Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01484/16.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ATOS DE PROCESSAMENTO DE VENCIMENTOS – CASO DECIDIDO
Sumário:I – A teoria dos atos processadores de vencimentos ou abonos como atos administrativos está subordinada a um duplo pressuposto: (i) que o ato consubstancie uma definição voluntária da Administração de uma situação jurídica unilateral e que, (ii) essa decisão seja comunicada de forma adequada de modo a permitir uma eficaz comunicação.

II- A falha na demonstração de tais requisitos conduz à conclusão que os atos de processamentos de vencimentos são inoponíveis ao Autor para efeitos impugnatórios.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:IRN
Recorrido 1:V.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
V., com os sinais dos autos, intentou no T.A.F. do Porto a presente Ação Administrativa contra o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, IP [doravante I.R.N.], também com os sinais dos autos, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser proferida decisão judicial que: “(…)
a) Condene o R. na emissão de ato administrativo que defira integralmente o pedido do A. de 23.12.2015, segundo o qual requereu o pagamento dos diferenciais remuneratórios a que tem direito, desde setembro de 2004, por ter sido abonado pelo índice 440, quando, desde essa data, devia ter sido abonado pelo índice 500;
b) E, por conseguinte, condene o R. no pagamento de o diferencial de vencimento de exercício, acrescido dos juros vencidos, que perfaz o montante de € 36.172,21, a que acrescem os juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
c) E condene ainda o R. no pagamento do diferencial de participação emolumento, acrescido dos juros vencidos, que perfaz o montante de € 2.451,12, a que acrescem os juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Sem prescindir, caso Vossa Excelência entenda que os atos de processamento de remunerações são atos administrativos, o que só por hipótese académica se admite,
d) Deve condenar-se o R. a deferir o pedido do A. e ordenar o pagamento dos diferenciais remuneratórios até cinco anos antes da deteção do erro, nos termos do art. 168º n.º 1 do CPA, por ser esse o prazo de anulação administrativa.
e) Deve ainda o R. ser condenado no pagamento das custas (…)”.
O T.A.F. do Porto, por sentença datada de 07.11.2017, julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou “(...) a decisão em crise, na parte em que indeferiu a pretensão do Autor, em relação ao pagamento dos diferenciais de remunerações e emolumentos desde setembro de 2004 [e condenou] o Réu no pagamento das remanescentes remunerações e emolumentos devidos desde setembro de 2004 (…)”.
É desta sentença que o I.R.N. vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:“(…)
1a) Ao julgar procedente a presente ação, a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incorre em erro de julgamento da matéria de direito, porquanto faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, por inobservância do disposto no n° 2 do art.° 168° do CPA; estando, também inquinada de vício de nulidade, por oposição entre a fundamentação e a decisão proferida a final (cfr. artigo 615° n° 1 al. c) do CPC).
2a) A decisão recorrida assenta no pressuposto (errado) de que os sucessivos atos de processamento de remunerações do recorrido constituem atos de execução, sem qualquer relevo na definição da situação individual e concreta do visado e sem qualquer particular efeito externo sobre a esfera pessoal deste.
3a) O que, além de ser manifestamente erróneo, contraria, ademais, o próprio sentido da jurisprudência do STA existente sobre esta matéria.
4a) Com efeito, o STA dá como assente que os atos de processamento de remunerações constituem verdadeiros atos administrativos, na medida em que contenham uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, na situação jurídica do trabalhador, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo, e que, naturalmente, produzem efeitos jurídicos na situação individual e concreta desse trabalhador.
5a) Ora, é um facto que o estatuto remuneratório do recorrido resulta da lei; contudo, para que, mensalmente, na sua esfera jurídica se repercuta o direito a auferir um certo e determinado montante, a título de remuneração, é necessário que, também mensalmente, seja praticado um ato administrativo que (após subsumir a concreta situação factual e funcional do trabalhador a tais regras) proceda à definição do concreto direito do recorrido a auferir aquele montante: - o ato de processamento de remunerações..
