Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00184/09.2BEMDL |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/14/2023 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
![]() | ![]() |
Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
![]() | ![]() |
Descritores: | DESPACHO INTERLOCUTÓRIO; DISPENSA DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL |
![]() | ![]() |
Sumário: | I. No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. II. A demonstração do carácter extraordinário e irregular dos prémios pagos por uma empresa aos seus trabalhadores pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, designadamente através de prova testemunhal, existindo prova documental a mesma é susceptível de abalar as ilacções que a ISS IP retirou dos mesmos.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «X, S.A.» (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferido em 22.02.2010, que decidiu não proceder à produção de prova testemunhal. Mais, notificada da sentença proferida em 18.09.2014, pelo mesmo Tribunal, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial que apresentara contra a liquidação de contribuições devidas à Segurança Social, referentes aos meses de dezembro de 2004, 2005, 2006, agosto de 2007 e março de 2008, inconformada dela interpôs recurso jurisdicional. No recurso que visa o despacho interlocutório, a Recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma: «1. O despacho recorrido deve ser anulado e revogado, com todas as consequências, porquanto a petição inicial de impugnação judicial contém inúmeros factos passíveis de prova testemunhal, com releva e importância para a decisão. 2. Ao prescindir de tal diligência injustificadamente, o despacho recorrido violou os art.os 114.º, n.º 1 do 115.º 118.º c 119.º do CPPT. 3. Há um leque de factos, a provar por testemunhas, com extrema relevância para a decisão, tais como os dos artigos (FACTOS) da PI. 4. Por decorrência do princípio da verdade material, a lei admite todos os meios gerais de prova, não assumindo a prova testemunhal uma natureza subsidiária ou residual. 5. Na verdade, entende a recorrente, lançando mão de um verdadeiro direito potestativo, que aqueles factos (cujo o ónus da prova lhe incumbe), só poderão vir a ser dados como provados através do recurso adicional à prova testemunhal. 6. No limite, a não se produzir a indispensável prova testemunhal, solicitada pela recorrente, poderão persistir dúvidas sobre a veracidade dos factos essenciais que sustentam a relação controvertida e, assim sendo, atentas as referidas considerações, como prescreve o n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, em caso de dúvida, o acto tributário deve ser anulado. 7. De acordo com o princípio da verdade material (e investigação do juiz) não deve ser vedado à recorrente – na mais nobre cooperação com a Justiça – a inquirição de testemunhas que auxiliariam o tribunal na descoberta da verdade, ainda que o ónus da prova não lhe compita, mas sim ao Instituto de Segurança Social. 8. A realização da inquirição de testemunhas omitida afigura-se essencial para a boa decisão da causa e, a não se realizar, onerará a decisão final com uma distorcida percepção dos factos e, no limite, uma grave omissão de pronúncia. 9. Por ser essencial para a boa decisão da causa a inquirição das testemunhas arroladas, afigura-se imperativo o imediato conhecimento do presente recurso por forma a evitar o necessário recurso de uma decisão que venha a ser proferida eivada de tal ilegalidade. 10. Tal justifica, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 285.º do CPPT, a subida imediata do presente recurso e a consequente pronúncia em face do mesmo, de forma a, em prol da economia processual, evitar recursos supérfluos. TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER A VV. EXAS. SE DIGNEM PROCEDER À ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO DESPACHO ORA EM CRISE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, QUE SE ORDENE A REALIZAÇÃO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS OMITIDA NOS AUTOS. MAIS SE REQUER, ATENTO O EFEITO ÚTIL QUE SE VISA ACAUTELAR E O FACTO DE O OBJECTO DO RECURSO NÃO INCIDIR SOBRE O OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO, NOS TERMOS E EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO N.º 2 DO ART.º 285.º DO CPPT, QUE O PRESENTE RECURSO SEJA PROCESSADO COM SUBIDA IMEDIATA.» A Recorrente terminou as suas alegações, atinentes ao recurso interposto da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem por fundamento incontornável os erros clamorosos em que incorreu o Tribunal a quo no plano da determinação – ou delimitação – da matéria de facto considerada como provada e que serviu de base ao sentido final do aresto produzido; 2. Tais erros terão sido potenciados justamente pela circunstância – de que a recorrente não abdicou e de que não abdica – de ter sido prescindida a inquirição das testemunhas arroladas nos presentes autos; 3. A «X, S.A.» reitera o recurso que interpôs na sequência do Despacho proferido de dispensa de produção de prova testemunhal (cfr. Doc. n.º 1); 4. A «X, S.A.» tem estabelecido o princípio genérico de atribuição de um “Prémio” (doravante designado Prémio) para motivação dos seus trabalhadores que visa estimular o bom desempenho das respectivas actividades, num espírito de partilha e co-responsabilização pelos destinos da empresa e, bem assim, para premiar a prossecução de determinados objectivos globais para os quais, espera-se, todos colaborem. 5. Todos os trabalhadores da «X, S.A.» podem ou não receber tal Prémio, pelo que é incontestável que ele não é certo, nem regular, tendo, ao invés, um carácter eventual; 6. Trata-se de uma atribuição criada por determinação unilateral da requerente – por via de decisão do seu conselho de administração –, não dependendo de qualquer obrigação contratual, regulamento interno ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 7. Acresce que a atribuição deste Prémio depende ainda da conjuntura económica do sector onde a «X, S.A.» desenvolve a sua actividade. 8. Efectivamente, é da «X, S.A.» o poder exclusivo e ilimitado de avaliar o desempenho dos seus trabalhadores (eventuais beneficiários dos Prémios), como também é da «X, S.A.» o poder de fixar os padrões ou parâmetros de atribuição do Prémio e avaliação dos trabalhadores, e o poder de determinar a forma de cálculo do Prémio, as condições da sua atribuição e as categorias profissionais que eventualmente a ele poderão ter acesso. 9. Para além disso, o valor do Prémio atribuído a cada trabalhador não se encontra relacionado ou de algum modo indexado ao montante da respectiva remuneração, assim como a atribuição de um Prémio em determinado momento não implica a sua repetição no futuro, nem quanto ao seu valor nem mesmo quanto à sua existência – circunstância que todos os trabalhadores da requerente reconhecem. 10. De resto, bastará consultar o quadro junta como Doc. n.º 5 da PI, completado com o Doc. n.º 2 agora junto nestas alegações, para verificar que já ocorreu não serem distribuídos Prémios a vários trabalhadores em alguns dos anos – o que confirma o carácter irregular na sua atribuição. 11. Por outro lado, consultado o mesmo mapa de distribuição, verifica-se também que, ao longo dos anos, os Prémios atribuídos aos mesmos trabalhadores têm assumido sempre diferentes valores – o que lhes confere um carácter de atribuição variável, e, bem assim, que, entre trabalhadores da mesma categoria profissional, os montantes atribuídos, a título de Prémio, não são iguais. 12. Efectivamente, nos casos retractados nos quadros confirma-se inequivocamente o “irregular” historial da atribuição do Prémio. 13. Em suma, os prémios atribuídos pela «X, S.A.» têm (i) carácter incerto, (ü) são uma compensação não regular, (iii) não apresentam uma conexão com o trabalho do respectivo titular. 14. Não pode, portanto, aceitar-se o entendimento do Tribunal a quo de que o Prémio em juízo era regular e eventualmente gerador de expectativa na esfera dos seus potenciais beneficiários (que o próprio Tribunal não quis ouvir); 15. Assim, nos termos do art.º 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, designadamente a sua al. d), os Prémios unilaterais atribuídas pela «X, S.A.» não constituem remuneração, não estando, por isso, sujeitos a contribuições para a Segurança Social; 16. Ainda que assim não se entendesse – no que não se consente – o Decreto Regulamentar n.º 12/83 não é passível de fundamentar a sujeição de uma qualquer atribuição (como é o caso dos Prémios unilaterais atribuídos pela «X, S.A.») às contribuições para a Segurança Social uma vez que se trata de um diploma que padece de manifesta inconstitucionalidade; 17. Inconstitucionalidade que radica num duplo fundamento: por um lado vem desenvolver um diploma legal já caduco (violando o princípio da proeminência de lei) e, por outro lado, porque se trata de um diploma inovador que, consequentemente, viola o princípio da legalidade fiscal – aplicável por força da natureza tributária das contribuições para a Segurança Social; 18. Posto o que, também por estas razões – falta de fundamento legal, em virtude da inconstitucionalidade do diploma invocado (que determina a sua desconsideração) – os Prémios unilaterais atribuídos pela «X, S.A.» não estão sujeitos ao pagamento de contribuições para a Segurança Social, devendo, também com este fundamento, ser revogado o aresto recorrido; 19. Ora, em face da inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar, e do labor interpretativo tendente ao preenchimento do conceito de “remuneração” adoptado pelo ordenamento da Segurança Social, conclui-se o seguinte: 1. A Lei não define o conceito de remuneração para efeitos de Segurança Social; 2. Perante a autonomia do direito da Segurança Social, deve procurar-se encontrar o conceito de “remuneração” à luz deste ramo do direito – que, como se constata, não inclui as atribuições patrimoniais do tipo dos “Prémios” pagos pela «X, S.A.»; 3. O mesmo sucederia se se aplicasse o conceito de “remuneração” partilhado pelo Direito do Trabalho; 4. Sendo ainda inviável o recurso ao conceito de remuneração tal como se encontra previsto para efeitos de tributação do rendimento em sede de IRS. 20. Em suma, seja qual for a interpretação adoptada quanto ao conceito de “remuneração”, o certo é que os “Prémios” em crise na presente impugnação não se integram nele, pelo que é evidente a anulabilidade do acto impugnado e, antes deste, da sentença proferida pelo Tribunal a quo. TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO, DEVERÁ: a. SER PROVIDO E, CONSEQUENTEMENTE ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E, CONCOMITANTEMENTE, O ACTO IMPUGNADO TENDO EM CONTA OS ERROS DE FACTO E DE DIREITO INVOCADOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A INDEMNIZAÇÃO DA RECORRENTE PELA PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA BANCÁRIA; b. SER PROVIDO, QUANTO AO RECURSO CONTRA O DESPACHO PROFERIDO DE DISPENSA DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL, DETERMINANDO-SE, SE ASSIM SE ENTENDER, A REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, ATENTA A SUA RELEVÂNCIA; c. SER CONDENADO O ISS NO PAGAMENTO DAS CUSTAS JUDICIAIS AO CASO APLICÁVEIS, POR FORÇA DA ANULAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO» 1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 445 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, no qual conclui: «O Ministério Público na 1ª instância emitiu parecer, com o qual se concorda. A douta sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada quer quanto à matéria de facto estabelecida no respectivo probatório, quer quanto à sua subsunção legal, não se nos afigurando passível de qualquer censura, pelo que deverá ser mantida. Assim, entendemos que deve ser mantida a sentença recorrida e negado provimento ao recurso.» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Da não realização da prova testemunhal apresentada – recurso do despacho interlocutório; Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quer de facto quer de direito; 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação: «Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos: 1) A impugnante atribuiu aos seus trabalhadores em dezembro de 2004, dezembro de 2005, dezembro de 2006, agosto de 2007 e março de 2008 uma quantia remuneratória, designada por prémio; Docs. 3 e 5 juntos com a p.i. 2) A referida quantia é usual e tem um montante que é variável; Docs. 3 e 5 juntos com a p.i. 3) Foi elaborado relatório do qual consta o seguinte: Doc. 3 junto com a p.i. No âmbito do Processo de Averiguações nº ...02 instaurado à Entidade Empregadora «X, S.A.», constatou-se a existência de remunerações não declaradas à Segurança Social, referentes aos meses de Dezembro de 2004, Dezembro de 2005, Dezembro de 2006, Agosto de 2007 e Março de 2008 a que correspondem omissões nas contribuições devidas no valor de 83.161,96 € (oitenta e três mil cento e sessenta e um euros e noventa e seis cêntimos), conforme Mapas de Apuramento anexos ao Processo. (...) As citadas omissões resultam de não terem sido declaradas como base de incidência de contribuições as remunerações pagas a título de Prémios de Produtividade no ano de 2008 e Gratificações nos anos de 2004 a 2007, de acordo com os recibos de vencimento recebidos e analisados do período em questão, sustentados pelos Balancetes Gerais Analíticos desses anos, que revestem o carácter de remunerações e são passíveis de descontos para a Segurança Social (os Balancetes fazem parte do processo). Os prémios atribuídos aos trabalhadores em função do seu desempenho durante o exercício, parecem constituir, com base no disposto na alínea d) do art.º 2º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro (nova redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 53/83, de 22 de Junho), prémios com carácter de regularidade, dado dependerem do desempenho de cada trabalhador ao longo do exercício. O Contribuinte contesta a decisão sobre o apuramento de contribuições, conforme documento de contestação anexo ao processo o que refutamos com a seguinte argumentação/explicação: “Quanto aos prémios pagos por via da iniciativa da «X, S.A.», atendendo aos critérios por ela fixados, no que concerne a todos os funcionários, independentemente da sua categoria profissional, entendemos que, em termos de direito, os mesmos deviam ter sido objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social por se tratarem de prémios atribuídos e pagos com carácter de regularidade (“sic” artigo 2o, seu corpo e alínea d) do D.R. 12/83, de 12/02). Assim, vejamos: A alínea d) do artigo 2º do D.R. 12/83, de 12/02, inúmera, a título exemplificativo, algumas prestações remuneratórias que estão sujeitas à taxa social única, situação que se verifica quando as empresas, contratualmente ou com base em usos por si implementados, atribuem aos seus trabalhadores, como forma de os compensar por haverem atingido determinados objectivos ou resultados por si desejados. Na verdade, todas as situações referidas na citada alínea d) do artigo 2º do D.R. 12/83, de 12/02, respeitam a prestações remuneratórias que as empresas decidem pagar aos seus trabalhadores com o objectivo de os Incentivar/premiar/compensar pelo seu empenho no exercício das suas funções e pela sua contribuição no alcance dos objectivos ou resultados por si desejados. Ora, dentro do sentido e alcance do normativo acima referido, os prémios pagos pela «X, S.A.», assumem um carácter regular anual, independentemente do mês em que foram pagos aos seus colaboradores/funcionários, uma vez que no período em análise, nos anos de 2004 a 2008, os mesmos foram pagos uma vez por ano, tendo em conta o bom desempenho dos funcionários ou outros critérios que a empresa entendeu. O facto da empresa poder variar o montante dos prémios ou mesmo não os pagar a alguns funcionários não lhes retira o carácter certo e regular, e isto porque está na disponibilidade da empresa respeitar, ou não, sempre o mesmo valor da prestação, alterar ou eliminar o respectivo título da atribuição patrimonial ou mesmo alterar os critérios da sua atribuição, porquanto a atribuição dessas prestações fundamenta-se na prática continuada da empresa de proceder ao seu pagamento e já não em qualquer contrato colectivo, ou individual, de trabalho: nestas situações a empresa jamais poderia alterar o valor dos prémios atribuídos aos mesmos) ( “sic”, Direito do Trabalho, de António Monteiro Fernandes, 10º Edição, Livraria Almedina – Coimbra -1998, a folhas 400, ponto V). Assim, a partir do momento em que a empresa atribui e paga, as prestações de que vimos falando, com a periodicidade inscrita nos citados mapas de apuramento (folhas 1 a 9), adquire o carácter de regularidade, gerando expectativa nos trabalhadores. É esta expectativa que confere aos valores recebidos pelos funcionários o carácter de regularidade e, por consequência, o carácter de verdadeira retribuição. Por via desta situação de facto e de direito, os citados prémios deveriam ter sido objecto de incidência da taxa social única, nos termos prescritos no art. 2º, alínea d), do D.R. 12/83 de 12/02. Assim os factos descritos no ponto III números 18 a 26 do vosso ofício n.º ...86 apresentado dia 30/09/2008, não alteram a interpretação do decreto em análise ora proferido.” PROPOSTA Face ao exposto, propomos o seguinte: 1. Que efectivamente, caso se concorde com a presente informação, sejam dadas como liquidadas as contribuições totais no valor de 83.161.96 € (oitenta e três mil cento e sessenta e um euros e noventa e seis cêntimos), conforme Mapas de Apuramento anexos ao Processo, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de contribuições para a Segurança Social; 2. Que, por força da citada liquidação, o contribuinte seja considerado, em termos definitivos, devedor à Segurança Social da importância de 83.161.96 € (oitenta e três mil cento e sessenta e um euros e noventa e seis cêntimos); 3 Que a decisão que recair sobre este relatório seja remetida ao contribuinte, através da notificação anexa; 4. Que se remetam os respectivos mapas de apuramento e cópias dos documentos probatórios anexos para a UIQ do Centro Distrital de .... 4) Sobre o relatório referido supra recaiu despacho de concordância 5) A impugnante foi notificada, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia, por ofício n.º ...25 de 21.11.1008 de que foi detetada a existência de remunerações não declaradas à Segurança Social referentes aos meses de Dezembro de 2004, Dezembro de 2005, Dezembro de 2006, Agosto de 2007 e Março de 2008, por se entender que os montantes pagos a título de Prémios de Produtividade e Gratificações que constam dos recibos de vencimento revestem o caráter de remunerações e são passíveis de descontos para a Segurança Social, pelo que iriam ser elaboradas as correspondentes Declarações de Remunerações; Doc. 2 junto com a p.i.. 6) A impugnante foi notificada por ofício n.º ...43 de 11.12.2008, com o assunto «Regularização de Contribuições à Segurança Social» dando conhecimento da elaboração oficiosa das «Declarações de Remunerações, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 10º da Portaria n.º 638/2007, de 30 de Maio, referentes aos meses de Dezembro de 2004, Dezembro de 2005, Dezembro de 2006, Agosto de 2007 e Março de 2008 a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de 83.161,96 €»; Doc. 1 junto com a p.i.. III.2 – Factos não provados Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados. III.3 – Fundamentação da matéria de facto A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos que foram juntos aos autos, bem como dos documentos que constituem o P.A. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos. Importa referir que, quanto ao facto 2) se considerou que o pagamento da quantia em causa era usual porque da análise do doc. 5 junto com a pi. não ressalta que o montante em causa tenha natureza aleatória ou excecional, bem pelo contrário, afigura-se que analisados os vários anos constata-se que vários trabalhadores (com exceção do ano de 2004, a grande maioria dos trabalhadores) auferiram entre 2004 e 2008 com a retribuição mensal um montante a título de prémio de produtividade/gratificação.» 2.2. De direito Vem interposto recurso do despacho de dispensa da prova testemunhal proferido nos autos e, da sentença que fixando factos conheceu de mérito da impugnação. No despacho recorrido entendeu-se que “(...) a matéria de facto relevante para a decisão a proferir está suportada em documentos, pelo que se indefere a produção de prova testemunhal requerida pela impugnante.” Na sentença sob recurso após a fixação dos factos, ali se conheceu das questões colocadas, a saber, se os prémios pagos pela impugnante aos seus trabalhadores integram ou não o conceito de remuneração para efeitos das contribuições para a Segurança Social e, se o artigo 2.º, al. d) do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de fevereiro é inconstitucional, considerando as mesmas improcedentes. 2.2.1. Do Recurso do despacho interlocutório Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Ciente do alegado, temos por assente que o recurso do despacho interlocutório se circunscreve a saber se o mesmo ao indeferir o pedido de produção de prova testemunhal relativamente aos factos alegado na petição inicial violou o preceituado nos artigos 114.º, n.º 1 do 115.º 118.º e 119.º do CPPT, e a não se produzir a indispensável prova testemunhal, poderão persistir dúvidas sobre a veracidade dos factos essenciais que sustentam a relação controvertida e fundamental a uma boa decisão da causa. Cumpre ainda atentar, que no recurso, dito principal, da sentença, a Recorrente reitera, conforme discorre das conclusões 1. a 3., a pertinência do recurso que interpôs na sequência do despacho proferido de dispensa de produção de prova testemunhal, requerendo a final que do mesmo sejam retiradas às devidas consequências e ordenada a realização de inquirição das testemunhas apresentadas. Vejamos se é o caso: O despacho recorrido é redutível à transcrição seguinte: “Entende-se que a matéria de facto relevante para a decisão a proferir está suportada em documentos, pelo que se indefere a produção de prova testemunhal requerida pela impugnante. /Notifique” Temos por adquirido, que o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária (LGT), um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. Sendo que de acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 1, 2ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o juiz pode conhecer “(...) logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.”, devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal e pericial, nos termos do preceituado nos artigos 114.º, 115.º, 116.º e 118.º do CPPT, cujo conteúdo compreende a secção V “Da instrução” do citado código. Compete, pois, ao juiz examinar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da necessidade da mesma perante a factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. “O direito à prova existe, assim, no procedimento e no processo tributário, e é objecto de uma tutela muito forte, embora não constitua um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o art. 392º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393º, 394º e 395º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal. Razão por que compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.” [in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2013, proferido no processo n.º 0984/12]. E, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias. Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, assente que a instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. Volvendo aos autos, temos que a Mm. ª Juiz do Tribunal a quo decidiu que atenta a natureza da matéria invocada não havia necessidade de produção da prova testemunhal, expressando, que a mesma decorria tão só dos documentos já existentes nos autos, concluindo pelo conhecimento imediato do pedido, sem abertura da instrução propriamente dita. Todavia, como bem denota a Recorrente nas suas alegações de recurso do despacho interlocutório, da leitura da petição inicial resulta ter imputado ao acto de liquidação impugnado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos ao considerar que os prémios pagos pela impugnante aos seus trabalhadores integram o conceito de remuneração para efeitos das contribuições para a Segurança Social, consubstanciado na alegação de que tem estabelecido o princípio genérico de atribuição de um “Prémio” para motivação dos seus trabalhadores que visa estimular o bom desempenho das respetivas atividades. Os prémios atribuídos têm carácter incerto, são uma compensação não regular e não apresentam uma conexão com o trabalho do respetivo titular (cfr. matéria alegada, entre outros, nos artigos 89º, 94º a 97º, 109º a 110º da p.i.). Para além disso, alega que os Prémios pagos aos seus colaboradores não integram o conceito de remuneração a que aludem o n.º 1 do art.º 61.º da Lei n.º 17/2000, pelo que o art.º 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 não tem aplicabilidade aos factos aqui em causa, por fim invoca a inconstitucionalidade na norma contida na alínea d) do art. 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83. O que significa que a impugnante pretende retirar relevantes efeitos jurídicos dessa alegada factualidade, na medida em que defende a tese de que os montantes em causa atribuídos detêm natureza aleatória ou excepcional, afastando o carácter regular e usual em que assenta a liquidação. Ora tal tese da Recorrente encontra-se espelhada no Acórdão do STA de 10.01.2007, in processo n.º 0646/06, em que se decidiu “as gratificações extraordinárias pagas aos trabalhadores, não sendo devidas por força do contrato de trabalho ou das normas que o regem e não tendo natureza análoga às comissões e bónus nem consubstanciando participação nos lucros, não constituem remunerações sujeitas a descontos para a Segurança Social.” Torna-se, assim, patente que pelo menos uma das questões colocadas nesta impugnação, não é apenas de direito, mas, também, de facto. E uma vez que a regularidade, a sua definição temporal, o seu quantum e destinatários dos valores em questão e a contrario a sua não regularidade, ou carácter extraordinário pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, torna-se evidente a necessidade de inquirição das testemunhas arroladas, de forma a possibilitar à impugnante a prova dessa factualidade. Com vista a elucidar o exposto, arrima-se os seguintes “factos” (sem expurgar os itens conclusivos que dos mesmos discorrem) indicados pela Recorrente na sua petição inicial e por ela elencados nas alegações de recurso: « i. A «X, S.A.» tem estabelecido o principio genérico de atribuição de um “Prémio” (doravante designado Prémio) para motivação dos seus trabalhadores que visa estimular o bom desempenho das respectivas actividades, num espirito de partilha e ca responsabilização pelos destinos da empresa e, bem assim, para premiar a prossecução de determinados objectivos globais para os quais, espera-se, todos colaborem; ii. Todos os trabalhadores da «X, S.A.» podem ou não receber tal Prémio; iii. Este prémio não é certo, nem regular, tendo, ao invés, um carácter eventual; iv. Trata-se de urna atribuição criada por determinação unilateral da impugnante – por via de decisão do seu conselho de administração –, não dependendo de qualquer obrigação contratual, regulamento interno ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; v. Acresce que a atribuição deste Prémio depende ainda da conjuntura económica do sector onde a «X, S.A.» desenvolve a sua actividade; vi. Efectivamente, é da «X, S.A.» o poder exclusivo e ilimitado de avaliar o desempenho dos seus trabalhadores (eventuais beneficiários dos Prémios); vii. Como também é da «X, S.A.» o poder de fixar os padrões ou parâmetros de atribuição do Prémio e avaliação dos trabalhadores; viii. E também o poder de determinar a forma de cálculo do Prémio, as condições da sua atribuição e as categorias profissionais que eventualmente a ele poderão ter acesso; ix. Para além disso, o valor do Prémio atribuído e cada trabalhador não se encontra relacionado ou de algum modo indexado ao montante da respectiva remuneração; x. Assim como a atribuição de um Prémio em determinado momento não implica a sua repetição rio futuro, nem quanto ao seu valor nem mesmo quanto à sua existência – circunstância que todos os trabalhadores da requerente reconhecem; xi. Em suma, os prémios atribuídos pela impugnaste têm (i) carácter incerto, (ii) são uma compensação não regular, (iii) não apresentam uma conexão com o trabalho do respectivo titular. » Mais, não se ignorando, até porque esta apreciação ocorre após a prolacção da decisão final, de que nesta se afirma que “Analisados os elementos de facto apresentados, não pode concluir-se no sentido de que os montantes em causa não assumam natureza regular e que sejam extraordinários. /Na verdade, resulta dos factos provados que os prémios em causa tem natureza regular: é atribuído desde 2005 à maioria dos trabalhadores, sendo excecional a situação de um trabalhador que tenha recebido num ano e não tenha recebido no seguinte./ O montante é efetivamente variável, mas tal não permite concluir que o seu pagamento não constitui uma prática continuada e reiterada por parte da impugnante./ Não ficou, portanto, demonstrado que a sua atribuição resulta de um comportamento essencialmente extraordinário, discricionário ou aleatório da parte da entidade patronal.”, assente numa ausência de prova, porque não foi dada como provada na sentença sob recurso. Além de que a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa deve ser feita segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (artigo 511.º do CPC) e, como vimos, a tese sufragada pela impugnante é juridicamente sustentável e plausível à luz da jurisprudência sobre a matéria de saber se a base de incidência objetiva das contribuições para a segurança social inclui os montantes atribuídos pela entidade patronal aos trabalhadores a título de prémios passa por saber se tais montantes são atribuídos com carater de regularidade, ou seja, saber se o pagamento dos montantes em causa resulta do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos. Mais, atenhamos a fundamentação em que assenta a liquidação de que “(...) dentro do sentido e alcance do normativo acima referido, os prémios pagos pela «X, S.A.», assumem um carácter regular anual, independentemente do mês em que foram pagos aos seus colaboradores/funcionários, uma vez que no período em análise, nos anos de 2004 a 2008, os mesmos foram pagos uma vez por ano, tendo em conta o bom desempenho dos funcionários ou outros critérios que a empresa entendeu.”, assente nos recibos de vencimento recebidos e analisados do período em questão, sustentados pelos Balancetes Gerais Analíticos desses anos, impunha-se permitir à Recorrente a realização de prova, que, como bem alega, pudesse abalar a convicção e a prova apresentada pela ISS IP. Não se podendo, pois, afirmar, como se afirmou no despacho impugnado, que a matéria de facto relevante resulta exclusivamente da prova documental existente, não se podendo afiançar que a inquirição das testemunhas não tem interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente permitir a contextualização dos elementos documentais, impõe-se revogar esse despacho, o qual terá de ser substituído por outro que admita a produção da prova testemunhal oferecida, com a consequente anulação de todo o processado posterior à fase de instrução (que cumpre completar), seguindo-se, depois, os posteriores trâmites processuais e a prolação de sentença (neste sentido vide Acórdão do STA de 14.09.2011, in processo n.º 0215/11; do TCA SUL de 04.06.2020, in processo n.º 384/10.2BESNT e, deste TCA Norte de 17.03.2022, in processo n.º 1299/09.2BEVIS, entre outros) Termos em que importa conceder provimento ao recurso interlocutório, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença. 2.3. Conclusões I. No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. II. A demonstração do carácter extraordinário e irregular dos prémios pagos por uma empresa aos seus trabalhadores pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, designadamente através de prova testemunhal, existindo prova documental a mesma é susceptível de abalar as ilacções que a ISS IP retirou dos mesmos. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso do despacho interlocutório constante de fls. 234-242 do SITAF, que se revoga para que se proceda à instrução dos autos com a produção da prova testemunhal oferecida seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença, anular, em consequência, todo o processado posterior ao mesmo despacho e, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto da sentença. Sem custas. Porto, 14 de março de 2023 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |