na alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015 e que o Tribunal a quo ao assim não considerar procedeu a uma interpretação errada desses normativos, incorrendo em erro de julgamento.
Sobre esta esta questão o Tribunal a quo entendeu que in casu “o preço/a compensação pela obrigação do serviço público à cocontratante está, expressamente, definido na cláusula 42º do caderno de encargos [cfr. ponto R) do probatório] em termos não impugnados por qualquer dos concorrentes, donde decorre que estes, na elaboração das suas propostas, consideraram que os termos em que a respectiva remuneração ali estava prevista eram suficientes para a adequada remuneração dos capitais próprios, não carecendo de qualquer outro elemento relativo à modalidade de repartição de custos”.
As Apelantes discordam desta interpretação, sustentando que o artigo 42.º do Caderno de Encargos não prevê nem detalha qualquer repartição de custo ou modalidades de repartição de custos ligados à prestação do serviço. Acrescentam que do que ali se cura é exclusivamente da remuneração do cocontratante, como contrapartida pela execução do contrato, identificando a cláusula a fórmula de cálculo dessa remuneração.
Ademais, dizem que entendeu ainda o Tribunal a quo que “da leitura do caderno de encargos se verifica que a repartição de custos – ainda que não quantificada – se encontra ali realizada”, arremessando um conjunto de cláusulas do caderno de encargos relativas a obrigações do cocontratante. E concluem que uma vez mais, andou mal ao Tribunal a quo ao aceitar como bom para o preenchimento do que é exigido na alínea c), do artigo 4.º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) a referência àquelas cláusulas obrigacionais, designadamente as cláusulas 10.º, 20.º e 26.º e assumindo que as obrigações previstas em tais cláusulas não estejam tão-pouco quantificadas.
A seu ver, dos custos e modalidades de repartição de custos que ali se cura são, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios; sobre a modalidades de repartição de custos nada é dito no Caderno de Encargos.
Reiteram que o artigo 4.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, de 23.10 e o artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2015 são perentórios ao exigirem que do contrato de serviço público devem constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços.
E assim, insistem que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que o Caderno de Encargos não era violador do regime previsto exigido na alínea c), do artigo 4º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e na alínea i) do n.º 1 do Artigo 21º, da Lei 52/2015 (de 9 de junho) e que a obrigação aí exigida se encontrava dispersa em várias cláusulas do contrato, ainda que não quantificada, tendo-se por isso baseado a sentença recorrida numa incorreta interpretação e aplicação das normas legais.
Mas sem razão.
Na alínea c), do artigo 4.º, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, prescreve-se que o conteúdo obrigatório do contrato de serviço público deve “estabelecer as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços. Esses custos, podem incluir, designamente os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios
No mesmo sentido, prevê a alínea i) do n.º 1 do artigo 21º, da Lei 52/2015, de 09/06 ( Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passegeiros- RJSPTP) , que o contrato de serviço público é obrigatoriamente reduzido a escrito, dele devendo constar “as modalidades de repartição de custos ligados à prestação dos serviços, nomeadamente, os custos de pessoal, de energia, de gestão, de manutenção e de operação de veículos”.
Ora, o artigo 21.º, n.º1, al.a) do RJSPTP tem uma formulação semelhante ao disposto no art.º 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007.
Para a boa compreensão da disciplina estabelecida no referido regulamento, deve ainda tomar-se em consideração, a Comunicação Interpretativa “Orientações para a Interpretação do regulamento (CE) n.º 1370/2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário” emitida pela Comissão Europeia, na qual se veiculou que:
2.4.3. Artigo 4.º, n.º 1, e anexo. Noção de «lucro razoável»
De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, alínea c), os custos a ter em conta no âmbito de um contrato de serviço público podem incluir «uma remuneração adequada dos capitais próprios». O anexo especifica que a compensação pela obrigação de serviço público não pode exceder o efeito financeiro líquido, definido como os custos incorridos, deduzidas as receitas geradas pelas atividades de serviço público e as receitas potenciais geradas na rede explorada, acrescidos de um «lucro razoável».
De acordo com o anexo, deve entender-se por «lucro razoável» uma taxa de remuneração do capital que seja habitual no setor num determinado Estado-Membro e que deve ter em conta o risco, ou a inexistência de risco, incorrido pelo operador do serviço público em resultado da intervenção da autoridade pública. Não são dadas, todavia, outras indicações sobre o nível correto de «remuneração do capital» ou de «lucro razoável».
(…)
2.4.4. Artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, e anexo. Prevenir a utilização da compensação recebida em contrapartida da obrigação de serviço público para subsidiar atividades comerciais
Quando o prestador do serviço público exerce também atividades comerciais, é necessário assegurar que a compensação pública que ele recebe não é utilizada para reforçar a sua posição concorrencial nas atividades comerciais. O anexo do regulamento estabelece regras destinadas a prevenir a subsidiação das atividades comerciais com as receitas das atividades de serviço público. Tais regras consistem essencialmente na separação das contas dos dois tipos de atividade (serviço público e serviço comercial) e num método sólido de repartição de custos que reflita os custos reais da prestação do serviço público.
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do regulamento, em combinação com as regras estabelecidas no anexo, preveem a correta repartição, pelos dois tipos de atividade, dos custos e receitas associados respetivamente à prestação dos serviços no âmbito do contrato de serviço público e à atividade comercial, no intuito de possibilitar a monitorização eficaz da utilização dada à compensação pública e da eventual subsidiação cruzada. A adequação das modalidades de repartição dos custos e das medidas de delimitação das obrigações de serviço público e das atividades comerciais é crucial neste contexto. Por exemplo, quando o serviço público e a atividade comercial compartilham os meios de transporte (material circulante ou autocarros) ou outros ativos ou serviços necessários à prestação do serviço público (escritórios, pessoal ou estações), os custos conexos devem ser imputados aos dois tipos de atividade na proporção do seu peso relativo no total das prestações de transporte fornecidas pela empresa.
(…)”
Resulta desta comunicação interpretativa, que a Comissão Europeia considera que o referido preceito, conjugado com o Anexo ao Regulamento, exige que, no caso de o Cocontratante exercer outras atividades para além das atividades de serviço público objeto do contrato, como sejam atividades comerciais, e de as várias atividades partilharem meios e recursos, os custos devem ser adequadamente imputados às diferentes atividades.
Assim, o sentido a extrair do disposto no referenciado art.º 4.º, n.º1, al.c) do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, considerando a transcrita comunicação “Orientações para a Interpretação do regulamento (CE) n.º 1370/2007 relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário” emitida pela Comissão Europeia, e do art.º 21.º, n.º1, al.i) da Lei n.º 52/2015, não se coaduna com a leitura que deles fazem as Apelantes, ao pretenderem que a exigência neles prevista se refere “aos pressupostos de custos em que assenta o contrato e o preço a pagar pela AMP aos adjudicatários de cada lote”, por considerarem que a motivação subjacente à aludida exigência legal era acautelar a aplicação do mecanismo de reposição do equilíbrio económico-financeiro contratualmente previsto.
Como bem entendeu o Tribunal a quo, a enunciação do modelo de repartição de custos ali identificado destina-se « não a uma eventual reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato, mas sim, a permitir que nos contratos com este objecto, seja determinada uma adequada remuneração dos capitais próprios, uma vez que a “(…) compensação pela obrigação de serviço público não pode exceder o efeito financeiro líquido, definido como os custos incorridos, deduzidas as receitas geradas pelas atividades de serviço público e as receitas potenciais geradas na rede explorada, acrescidos de um «lucro razoável». (…)”.
E no caso, as apelantes bem sabiam que os custos correriam por sua conta, estando apenas em causa a necessidade legal de o contrato disciplinar o modo como alguns custos se repartem entre as partes.
Aliás, sendo o contrato em causa um contrato de prestação de serviços, entendendo-se como tal, na definição dada pelo artigo 450.º do CCP “ o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”, é da natureza destes contratos que os custos sejam integralmente assumidos pelo cocontratante, exceto se for convencionado entre as partes que a entidade adjudicante assume a responsabilidade por parte dos custos do serviço.
Essa conclusão é evidenciada pelo disposto no art.º 452.º do CCP no qual se prescreve que: “Na falta de estipulação contratual, as instalações, os equipamentos e quaisquer outros meios necessários ao exato e pontual cumprimento das obrigações contratuais são da responsabilidade do prestador de serviços”.
Como se diz na sentença recorrida « in casu o preço / a compensação pela obrigação do serviço público à cocontratante está, expressamente, definido na cláusula 42º do caderno de encargos [cfr. ponto R) do probatório] em termos não impugnados por qualquer dos concorrentes, donde decorre que estes, na elaboração das suas propostas, consideraram que os termos em que a respectiva remuneração ali estava prevista eram suficientes para a adequada remuneração dos capitais próprios, não carecendo de qualquer outro elemento relativo à modalidade de repartição de custos».
Na verdade, no art.º 42.º do CE prevê-se uma remuneração global para a execução integral do contrato pelo Cocontratante.
Ademais, conforme igualmente se refere na sentença recorrida «Acresce que, da leitura do caderno de encargos se verifica que a repartição de custos – ainda que não quantificada – se encontra ali realizada. Com efeito, (i) na cláusula 10º do caderno de encargos assaca-se à cocontratante a obrigação de disponibilizar todos os bens necessários à prossecução do objecto do contrato; (ii) na cláusula 20º do caderno de encargos imputa-se à cocontratante os custos com a manutenção dos bens relativos à prestação de serviços em causa (com excepção dos que estão enunciados na cláusula 9º antecedente); (iii) do teor da cláusula 26º resulta, igualmente, ser obrigação da cocontratante suportar os custos de pessoal. »
Para melhor ilustração de que assim é, veja-se a disciplina inserta na cláusula 20.ª do CE ( Manutenção), de onde se retira que todos os custos relativos à manutenção dos bens disponibilizados para a realização do serviço objeto do contrato devem ser assumidos pelo concontratante, só assim não sendo com os custos inerentes à manutenção dos bens referidos na Cláusula 9.ª do CE ( ou seja, os relativos a terminais, abrigos e postaletes) que são suportados pela AMP.
Do mesmo modo, tome-se em consideração o disposto na cláusula 26.ª do CE, sendo que o que dela se retira é que todas as despesas com os custos de pessoal são da responsabilidade do cocontratante.
Ademais, note-se que em relação aos custos que devam ser assumidos pela AMP, constata-se que o CE prevê normas em que se clarificam eventuais dúvidas que possam surgir sobre a repartição dos custos ligados à prestação dos serviços entre o contraente público e o cocontratante, de que é exemplo o n.º2 da Cláusula 9.ª do CE, os n.ºs 1 e 2 da Cláusula 21.ª do CE, o n.º6 do Cláusula 31ª do CE, os n.ºs 1 e 2 da Cláusula 52.ª do CE.
Em conclusão, analisando as cláusulas que compõem o CE do concurso em apreço, é apoditico que nele se encontra efetuada a repartição de custos entre as partes, ainda que não quantificada, nos termos e para efeitos da al. i) do n.º1 do art.º 21.º do RJSPTP.
Em face de tudo quando se expendeu, improcede o invocado fundamento de recurso.
*
b.5. as peças concursais são manifestamente ilegais porquanto desconsideram a existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus sars-cov-2 (covid-19)- questão igualmente colocada pelas Apelantes “G.”-B.12 e “B.”-b.19.

As Apelantes impetram à sentença recorrida erro de julgamento por nela não se ter tido em consideração o impacto que a emergência da pandemia provocada pela disseminação do Sars-Cov-II terá na procura num setor de atividade como é o transporte público.
No essencial, afirmam que o Tribunal a quo considerou como assente o conteúdo do anexo VII: “V). O teor do “anexo VII” ao programa de concurso, com a redacção de Julho de 2020, intitulado “Procura”, resultando desse documento, que os elementos em que se alicerça todo o planeamento e o dimensionamento das cinco operações de serviço público aqui em causa nos sete anos de duração e que, portanto, estão na base do Caderno de Encargos, têm por referência os dados de procura e de oferta referente ao último quadrimestre de 2019.
Afirmam ser manifesto que é no modelo constante dos anexos I e VII que assenta e se alicerça o Caderno de Encargos e, consequentemente, todo o regime contratual definido para o período de duração de sete anos, muito em especial, o regime remuneratório. E referem que nos últimos anos e em especial no último quadrimestre de 2019, registaram-se valores estáveis e regulares de diminuição de custos operacionais e de aumento da procura do serviço de transporte rodoviário de passageiros que se vinha verificando por força do aumento dos preços dos combustíveis rodoviários e de aquisição de automóvel por parte dos particulares, da aposta pública de diminuição de faixas de trânsito e do estacionamento disponível nos centros urbanos, da política de mobilidade sustentável e, bem assim, do crescimento exponencial do turismo nos centros urbanos.
Porém, afirmam que a Pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 veio alterar, significativa e profundamente, o planeamento e o dimensionamento da operação de serviço público aqui em causa e, muito em especial, o regime remuneratório definido que foi flagrantemente afetado.
Consideram que essa circunstância foi categoricamente ignorada e totalmente desconsiderada pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, não tendo a AMP introduzido qualquer alteração nas peças do concurso no sentido de acautelar ou mitigar contratualmente este evento disruptor.
Daí que, afirmam, tivessem alertado o Tribunal a quo, requerendo que este declarasse a ilegalidade das peças procedimentais (na versão de julho 2020), por desconsideração das circunstâncias supervenientes e pugnado por uma decisão de não adjudicação à luz do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP.
Vejamos.
Sobre esta questão o Tribunal a quo considerou ser “notório que a pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 impactou, profundamente, na vida das pessoas e nos seus hábitos, designadamente, no tocante à utilização dos meios de transporte colectivos”, concluindo, porém, que no caso resultava “da factualidade assente [cfr. ponto AB) do probatório] que estas circunstâncias e o seu impacto na execução do programa a concurso foram devidamente consideradas e ponderadas, designadamente quanto à manutenção das peças procedimentais e, também, relativamente à subsistência do próprio procedimento concursal” e, fundando-se na discricionariedade que assiste às entidades adjudicantes na elaboração das peças concursais, o Tribunal a quo acabou por julgar “in casu devidamente fundadas, não padecendo de qualquer erro grosseiro que sustente a sua sindicância jurisdicional, as razões constantes do memorando de 20.06.2020, e bastantes para que se considere ter existido uma adequada ponderação da alegada “alteração superveniente das circunstâncias”, concluindo-se pela ausência de impacto relevante na tramitação do presente procedimento contratual”, pelo que, conclui o Tribunal a quo, “por carecer de suporte fundamentação fáctico-legal, improcede a alegação vertida a este propósito”.
As Apelantes consideram que a factualidade assente relativa ao conteúdo dos documentos conformadores do procedimento e todos os factos carreados para os autos, assim como todos os factos notórios, de todos conhecidos, que não carecem de alegação ou de prova, impunham decisão diversa ao Tribunal a quo, e nem a discricionariedade administrativa a que alude o mesmo é suficiente para legitimar a apreciação levada a cabo.
O que dizer?
Consta do ponto AB) do elenco dos factos provados que “com data de 20.06.2020, os serviços da R. AMP elaboraram documento denominando ¯ MEMORANDO | IMPACTO DA PANDEMIA NO CONCURSO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA AMP”. Desse documento consta, além do mais, o seguinte: “O impacto da pandemia no TP decorreu da quebra quase total na procura durante o período de confinamento. Apesar de se verificar a subida gradual do número de passageiros com o desconfinamento, esta ainda está longe dos valores normais. (…) »
Nesse documento, percebe-se que é posta uma especial enfase na necessidade de, na aferição do impacto da pandemia no nível de procura no concurso, se ter em «consideração não os valores atuais, mas sim aqueles que são esperados durante a vigência dos futuros contratos (…) que irão vigorar por um prazo de 7 anos, pelo que o horizonte temporal a ter em consideração na análise do nível da procura corresponderá a um período em que estará muito mais próximo do normal.
No entanto, há alguns fatores que indiciam que o nível de procura existente antes da pandemia poderá ser difícil de atingir, dos quais destacamos: um maior nível de desemprego, maior utilização do teletrabalho mesmo em situação normal, receio de utilização do TP e preferência pelo transporte individual (TI).Salientamos que esta tendência não é, apesar de tudo, irreversível, uma vez que existe um conjunto de ferramentas ao dispor dos municípios ( e do Estado) para a promoção do TP em detrimento do TI, como por exemplo a politica de estacionamento nas cidades, acriação de faixas Bus, ou o aprofundamento da politica de redução tarifária.
(…).
4. Risco de insuficiência tarifária.
Considerando que não existe o risco do concurso ficar deserto principalmente pelo facto do risco tarifário ficar do lado da AMP, temos de considerar o reverso da medalha, ou seja a possibilidade da receita tarifária ser insuficiente para que a AMP remunere os operadores.
(…)
Nota: o mais razoável é, em caso de ser necessário o financiamento do défice tarifário pelos municípios, ser fixado o montante que estão disponíveis para financiar a rede de TP e complementar com a combinação dos restantes instrumentos para que o défice não execeda esse montante»
A primeira observação a respeito da pandemia provocada pelo SARS-CoC-2 que nos apraz referir é a de que não há ainda uma estabilização sobre a perspetiva da evolução da crise pandémica.
De seguro, sabe-se que em ordem a conter os efeitos negativos provocados pela disseminação do SARS-CoV-2, que as autoridades nacionais ( Governo, Assembleia da República e Presidente da República) se viram constrangidas a adotar/aprovar um conjunto de medidas graves, como sejam:
(a) Declarações de Estado de Emergência cf. (i) Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, (ii) Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, (iii) Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril; Declarações de Situação de Calamidade cf. (iv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, (v) Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, de 15 de maio, (vi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, (vii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 9 de junho, (viii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2020, de 25 de junho, (ix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho;
(b) Declarações de Situação de Alerta em todo o território nacional continental (com exceção da Área Metropolitana de Lisboa, onde foi declarada a situação de contingência) cf. (x) Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020, de 30 de julho, (xi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2020, de 13 de agosto, (xii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 68-A/2020, de 28 de agosto, (xiii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2020, de 10 de setembro, (xiv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2020, de 24 de setembro, (xv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020, de 14 de outubro;
(c)Declaração da Situação de Calamidade em todo o território nacional continental cf. (vxi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 31 de outubro;
(d)Declarações do Estado de Emergência cf. (xvii) Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020 de 6 de novembro, (xviii) Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020, de 20 de novembro, (xix) Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, (xx) Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020, de 17 de dezembro, (xxi) Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, (xxii) Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de janeiro, (xxiii) Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, de 28 de janeiro, (xxiv) Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021, de 11 de fevereiro, (xxv) Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021, de 25 de fevereiro, (xxvi) Decreto do Presidente da República n.º 25-A/2021, de 11 de março, (xxvii) Decreto do Presidente da República n.º 31-A/2021, de 25 de março, (xxviii) Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril;
(e)Declarações de Situação de Calamidade cf. (xxix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de abril, (xxx) Resolução do Conselho de Ministros n.º 46-C/2021, de 6 de maio, (xxxi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 13 de maio, (xxxii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 62-A/2021, de 20 de maio, (xxxiii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 64-A/2021, de 27 de maio, (xxxiv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2021, de 2 junho, (xxxv) Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021, de 9 de junho, (xxxvi) Resolução do Conselho de Ministros n.º 76-A/2021, de 18 de junho, (xxxvii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021, de 24 de junho, (xxxviii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 86-A/2021, de 1 de julho, (xxxix) Resolução do Conselho de Ministros n.º 91-A/2021, de 8 de julho, (xl) Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2021, de 15 de julho, (xli) Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/2021, de 22 de julho, (xlii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, de 29 de julho;
(f)Declaração da situação de Contingência cf. (xliii) Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021, de 20 de agosto.
Sabe-se também, que a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 teve graves consequências em praticamente todos os setores de atividade, com repercussões tremendas na vida das pessoas, das empresas e das instituições. Foram impostos confinamentos à população, fortes restrições à mobilidade, tudo com o propósito de reduzir a possibilidade de contágio e disseminação do vírus SARS-Cov-2.
Daí que, naturalmente, que se tenha de dar como certo que a pandemia também impactou profundamente o transporte público rodoviário de passageiros, designadamente, uma vez que provocou uma redução da procura, a alteração dos padrões de mobilidade, uma notória quebra do turismo, tudo factos, que de resto, a comunicação social foi cuidando de retratar com frequência em vários dos seus blocos noticiosos e de todos conhecidos.
Dizem as Apelantes que o Tribunal a quo , caso tivesse considerado na sentença que proferiu e ora em crise, que em consequência da pandemia houve uma redução drástica do número de passageiros transportados, registando-se uma alteração profunda dos padrões de mobilidade associados a um conjunto de fatores tão distintos como o aumento do desemprego, a acentuada quebra no turismo, o receio natural na utilização de transportes públicos, dinamização de meios alternativos de transporte individual (como trotinete, bicicletas, táxis ou tvde), a inexistência da totalidade de aulas presenciais (sobretudo nos planos universitários e técnico), o cancelamento de festivais, de eventos culturais e musicais, encerramento de serviços públicos e de locais de atendimento ao público e, inclusivamente, a opção pelo teletrabalho pela quase totalidade das entidades empregadoras, com profundo impacto no perfil da mobilidade antes da Pandemia, teria dado como verificada a ocorrência do fundamento de não adjudicação previsto no art.º 79.º, n.º1, al.d) do CCP.
Discordamos deste entendimento. Na verdade, afigura-se-nos seguro concluir que Tribunal a quo teve em consideração as mencionadas consequências da pandemia, tanto assim que expressamente afirma na sentença recorrida quanto a esta matéria que a pandemia teve efeitos impactantes, designadamente, no setor do transporte público de passageiros. Ademais, essa realidade foi objeto do memorando a que supra aludimos, que o Tribunal a quo deu como provado e cujo teor ponderou. Logo, não temos nenhuma dúvida quanto ao conhecimento, pelo Tribunal a quo, dos factos notórios que as Apelantes reafimam nesta sede recursiva a respeito das consequências trazidas pela pandemia.
O que acontece é que o Tribunal a quo não considerou que por via da emergência da pandemia, a avaliação efetuada sobre a sua repercussão na estabilidade dos pressupostos em que assenta este concurso e as conclusões retiradas nesse memorando de 20.06.2020 padecessem de erro ostensivo e, como tal, concluiu que o facto da AMP não ter optado pela não adjudicação nos termos previstos na al. d) do n.º1 do artigo 79.º do CCP com base nos pressupostos de avaliação contidos no referenciado memorando, não a fez incorrer numa atuação ilegal, porquanto não se lhe impunha que tivesse decidido pela não adjudicação nos termos da al.d), n.º1 do art.º 79.º do CCP.
Percorrido o rol de fundamentos que, na esteira do preceituado nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, podem servir de base a uma putativa decisão de não adjudicação, torna-se possível vislumbrar que o surgimento da pandemia provocada pelo novo vírus SARS-CoV-2 é idóneo, por princípio, a constituir uma circunstância superveniente com impacto nos pressupostos que serviram de base à decisão de contratar proferida antes da sua emergência, e, nessa medida, perfeitamente suscetível, em tese, de fundamentar uma decisão de não adjudicação e consequente extinção do procedimento, à luz do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
Porém, pese embora a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 preencha, em abstrato, o conceito de circunstância superveniente com suscetibilidade de ter um forte impacto nos pressupostos da decisão de contratar, que pode permitir a prática de uma decisão de não adjudicação com consequente extinção do procedimento, importa saber se, no caso concreto, se pode dar como certo que as consequências decorrentes da mesma teve esse forte um impacto nos pressupostos da decisão de contratar de tal modo que impunha que a AMP tivesse proferido uma decisão de não adjudicação. Caso se conclua pela positiva, importa ainda saber se a decisão de não adjudicação tem uma natureza vinculada, isto é, se verificada a existência de uma causa de não adjudicação, a entidade adjudicante tem a obrigação jurídico-legal de praticar uma decisão de não adjudicação e, por consequência, extinguir o procedimento e revogar a decisão de contratar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 80.º do CCP.
Conforme referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “CONCURSOS E OUTROS PROCEDIMENTOS DE CONTRATAÇÃO PÚBICA”, Almedida, pág.1042, a questão «não deve, porém, colocar-se tanto entre proibição de adjudicar e a mera faculdade de não adjudicação, mas na distinção entre pressupostos vinculados e pressupostos discricionários da decisão de não adjudicação- discricionários ou que, ao menos, em maior ou menor medida, dependem de juízos típicos da função administrativa».
A decisão de contratar, é o ato pelo qual uma entidade adjudicante decide recorrer ao mercado, «a um negócio com o mercado (“contracting out”), em vista da satisfação de uma determinada necessidade sua, sendo que nela se conterá uma especificação sumária das características fundamentais desse negócio» ( ob. cit. pág.1048).
Logo, são pressupostos da decisão de contratar os seguintes: «o de que há uma necessidade ( materializada na aquisição de uma certa obra, serviço ou bem), de que ela deve ser satisfeita de determinado modo ( através de determinado tipo de contrato), de que com isso não se prejudicam quaisquer interesses públicos ponderosos, de que a entidade adjudicante não dispõe dos meios adequados ou necessários à sua satisfação (por isso optou por recorrer ao mercado) e de que dispõe das quantias necessárias para pagar ao co-contratante ( se se tratar de um contrato que implique despesa)». ( ob.cit., pág.1048).
Deste modo, caso se conclua que a emergência da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 que sobreveio, fez «esvanescer os concretos pressupostos em que assentou tal decisão, a entidade adjudicante deve optar pela não adjudicação».
É neste quadro de referência, ou seja, tomando em consideração o “Memorando-Impacto da Pandemia no Concurso de Transporte Público da AMT” ( vide alínea AB do elenco dos factos provados), cujas conclusões acima tivemos o cuidado de transcrever em parte, que somos levados a concluir que nas circunstâncias concretas da situação em análise, designadamente, tendo em conta estar-se perante um contrato cujo início de execução se perspetivava para nunca antes de novembro de 2021 e cuja duração era de 7 anos, que a emergência da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, no caso, não impunha de forma inquivoca que fosse proferida uma decisão de não adjudicação sob pena de ilegalidade.
Tendo em conta que não é possível traçar um cenário seguro sobre a evolução da pandemia, designadamente, no sentido mais catastrofista de que a mesma não será controlada, e bem assim, tendo em consideração que seja qual for a evolução que esta doença venha a conhecer, a vida das pessoas e das empresas não se compadece com medidas como as que foram adotadas durante muito tempo, pelo que, forçosamente, a atividade económica terá de ser retomada, o cenário mais aceitável para a escolha dos prestadores do serviço público de passageiros em causa com este procedimento será o cenário conhecido antes da pandemia. É que, estando-se perante um concurso que visa a celebração de um contrato por um período de 7 anos, cujo início de execução apenas se previa, na melhor das hipóteses, para o mês de novembro de 2021, e por conseguinte, não sendo previsível à data, nem presentemente, afirmar que no início do Período de Funcionamento Normal do contrato e durante 7 anos da sua vigência iriam, ou irão permanecer, e com impactos significativos, no setor do transporte público, os fenómenos então desencadeados pela pandemia, não se verificam, a nosso, os pressupostos que justificariam uma decisão de não adjudicação do contrato.
Note-se que, no presente momento, embora se assista a um aumento relevante do número de casos de pessoas infetadas com o COVID 19, e até com uma nova variante, é também irrefutável que a vacinação contra esse vírus revelou ser instrumento poderoso no controlo da doença, impedindo designadamente as manifestações mais graves dessa doença, o que permitiu já uma retoma da economia. Ademais, é inequívoco o esforço gigantesco que as Nações se encontram a desenvolver para que todas as pessoas se vacinem, e para as que já se encontram vacinadas tomem a dose de reforço, numa férrea determinação em controlar a pandemia e em criar as condições necessárias para que a atividade económica e a vida das pessoas retome a normalidade, sendo quanto a nós de afastar cenários catastrofistas, dada os resultados muito positivos já obtidos no controlo desta doença.
No caso, também não é despiciendo ter presente, como bem observa a AMP, que à data da apresentação das propostas já a situação de pandemia existia, pelo que as propostas apresentadas tiveram de ser conformadas por essa realidade, pelo que, por este ânigulo, não se poderá falar na ocorrência de uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias para os concorrentes. De resto, convém não esquecer que o risco tarrifario corre por conta da AMP!
Em conclusão, não é seguro traçar-se um cenário de redução drástica permanente da procura ao nível do transporte público, como decorrência da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, aquando da execução do contrato em causa, que ainda nem sequer se iniciou, de modo que possa concluir-se que a única decisão que devia ser tomada pela AMP, fosse a de não adjudicação.
Assim, anuímos que no caso em análise, não estavam reunidos pressupostos inequívocos que autorizassem o Tribunal a quo a concluir pela imperatividade de uma decisão de não adjudicação do contrato em causa.
Por isso, não resta senão julgar como improcedentes os invocados fundamentos de recurso.
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b.6- as peças do concurso violam o regime das parcerias público-privadas ( questão igualmente colocada pelas Apelantes “G.- b.13

Outro fundamento de recurso que as Apelantes invocam contra a sentença recorrida é do que as peças do concurso em apreço violam o regime das parcerias público-privadas estabelecido no Decreto-Lei n.º 111/112, de 23/05, uma vez que, tendo em consideração a definição de parceria publico-privada que consta do n.ºs1, 2 e 4 do artigo 2.º desse diploma não pode senão concluir-se que os contratos a celebrar na sequência do presente procedimento são parcerias público-privadas, na medida em que as entidades privadas (os operadores de transportes adjudicatários) se obrigam perante o parceiro público (a AMP), de forma duradoura, por um período fixo de 7 anos, a assegurar o serviço de transporte de passageiros por autocarro na área metropolitana do Porto, designadamente a operação e a manutenção dos bens afetos ao serviço público contratado, assumindo em parte o risco associado à atividade.
Aduzem que nos termos dos n.º s 2 e 3 das Cláusulas 10.ª e das Cláusulas 17.ª, 18.ª e 38.ª do Caderno de Encargos, resulta com evidência, que os contratos a celebrar entre a AMP e os adjudicatários dos lotes em concurso são configuráveis como parcerias público-privadas e, sendo assim, só pode concluir-se que o procedimento de formação aqui em causa estava adstrito ao cumprimento do regime das parcerias previsto no Decreto-Lei n.º 111/2012.
Ora, a 1.ª Instância considerou que o regime constante do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23/05 não era aplicável na situação em apreço. E bem.
Vejamos.
A definição de parceria público-privada consta do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23/05, de acordo com a qual “entende-se por parceria público-privada, abreviadamente designada por parceria, o contrato ou a união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”.
E nos termos do n.º2 desse artigo 2.º, são considerados parceiros públicos: a) O Estado; b) As entidades públicas estatais; c) Os fundos e serviços autónomos; d) As empresas públicas; e) Outras entidades constituídas pelas entidades a que se referem as alíneas anteriores com vista à satisfação de necessidads de interesse geral.
Tendo em conta que a AMP é uma área metropolitana constituída nos termos da Lei n.º 75/2013, de 12/09, está-se perante uma entidade não subsumível em nenhuma das categorias de “ parceiros públicos” indicadas na referida norma.
Ademais, aquando da emissão da decisão de contratar, ou seja, em 16/01/2020 ( vide alínea C) do elenco dos factos provados), vigorava o DL n.º 170/2019, de 04/12, cujo art.º 4.º aditou ao DL n.º 111/2012, o artigo 2.º-A com a epígrafe “ norma interpretativa” e com o seguinte teor: “ O disposto no presente diploma não se aplica às entidades não enumeradas no n.º2 do artigo anterior, nomeadamente aos municípios e às regiões autónomas, bem como às entidades por estes criadas”.
E, note-se, no art.º 7.º, n.º6 do referido DL 170/2019, de 04/12 o Legislador cuidou de deixar bem clarificada a natureza interpretativa do mencionado art.º 4.º ao dispor que: “ O artigo 4.º do presente decreto-lei tem natureza interpretativa, produzindo efeitos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio”.
Por conseguinte, sabendo-se que nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º1 do Cód. Civil a lei /norma interpretativa considera-se integrada na lei / norma interpretada, e tem efeitos retroativos à data da entrada em vigor da lei interpretadam tudo se passando como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.
Em face do exposto, não susbiste qualquer dúvida em como a AMP não estava sujeita à disciplina do DL n.º 111/112, de 23/05, e isso pese embora tenha sido cessada a vigência do DL n.º 170/2019, pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2020, de 19/03, a qual, nos termos do art.º 169.º, n.º4 da CRP, só produz efeitos para futuro, e como tal, não contende com a decisão de contratar datada de 16/01/2020.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
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b.7.as peças concursais ( artigos 1.º e 15º do CE) violam a teleologia da “divisão em lotes” do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 deste preceito legal e do princípio da concorrência( questão também colocada pelas Apelantes “G.”- B.14)

As Apelantes impetram à sentença recorrida erro de julgamento de direito por não ter dado como verificada a invalidade do concurso em apreço, decorrente do facto de não prever a constituição de mais lotes, de maneira a promover o acesso de PME´s aos contratos, e de, por conseguinte, não ter declarado a invalidade da limitação prevista nas alineas a) e b) do n.º1 do artigo 15.º do CE, decorrente da violação do artigo 46.º-A, n.º4 do CCP e do princípio da concorrência.
Argumentam que estando em causa um procedimento pré-contratual com adjudicação por lotes, de acordo com os artigos 1.º e 15.º do Programa do Concurso, teve-se em vista o objetivo de assegurar o acesso direto das pequenas e médias empresas (PME) aos contratos públicos e, por esta via, aumentar a concorrência, mas no caso, a divisão em lotes não estava adaptada às necessidades de operadores de transporte de menor dimensão – nem, de resto, permitiu o acesso destes ao concurso.
Na verdade, a divisão por lotes operada pela Recorrida corresponde à agregação da prestação de serviços de transporte de passageiros de 17 Municípios em apenas cinco lotes, pelo que as cinco áreas geográficas a adjudicar correspondem a áreas muito superiores, em dimensão, às áreas em que são atualmente prestados os serviços de transporte rodoviário de passageiros; o que corresponde, inversamente ao pretendido, a uma agregação ou aglutinação de 17 contratos de serviço público em 5 contratos – e viola flagrantemente o instituto da divisão em lotes atenta a teleologia que lhe subjaz.
Vejamos.
No artigo 1.º do Programa de Concurso, sob a epígrafe “Objeto do Concurso” (vide alínea Q) do elenco dos factos provados), determina-se que:
«1. O presente concurso público internacional, designado por “Concurso público para a contratação de serviço de transporte rodoviário de passageiros na Área Metropolitana do Porto” (doravante “Concurso”) tem por objeto a adjudicação de uma proposta para:
a) Lote 1: Prestação do serviço público de transporte de passageiros rodoviário regular na Rede “Norte Centro” constante do Anexo II ao Caderno de Encargos;
b) Lote 2: Prestação do serviço público de transporte de passageiros rodoviário regular na Rede “Norte-Nascente” constante do Anexo II ao Caderno de Encargos;
c) Lote 3: Prestação do serviço público de transporte de passageiros rodoviário regular na Rede “Norte-Poente” constante do Anexo II ao Caderno de Encargos;
d) Lote 4: Prestação do serviço público de transporte de passageiros rodoviário regular na Rede “Sul-Poente” constante do Anexo II ao Caderno de Encargos;
e
e) Lote 5: Prestação do serviço público de transporte de passageiros rodoviário regular na Rede “Sul-Nascente” constante do Anexo II ao Caderno de Encargos.
2. Cada concorrente pode apresentar proposta para todos ou só algum(ns) dos lotes identificados no número anterior.
3. O Anexo I ao Programa do Concurso contém informação respeitante à oferta relativa à exploração do serviço público de transporte de passageiros rodoviário objeto do concurso, sintetizada com base nas autorizações provisórias emitidas pela AMP e registadas no SIGGESC.
4. O Anexo VII contém informação, obtida através da execução do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), relativa às validações dos títulos de assinatura mensal do sistema intermodal Andante e à receita tarifária associada, referentes ao último quadrimestre de 2019,
5. A informação que consta do Anexo I e do Anexo VII ao Programa do Concurso é apresentada a título meramente indicativo e não enquanto pressuposto que deva ser assumido para efeitos da preparação da proposta pelos concorrentes.
6. Foi obtido o parecer prévio vinculativo da Autoridade para Mobilidade e Transportes, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, na redação atual.»

Por sua vez, no Artigo 15.º (Limites à adjudicação), estabelece-se que:
«1. Relativamente ao conjunto dos cinco lotes, só pode ser adjudicada uma proposta de entre:
a) As apresentadas pelo mesmo concorrente;
b) As apresentadas por concorrentes que sejam sociedades comerciais que estejam entre si em relação de domínio ou de grupo ou que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo com uma mesma entidade;
(…)»
3. Caso, de entre as propostas apresentadas por concorrentes que se encontrem entre si nalguma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1, apenas uma estiver ordenada em primeiro lugar, esta é adjudicada.
4. Se, na sequência da aplicação do disposto no número anterior, existirem ainda lotes sem adjudicação em que as propostas ordenadas em primeiro lugar foram apresentadas por concorrentes que se encontrem entre si nalguma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 e aos quais não foi ainda adjudicada qualquer proposta nos termos do número anterior, a escolha da proposta a adjudicar rege-se, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 5 e 7, pelo seguinte:
a) São identificadas as propostas ordenadas em segundo lugar em cada um dos lotes em causa, sem consideração das propostas que se encontrem nalguma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 relativamente à proposta ordenada em primeiro lugar e daquelas que se encontrem nalguma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 relativamente a propostas apresentadas por concorrentes a quem venha a ser adjudicada proposta nos termos do n.º 3;
b) É adjudicada a proposta ordenada em primeiro lugar, relativamente à qual haja maior diferença de pontuação para a proposta ordenada em segundo lugar, identificada nos termos da alínea anterior;
c) Caso seja igual a diferença de pontuação, a escolha da proposta a adjudicar é feita segundo a seguinte ordem de preferência de lotes: Lote 2 > Lote 1 > Lote 4 > Lote 5 > Lote 3.
5. Se, na sequência da aplicação do disposto nos n.ºs 3 e 4, ainda existirem lotes sem adjudicação, deve repetir-se, com as devidas adaptações, a aplicação desses n.ºs 3 e 4 para os efeitos da adjudicação nesses lotes, sem consideração das propostas que se encontrem nalguma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 relativamente a propostas apresentadas por concorrentes a quem venha a ser adjudicada proposta nos termos do n.º 3 ou do n.º 4.
6. Se, na sequência da aplicação do disposto no número anterior, ainda existirem lotes sem adjudicação, é sucessivamente aplicável o disposto nesse número.
7. Se a regra de desconsideração de propostas prevista na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5, conduzir à impossibilidade de aplicação dos mecanismos de seleção de propostas previstos nesses números, são adjudicadas as propostas ordenadas em primeiro lugar nos lotes em causa, independentemente do limite à adjudicação previsto no presente artigo.
8. Para efeitos do disposto no presente artigo, são relações de domínio ou de grupo, independentemente de os domicílios ou sedes das sociedades em causa se situarem em Portugal ou no estrangeiro, as relações previstas, respetivamente, no artigo 486.º e nos artigos 488.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
9. Será celebrado um contrato para cada lote.
(…)”
Outrossim, no artigo 46º-A (Adjudicação por lotes) do CCP, prescreve-se que:
«1 - As entidades adjudicantes podem prever, nas peças do procedimento, a adjudicação por lotes.
2 - Na formação de contratos públicos de aquisição ou locação de bens, ou aquisição de serviços, de valor superior a (euro) 135 000, e empreitadas de obras públicas de valor superior a (euro) 500 000, a decisão de não contratação por lotes deve ser fundamentada, constituindo fundamento, designadamente, as seguintes situações:
a) Quando as prestações a abranger pelo respetivo objeto forem técnica ou funcionalmente incindíveis ou, não o sendo, a sua separação causar graves inconvenientes para a entidade adjudicante;
b) Quando, por motivos de urgência ou por imperativos técnicos ou funcionais, a gestão de um único contrato se revele mais eficiente para a entidade adjudicante.
3 - O disposto no número anterior não se aplica às entidades adjudicantes referidas nos artigos 7.º e 12.º
4 - A entidade adjudicante pode limitar o número máximo de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente, devendo indicar essas limitações no convite ou no programa do procedimento, bem como os critérios objetivos e não discriminatórios em que se baseie a escolha dos lotes a adjudicar a cada concorrente nos casos em que a aplicação dos critérios de adjudicação resulte na atribuição, ao mesmo concorrente, de um número de lotes superior ao máximo fixado.
5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de a entidade adjudicante celebrar contratos que combinem vários ou a totalidade dos lotes, desde que essa possibilidade seja expressamente incluída no convite ou no programa do procedimento, caso em que devem ser previamente estabelecidos e indicados os critérios que fundamentam as várias hipóteses de combinação previstas.”
Conforme se escreveu no Acórdão do TCAS, de 19.06.2019, proferido no processo n.º 320/18.8BESNT «O artº 46º-A nº 1 CCP (à semelhança do artº 46º nº 1 da Directiva 2014/24-UE) confere uma margem de liberdade quase total às entidades adjudicantes quanto a dividir ou não dividir o contrato em lotes e, também, quanto a definir a dimensão e características dos lotes resultantes daquela divisão, posto que no artº 46º-A nº 2 CCP, para além do dever de ponderação da decisão de dividir a compra pública em lotes sempre que a mesma tenha um valor superior aos montantes estabelecidos “(..) Nada ali se refere, no entanto, nem quanto aos critérios que deverão nortear essa decisão, (que terá como principal objectivo, como já se referiu, promover a participação das PME’s) [Directiva 2014/24-EU, considerando 79, 2º parágrafo], nem quanto ao modo como se deve proceder a essa divisão. Assim, por exemplo, não existe qualquer referência à dimensão dos lotes que venham a ser criados. (..)”

E, segundo PEDRO COSTA GONÇALVES, - in «Direito dos Contratos Públicos», 4ª ed., Almedina, 2020, p. 482 a 493: “Nos termos em que se encontra formulado, o preceito parece querer dizer que a decisão de proceder à adjudicação por lotes se baseia numa liberdade da entidade adjudicante; quer dizer, em regra, a entidade adjudicante pode optar pela adjudicação por lotes ou pela adjudicação sem fracionamento em lotes. Essa é, de facto, a regra, mas, nos termos que veremos a seguir, a entidade adjudicante vê-se onerada, em certos casos, com um dever específico de fundamentar a não divisão; esta exigência obriga a pensar a escolha entre divisão ou não divisão como escolha discricionária.
Da regra de livre divisão em lotes decorre a liberdade de determinar a dimensão e o objeto dos lotes – apesar de, ao contrário da Diretiva, não se achar inscrita expressamente no CCP, esta regra deve considerar-se uma implicação natural da primeira. [p. 485]
(…)
Na hipótese de a entidade adjudicante optar pela divisão e adjudicação por lotes, a lei não define qualquer exigência específica de fundamentação, nem tão-pouco impõe qualquer discurso justificativo do concreto processo de divisão adotado pela entidade adjudicante, (…).
(…) Assim, o facto de a lei não exigir esta fundamentação específica, a verdade é que a adjudicação por lotes pressupõe logicamente uma decisão nesse sentido, sobre tudo quanto ao processo de divisão adotado (decisão discricionária quanto ao “como” da divisão). Ora, a fundamentação desta decisão poderá vir a ser solicitada à entidade adjudicante. Além disso, uma divisão arbitrária ou inconsequente pode ser considerada ilegal, por violação de princípios como os referidos no artigo 1º-A, n.º1.
(…)
Vamos então supor que a entidade adjudicante efetua a divisão em lotes.
Nesse caso, a entidade adjudicante pode não definir qualquer regra particular sobre se a totalidade dos lotes pode ser adjudicada a um único concorrente (na hipótese de este apresentar a melhor proposta para cada um dos lotes a adjudicar). (…)
Mas a entidade adjudicante poderá pretender fomentar a concorrência ou outros objetivos, como, por ex., garantir a integral e adequada execução das prestações contratuais, e, para estes efeitos, considerar o cenário da limitação do número de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente. A esta eventual pretensão responde o n.º4 do artigo 46º-A: “a entidade adjudicante pode limitar o número máximo de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente, devendo indicar essas limitações no convite ou programa do procedimento.”
(…)
O uso da faculdade de limitação do número de lotes a adjudicar conhece uma consequência imediata: nesse caso, a entidade adjudicante vai ter de definir previamente “critérios objetivos e não discriminatórios em que se baseie a escolha dos lotes a adjudicar a cada concorrente nos casos em que a aplicação dos critérios de adjudicação resulte na atribuição, ao mesmo concorrente, de um número de lotes superior ao máximo fixado” (cf. artigo 46º-A, n.º4). Os critérios de escolha dos lotes deverão, naturalmente, ser definidos e conhecidos antes do momento de abertura das propostas apresentadas pelos concorrentes. (…)”
Como refere LUÍS VERDE DE SOUSA, Algumas notas sobre a adjudicacao por lotes, in E-Pública, Vol. 4, n.º 2, Lisboa, 2017, pp. 74-75. : “O artigo 46.º-A, n.º 3 do CCP, que transpõe o vertido no artigo 46.º, n.º 2 da Diretiva, admite expressamente a possibilidade de a entidade adjudicante “limitar o número maximo de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente”. Assim, ainda que as peças do procedimento não prevejam uma restrição ao número de lotes a que um mesmo concorrente pode apresentar proposta (“restrição à partida”), a entidade adjudicante pode limitar o número máximo de lotes que um mesmo concorrente pode vencer (“restrição à chegada”). Na prática, esta limitacao pode fazer com que determinados lotes nao sejam adjudicados aos autores das melhores propostas”.
Aliás, “[a]o contemplar esta solucão, os legisladores europeu e nacional intensificaram, pois, a compressão do princípio da concorrência, sobretudo na medida em que viabilizaram que a entidade adjudicante torne menos atrativa a participação no procedimento de grandes operadores económicos que, perante a proibição de obtenção de um número maior de lotes, descubram que o benefício máximo que poderão auferir no âmbito do procedimento é demasiado reduzido para justificar o esfoço de apresentação de proposta.
(…)
Aqui se encontra uma confirmação adicional do peso conferido a valores horizontais que furtam o espaço de manobra que vinha sendo concedido ao princípio da concorrência” (cfr. PEDRO F. SÁNCHEZ, in Direito da contratação pública, Vol. I, cit., p. 552.).

A 1.ª Instância considerou que a divisão em lotes, nos termos em que foi operada, e a limitação da adjudicação a um lote (em regra) não viola o disposto no artigo 46º-A do CCP, nem o princípio da concorrência, em todas as suas vertentes, incluindo o da liberdade de circulação. E bem.
Na verdade, o concurso em apreço foi dividido em cinco lotes, conforme previsto no artigo 1.º, n.º1 do Programa de Concurso (PC) e pese embora cada concorrente pudesse apresentar proposta para todos ou só algum ou alguns desses lotes, estabeleceu-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso que a cada concorrente só poderia ser adjudicado um único lote.
As apelantes consideram que esta limitação é manifestamente illegal, posto que, embora o n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP preveja que a entidade adjudicante pode limitar o número máximo de lotes que podem ser adjudicados a cada concorrente (o que deverá constar do programa do procedimento), tal não significa que se possa chegar ao ponto de, nesse caso, se limitar a adjudicação a um único lote, na medida em que isso se traduz numa limitação do princípio da concorrência, limitando por essa via o universo dos potenciais interessados e reduzindo o interesse que aqueles poderiam ter na participação do procedimento, levando inevitavelmente a um prejuízo para o interesse público, porque permitirá a adjudicação a propostas que não eram as propostas economicamente mais vantajosas de acordo com os critérios de adjudicação fixados, para além de ser lesiva de todos aqueles interessados que, por serem mais competitivos e capazes de formular as melhores propostas ao conjunto dos diversos lotes, legitimamente aspiravam ao benefício económico associado ao contrato submetido ao procedimento, resultando assim numa clara restrição da concorrência. O mesmo acontece, na ótica das Apelantes, com a alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do Programa do Concurso: nos termos da referida norma, relativamente aos cinco lotes em concurso só pode ser adjudicada uma proposta de entre aquelas que sejam “apresentadas por concorrentes que sejam sociedades comerciais que estejam entre si em relação de domínio ou de grupo ou que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo com uma mesma entidade”.
Ou seja, na prática, se duas empresas que façam parte do mesmo grupo económico – e que são empresas completamente distintas – forem adjudicatárias de dois dos lotes postos a concurso, só uma delas poderá celebrar contrato para um único lote, de acordo com as regras estabelecidas no n.º 4 do artigo 15.º do Programa.
Concluem que a referida limitação não é admissível à luz dos princípios gerais da contratação pública e do disposto no artigo 46.º-A do CCP. O que a entidade adjudicante pode fazer, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP, é limitar – dentro de certos parâmetros – o número de lotes a adjudicar ao mesmo concorrente.
Mas sem razão alguma. A limitação da possibilidade de adjudicação de apenas uma proposta por concorrente está legitimada, de forma expressa e consciente, pelos próprios legisladores europeu e nacional, respetivamente, no n.º2 do artigo 46.º da Diretiva 2014/24/EU e no n.º4 do artigo 46.º-A do CCP.
Resulta destes normativos, como vimos, a previsão legal expressa da possibilidade de as entidades adjudicantes fixarem nas peças do Concurso limites aos números dos lotes a adjudicar a um proponente.
Por conseguinte, nenhuma invalidade pode ser impetrada ao artigo 15.º do PC, cuja teleologia está em estrita consonância com a ratio legis do n.º2 do artigo 46.º da Diretiva 2014/24/EU e com o n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP.
Ademais, e quanto à alínea b) do n.º1 do art.º 15.º cumpre assinalar que nem a lei, nem a jurisprudência proíbem a fixação de um número máximo de lotes a adjudicar aos concorrentes que estejam entre si numa relação de grupo ou de domínio.
Como bem observa a apelada AMP, a previsão das alíneas b) e seguintes do artigo 15.º do PC não só é necessária para evitar a fraude à lei, mas representa também a configuração teleologicamente orientada dos limites à adjudicação constantes do artigo 15.º do PC em face da situação atual de organização do setor de transporte público de passageiros rodoviário em Portugal, em que os operadores estão amiúde numa relação de grupo ou de domínio entre si.
Nestes termos, impõe-se julgar improcedente o invocado fundamento de recurso.
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b.8. o artigo 21.º do programa do concurso é ilegal por violação do CCP, do regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do regime das PPP ( questão também colocada pela Apelante “G.”- b.15).

As Apelantes assacam à sentença recorrida erro de julgamento quanto ao entendimento e interpretação que o Tribunal a quo fez quer do artigo 21.º do Programa do Procedimento como dos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
Na ótica das Apelantes o artigo 21.º do PC devia ter sido julgado inválido por violação do artigo 27.º, n.º1, al.a) do CCP, por violação do art.º 4.º, n.º3 do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/10, e do regime das PPP.
O Tribunal a quo considerou que tendo presente que o artigo 21º do programa de concurso refere expressamente “nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, (…)”, é patente que a norma em apreço se refere a uma possibilidade - que se anuncia, nos termos e para os efeitos do artigo 27º n.1 alínea a)” (…), “inexistindo, portanto, qualquer violação do disposto no artigo 20º e 21º do CCP, já que estamos perante um “aviso” relativamente a uma faculdade de recurso ao ajuste directo prevista na lei” (sublinhado das Recorrentes).
Entendem as Apelantes que o citado artigo 21.º do PC estabelece a possibilidade – nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) – de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços similares ao objeto do presente contrato. Afirmam que, da referida norma concursal decorre que a Recorrida, terminado o contrato no fim dos 7 anos previstos no Caderno de Encargos, poderia contratar com o adjudicatário uma extensão do mesmo por mais 7 anos por ajuste direto, sem recurso a um procedimento concorrencial.
Afirmam que sobre este conspecto, esclareceram as Recorrentes que a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – que transpõe a correspondente norma do n.º 5 do artigo 32.º da Diretiva 2014/24/UE – tem em vista a adjudicação de meros contratos de prestação de serviços não duradouros, com prazos máximos de 3 anos, em que precisamente se permite uma adjudicação ao mesmo prestador desde que o procedimento concorrencial tenha ocorrido há menos de três anos e que essa possibilidade tenha sido anunciada nas peças desse procedimento concorrencial anterior.
Não é esse o caso do concurso aqui sindicado, em que está em causa uma concessão (ou prestação) de uma atividade de serviço público que tem carácter duradouro, contratação que não pode subsumir-se no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP – por não preenchimento dos respetivos requisitos cumulativos – e que, portanto, não é aplicável no caso.
E, sendo assim – como é – a norma do Programa do Concurso em causa viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), e 21.º, n.º 1, alínea a), do CCP.
De resto, a mencionada norma do Programa também não está de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros.
É que, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento, a duração dos contratos de serviço público é limitada e não pode ser superior a dez anos para os serviços de autocarro.
No caso em apreço, tendo o contrato inicial a duração de sete anos, a adjudicação (renovação do contrato) por ajuste direto por igual período, sempre violaria a limitação prevista no mencionado Regulamento (CE) n.º 1370/2007.
Sobre este conspecto também andou mal o Tribunal a quo ao considerar que “é irrelevante para a escolha do procedimento a adoptar a estipulação do n.3 do artigo 4º do mencionando Regulamento (CE), quanto ao prazo de duração de contratos públicos previsto”, defendendo que “inexistindo na norma do programa de concurso em apreço qualquer estipulação de prazo, a legalidade relativa ao prazo de duração do contrato a celebrar por ajuste directo haverá de ser observada e aferida, no caso de, verificados os demais requisitos legais, existir – de facto – um ajuste directo”.
Efetivamente, a norma concursal tal como está definida é manifestamente ilegal e viola ostensivamente tanto o CCP como o n.º 3 do artigo 4.º do mencionado Regulamento.
Em todo o caso, a aplicação do disposto na referida norma do artigo 21.º do Programa do Concurso sempre consubstanciaria também uma violação do regime das PPP, nos termos assinalados supra e para onde se remete.
Vejamos.
O artigo 21.º do PC, sob a epígrafe “Novos serviços”, prescreve que: “Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do Código dos Contratos Públicos, desde já se indica a possibilidade de adoção de um procedimento de ajuste direto para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços que consista na repetição de serviços similares ao objeto do presente concurso público”.
Resulta do teor literal desta norma que nela apenas se contempla o ajuste direto como uma possibilidade de que a entidade adjudicante poderá lançar mão para a celebração de um futuro contrato de aquisição de serviços que consista na repetição de serviços similares ao objeto do presente concurso público, cuja verificação não pode deixar de depender da verificação dos demais pressupostos previstos na alínea a) do artigo 27.º do CCP, cuja disciplina prevê que:
“Sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, no caso de contratos de aquisição de serviços, pode adotar-se o ajuste direto quando:
a) Se trate de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares que tenham sido objeto de contrato anteriormente celebrado pela mesma entidade adjudicante com o mesmo adjudicatario, desde que, de forma cumulativa:
i) Esses serviços estejam em conformidade com um projeto base comum;
ii) Aquele contrato tenha sido celebrado, há menos de três anos, na sequência de concurso público, de concurso limitado por prévia qualificação, de procedimento de negociação, de diálogo concorrencial ou de parceria para a inovação;
iii) O anúncio do procedimento tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia, no caso de o somatório do valor estimado do contrato e do preço contratual relativo ao contrato inicial ser igual ou superior ao valor referido, consoante os casos, nas alineas b) ou c) do nºo 3 do artigo 474.º; e
iv) A possibilidade de adoção do ajuste direto tenha sido indicada no anúncio ou no programa do concurso”.
Comparando a redação do artigo 21.º do Programa do Concurso em apreço com o teor da alínea a) n.º 1 do artigo 27.º do CCP, compreende-se assim, sem quaisquer dificuldades, que a função do artigo 21.º do PC serve apenas para dar cumprimento do requisito previsto no ponto iv) da citada norma do CCP. Para que o ajuste direto referido no artigo 21.º do Programa do Concurso seja legítimo, é necessário cumprir, no momento de adoção da decisão de contratar relativa à contratação que a entidade adjudicante pretende alcançar através desse ajuste direto (e não do presente Concurso), os requisitos previstos nos pontos i), ii) e iii) da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP.
Não existe, por isso, qualquer violação do regime de escolha de procedimento previsto no CCP.
Ademais,a regulação do contrato que venha a ser celebrado está sujeita às peças do procedimento de ajuste direto, que terão de respeitar a legislação aplicável, incluindo os limites previstos no artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 para a duração de contratos de serviço público ( rodoviário) e daí que o artigo 21.º do PC não configure nenhuma violação dos limites temporais previstos no mencionado art.º 4.º do citado Regulamento(CE).
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
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b.9. da invalidade da cláusula 26.º do caderno de encargos relativa aos trabalhadores ( questão também colocada pela Apelante “G.”- b.17)

As Apelantes assacam à sentença recorrida erro de julgamento decorrente de o Tribunal a quo não ter reconhecido e julgado a ilegalidade do n.º 2 da cláusula 26.ª do CE e não ter exigido da apelada AMP que o CE fosse claro e isento de dúvidas e, bem assim, por ter considerado que nos n.ºs 3 a 9 da referida cláusula, a AMP não impunha nenhuma obrigação de sucessão para daí concluir que, por esse facto, não estava adstrita à obrigação de fornecimento de informação relativa aos trabalhadores.
Na ótica das Apelantes o Tribunal a quo devia ter declarado a ilegalidade da cláusula 26.ª do CE, por entenderem que a redação da mesma viola, por um lado, (i) os princípios da transparência, igualdade e concorrência (previstos no artigo 1.º-A do CCP) e, por outro (ii) a obrigação de disponibilização de informações relativas aos trabalhadores que seriam objeto de transmissão (cf. n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007).
Bem vistas as coisas, as Apelantes identificam na Cláusula 26.ª do CE a imposição de uma obrigação de contratação dos trabalhadores que atualmente prestam serviços aos operadores que se encontram em atividade, v.g., através da sucessão da posição contratual na posição de empregadores, incorporando na sua esfera os trabalhadores com todos os direitos que lhes assistem.
Quanto a esta matéria, a 1.ª Instância entendeu, primeiro, que não existe no concurso a imposição pela AMP aos concorrentes da obrigação de sucessão na posição contratual de empregador, pelo que, por essa razão, a AMP não está adstrita à obrigação prevista no n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) N.º 1370/2007 de disponibilização de informações relativas aos trabalhadores. E, depois que (ii) “a remissão para os institutos jurídicos e respectivos regimes, constante da cláusula 26º n.º2 torna acessível e evidente a qualquer interessada em participar no presente procedimento concursal as obrigações que sobre si impendem, se se verificarem os critérios de transmissão de empresa e estabelecimento”, pelo que inexiste por isso qualquer violação dos princípios da transparência, igualdade e concorrência (previstos no artigo 1.º-A do CCP). E quanto ao disposto nos n.ºs 3 a 9 da Cláusula 26.ª do CE concluiu que aí se trata tão só de estabelecer uma obrigação de preferência que “não obriga os futuros adjudicatários/empregadores a assumir qualquer compromisso relativo à manutenção das condições/direitos de trabalho que os trabalhadores detinham junto dos antigos operadores económicos; e sendo assim, não a constitui, obviamente na obrigação de entregar os elementos a que alude o n.º5 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007, por serem inócuos à nova relação de emprego a constituir”.
É do assim decidido que as Apelantes discordam.
Vejamos.
A Cláusula 26.ª do CE, sob a epígrafe “Estrutura de recursos humanos” prevê que:
« 1. O COCONTRATANTE obriga-se a estabelecer e a manter uma estrutura de recursos humanos que permita dar integral cumprimento às obrigações decorrentes do Contrato, devendo dispor, durante todo o Período de Funcionamento Normal, de um número suficiente de pessoal dotado de experiência e formação adequadas e qualificação ou licenciamento necessário (quando aplicável) para desenvolver, de forma contínua ou pontual, as atividades incluídas na Prestação de Serviços.
2. O COCONTRATANTE obriga-se a respeitar integralmente a obrigação de suceder na posição contratual de empregador nas relações laborais existentes com trabalhadores que prestam o seu trabalho aos operadores que à data da celebração do Contrato prestam o serviço público correspondente ao objeto do Contrato, no caso de essa obrigação ser imposta pelos instrumentos de contratação coletiva aplicáveis, pelo regime jurídico aplicável em caso de transmissão de unidade económica, previsto na Diretiva n.º 2011/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, e pelos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho.
3. Fora do caso previsto no número anterior, o COCONTRATANTE, caso tenha necessidade de contratar recursos humanos para assegurar o cumprimento das obrigações emergentes do Contrato durante o Período de Transição e durante o primeiro Ano Contratual, obriga-se, nos termos dos n.ºs 4 a 9, seguintes, a contratar os trabalhadores que, à data da celebração do Contrato, exerçam funções correspondentes àquelas que o COCONTRATANTE pretenda contratar ao serviço dos operadores que, nessa data, prestem o serviço público correspondente ao objeto do Contrato (“Trabalhadores Antigos”) e manifestem interesse nessa contratação.
4. Sempre que, durante o Período de Transição e durante o primeiro Ano Contratual, tenha necessidade de contratar recursos humanos, o COCONTRATANTE comunica ao público, através da sua página de internet e de anúncios em, pelo menos, um jornal de âmbito regional ou nacional, a sua intenção de contratação, acompanhada das seguintes informações mínimas:
a) Número de vagas;
b) Funções e categoria profissional inerentes a cada um dos postos em recrutamento;
c) Local(ais) para a prestação do trabalho e o âmbito territorial do lote em causa;
d) Indicação de que beneficiam das regras preferenciais de recrutamento constantes do disposto no n.º 6 os Trabalhadores Antigos que:
i. Na data correspondente à da celebração do Contrato e que deve ser expressamente indicada, exerciam funções correspondentes às indicadas na alínea b); e
ii. Que juntem os elementos probatórios relevantes para verificação do preenchimento dos requisitos referidos na subalínea anterior;
e) Local onde esteja disponível, a título gratuito, cópia do correspondente modelo de contrato de trabalho, no qual se preveja as condições contratuais mínimas que o COCONTRATANTE está disposto a assumir na qualidade de empregador, em integral conformidade com o regime jurídico-laboral, incluindo o regime convencional coletivo aplicável, sem prejuízo de eventual negociação, na medida do legalmente admissível, de condições contratuais mais favoráveis com cada um dos trabalhadores;
f) Endereço eletrónico e prazo, o qual não pode ser inferior a 7 (sete) dias úteis a contar da data da comunicação da intenção de contratação, para manifestação do interesse na posição indicada no anúncio.
5. O COCONTRATANTE obriga-se a enviar ao CONTRAENTE PÚBLICO, no dia seguinte à respetiva publicitação, cópia do anúncio e cópia do modelo de contrato de trabalho a que se refere o número anterior e indicação dos meios de publicitação usados.
6. Se, em relação a uma mesma vaga, concorrerem um Trabalhador Antigo e candidato que não o seja, o COCONTRATANTE obriga-se a contratar o Trabalhador Antigo, exceto se demonstrar que este não reúne as qualificações, habilitações, experiência e certificações exigidas para a ocupação do correspondente posto de trabalho ou que tal trabalhador recusou as condições contratuais previstas no modelo de contrato disponibilizado pelo COCONTRATANTE nos termos e para o efeito da alínea e) do n.º 4.
7. Caso o número de Trabalhadores Antigos que tenham manifestado interesse na posição indicada no anúncio nos termos da alínea f) do n.º 4 seja superior ao número de vagas fixado nesse anúncio, o COCONTRATANTE pode escolher livremente, de entre esses e em conformidade com critérios legítimos e objetivos, de natureza gestionária, quais os trabalhadores a contratar.
8. O contrato de trabalho a celebrar com os Trabalhadores Antigos nos termos dos números anteriores deve respeitar, no mínimo, as condições contratuais previstas no modelo de contrato disponibilizado pelo COCONTRATANTE nos termos e para o efeito da alínea e) do n.º 4, sem prejuízo da integral conformidade com o regime jurídico-laboral, incluindo o regime convencional coletivo, aplicáveis à data da celebração do contrato de trabalho.
9. Nos casos em que o COCONTRATANTE seja uma sociedade constituída nos termos do artigo 19.º do Programa do Concurso, a obrigação prevista nos n.ºs 3 a 8 apenas lhe é aplicável quando contrate recursos humanos para efeitos do presente Contrato que não sejam trabalhadores que, à data da celebração do Contrato, estivessem ao serviço dos sócios fundadores do COCONTRATANTE.
10. Até 40 (quarenta) dias antes do termo do Período de Transição, o COCONTRATANTE deve apresentar, para aprovação do CONTRAENTE PÚBLICO, a lista da estrutura de recursos humanos a utilizar para a Prestação de Serviços no primeiro dia do Período de Funcionamento Normal, informando quais os recursos humanos que foram contratados ao abrigo da obrigação prevista nos n.ºs 3 a 8,a justificação para a não contratação daqueles que, nos termos dos n.ºs 3 a 8, nesta tenham demonstrado interesse, e, se for o caso, aqueles que estavam ao serviço dos sócios da SOCIEDADE COCONTRATANTE constituída nos termos e para o efeito do artigo 19.º do Programa do Concurso à data da sua constituição, incluindo ainda aqueles que pertencem a entidades subcontratadas, com indicação da função e categoria profissional e identificação completa de cada elemento integrante da equipa de recursos humanos.
11. O CONTRAENTE PÚBLICO deve pronunciar-se sobre a lista referida no número anterior no prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da sua receção.
12. O COCONTRATANTE é responsável pelo atraso no início do Período de Funcionamento Normal que resulte da não aprovação dos recursos humanos nos termos dos números anteriores.
13. O COCONTRATANTE obriga-se a apresentar provas das qualificações, habilitações e experiência do seu pessoal ou do pessoal subcontratado, sempre que tal seja solicitado pelo CONTRAENTE PÚBLICO.
14. O COCONTRATANTE obriga-se a assegurar que todos os meios humanos utilizados no âmbito da Prestação de Serviços, incluindo o pessoal de entidades subcontratadas, empregam toda a sua competência e diligência na realização das tarefas que lhe forem cometidas.
15. Qualquer alteração à composição dos recursos humanos durante a execução do Contrato deve ser comunicada de imediato pelo COCONTRATANTE ao CONTRAENTE PÚBLICO, demonstrando o cumprimento do disposto nos números anteriores.
16. O COCONTRATANTE deve cumprir todas as disposições legais e regulamentares e o previsto em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis, sendo da sua responsabilidade os encargos que daí resultem.
17. O COCONTRATANTE, na qualidade de entidade empregadora e responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos seus trabalhadores, obriga-se a dar cumprimento ao dever legal de informar os trabalhadores que utilizar na Prestação dos Serviços dos tratamentos que efetuar quanto aos seus dados pessoais, nos termos previstos na legislação aplicável, e, em particular, das finalidades e dos fundamentos jurídicos da comunicação desses dados pessoais, nos termos do Caderno de Encargos, ao CONTRAENTE PÚBLICO.»

Considerando o conteúdo do n.º2 da Cláusula 26.ª do CE, o que se retira da mesma é que aí se prevê que o cocontratante deverá suceder na posição contratual de empregador no caso de essa obrigação: (i) ser imposta pelos instrumentos de contratação coletivas; (ii) ser imposta pelo regime jurídico aplicável em caso de transmissão de unidade económica, previsto na Diretiva n.º 2011/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001; (iii) ou ser imposta pelos artigos 285.º e seguintes do Código de Trabalho.
Caso essa obrigação não resulte de nenhuma destas situações, o n.º 2 da Cláusula 26.ª do CE também a não impõe, sendo por outro lado evidente, que os instrumentos de contratação coletiva aplcáveis, a Diretiva n.º 2011/23/CE e os artigos 285.º e ss do Código do Trabalho sempre se aplicariam, mesmo na ausência da referida cláusula do CE, donde forçoso é concluir que a Cláusula 26.ª não impõe ex novo qualquer obrigação ou encargo ao cocontratante que não resultasse já das normas legais aplicáveis.
Na verdade, se o CE nada previsse a este respeito, os regimes legais/ regulamentares em vigor continuariam a ser aplicáveis.
Como bem nota a apelada AMP, o regime laboral da transmissão de unidade económica previsto no Código do Trabalho “opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular” ( vide AC. do TRP, de 05/03/2018, proc. n.º 430/13.8TTPRT.P1). E o mesmo se diga de regimes relativos à transmissão de trabalhadores constantes de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, desde que verificados os respetivos pressupostos de aplicação.
Em conclusão, o n.º2 da Cláusula 26.ª do CE não é inovador e apenas teve como intuito clarificar a articulação do regime previsto no n.º3 dessa Cláusula com o regime legal e normativo aplicável, limitando-se a acolher uma obrigação legal, sem que por essa via tivesse criado qualquer obrigação com a qual as Apelantes não devessem contar.
Trata-se de uma norma de conteúdo neutro, que se limita a remeter para o regime legal aplicável, não criando novas obrigações , pelo que não tem aplicação o disposto no n.º 5 do artigo 4.º do Regulamento(CE) n.º 1370/2007, que dispõe que “ sempre que as autoridades competentes exijam dos operadores de serviço público o cumprimento de determinados padrões sociais, os documentos relativos aos concursos e os contratos de serviço público devem incluir uma lista dos membros do pessoal em causa e fornecer informações transparentes relativas aos seus direitos contratuais e às condições nas quais os trabalhadores são considerados vinculados aos serviços”.
Refira-se ainda que, como bem considerou o Tribunal a quo, a aplicação do n.º 10 do artigo 285.º do Cód. Trabalho não tem qualquer impacto no âmbito do concurso ora em apreço. Na verdade, já era entendimento da jurisprudência, tanto europeia como nacional, a sustentação de uma noção flexível de ato translativo de estabelecimento, prescindindo de qualquer ato direto/imediato entre transmitente e transmissário.
Note-se ainda que, diferentemente do que sustentam as Apelantes, o regime de transmissão de trabalhadores não é automática, não sabendo a AMP e, bem assim, as Apelantes se haverá ou não uma tal transmissão, ficando a aplicação efetiva do regime em causa dependente de ser ou não, em cada hipotese, identificável uma “unidade económica” suscetível de transmissão, o que implica atender a um conjunto de indícios, enunciados na jurisprudência europeia e nacional
Por fim, também não se vislumbra que tenham sido violados, designadamente, os princípios da transparência e da concorrência, uma vez que, conforme decorre de tudo o que se expendeu, a AMP não impõe nenhuma obrigação ao cocontratante de assunção dos contratos de trabalho dos atuais operadores, quer porque a existir essa obrigação a mesma é decorrente da vigência do bloco legal aplicável. E sendo assim, o disposto na Cláusula 26.ª, n.º2 do CE não acarreta para a AMP nenhuma obrigação de informação acrescida, sendo do risco próprio do cocontratante avaliar se, caso lhe venha a ser adjudicada a prestação do serviço, do seu interesse em adquirir ativos significativos ao atual titular do contrato em recrutar a totalidade ou parte do seu pessoal ou se será obrigado a fazê-lo e se eventualmente se encontrará numa situação de transferência de empresa ( ver Ac. do TJUE, de 25/01/2001, Oy Liikenne, processo n.º C-172/99, ECLI:EU:2001:59).
Como tal, a referida cláusula não contém qualquer previsão que coloque em crise os referidos princípios.

Em face do exposto, conclui-se pela falta de fundamento da invalidade assacada à Cláusula 26.ª do CE e, consequentemente, pela improcedência do invocado fundamento de recurso.
*
III.B.3- DO RECURSO INTERPOSTO PELAS APELANTES “G.”
As Apelantes ora identificadas interpuseram recurso de apelação contra a sentença recorrida, assacando-lhe erros de julgamento decorrentes quer de errónea qualificação dos factos, quer de uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais, o que levou a que o Tribunal a quo , na perspetiva das mesmas, tivesse julgado improcedentes as invalidades assacadas às peças procedimentais no âmbito do “Concurso Público para a Aquisição do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros na Área Metropolitana do Porto”, a saber : b.10 Violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento;b.11Violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”); b.12.Desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19); b.13.Incumprimento do Regime das Parcerias Público-Privadas (“PPP”);b.14.iolação da teleologia da divisão em lotes do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 do artigo 46.º-A do CCP e do princípio da concorrência; b.15. legalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP;b.16..Violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015, e b.17. -Ilegalidade da Cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, por violação do regime legal aplicável e pela violação decorrente da falta de divulgação no Caderno de Encargos da informação relativa aos trabalhadores.
Dos erros de julgamento que as ora Apelantes assacam à sentença recorrida, apenas cuidaremos de conhecer os que têm como fundamento as causas indicadas sob as alíneas: b.10 Violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento e b.16.Violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015.
Quanto aos demais fundamentos de recurso, porque coincidem com os fundamentos de recurso imputados à sentença recorrida pelas anteriores Apelantes, já analisados sob as alíneas b3. a b.10., damos aqui por integralmente reproduzido o que aí se decidiu.
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b.10-Da Violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento -questão também colocada pelas Apelantes “B.”: b.18
As Apelantes assacam erro de julgamento à sentença recorrida por nela a 1.ª Instância ter julgado improcedente a suscitada invalidade da alínea b) do n.º2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes e do n.º 5 do CCP.
Para tanto alegam que a alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, determina que compete à AMT “emitir parecer prévio vinculativo sobre as peças do procedimento de formação de contratos de concessão ou de prestação de serviços públicos nos setores regulados (…)”. E que já no decurso do procedimento, as peças concursais foram revistas pela Recorrida, por duas vezes (!), não tendo, num caso, enviado tal revisão para emissão de parecer prévio e vinculativo da AMT e, noutro caso (que corresponde à última versão das peças) enviado as peças revistas só depois de as ter publicitado na plataforma para conhecimento dos concorrentes e ter conferido prorrogação de prazo para apresentação de propostas [ponto A), I), J), K), L), M), N), P), Q), R), Y) da factualidade assente]. A AMT acabou (por sorte…) por confirmar que as alterações efetuadas às peças procedimentais não alteravam o sentido do Parecer emitido anteriormente, em 09.01.2020 [ponto Z) da factualidade assente], o que, note-se, poderia muito bem não ter acontecido… e nesse caso já todos os concorrentes estariam a laborar em erro na elaboração das suas propostas….
Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo pese embora tenha considerado resultar da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da AMT “ser obrigatória a obtenção de parecer relativo a alterações contratuais – sem distinção quanto à substancialidade, ou não, das mesmas – pelo que, o Tribunal julga que, relativamente às alterações das peças procedimentais é, também, obrigatória a obtenção de parecer» concluiu que tendo as alterações ocorrido já no decurso do procedimento concursal «o referido parecer não será prévio, mas meramente vinculativo».
Em suma, as apelantes consideram que a sentença sob escrutínio padece de erro de julgamento porque o Tribunal a quo considerou que o parecer a que se alude no art.º 34.º, n.º1, alínea b) dos Estatutos da AMP não tinha de ser prévio e, por outro lado não deu a conhecer aos concorrentes o parecer da AMT, assim violando o disposto no art.º 36.º, n.º5 do CCP.
Desde já antecipamos que não lhes assiste razão.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio, que aprovou os Estatutos da AMT, na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 18/2015, de 02/02, prescreve na alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º que: “No exercício dos poderes de regulação compete, em especial, à AMT: (…) b) Emitir parecer prévio vinculativo sobre peças de procedimento de formação dos contratos de concessão ou de prestação de serviços públicos nos setores regulados, ou sobre alterações promovidas aos contratos em vigor”.
Escrutinada a matéria de facto provada, resulta das alíneas A) e B) que o aludido parecer foi solicitado pela AMP e emitido previamente ao lançamento do concurso em causa nos autos.
A questão está antes em aferir se qualquer alteração que venha a ser introduzida às peças do procedimento concursal está sujeita à emissão de novo parecer.
Apelando ao canones interpretativos estabelecidos no artigo 9.º do Cód. Civil, designadamente ao elemento literal e teleológico, cremos que não pode interpretar-se a norma do artigo 34.º, n.º 2, alínea b) como dos Estatutos da AMT como impondo o ónus às entidades adjudicantes de, peante toda e qualquer alteração às peças do procedimento, por menor que seja, tenha de ser novamente solicitado parecer à AMT e que o procedimento tenha de ficar parado a aguardar o parecer daquela entidade, com todos os prejuízos daí decorrentes para o interesse público na oportuna celebração do contrato.
Do elemento literal da norma, cremos não se pode concluir que toda e qualquer alteração às peças do procedimento tenham de ser submetidas a prévio parecer da AMT. Por outro lado, apelando ao elemento teleológico, a sujeição dessas alterações a prévio parecer da AMT, impondo-se, consequentemente, a suspensão da tramitação do procedimento pré-contratual até que seja emitido parecer por essa entidade, só se justificará naquelas situações em que estejam em causa modidicações substanciais das peças do procedimento. Não assim quando estejam em causas meras retifcações ou alterações clarificadoras que não traduzem nenhuma alteração substancial às peças do procedimento concursal sobre as quais aquela entidade já emitiu previamente o competente parecer vinculativo.
No caso, como se extrai da factualidade dada como provada sob a alínea Z) da fundamentação de facto da sentença recorrida, as alterações que foram introduzidas mais não foram do que estritas retificações às peças do procedimento.
Na verdade, é a própria AMT que, na sequência do envio das retificações inseridas às peças procedimentais por parte da AMP, refere no parecer emitido que as “mesmas foram introduzidas no sentido da melhor clarificação do seu conteúdo, permitindo assegurar maior objetividade e transparência na sua interpretação e execução” razão pela qual emitiu parecer referindo “ estamos em condições de confirmar que as alterações introduzidas não alteram o sentido do Parecer Prévio Vinculativo antes emitido pela AMT”.
Ademais, não é despiciendo ter em conta, conforme resulta provado (vide alíneas Y) e Z) do elenco dos factos provoados) que este parecer da AMT foi emitido no dia 03/09/2020, ou seja, antes do termo do prazo para a apresentação das propostas que apenas terminou no dia 28/09/2020, não havendo, por isso, nenhuma violação ao princípio da estabilidade das peças do procedimento, tanto mais que o referido parecer foi concordante.
Porém, mesmo que se concluísse no sentido pretendido pelas Apelantes, ou seja, que da previsão da al.b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da AMT, a AMP estava vinculada a requerer previamente o parecer da AMT relativamente a alterações não substanciais das peças do procedimento, ou seja, em relação a meras retificações, considerando, no caso, que aquela entidade acabou por emitir o aludido parecer, que foi positivo, então sempre teria de se concluir ter ficado sanada a referida invalidade que as Apelantes invocam, nomeadamente, por apelo ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º5 do artigo 163.º. do CPA.
Com interesse para a questão, tome-se em consideração o que refere HONG-CHENG LEONG ( in Aproveitamento de atos nulos e de atos ilegais por falta de parecer obrigatório vinculante…porque não?, in CJA, 144, 2020, pág.44) segundo o qual “ Neste caso, a emissão a posteriori pelo órgão-consultor do parecer em falta com conclusões iguais áquelas (substancialmente corretas) assumidas( pelo órgão com competência para a decisão final) no ato praticado sem o parecer deve ser considerada como exercício do poder de ratificação pelo órgão-consultor legitimador”.
Outrossim, a “G.” imputa à sentença vício relacionado com a violação do art.º 36.º, n.º5 do CCP, por considerar que sobre a AMP impendia a obrigação de divulgar e disponibilizar o conteúdo dos pareceres emitidos pela AMT para consulta dos interessados.
A este respeito dir-se-á que essa interpretação não tem qualquer suporte ou fundamento na previsão normativa do art.º 36.º, n.º5 do CCP, não tendo o “ mínimo de correspondência verbal” exigido pelo artigo 9.º do CC, porquanto a letra da norma é inequívoca ao dispor que : “ As peças do procedimento devem identificar todos os pareceres prévios, licenciamentos e autorizações necessárias que possam condicionar o procedimento e a exceução do contrao” e não facultar, dar a conhcere ou disponibilizar.
Por outro lado, não se vislumbra qual a relevância objetiva do conteúdo desse parecer da AMT para a preparação das propostas pelas Apelantes “G.” e “B.” ou pelas demais interessadas.
A ratio do art.º 36.º, n.º5 do CCP, como sustenta a doutrina, tem por fito exclusivamente assegurar que, antes do lançamento de um procedimento pré-contratual, as entidades adjudicantes já tenham obtido todos os atos prévios que possam condicionar a validade do procedimento, e que esse dever fica satisfeito com a demonstração de que a entidade adjudicante “não carece de qualquer ato prévio que esteja ainda em falta, deixando todos os atos prévios já identificados nas peças do procedimento” ( cfr. PEDRO F. SANCHES, Direito da Contratação Pública, Vol. I, AAFDL, p.572).
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se impõe julgar improcedente o invocado fundamento de recurso.

III.B.4 DO RECURSO INTERPOSTO PELAS APELANTES “B.”
As ora Apelantes, interpuseram recurso de apelação contra a sentença recorrida por entenderem a que a mesma incorreu em erro julgamento ao decidir pela improcedência das invalidades das peças do procedimento suscitadas pelas mesmas, decorrentes da (b.18) da não submissão, por parte da AMP, da versão final das peças do procedimento a parecer, obrigatório e vinculativo, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes; (b.19) da desconsideração de existência de circunstâncias supervenientes imprevistas, trazidas pela pandemia da doença COVID-19; (b.20) da ilegalidade da cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do caderno de encargos por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência e (b.21) da ilegalidade da cláusula 45.º, n.º 2 do caderno de encargos, por violação do artigo 282.º do CPC e do princípio da proporcionalidade.
Os erros de julgamento indicados nos pontos b.18 e b.19 já foram analisados supra, pelo que, dos fundamentos de recurso invocados pela “B.” apenas falta analisar os indicados sob os pontos b.20 e b.21, o que passaremos a conhecer.

b.20. Da suposta ilegalidade da cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do caderno de encargos por violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência.

As Apelantes assacam erro de julgamento à sentença recorrida por a mesma não ter julgado improcedente a ilegalidade que apontaram à cláusula 7.ª, n.º 6, alínea l) do CE, que consideram violar os princípios da boa-fé e da tutela da confiança e da transparência.
Mas sem razão.
A referida clausula 7.ª, n.º6, alínea l do CE estabelece que:
«6. Sem prejuízo de outras obrigações previstas no Caderno de Encargos e nos respetivos Anexos, antes do termo do Período de Transição, o COCONTRATANTE deve apresentar ao CONTRAENTE PÚBLICO: (…)
l)Todos os demais documentos que se revelem necessários para o exercicio das atividades de Operação de Manutenção».
A respeito desta questão lê-se na fundamentação da sentença recorrida que: «A norma do caderno de encargos aqui em causa destina-se a regular o “período de transição” e têm por objectivo assegurar o adequado início de realização da prestação de serviços objecto do procedimento concursal em causa.
Assim, as obrigações descritas no n.6 da cláusula em apreço, maxime da constante da alínea l), mais não são do que obrigações – desde já anunciadas – destinadas a assegurar o bom funcionamento da identificada actividade de operação e manutenção.
Com efeito, a alegação da A. de que a alínea l) sub iudice confere à R. AMP a liberdade - arbitrária - de, após assinado o contrato, solicitar qualquer documento, carece de enquadramento. É que, na verdade e pese embora, a referida cláusula esteja formulada em termos abertos, o facto é que a alegada liberdade da R. AMP para solicitar “todos os demais documentos” se restringe aos documentos que estejam directamente relacionados, e sejam necessários, para aferir das condições da cocontratante para o exercício das actividade de operação e manutenção contratados.
Não existe, pois, uma real arbitrariedade.
Ora, os princípios da boa-fé, tutela da confiança e transparência cuja violação a R. AMP invoca encontram em última análise a sua sustentação no princípio de concorrência – “princípio tronco” em matéria de contratação pública – e nos demais princípios gerais da actividade administrativa.
De facto, não carecendo os mencionados princípios de qualquer enquadramento teórico ou doutrinal, por se afigurarem evidentes as obrigações que dos mesmos decorrem, o Tribunal julga, adianta-se, que a mencionada clásusula não viola qualquer deles.
Na realidade, e numa análise sintética, estando previsto o direito/ obrigação de apresentação dos “demais documentos que se revelem necessários para demonstrar que o COCONTRATANTE reúne as condições necessárias para o exercício das atividades de Operação e Manutenção.” está, evidentemente, satisfeito o princípio da transparência, da boa fé e da tutela da confiança. É que, desde já, o concorrente – futuro cocontratante, se for o caso - sabe que, para além, dos demais documentos enunciados no caderno de encargos e, em particular nas outras alíneas do n.6 da cláusula 7º, que lhe poderão ser exigidos outros “documentos” necessários para aferir da existência das condições necessárias à realização da operação e manutenção em causa; não são todos e quaisquer documentos que a entidade adjudicante entenda no seu livre arbítrio e arbitrariamente solicitar, mas apenas os necessários à aferição da existência das condições necessárias para os serviços de operação e manutenção contratados. »
Com base nesta fundamentação, com a qual concordamos, o Tribunal a quo julgou improcedente a apontasa ilegalidade da norma em análise.
O entendimento que as Apelantes reafirmam nesta sede recursiva, tal como foi decidido pela 1.ª Instância, não tem fundamento.
A referida alínea l) do n.º6 da Cláusula 7.ª do CE mais não é do que a concretização do disposto em várias normas do CCP, a saber, dos artigos 289.º, 290.º, n.º1, 302.º, al.b), 305.º, n.º1 e 307.º, n.º2, al.a)., que disciplinam um conjunto de obrigações do COCONTRATANTE destinadas a assegurar a boa execução do contrato. Por força da referida disposição, impõe-se ao COCONTRTANTE o dever de prestar todas as informações necessárias para o contraente público fiscalizar o modo de cumprimento das obrigações relacionadas com a realização das finalidades do Período de Transição.
Nao há, por conseguinte, nenhum risco de arbítrio da AMP, devedendo essa norma ser intrepretada em função do objeto e do conteúdo do CE em que se insere e dos contratos que tem em vista celebrar, estando em causa apenas os documenos que se revelem necessários para demonstrar que o COCONTRATANTE reúne as condições necessárias para o exercício das atividades de Operação e Manutenção e saber quais sejam esses documentos, para além dos que são identifcados nas demais alíneas da Cláusula 7.ª, n.º6 do CE, dependerá, como bem observa a AMP, de quem seja escolhido como adjudicatário, isto é, do conteúdo da sua proposta e dos termos em que se propõe executar o contrato.
Termos em que se impõe concluir pela improcedência do invocado fundamento de recurso.

(b.21) Da suporta ilegalidade da cláusula 45.º, n.º 2 do caderno de encargos, por violação do artigo 282.º do CPC e do princípio da proporcionalidade.

A este respeito as Apelantes afirmam que o Tribunal a quo serve-se de um julgamento que (i) atribui uma ilegal e excessiva margem de discricionariedade administrativa ao contraente público; (ii) viola o direito que os cocontratantes têm à reposição do equilíbrio financeiro e que decorre do artigo 282.º do CCP; e, (iii) viola, ainda, a prevalência do CCP sobre as peças do Concurso prevista no artigo 51.º do CCP.
Observam que um entendimento de acordo com a lei da contratação pública e os seus princípios impunha que o Tribunal proferisse decisão diversa, julgando, deste modo, procedente a invalidade consubstanciada na ilegalidade do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro.
Concluem que o entendeimento do Tribunal a quo de que a norma presente na cláusula 45.º, n.º 2, do caderno de encargos é legal, deturpa, de forma grave, a finalidade do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro e os princípios basilares da contratação pública.
Vejamos.
A 1.ª Instância, depois de enunciar a disciplina legal que consta da cláususla 45.º do CE e do art.º 282.º do CCP, efetuou a seguinte ponderação:
«O preceituado no artigo 282º do CCP tem por finalidade a reposição do equilíbrio financeiro do contrato que seja afectado por força do exercício do poder de modificação unilateral do contraente público, e não por qualquer risco inerente à execução do próprio contrato. Ou seja, nas palavras de Jorge Andrade e Silva, “(…) Se essa perturbação na estabilidade do contrato altera as bases financeiras iniciais, que determinaram aquele cocontratante a celebrar o contrato, agravando-as para este, justo é que disso se veja compensado, através da reposição da situação financeira inicial. (…)” - in «Código dos Contratos Públicos – Comentado e Anotado», Almedina, 8ª Ed. Revista e actualizada, p 584.
Ora, da norma do caderno de encargos em apreço resulta que a reposição financeira do equilíbrio contratual não será realizada em função de qualquer alteração/ perturbação da estabilidade do contrato, mas que esta tem de ter uma gravidade/ impacto na estabilidade do mesmo que se contabilize em, pelo menos 100.000,00€.
Isto é, “(…) quando se verifique um aumento de gastos ou uma diminuição de rendimentos provenientes do exercício das atividades objeto da Prestação de Serviços que altere os pressupostos nos quais o COCONTRATANTE determinou o valor das prestações a que se obrigou e desde que tal efeito seja o resultado direto da modificação unilateral, imposta pelo CONTRAENTE PÚBLICO, nos termos da Cláusula 48.ª, das condições de desenvolvimento das atividades objeto do Contrato, exceto no caso de serviços complementares e de serviços a menos, aos quais se aplica o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 da mesma cláusula.”; haverá lugar à reposição do equilíbrio financeiro do contrato desde que “em resultado direto e acumulado de um ou vários eventos referidos no n.º 1, resultar, comprovadamente, uma diminuição das receitas ou aumento dos custos resultantes da execução do Contrato que provoque uma variação do VAL acionista superior a 100.000€ (cem mil euros), desde a data em que ocorreu o(s) evento(s) gerador(es) da reposição do equilíbrio financeiro até ao termo da Concessão.”.
Do assim previsto resulta que havendo um ou mais eventos - impostos pela entidade adjudicante no âmbito das previsões da cláusula 48º do caderno de encargos - que provoquem, comprovadamente, uma diminuição de receitas ou aumento de custos, por si só ou em cúmulo, superior a 100.000,00€ - podendo este valor ser contabilizado no imediato, se for o caso, ou apurado até ao termo da concessão - a adjudicatária terá direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato.
E, sendo assim é errada por carecer de suporte fáctico, a alegação da A. B. de que uma perda financeira de cerca de 600.000,00€ no final da concessão, acumulada em cerca de 90.000,00€ em cada ano de contrato, não acarretará a reposição do equilíbrio contratual. É que - e operando com o exemplo da referida A. - à luz da cláusula do caderno de encargos em apreço, a adjudicatária terá direito à reposição do equilíbrio contratual, assim que se verificar o segundo ano de perda financeira, porquanto este computaria um valor de perda acumulada superior a 100.000,00€, ou seja, correspondente a 180.000,00€.
Em face do exposto, tendo em conta a factualidade apurada – maxime no que respeita ao valor do contrato de concessão (global) e especificamente para cada um dos lotes [cfr. ponto B) do probatório] - o Tribunal julga que o disposto na clausula 45º n.2 em apreço não viola: (i) o disposto no artigo 282º do CCP, porquanto este se reporta à alteração do equilíbrio contratual quando “o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, (…)”; e, em última análise esta previsão em sede de caderno de encargos – limitando a perda financeira relevante a um valor, individual ou acumulado, superior a 100.000,00€, conhecida a priori e que portanto terá determinado os pressupostos do valor da proposta a apresentar; (ii) o princípio da proporcionalidade, uma vez que a desconsideração, para efeito de reposição do equilíbrio contratual de uma perda financeira cujo valor, individual ou acumulado, não exceda, no final do período de duração da concessão, a quantia de 100.000,00€, não constitui, de modo algum, uma oneração excessiva do adjudicatário, considerando que in casu estamos perante um contrato cujo valor global é de cerca de 394.000.000€.
Destarte, em face do expendido, improcede a alegação da A. neste ponto.»
Considerando o teor quer da clásusula 45.º do CE, quer do art.º 282.º do CCP, a posição defendida pelas Apelantes “B.” não merece a nossa aquisciência.
Vejamos.
A Cláusula 45º do CE, sob a epígrafe “Reposição do equilíbrio económico-financeiro” estabelece a seguinte disciplina:
«1. Sem prejuízo dos casos legalmente impostos e dos previstos expressamente noutras cláusulas do Caderno de Encargos, o COCONTRATANTE tem apenas direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato quando se verifique um aumento de gastos ou uma diminuição de rendimentos provenientes do exercício das atividades objeto da Prestação de Serviços que altere os pressupostos nos quais o COCONTRATANTE determinou o valor das prestações a que se obrigou e desde que tal efeito seja o resultado direto da modificação unilateral, imposta pelo CONTRAENTE PÚBLICO, nos termos da Cláusula 48.ª, das condições de desenvolvimento das atividades objeto do Contrato, exceto no caso de serviços complementares e de serviços a menos, aos quais se aplica o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 da mesma cláusula.
2. Só há lugar à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão se, em resultado direto e acumulado de um ou vários eventos referidos no n.º 1, resultar, comprovadamente, uma diminuição das receitas ou aumento dos custos resultantes da execução do Contrato que provoque uma variação do VAL acionista superior a 100.000€ (cem mil euros), desde a data em que ocorreu o(s) evento(s) gerador(es) da reposição do equilíbrio financeiro até ao termo da Concessão.
3. O procedimento, os meios, os efeitos e os termos de reposição do equilíbrio financeiro devem observar o disposto na lei, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)”.
Por seu turno, o artigo 282º do CCP, sob a epígrafe “Reposição do equilíbrio financeiro do contrato”, prescreve:
“1 - Há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cocontratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
3 - A reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efetuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.
4 - A reposição do equilíbrio financeiro efetuada nos termos do presente artigo é, relativamente ao evento que lhe deu origem, única, completa e final para todo o período do contrato, sem prejuízo de tal reposição poder ser parcialmente diferida em relação a quaisquer efeitos específicos do evento em causa que, pela sua natureza, não sejam suscetíveis de uma razoável avaliação imediata ou sobre cuja existência, incidência ou quantificação não exista concordância entre as partes.
5 - Na falta de estipulação contratual, o valor da reposição do equilíbrio financeiro corresponde ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato e é calculado em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor dessas mesmas prestações.
6 - A reposição do equilíbrio financeiro não pode colocar qualquer das partes em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido, não podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato.”
Em face do enunciado da cláusula 45.ª, n.º2 do CE afigura-se-nos que o seu conteúdo se harmoniza com o teor do disposto no art.º 282.º, n.º2 do CCP.
Em bom rigor, o n.º2 da Cláusula 45.ª do CE limita-se a estabelecer uma repartição do risco entre as partes, referente a adaptações menores das prestações ( veja-se ao nível do impacto que produzem) que o dia-a-dia da execução do contrato aconselhem, no quadro de uma álea normal assumida pelo concontratante em contratos com este objeto e duração e, no que se afigura verdadeiramente relevante a definir os casos em que a AMP considera haver uma alteração dos pressupostos com base nos quais o concontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, assumindo-se que até um limiar de de €100.000,00, não há alteração dos pressupostos, o mesmo é dizer, que a equação financeira subjacente ao contrato não sofre qualquer modificação relevante, presumindo-se que apenas acima deste valor ocorre um alteração substancial dos pressupostos com base nos quais foi determinado o valor das prestações previsto na proposta adjudicada.
Note-se que o limite de 100.000,00€ corresponde a uma redução da receita ou a um aumento de custo na ordem dos 0,1% do rendimento que o concontratante poderá retirar da execução do contrato, o que não é de molde a poder considerar-se como suscetível de alterar os pressupostos em que assentou o preço proposto, sendo que, as Apelantes não invocam que esse limite seja minimamente relevante. Por outro prisma, é apoditico que as Apelantes quando apresentaram as respetivas propostas, ao definirem o preço proposto, não terão deixado de levar em linha de conta o disposto no n.º2 da cláusula 45.ª do CE.
Por outro lado, como bem nota a AMP, o que está em causa nesta cláusula 45.ª, n.º2 do CE é a reposição do equilíbrio económico- financeiro do contrato a que o cocontratante tenha direito na sequência, apenas, de modificação unilateral promovida pela AMP das condições de desenvolvimento das atividades objeto do Contrato nos termos da Cláusula 48.ª , e não qualquer outra causa. E mesmo no âmbito desta cláusula 48.ª, ficam expressamente excluídas do âmbito do direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato regulado na Cláusula 45.ª e, por conseguinte, do limiar previsto no n.º2 dessa disposição, aquelas que se traduzam em serviços complementares e serviços a menos, às quais se aplica o regime previsto na Cláusula 48.ª.
Termos em que se conclui pela sucumbência do invocado fundamento de recurso.
**
IV- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em julgar a presente apelação parcialmente procedente, e em consequência;
-declaram a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia e por violação do princípio do contraditório, quanto ao segmento decisório em que nela se decide: ««(ii) parcialmente procedente a presente ação, e em consequência declaro ilegal o artigo 18.º, n.º12 do programa de concurso, apenas no tocante ao inciso “ não confere ao adjudicatário o direito a qualquer indemnização”» e, em consequência, determina-se a eliminação desse segmento decisório
- no mais, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação interposta pela entidade demandada, por esta e pelos apelados na proporção do erspetivo decaimento que se fixa em partes iguais (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Custas das apelações interpostas pelas Autoras demandantes, pelas mesmas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)
*
Notifique.
**

Porto, 03 de dezembro de 2021

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita
________________________________________________________
i) Pág. 93 da sentença recorrida.

ii) Pág. 66 da sentença recorrida.

iii) Idem.

iv) Ibidem.

v) “A violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 34.º dos Estatutos da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (“AMT”) e do n.º 5 do artigo 36.º do CCP por falta de identificação do mesmo nas peças do procedimento”.

vi) Cf. pág. 59 da sentença recorrida.

vii) Cf. págs. 60 e 61 da sentença recorrida.

viii) Gonçalo Guerra Tavares, Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Almedina, janeiro 2019, pág. 200.

ix) Cf. pág. 61 da sentença recorrida.

x) “A violação do disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código dos Contratos Públicos (“CCP”)”.

xi) Cf. pág. 63 da sentença recorrida.

xii) A desconsideração nas peças do concurso da existência de circunstâncias supervenientes imprevistas decorrentes da pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2 (Covid-19)

xiii) Cf. pág. 52 da sentença recorrida.

xiv) Pág. 66 da sentença recorrida.

xv) Idem.

xvi) Programa do Concurso, na redação de julho de 2020 [ponto Q) do probatório]; Caderno de Encargos, na redação de julho de 2020 [ponto R) do probatório]; o «Anexo X – Modelo de repartição de receitas e comissões» ao Caderno de Encargos [ponto S) do probatório]; «Memória Descritiva» [ponto T) do probatório]; “Anexo I” ao Programa de Concurso, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Rede existente” [ponto U) do probatório]; “Anexo VII” ao Programa de Concurso, com a redação de julho de 2020, intitulado “Procura”, [ponto V) do probatório]; “Anexo II” ao Caderno de Encargos, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Rede”, [ponto W) do probatório]; “Anexo III” ao Caderno de Encargos, com a redação de outubro de 2019, intitulado “Plano de oferta”, com as alterações introduzidas ao “apêndice III.e”, em março 2020, [ponto X) do probatório].

xvii) Entrevista disponível em: https://portocanal.sapo.pt/um_video/LYI7yjZpys0Us23bdhS8.

xviii) o conteúdo da entrevista é um facto notório e, portanto, do conhecimento geral, não carecendo, por isso, de alegação ou de prova, à luz do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c), primeira parte, e 412.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.º do CPTA).

xix) Pág. 66 da sentença recorrida.

xx) O incumprimento do Regime das Parcerias Público-Privadas (“PPP”).

xxi) A violação da teleologia da “divisão em lotes” do artigo 46.º-A do CCP, do n.º 4 deste preceito legal e do princípio da concorrência.

xxii) A ilegalidade do artigo 21.º do Programa do Concurso por violação do CCP, do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e do Regime das PPP.

xxiii) Cf. pág. 89 da sentença recorrida.

xxiv) Cf. pág. 89 da sentença recorrida.

xxv) A violação da alínea c) do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1370/2007 e da alínea i) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 52/2015.

xxvi) Pág. 93 da sentença recorrida.

xxvii) Cf. pág. 93 da sentença recorrida.

xxviii) Cfr. Ac. TCAN, 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT;

xxix) Cfr. Ac. do STA de 16/09/2020, Proc. 371/09.3BEAVR, disponível em www.dgsi,pt;

xxx) Cfr. Ac. do TCA Norte, , 1ª Secção – Contencioso Administrativo, Processo nº 32/17.0BEVIS, in www.dgsi.pt:

xxxi) Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374;

xxxii) Cfr.Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.;

xxxiii) No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.