6a) Consequentemente, sendo os atos de processamento de remunerações, verdadeiros atos administrativos constitutivos de direitos, quando ilegais, não pode deixar de se lhes aplicar o regime jurídico da invalidade do ato administrativo previsto no art.° 161° e ss. do CPA.
7a) Pelo que, e não sendo os mesmos objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano após a sua emissão (art.° 168° n° 2 do CPA), consolidam-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, tornando-se, assim, inviável, a sua invalidação.
8a) Donde resulta que, em dezembro de 2015, à data em que o recorrido apresentou o pedido de pagamento dos diferenciais remuneratórios desde 2004, mostrava-se já decorrido o prazo para anular os atos praticados antes de dezembro de 2014, pelo que o despacho em crise não padece dos vícios que lhe são assacados.
9a) Por outro lado, é manifesto que a sentença recorrida incorre numa evidente oposição entre os fundamentos invocados e o sentido em que a decisão foi proferida, sendo, consequentemente nula, nos termos da al. c) do n° 1 do art.° 615° do CPC, aplicável ex vi art.° 1° do CPTA.
10a) Com efeito, o entendimento perfilhado na douta sentença, de que os atos de processamento de remunerações são atos de mera execução (ou seja, atos que visam materializar um direito já definido num ato administrativo anterior), levaria, em termos de raciocínio lógico, à necessidade de identificar, qual seria, então, no caso em apreço, o ato administrativo a que tais atos dão execução.
11a) Nessa sequência, forçoso seria concluir que o ato anterior definidor do direito do recorrido, a auferir uma concreta remuneração, enquanto conservador da Conservatória do Registo Civil de (...), teria sido praticado em 2004, na sequência da sua nomeação e início de funções nessa Conservatória.
12a) Donde, em 2015, quando se verificou que o vencimento de categoria do Autor estava a ser incorretamente processado pelo índice 440, nada mais haveria a fazer, pois aquele ato administrativo (praticado em 2004!) já se encontrava consolidado na ordem jurídica.
13a) E a ser assim, impunha-se ao Tribunal a quo proferir uma decisão que declarasse a anulação do despacho em crise (que reconheceu o direito do recorrido a ver o seu vencimento de categoria ser processado pelo índice 500), mas em virtude de o ato definidor do direito do recorrido a auferir pelo índice 440 se ter consolidado na ordem jurídica.
14a) Contudo, não foi esse o sentido da decisão recorrida, pelo que, forçoso será concluir pela nulidade da mesma, por contradição entre os fundamentos invocados e o sentido da decisão (art.° 615° n° 1, ai. c) do CPC).
15a) Em qualquer caso, e mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que a sentença recorrida peca também por deficiência na fundamentação, em violação do disposto no n° 3 do art.° 94° do CPTA, bem como do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, ínsito nos art.° 205° n° 1 da CRP e art.° 154° n° 1 do CPC, aplicável ex vi art° 1° do CPTA.
16a) Com efeito, o Tribunal a quo não só não desenvolve fundamentação de direito em que alicerça o entendimento de que os atos de processamento não constituem atos administrativos.
17a) Como também não refere quais os normativos legais que o despacho em crise violou ao indeferir o pagamento dos retroativos para além do espaço temporal de um ano, nem, sequer, alude, aos normativos legais que fundamentam o pagamento de retroativos ao recorrido, para além do referido espaço temporal, no qual condena o recorrente; nem identifica os vícios de que enferma a decisão do recorrente na parte em que indeferiu o pedido do Autor.
18a) Em razão de todo o exposto, fica, pois, evidente que não só a sentença recorrida padece de nulidade (por contradição entre a sua fundamentação e a decisão) e incorre em erro na apreciação da matéria de direito, para além de pecar por deficiência na fundamentação; vícios que levaram o Tribunal a quo a julgar (incorretamente) procedente a ação sob judice como, de resto, é patente que o despacho em crise não padece de nenhum dos vícios que lhe assaca o recorrido.
Nestes termos, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue absolutamente improcedente a ação (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção da procedência da ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as de saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu (i) em nulidade de sentença, por (i.1) contradição entre os fundamentos invocados e o sentido da decisão e por (i.2) falta de fundamentação, bem como se incorreu em (ii) erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, designadamente do disposto no n° 2 do art.° 168° do CPA.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [positivo, negativo e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1. Entre os dias 15 e 18 de dezembro de 2015 decorreu uma inspeção de controlo financeiro e contabilístico à Conservatória do Registo Civil de (...) (doravante, CRC de (...)), na qual o A. exerce funções, enquanto Conservador do Registo Civil - Cfr. doc. 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. No decurso dessa inspeção, foi detetado que o vencimento do A. vinha sendo mal processado desde setembro de 2004, altura em que tomou posse na CRC de (...).
3. A 23.12.2015 deu entrada no Instituto dos Registos e do Notariado, IP (IRN, IP) um requerimento subscrito pelo ora A., peticionando o pagamento do diferencial remuneratório pelo qual deveria ser abonado desde setembro de 2004 - Cfr. doc. 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Por ofício de 22.01.2016, com o n.° 348/DRH/2016, o R. notificou o A. do projeto de decisão, parcialmente desfavorável ao A., para que este, querendo, exercesse o seu direito de audiência prévia, o que, adianta-se já, o A. optou por não fazer - Cfr. doc. 2 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. E por ofício de 07.03.2016, com o n.° 1094/2016, recebido pelo A. a 08.03.2016, foi este notificado da decisão final sobre o seu pedido, consubstanciada no despacho de 03.03.2016, do Senhor Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP, fundamentando-se na informação n.° 36/DRH/2016, bem como na informação n.° 325/DRH/2016, nos seguintes termos:
«Compulsado o processo individual do trabalhador verifica-se que o ora requerente foi nomeado conservador da CRC de (...) por despacho do Diretor-Geral da então Direção-Geral dos Registos e do Notariado (DGRN) de 13/09/2004, tendo tomado posse do lugar em 29/09/2004. À data o Senhor Conservador encontrava-se posicionado no escalão 1, índice 440 da escala indiciária de conservadores e notários de 2ªclasse (cfr. mapa I anexo ao DL n.° 131/91, de 02/04).» «O estatuto remuneratório dos trabalhadores dos serviços de registo e do notariado (conservadores, notários e oficiais: ajudantes e escriturários) reveste natureza especial, sendo a remuneração base destes trabalhadores constituída por duas componentes (cfr. art. 52°do Decreto-Lei n.° 519-F2/79, de 29/12). Uma componente é o vencimento de categoria e a outra componente é o vencimento de exercício ou participação emolumento. À remuneração base dos trabalhadores acrescem os emolumentos pessoais que têm a natureza de suplemento remuneratório. Com relevância para o caso em apreço, o vencimento de categoria encontrava-se regulado no D.L. N.° 131/91, de 02/04. No mencionado diploma legal estabelece-se expressamente que esta componente remuneratória dos trabalhadores das carreiras dos registos e do notariado referencia-se às escalas indiciárias previstas nos Mapa I e II anexos a esse diploma (cfr. preâmbulo e art. 1°). Em concreto, o art. 4° do citado diploma refere-se às situações em que os conservadores ocupem lugares de classe diferente das suas classes pessoais. A este propósito, importa realçar que, nos termos do art.° 2° do D.L. n.° 519-F/79, de 29/12 - diploma que regula a orgânica dos serviços de registo e do notariado e as carreiras dos respetivos trabalhadores -, tais serviços compreendem três espécies: o registo predial (espécie que abrange também o registo comercial e o de veículos), o registo civil e o notariado.
Por sua vez, o art.° 16° deste último diploma legal, determina que as conservatórias do registo civil e predial e os cartórios notariais são divididos em três classes, sendo que a classe de cada conservatória ou cartório é fixada em função do movimento e rendimento do respetivo serviço. No que se reporta aos conservadores e notários, os mesmos são integrados em três quadros (correspondentes às espécies dos serviços de registo e do notariado): um de conservadores do registo civil, outro de conservadores do registo predial e o terceiro de notários, sendo que em cada um desses quadros tais trabalhadores são agrupados em três classes, segundo a sua antiguidade e classificação de serviço (vide art.°28 do D.L. n.° 519-F2/79. Ora, uma vez feito este apontamento e de regresso ao disposto no art.° 4° do D.L. n.° 131/91, aí prevê-se que: Sempre que os conservadores e notários ocupem lugares de classe diferente das suas classes pessoais, têm direito ao vencimento correspondente à classe mais elevada. Para efeito do número anterior, sempre que a classe do lugar seja superior à classe pessoal, o funcionário tem direito à remuneração correspondente à classe do lugar, nos seguintes termos: Ao ordenado correspondente ao escalão 1; (...).” Focando-nos, agora, no presente caso, o requerente foi nomeado conservador da CRC de (...) por despacho do Diretor-Geral da então Direção-Geral dos Registos e do Notariado (DGRN) de 13/09/2004, tendo tomado posse do lugar em 29/09/2004. À data o trabalhador encontrava-se posicionado no escalão 1, índice 440 da escala indiciária de conservadores e notários de 2ª classe (cfr. mapa I anexo ao D.L. n.° 131/91, de 02/04). Porém, a CRC de (...) é um serviço de registo de 1ª classe. Pelo que, de acordo com o definido no assinalado art.° 4° do D.L. n.° 131/91, desde a data da tomada de posse, o trabalhador ora requerente tinha, efetivamente, direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de 1a classe (vide mapa I anexo ao mesmo D.L.). (...)» Declara, outrossim, o requerente que: “Devido a esse lapso, só agora detetado pela inspeção, e nunca anteriormente por nenhuma outra, nem por nós, nem mesmo pelos serviços aos quais era remetido o expediente contabilístico para confirmação ou correção, (e que quando em vez mandava proceder à mesma) ...”. Quanto a esta afirmação cumpre referir, em breves palavras, que a competência para o processamento dos vencimentos dos trabalhadores de cada conservatória/cartório notarial pertence a cada uma destas unidades orgânicas. Mais concretamente, em qualquer serviço de registo - incluindo a CRC de (...) -, quem tem a responsabilidade pelo processamento dos vencimentos é o conservador que aí se encontre a exercer funções, uma vez que a lei lhe atribui a direção da conservatória (vide art.° 21° do supramencionado D.L. n.° 519-F2/79). Acresce que, na qualidade de trabalhador integrado na carreira de conservador e, sobretudo, na qualidade de dirigente dum serviço de registo, o ora requerente não pode ignorar o regime jurídico que rege o respetivo estatuto remuneratório, em especial, o supra mencionado D.L. n.° 131/91. E, por tal motivo, o ora requerente poderia (e, inclusivamente, deveria) ter reagido atempadamente, a fim de minimizar os efeitos remuneratórios advenientes da situação irregular que tem vindo a ocorrer desde setembro de 2004. (...)» E, por tal motivo, o ora requerente poderia (e, inclusivamente, deveria) ter reagido atempadamente, a fim de minimizar os efeitos remuneratórios advenientes da situação irregular que tem vindo a ocorrer desde setembro de 2004. O trabalhador requer, a final que lhe seja “reposto” o montante que não auferiu desde o ano de 2004 até ao final do ano de 2015. Efetivamente, o Senhor Conservador requerente tem direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de 1a classe, desde a data da tomada de posse, pelo que existe violação das regras constantes do art. 4°do D.L. n.° 131/91. (...) Ora, tendo em consideração que cada ato de processamento de remunerações consubstancia um verdadeiro ato administrativo e constatando-se subsistir desconformidade da situação em apreço com a ordem jurídica, existe um vício gerador de anulabilidade (cfr. art. 163° do CPA/2015), devendo, por conseguinte, os atos ilegais ser objeto de anulação administrativa. (...)»
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Não se deram como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.
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Inexistem quaisquer outros factos, provados ou não provados, que importe aqui consagrar expressamente, atentas as soluções de direito que se prefiguram como possíveis.
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Em relação aos factos acima dados como provados foram determinantes os documentos juntos aos autos e, dentro do possível no acordo das partes.
(…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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I - Da invocada nulidade de sentença, por violação do disposto nas alíneas b) e c) do nº.1 do artigo 615º do CPC
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O Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na (i) oposição entre os fundamentos e a decisão e na (ii) falta de fundamentação desta.
Falece-lhe, porém, razão.
Na verdade, e com reporte, desde já, para este último fundamento, cabe notar que, para que se esteja perante falta de fundamentos geradora da nulidade de sentença, é mister que (i) o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão de suportar a decisão que profere e/ou (ii) que a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de direito.
Com efeito, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”.
Pois bem, escrutinada a decisão judicial recorrida, logo se constata que dela constam especificados, de forma clara, os respetivos fundamentos de facto.
Por sua vez, e com reporte ao direito, discorreu-se na decisão judicial recorrida o seguinte: “(…)
O Autor pretende, nos presentes autos, sindicar a decisão que lhe indeferiu o pedido de pagamento dos diferenciais remuneratórios desde setembro de 2004, por ter sido abonado pelo índice 440, quando, desde essa data, devia ter sido abonado pelo índice 500.
Alega para tanto que, na sequência de inspeção realizada à Conservatória de (...), em 2015, ficou a saber que o seu vencimento vem sendo erradamente processado de setembro de 2004 (abonado pelo índice 440, quando, desde essa data, devia ter sido abonado pelo índice 500), tendo, em vão, requerido a respetiva correção ao Réu.
O Réu, anuiu a que o vencimento do Autor vem sendo erradamente processado de setembro de 2004 (abonado pelo índice 440, quando, desde essa data, devia ter sido abonado pelo índice 50, apenas deferiu parcialmente a sua pretensão, por entender que os vários processamentos de vencimentos são atos administrativos e que, sendo anuláveis, por erro nos respetivos pressupostos, apenas o podem ser dentro do período de 1 (um) ano. Os anteriores a dezembro de 2014, por estarem fora desta “janela temporal”, não poderiam ser anulados e, por conseguinte, nessa parte, não poderia existir a correção remuneratória reclamada pelo Autor.
Vejamos:
O Autor nomeado conservador da CRC de (...) por despacho do Diretor-Geral da então Direção-Geral dos Registos e do Notariado (DGRN) de 13/09/2004, tendo tomado posse do lugar em 29/09/2004.
À data, o Autor encontrava-se posicionado no escalão 1, índice 440 da escala indiciária de conservadores e notários de 2ª classe (cfr. mapa I anexo ao DL n.° 131/91, de 02/04).
Ora:
O estatuto remuneratório dos trabalhadores dos serviços de registo e do notariado (conservadores, notários e oficiais: ajudantes e escriturários) reveste natureza especial, sendo a remuneração base destes trabalhadores constituída por duas componentes (cfr. art. 52° do Decreto-Lei n.° 519-F2/79, de 29/12).
Uma componente é o vencimento de categoria e a outra componente é o vencimento de exercício ou participação emolumento.
À remuneração base dos trabalhadores acrescem os emolumentos pessoais que têm a natureza de suplemento remuneratório.
Com relevância para o caso em apreço, o vencimento de categoria encontrava-se regulado no D.L. n.° 131/91, de 02/04, diploma em que se estabelece expressamente que esta componente remuneratória dos trabalhadores das carreiras dos registos e do notariado referencia-se às escalas indiciárias previstas nos Mapa I e II anexos a esse diploma (cfr. preâmbulo e art. 1°).
Em concreto, o art. 4° do citado diploma refere-se às situações em que os conservadores ocupem lugares de classe diferente das suas classes pessoais, aí se estabelecendo que nesses casos estes têm direito ao vencimento correspondente à classe mais elevada.
Neste caso, o requerente foi nomeado conservador da CRC de (...) por despacho do Diretor-Geral da então Direção-Geral dos Registos e do Notariado (DGRN) de 13/09/2004, tendo tomado posse do lugar em 29/09/2004.
À data encontrava-se posicionado no escalão 1, índice 440 da escala indiciária de conservadores e notários de 2ª classe (cfr. mapa I anexo ao D.L. n.° 131/91, de 02/04).
Porém, a CRC de (...) é um serviço de registo de 1ª classe, pelo que, de acordo com o definido no assinalado art.° 4° do D.L. n.° 131/91, desde a data da tomada de posse, o Autor tinha, efetivamente, direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de 1ª classe (vide mapa I anexo ao mesmo D.L.).
O Réu pretende, no entanto, que, como a competência para o processamento dos vencimentos dos trabalhadores de cada conservatória/cartório notarial pertence a cada uma destas unidades orgânicas, quem teria a responsabilidade pelo processamento dos vencimentos seria o conservador que aí se encontra a exercer funções, uma vez que a lei lhe atribui a direção da conservatória (vide art.° 21° do supra mencionado D.L. n.° 519- F2/79).
Por tal motivo, pretende o Réu que o Autor poderia (deveria) ter reagido atempadamente, a fim de minimizar os efeitos remuneratórios advenientes da situação irregular que tem vindo a ocorrer desde setembro de 2004.
No entanto, não lhe pode assistir razão, neste ponto.
Não se pode entender que tal direito possa ter sido precludido pelo facto de não ter sido exercido à data de cada processamento de vencimento.
Tanto mais que os processamentos de vencimento apenas podem ser considerados atos impugnáveis quando consubstanciem “questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória” .
Sobre isto, veja-se o vertido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, com o n° 0547/11, datado de 22-11-2011, segundo qual:
“I - Os atos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros atos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta (art. 120.° CPA), quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória.
II - Nos casos em que a regulação de uma situação jurídica foi efetuada por ato administrativo inimpugnável, não é viável que, através de ação comum, sejam obtidos os efeitos que poderiam advir da sua anulação, com consequente reconstituição da situação que existiria se eles não tivessem sido praticados, nos termos do art. 173.° do CPTA.”
Neste caso, tal nunca sucedeu.
Os atos de processamento de vencimento nunca passaram disso mesmo. Atos de execução, sem qualquer relevo na definição da situação individual e concreta do visado e sem qualquer particular efeito externo sobre a esfera pessoal deste. Diferente seria se os mesmos se seguissem a uma manifestação de uma qualquer pretensão remuneratória por banda do Autor junto dos serviços do Réu.
Ademais, em relação à alegação de que a competência para o processamento dos vencimentos dos trabalhadores de cada conservatória/cartório notarial pertence a cada uma destas unidades orgânicas e quem teria a responsabilidade pelo processamento dos vencimentos seria o conservador, teremos de atentar no que se diz na deliberação n.° 627/2013 do Conselho Diretivo do IRN, IP, no ponto 2.1: “são delegados no vice-presidente do conselho diretivo, com a faculdade de subdelegação, poderes para (...) ii) No âmbito do Departamento de Recursos Humanos (DRH) e respetivas unidades orgânicas flexíveis, decidir e praticar todos os atos necessários que não sejam da competência exclusiva do conselho diretivo e que não se encontrem abrangidos pelos poderes delegados no presidente do conselho diretivo, designadamente (...)
m) Autorizar o processamento das remunerações dos trabalhadores do IRN, I.P., e demais abonos e obrigações acessórias”.
Não tem cabimento, pois, o entendimento de que o Autor teria de ter processado o seu próprio vencimento pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de 1a classe, desde a data da tomada de posse. Quando muito, caso tivesse atentado nisso antes, poderia o Autor ter trazido mais cedo o assunto ao conhecimento do Réu. Mas pretender retirar daí um ónus com efeitos preclusivos dessa faculdade será, no nosso entendimento, um verdadeiro abuso de direito.
Do que vem exposto (e que o Réu reconhece), o Autor tem direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de 1a classe, desde a data da tomada de posse, em setembro 2004 (e não apenas, como se viu acima, desde dezembro de 2014, como decidiu erradamente o Réu).
Aqui chegados, cumpre julgar procedente a argumentação aduzida pelo Autor, julgando-se procedente a presente ação, anulando-se a decisão em crise (na parte em que indeferiu a pretensão do Autor, em relação ao pagamento dos diferenciais de remunerações e emolumentos desde setembro de 2004) e condenando-se o Réu nos pedidos formulados contra si (em relação ao concreto montante em dívida, desconhece-se, exatamente o respetivo montante, pelo que se condenará o Réu, infra, no pagamento das remunerações e emolumentos devidos desde setembro de 2004 a novembro de 2014 - dezembro de 2014 a dezembro de 2015 já havia sido assumido pelo despacho em crise) (…)”.
Ora, em face do quadro jurídico delineado na sentença recorrida, e que se vem de transcrever, não podemos de modo algum concluir que a sentença seja totalmente omissa quanto aos pressupostos em que assenta a conclusão de que o “(…) o Autor tem direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de conservadores e notários de ª classe, desde a data da tomada de posse, em setembro 2004 (…)”.
Naturalmente, poderemos questionar-nos se a fundamentação de direito aposta na decisão judicial recorrida é suficiente, correta e adequada em face das questões de facto e de direito envolvidas.
Mas saber se a fundamentação da sentença reúne estes requisitos não é matéria que se insira no vício de nulidade sentença, por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
Nesta esteira, é de manifesta evidência que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida a absoluta falta de fundamentação determinante da nulidade em análise.
E idêntica conclusão é atingível no que concerne a eventual nulidade de sentença, desta feita, com base na alínea c) da normação supra.
De facto, dispõe tal n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.
Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.
Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].
Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.
A obscuridade traduz-se num dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].
De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].
A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.
Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.
Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.
Por um lado, o Recorrente nem sequer alega que existe contradição entre os fundamentos de facto especificados no probatório coligido nos autos e a decisão, tendo sustentado, ao invés, que existe uma contradição entre os próprios fundamentos da decisão, o que não configura uma circunstância enquadrável na sobredita alínea c), cujo teor não deixa margem para dúvidas quanto aos segmentos da decisão que terão de ser [alegadamente] contraditórios entre si para que subsista essa mesma nulidade – os fundamentos da decisão e a própria decisão.
Ainda que assim não fosse, isto é, mesmo se se entendesse que foi alegada a contradição entre os fundamentos da decisão recorrida e o segmento decisório dessa mesma decisão recorrida, sempre a mesma não se verificaria, pois que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida por este tribunal.
De facto, a fundamentação aponta no sentido do reconhecimento do direito reclamado nos autos e a decisão segue esse mesmo caminho.
Por outra lado, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso que o Mmº. Juiz a quo ali expendeu, o qual é perfeitamente inteligível.
De facto, a fundamentação de direito, tal como foi externada, não impossibilita, portanto, o destinatário da sentença de saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir.
Em suma, inexistem as apontadas nulidades de sentença.
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II - Do imputado erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, designadamente do disposto no n° 2 do art.° 168° do CPA.
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A decisão judicial recorrida considerou o Autor tem direito a ser abonado pelo escalão 1, índice 500 da escala indiciária de Conservadores e Notários de 1ª classe desde a data de tomada de posse enquanto Conservador da CRC de (...) [29.09.2004], não podendo tal direito considerar-se “(…) precludido pelo facto de não ter sido exercido à data de cada processamento de vencimento (…)”, pois que estes “(…) nunca passaram disso mesmo. Atos de execução, sem qualquer relevo na definição da situação individual e concreta do visado e sem qualquer particular efeito externo sobre a esfera pessoal deste (…)”.
O Recorrente pugna pela revogação do assim decidido, que lhe imputa erro de julgamento de direito, fundamentalmente, por manter a firme convicção de que “(…) a decisão recorrida assenta no pressuposto (errado) de que os sucessivos atos de processamento de remunerações do recorrido constituem atos de execução, sem qualquer relevo na definição da situação individual e concreta do visado e sem qualquer particular efeito externo sobre a esfera pessoal deste (…)”.
Efetivamente, o Recorrente sustenta que os atos de processamento de remunerações são verdadeiros atos administrativos constitutivos de direitos, pelo que, quando ilegais, não pode deixar de se lhes aplicar o regime jurídico da invalidade do ato administrativo previsto no art.° 161° e ss. do CPA.
Assim, não tendo os mesmos sido objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano após a sua emissão [art.° 168° n° 2 do CPA], consolidaram-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, tornando-se, assim, inviável, a sua invalidação.
Vejamos, percorrendo, desde já, evolução jurisprudencial mais pertinente sobre a temática em apreço.
Assim, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27.05.1999, referia-se à questão nos seguintes termos: “(…) cada ato de processamento respeita a um período determinado. Define a situação jurídica do funcionário ou agente relativamente a cada uma das espécies de abonos nele considerados e ao período – por vida de regra a periodicidade é mensal – por ele abrangido. Não pode retirar-se de um desses atos qualquer inferência de regulação, negativa ou positiva, seja para abonos de outra espécie, seja para o mesmo abono relativamente a outros períodos”.
Posteriormente, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 13/05/2004, processo n.º 7026/03 (e a jurisprudência aí citada), esclareceu-se que, “(…) para que o ato de processamento de vencimentos e outras remunerações se firme na ordem jurídica como caso decidido por falta de atempada impugnação, necessário se torna, além do mais, que o ato represente uma atuação voluntária da Administração que não uma pura omissão definidora de uma situação jurídica de forma autoritária e unilateral - cfr. Ac. do STA de 30/5/2001 in Ant. de Acs do STA e TCA, Ano IV, nº 3, pág 7. ”.
E no Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 28/01/2007, processo n.º 0414/07, é referido que “(…) Cada ato de processamento de vencimentos e abonos só constitui um verdadeiro ato administrativo e não mera operação material, se traduzir uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento “em determinado sentido e com determinado conteúdo” e, se cada um desses atos tiver sido validamente notificado ao interessado, com indicação do autor do ato, do sentido e da data da decisão, elementos essenciais do ato administrativo (…)”.
Mais recentemente, no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte de 18/11/2016, processo n.º 00554/12.9BEVIS, sumariou-se que “(…) O ato de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado como um ato administrativo se traduzir uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, sobre um problema concretamente colocado. Não se pode, assim, considerar ato administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, mas onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto (…)”.
Em suma, a teoria ou doutrina dos atos processadores de vencimentos ou abonos como atos administrativos está subordinada, como tem sido entendido pela jurisprudência, a um duplo pressuposto, como seja (i) o do ato consubstanciar uma definição voluntária da Administração de uma situação jurídica unilateral e (ii) dessa decisão ser notificada nos termos do disposto no artigo 114º anterior 68º do C.P.T.A.
Aqui chegados, importa, por um lado, indagar se os processamentos mensais de remunerações aqui em causa constituem verdadeiros atos administrativos e se foram validamente notificados ao Autor, aqui Recorrido, e, por outro, se o Réu, aqui Recorrente, alguma vez se pronunciou, inovadoramente, sobre os requeridos pagamentos dos diferenciais remuneratórios.
Relativamente à primeira questão, cabe notar que não se vislumbra dos autos, por ausência de instrução do Réu, aqui Recorrente, que os atos de processamento de vencimentos e outros abonos havidos, no e por referência ao período em questão, contivessem uma definição voluntária e inovatória por parte da Administração da situação jurídica do A.
Por sua vez, e já no tocante à segunda pergunta, saliente-se que o Recorrente não demonstrou, nem tão pouco constam do processo instrutor apenso elementos que nos permitam afirmar, que a notificação dos atos de processamento de vencimentos obedeceu aos requisitos do normativo plasmado no artigo 114º [anterior 68º] do C.P.A., para que se possa asseverar que se formou “caso decidido”.
Neste enquadramento, entendemos que não se verifica, in casu, o duplo pressuposto de que depende a consideração dos atos de processamento mensais de vencimentos como atos administrativos, motivo pelo qual tais atos são inoponíveis ao Autor, aqui Recorrente, para efeitos impugnatórios, o que serve para assentar que não ocorreu a arguida consolidação na ordem jurídica como “caso decidido ou resolvido”.
Por conseguinte, é de manifesta evidência de que não se mostra evidenciada a tese do Recorrente ao nível do erro de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à procedência do presente recurso jurisdicional.
Mercê do exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 18 de dezembro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro