Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01717/11.0BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NOTÁRIOS; RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO PELO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO POLÍTICO-LEGISLATIVA; INDEMNIZAÇÃO PELO SACRIFÍCIO; DECRETO-LEI Nº 116/2008, DE 04.07; ARTIGO 15º E ARTIGO 16º DA LEI N° 67/2007, DE 31.12; PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA;
DIREITOS FUNDAMENTAIS AO TRABALHO (ARTIGOº 58°, N° 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA); DIREITO FUNDAMENTAL À INICIATIVA PRIVADA (ARTIGO 61°, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA); NULIDADE DA DECISÃO; CONTRADIÇÃO; ALÍNEA C) DO N.º 1, DO ARTIGO 615º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (2013); NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; ARTIGOS 613º, N.º3, E 615º, N.º1, AL. C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (2013); REQUERIMENTO DE PROVA.
Sumário:
1. A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do actual Código de Processo Civil é uma incongruência lógica ou jurídica; esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo; a razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma decisão cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.
2. Não se existe contradição entre julgar desnecessária a produção de prova testemunhal e só dar como provados determinados factos: logicamente pode entender-se que outros meios de prova, como a prova documental já existente nos autos, são suficientes para alinhar os factos relevantes.
3. Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade - artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. c), do Código de Processo Civil (de 2013).
4. O requerimento para notificação do requerido para apresentar a relação de actos notariais já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde o Recorrente exerce a sua actividade em bom rigor não é um requerimento mas a disfarçada forma de impor ao requerido a alegação de facto que competia ao autor articular, o número de actos notariais praticados no seu concelho antes e depois de 01.01.2009 para daí de poder extrair a conclusão que tirou no articulado inicial, de que com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, a sua actividade de notário foi praticamente esvaziada.
5. A conduta legislativa do Estado relativamente à privatização dos notários não preencheu os pressupostos da ilicitude e culpa, em face do que se mostra insusceptível de determinar a sua responsabilidade civil face ao disposto na Lei n° 67/2007, de 31.12, seja pela invocada responsabilidade civil pelo exercício da função político-legislativa nos termos do disposto no artigo 15°, seja a indemnização pelo sacrifício prevista no artigo 16° deste diploma.
6. O Estado, mercê da privatização dos notários que implementou, não ficou impedido de introduzir quaisquer alterações nas suas competências, mormente no que concerne à simplificação de procedimentos.
7. O acto legislativo de privatização dos notários não violou o princípio da proteção da confiança, nem contribuiu para a violação dos direitos fundamentais ao trabalho (artigoº 58°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa) e à iniciativa privada (artigo 61°, da Constituição da República Portuguesa), sendo a simplificação dos actos notariais uma decorrência da desejada e desejável modernização da Administração, que não poderá ficar refém dos interesses de qualquer grupo funcional ou corporativo. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AJMNC
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

AJMNC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 15.09.2014, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa intentada pelo Recorrente e por FMMAM, IBA e MACTRC contra o Estado Português, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, na qual se pediu a condenação do Réu a indemnizar os Autores por acto legislativo decorrente da função política legislativa (Decreto-Lei nº 116/2008, de 04 de Julho), tendo a decisão recorrida absolvido o Réu dos pedidos.
Invocou para tanto, em síntese, que deveria ter sido objecto de prova a alegada pelos Autores diminuição de actos notariais, que se verificou de forma acentuada e gradual, sendo demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário, alegando a nulidade despacho saneador / sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil; que é por várias vezes referido no despacho recorrido que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os notários, que lhe foi dado conhecimento de que iriam ocorrer alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 202º da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido); que o Recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 528º do Código de Processo Civil em vigor à data da entrada em juízo da petição inicial – para prova do número de actos realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos actos societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária – que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde o Recorrente exerce a sua atividade, requerimento sobre o qual o Tribunal a quo nunca se pronunciou; o que gera a nulidade do despacho saneador / sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito invocada, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício, quando o Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, veio introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do Código do Notariado: todos os actos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje fora do elenco deste preceito; que, em consequência, a outorga de testamentos é, desde a entrada em vigor daquele diploma, o único acto da competência exclusiva dos notários, atos que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico, pelo que a essência da atividade notarial – dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais – encontra-se hoje esvaziada de conteúdo; que o Recorrido violou, por isso, os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham; que com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, o Recorrido afectou os direitos do Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa que existindo uma imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de uma profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício; que o Recorrente foi incentivado pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que o Recorrente anteviu, aquando da reforma efetuada, o que demonstra a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência, das legítimas expectativas do Recorrente, uma vez que o mesmo nunca poderia ter previsto tal cenário.
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O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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O Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que não ocorre a nulidade alegada, uma vez que os factos incontroversos em que se baseia a decisão são suficientes para a mesma e para a discussão do seu mérito, ficando prejudicada a utilidade da produção de prova de outros factos. Mais afirma que o formalismo extremo iria contra toda uma imperiosa necessidade de economia processual.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. Não obstante todo o alegado no despacho saneador sentença a respeito da “desnecessidade” da produção da prova testemunhal requerida, certo é que o despacho recorrido apenas dá como provada matéria alegada, quase integralmente, pelo Recorrido e respeitante tão somente aos vários diplomas aprovados em matéria notarial: não foram pelo Tribunal a quo dados como assentes factos alegados pelo Recorrente.
2. A alegada diminuição de actos notariais, que se verificou de forma acentuada e gradual, é, antes de mais, demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário (“questão central” destes autos), pelo que importava que tal matéria fosse, pelo menos, objecto de prova;
3. Razão pela qual o despacho saneador sentença é nulo, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
4. Acresce, por outro lado, que é por várias vezes referido no despacho que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os notários, que foi dado conhecimento aos notários de que iriam ocorrer alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 202º da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido).
5. O Recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 528º do Código de Processo Civil (em vigor à data da entrada em juízo da petição inicial) – para prova do número de actos realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos actos societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária – que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde os Recorrente exerce a sua atividade, requerimento sobre o qual o Tribunal a quo nunca se pronunciou;
6. Face ao ora exposto, o despacho saneador sentença é também nulo por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de *Processo Civil.
7. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito invocada, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício.
8. O Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, veio introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do Código do Notariado: todos os actos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje fora do elenco deste preceito. Em consequência, a outorga de testamentos é, deste a entrada em vigor daquele diploma, o único acto da competência exclusiva dos notários. No entanto, estes são actos que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico.
9. Neste enquadramento, a essência da atividade notarial – dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais – encontra-se hoje esvaziada de conteúdo.
10. Assim, no entender do Recorrente, o Recorrido violou os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham.
11. Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, o Recorrido afectou os direitos do Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
12. Existindo uma imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de uma profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício.
13. Pode afirmar-se que o Recorrente foi incentivado pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que o Recorrente anteviu, aquando da reforma efetuada.
14. O que demonstra, salvo melhor opinião, de forma cabal, a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência, das legítimas expetativas do Recorrente, uma vez que o mesmo nunca poderia ter previsto tal cenário;
15. Acresce referir que, se foi o próprio Recorrido que sempre definiu os exactos contornos da profissão de notário, é legítimo afirmar-se que o mesmo conhecia (ou não devia desconhecer) os impactos possíveis das medidas por si adotadas, com a publicação do referido Decreto-Lei nº 116/2008: neste contexto, pensa-se que o Recorrido conhecia – ou não podia desconhecer – o carácter ilegal do diploma e, por isso, podia e devia ter evitado a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07.
16. Por força da restrição anormal da atividade inerente à profissão de notário operada pela desformalização de actos prevista no Decreto-Lei nº 116/2008, o Recorrente sofreu uma redução drástica no número mensal de actos praticados e, consequentemente, uma diminuição acentuada do volume de honorários cobrados.
17. Por seu turno, a desformalização dos actos e perda de competência exclusiva implicaram a restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, sendo que, até à presente data, já se verificaram consequências danosas na esfera jurídica do Recorrente, no plano quantitativo, isto é, do volume de trabalho e rendimentos esperados obter.
18. No que respeita ao pressuposto do nexo de causalidade, e face à matéria de facto alegada, podemos afirmar que a desformalização dos actos e perda de competência exclusiva operadas pela entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, consubstanciam o facto ilícito que, em concreto, causou a (I) restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, no plano qualitativo, e a (II) redução, que já se verificava, à data de entrada da presente ação judicial, do volume de trabalho e rendimentos esperados obter pelo Recorrente.
19. Ao serem retiradas competências exclusivas aos notários que passam a ser exercidas por serviços do Estado e em conjunto com os actos de registo predial (permitindo-se, assim, a cobrança de um preço global pelos dois serviços – o que se mostra impossível de almejar pelos notários) – num contexto, como se refere no despacho, de crise económica – outra consequência não poderá daí advir senão a de imediata e abrupta perda de clientela.
20. Aquando da privatização do notariado português, nenhuma das competências que, tradicionalmente, integravam a função notarial foi retirada aos notários; com efeito, o artigo 80º do Código do Notariado, preceito que determina quais os negócios jurídicos que têm que ser celebrados por escritura pública, manteve-se, na sua essência, inalterado, tendo, desde a privatização do notariado (2004/2005) até à aprovação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07.
21. Neste enquadramento, são pressupostos da obrigação de indemnização pelo sacrifício (I) a prática de acto lícito para a satisfação do interesse público; (II) o dano especial e anormal e (III) o nexo de causalidade, previstos no artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31.12, o qual determina que «[o] Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado».
22. Importa sublinhar, quanto ao dano especial, que apenas os notários viram o conteúdo essencial da sua profissão ser restringido, de forma grave, pelas disposições do Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, pelo que os encargos gerados por este diploma foram (e encontram-se a ser) suportados, apenas, pelo Recorrente e pelos seus colegas notários.
*
II – A nulidade da decisão. A contradição entre os fundamentos e a decisão proferida quanto à dispensa da prova testemunhal requerida.
Alega o Recorrente que, não obstante todo o alegado no despacho saneador sentença a respeito da “desnecessidade” da produção da prova testemunhal requerida, certo é que nessa decisão apenas se dá como provada matéria alegada, quase integralmente, pelo Recorrido e respeitante tão somente aos vários diplomas aprovados em matéria notarial, ou seja, não foram pelo Tribunal a quo dados como assentes quaisquer factos alegados pelo Recorrente, mormente os factos concretos atinentes à sua atividade, bem como outros relativos à classe dos notários, sendo certo, por um lado, que a invocada diminuição de actos notariais pelo Recorrente não tinha como propósito, singelamente, fornecer os elementos necessários ao cálculo da indemnização peticionada (como, pelo menos no entender do Recorrente, parece resultar textualmente do despacho saneador sentença – cfr. página 12). A alegada diminuição de actos notariais que se verificou de forma acentuada e gradual é, antes de mais, demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário (“questão central” destes autos), pelo que importava que tal matéria fosse, pelo menos, objecto de prova.
Conclui o Recorrente que não obstante o despacho recorrido considerar (I) dever ser feita por documentos a prova da diminuição da prática de actos notariais pelos Autores (tendo esses documentos sido juntos aos autos) e (II) ser “desnecessária” a audição testemunhal, certo é que tal diminuição não foi dada como provada (bem, como, as razões efetivas dessa diminuição, bastando-se este despacho com a alegação de factos notórios), pelo que, pelo menos, no entender do Recorrente, o despacho saneador sentença reclamado é nulo, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a que acresce, por outro lado, que é por várias vezes referido no despacho recorrido que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os notários, que foi dado conhecimento aos notários de que iriam ocorrer alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 202° da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido).
Vejamos:
A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do actual Código de Processo Civil (artigo 668º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1995) é uma incongruência lógica ou jurídica.
Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.
Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.
A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).
Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.
“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.
No caso não se vê contradição entre julgar desnecessária a produção de prova testemunhal e só dar como provados determinados factos.
Logicamente pode entender-se que outros meios de prova, como a prova documental já existente nos autos, são suficientes para alinhar os factos relevantes.
O que não é incongruente, antes perfeitamente compatível, de um ponto de vista lógico, com o entendimento de que os factos com relevo estão todos provados por outros elementos de prova que não a testemunhal, como seja a prova documental.
O que sucedeu no caso.
Poderá existir erro quer num pressuposto, o de que a prova já existente nos autos é suficiente, quer no outro pressuposto, o de que os factos relevantes são apenas os que se deram como provados.
O que não se pode é dizer que existe incongruência lógica entre um pressuposto – a da suficiência da prova já produzida, em concreto a documental – e a decisão quanto à matéria de facto - a que foi alinhada.
Improcede, pois, esta arguida nulidade.
III –Matéria de facto. A nulidade por omissão de pronúncia; a deficiência da matéria de facto.
O Recorrente alegou que requereu, ao abrigo do disposto no artigo 528º do Código de Processo Civil (em vigor à data da entrada em juízo da petição inicial) – para prova do número de actos realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos atos societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária – que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde os Recorrente exerce a sua atividade.
Mais alegou que tal meio de prova se destinava, desde logo, a contrariar a invocação constante do despacho saneador sentença (e subjacente a grande parte da defesa do Recorrido) de que a diminuição drástica das transacções comerciais e prediais foi uma consequência direta da crise económica, uma vez que o Recorrente tem conhecimento, e alegou-o (cfr. artigo 139º da petição inicial), que se verificou antes, e em primeira linha, um desvio de clientela dos Cartórios Notariais para as Conservatórias de Registo.
Por outras palavras, é afirmado que constitui facto notório que a partir de 2008 a República entrou numa crise financeira pública de graves repercussões e que afectou significativamente a economia, sem sequer se atender ao requerimento do Recorrente no sentido de ser o Recorrido notificado para apresentar a relação de actos já efetuados desde 01.01.2009 até à presente data, no concelho onde o Recorrente exerce as suas funções (susceptível de demonstrar o alegado desvio de clientela que se verificou a partir daquela data).
Sobre tal requerimento o Tribunal a quo nunca se pronunciou, razão pela qual despacho saneador sentença em crise é também nulo por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Vejamos:
Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).
O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.
No início do saneador sentença ora recorrido, diz-se:
“Vistos e ponderados os Autos concluo que estão reunidas condições para o conhecimento do mérito da causa sem produção de qualquer prova ainda não patente”.
Embora em termos muito sintéticos e genéricos esta decisão é um inequívoco indeferimento do que foi requerido em termos probatórios além da prova que já tinha sido produzida até ali, em particular, a prova documental.
Poderá existir erro nesta decisão, a determinar uma deficiência processual com eventuais repercussões no acerto decisão de mérito, se se concluísse que seria necessário produzir prova ainda não produzida, documental ou testemunhal, para alinhar factos não alinhados e que fossem indispensáveis para decidir de mérito, com acerto.
O que não se pode é falar de nulidade da decisão, antes e apenas, de eventual erro ou deficiência.
Isto sendo certo que apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade - artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. c), do Código de Processo Civil (de 2013); Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).
No caso concreto a decisão alinhou alguns factos e procedeu ao respetivo enquadramento jurídico, o que basta para considerar não verificada a apontada nulidade.
E, em todo o caso, não se verifica, desde logo, a apontada deficiência instrutória, decorrente da preterição de prova testemunhal.
O próprio Recorrente não aponta um único facto para o qual fosse necessária a produção de prova testemunhal, ou seja, para o qual a prova documental não fosse bastante.
Pelo contrário, apenas indica em concreto como deficiência instrutória a não notificação, por si requerida, do Recorrido para apresentar a relação de actos já realizados desde 01.01.2009 nos concelhos onde o Recorrente exerce a sua actividade.
Sucede que este requerimento, em bom rigor, não é um requerimento de prova.
Trata-se em bom rigor de um pedido para o que o Réu viesse alinhar os factos em concreto que deviam os Autores ter invocado no seu articulado inicial: quantos os actos anteriormente praticados nos concelhos onde os Autores exercem a sua actividade antes e quantos os actos praticados desde 01.01.2009.
Para desses factos se extrair a conclusão de que houve um decréscimo acentuado na sua actividade mercê das alterações legislativas entretanto introduzidas e aqui em causa.
Ora os Autores não alinharam tais factos nem o ora Recorrente o fez para que sobre os mesmos fosse feita a necessária e adequada prova.
Prova documental, pela própria natureza dos factos a provar.
Não tendo sido alegados quaisquer factos concretos que permitissem a conclusão crucial que o ora Recorrente pretende tirar - de que houve um decréscimo acentuado na sua actividade mercê das alterações legislativas em causa – nenhuma prova havia a produzir para além da constante dos autos.
Pelo que se mostra acertada a decisão quer quanto à desnecessidade de mais prova quer quanto aos factos provados.
Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constante da decisão recorrida:
1. Em Dezembro de 2002 deu entrada na Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 35/IX, que autoriza o Governo a aprovar o novo regime jurídico do Notariado e a criar a Ordem dos Notários (documento n° 1 da contestação, fs. 828 e seguintes).
2. Em Dezembro de 2002 deu entrada na Assembleia da República projecto de Lei n.º 177/IX, cujo artigo 1° referia: "a presente lei estabelece as bases da reforma do serviço público de registo e do notariado e define o seu enquadramento geral no sistema de justiça" (documento n° 3 da contestação, fls. 942 e seguintes).
3. Foi elaborada "avaliação do processo legislativo relativo às iniciativas do governo e do PS e na sequência das audições parlamentares com os parceiros sociais" (documento n° 4 da contestação, fls. 951 e seguintes).
4. Em 22.01.2003 teve lugar a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de Lei n.º 35/IX e do Projecto de Lei n.º 177/IX, cujas actas se encontram publicadas no Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 77, de 23.01.2003 (documento n° 5 da contestação, fls. 963 e seguintes).
5. Com data de 03.07.2003 foi publicado no Diário da Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 35/X (documento 7 da contestação, fls. 1013 e seguintes).
6. Aquando da votação final global do texto apresentado pela lª Comissão relativamente ao PL 35/IX, foi proferida a declaração de voto de fls. 1015 (documento 8 da contestação) que aqui se dá como reproduzida.
7. Em 22 de Agosto foi publicada a Lei n° 49/2003 que autorizava o governo a aprovar um novo regime jurídico do notariado e a criar a Ordem dos Notários.
8. Em 04.02.2003 era publicado o DL n° 26/2004 que aprovou o Estatuto do notariado e o Decreto-Lei n° 27/2004, que criou a Ordem dos Notários e aprovou o respectivo estatuto.
9. Em 21 de Abril seguinte foi publicada a portaria n° 398/2004, que aprovou o Regulamento da Atribuição do título de Notário.
10. Em 15.07.1993 foi publicado o DL n° 255/93, com o que a compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, de prédio urbano ou fracção autónoma para habitação passava a poder ser feita por documento particular com reconhecimento de assinaturas.
11. No Programa do XIV governo constitucional preconizava-se:
"Reduzir o número de actos sujeitos a escritura pública, com substituição desta por declarações de responsabilidade de sociedade ou advogado, sujeitas a registo ou a outras formas de publicidade, reforçando os mecanismos de aplicação de sanções no caso de eventuais usos fraudulentos destas faculdades;
Desburocratizar o sistema de notariado, mediante a simplificação e redução do número de actos que carecem de certificação, incluindo a possibilidade da privatização de alguns actos [...]".
12. Durante o mandato desse XIV Governo foram publicados os diplomas de seguida, elencados:
- Decreto-Lei n° 36/2000, de 14.03, que altera o Código das Sociedades Comerciais e a Lei n." 4/73 de 04.06, regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 430/73, de 25.08 (regime do agrupamento complementar de empresas), dispensando de escritura pública os actos de (I) dissolução de sociedades, (II) ampliação das competências do secretário da sociedade e (III) constituição de sociedades unipessoais, bem como o (IV) contrato constitutivo do agrupamento complementar de empresas.
- Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22.04, que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 4-A/2000, de 13.04, altera o Regime do Arrendamento Urbano (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15.10), dispensando da escritura pública os arrendamentos sujeitos a registo, os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, o trespasse, a cessão de exploração e a cessão de posição de arrendatário.
- Decreto-Lei n° 237/2001, de 30.08, que altera o Código das Sociedades Comerciais dispensando de escritura pública o (I) penhor de participações sociais, a (II) transmissão de parte social, nas sociedades em nome colectivo, desde que não detenham bens imóveis, a (III) unificação de quotas e a (IV) partilha ou divisão de quotas entre contitulares.
- Decreto-Lei n° 28/2000 de 13.03, que confere a outras entidades que não apenas os notários a competência para a certificação de fotocópias.
13. Das "Bases Programáticas" do Partido Socialista, de 21.01.2005, referentes às eleições legislativas de 2005 (documento n.º 9 da contestação), constava o seguinte:
"No interesse conjunto dos cidadãos e das empresas, serão simplificados os controlos de natureza administrativa, eliminando-se actos e práticas registrais e notariais que não importem valor acrescentado e dificultem a vida do cidadão e da empresa (corno sucede com a sistemática duplicação de controlos notariais e registrais...".
14. A passagem supracitada passou a constar do programa do XVII Governo Constitucional (do Partido Socialista): documento n° 9 da contestação.
15. Este Governo levou a efeito um processo legislativo de desformalização de determinados actos a praticar no âmbito das sociedades comerciais, no quadro dos negócios jurídicos cujo objecto fosse bens imóveis e ainda nos processos relativos ao estado das pessoas, publicando entre outros:
- Decreto-Lei n.º 111/2005, de 08.07 ("Empresa na hora")
- Decreto-Lei n.º 125/2006, de 29.06 ("Empresa on line");
- Decreto-Lei n.º 76A/2006, de 29.03 ("Simplificação da prática de actos comerciais");
- Lei n.º 40/2007, de 24.08 ("Associação na hora");
- Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28.09 ("Balcão de sucessão e herança");
- Decreto-Lei n° 324/2007, de 28.09 ("Balcão de divórcio com partilha");
- Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23.07("Casa Pronta").
16. Todos estes procedimentos únicos são tramitados junto ou perante as conservatórias, sem necessidade de qualquer intervenção do notário.
17. Em 04.07.2008 foi publicado o Decreto-Lei n° 116/2008 que, no dizer do seu preâmbulo, aprovou "medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de actos e processos na área do registo predial e de actos notariais conexos, assim concretizando uma medida do programa SIMPLEX", designadamente alterando o artigo 80° do Código do Notariado o qual:
Tendo antes a seguinte redacção:
"1 _ Celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.
2 - Devem especialmente celebrar-se por escritura pública:
a) As justificações notariais;
b) Os actos que importem revogação, rectificação ou alteração de negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública, sem prejuízo do disposto nos artigos 221.º e 222.º do Código Civil;
c) Os actos de constituição, alteração e distrate de consignação de rendimentos e de fixação ou alteração de prestações mensais de alimentos, quando onerem coisas imóveis;
d) As habilitações de herdeiros e os actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado, de que façam parte coisas imóveis;
e) Os actos de constituição de sociedades comerciais, sociedades civis sob a forma comercial e sociedades civis, se essa for a forma exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade;
j) (Revogada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março);
g) Os actos de constituição de associações e de fundações, bem como os respectivos estatutos e suas alterações;
h) Os actos de constituição, de modificação e de distrate de hipotecas, a cessão destas ou do grau de prioridade do seu registo e a cessão ou penhor de créditos hipotecários;
i) (Revogada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março);
j) O contrato promessa de alienação ou oneração de coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo e o pacto de preferência respeitante a bens da mesma espécie, quando as partes lhes queiram atribuir eficácia real;
l) As divisões de coisa comum e as partilhas de patrimónios hereditários, societários ou outros patrimónios comuns de que façam parte coisas imóveis. "
Passou a ter a seguinte redacção:
1 - (revogado)
2 - 2 - Salvo disposição legal em contrário, devem especialmente celebrar-se por escritura pública:
a) As justificações notariais;
b) Os actos que importem revogação rectificação ou alteração de negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública, sem prejuízo do disposto nos artigos 221° e 222.° do Código Civil;
c) (Revogada);
d) As habilitações de herdeiros;
e) (Revogada);
f) (Revogada);
g) Os actos de constituição de associações e de fundações, bem como os respectivos estatutos, suas alterações e revogações;
h) (Revogada);
i) (Revogada);
j) (Revogada)
l) (Revogada.)”
18. O artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04.07, veio ainda especificar vários actos que passam a ser válidos se formalizados por documento particular autenticado, nos quais se incluem:
- a aquisição, a modificação, a divisão ou a extinção dos direitos de propriedade, do usufruto, do uso e habitação, da superfície ou da servidão sobre coisas imóveis;
- os actos de constituição, alteração e distrate de consignação de rendimentos e de fixação ou alteração de prestações mensais de alimentos, quando onerem coisas imóveis;
- os actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado, de que façam parte coisas imóveis;
- os actos de constituição e liquidação de sociedades civis, se esta for a forma exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade;
- os actos de constituição e de modificação de hipotecas, a cessão destas ou do grau de prioridade do seu registo e a cessão ou penhor de créditos hipotecários;
- as divisões de coisa comum e as partilhas de patrimónios hereditários, societários ou outros patrimónios comuns de que façam parte coisas imóveis;
- todos os demais actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação divisão ou extinção de direitos de propriedade de usufruto, de uso e habitação, de superfície ou de servidão sobre imóveis, para os quais a lei não preveja forma especial.
19. Em 01.10.2009 foi publicada a Portaria n° 1126/2009 que alargou o sobredito procedimento "casa pronta" a todo o tipo de prédios.
20. Por fim, através da Portaria n.º 67/2010, de 03.02, e da Portaria 1167/2010, de 10.11, aquele procedimento foi alargado aos negócios jurídicos de doação, permuta de prédios, constituição de propriedade horizontal, modificação do título constitutivo de propriedade horizontal, mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento, com hipoteca, com ou sem fiança.
21. Por força da Lei n° 29/2009, de 29.06, o processo de inventário foi "desjudicializado", passando a correr, em regra, no Notário estabelecido no concelho da abertura da herança.
22. O Decreto-Lei n.º 15/2011, de 25.01, veio consagrar novas áreas de actuação do notário prevendo:
- A sua intervenção em processos de mediação e arbitragem;
- A possibilidade de promover, em representação dos interessados, os registos necessários à protecção de propriedade industrial e praticar junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, INPI, I.P., todos os actos necessários para o efeito;
- Liquidar por via electrónica, a pedido do contribuinte e nos termos por este declarados, o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e outros impostos, tendo em conta os negócios jurídicos a celebrar ou celebrados, nos casos e nos termos a fixar por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça;
- Apresentar por via electrónica a pedido dos interessados e de acordo com as respectivas declarações, pedidos de alteração de morada fiscal do adquirente, de isenção de imposto municipal sobre imóveis relativo a habitação própria e permanente e de inscrição ou actualização de prédio urbano na matriz, nos termos a fixar em portaria;
- Apresentar por via electrónica, a pedido do contribuinte, e de acordo com as respectivas declarações, a participação a que se refere o artigo 26.° do Código do Imposto de Selo, nos termos a regulamentar igualmente por portaria.
- Transmitir por via electrónica o teor dos instrumentos públicos, registos e outros documentos que se achem arquivados no cartório a outros serviços públicos perante os quais tenham de fazer fé e receber os que lhe forem transmitidos, por esses serviços, nas mesmas condições.
*
IV - Enquadramento jurídico. O invocado erro manifesto de julgamento.
As questões colocadas nesta sede, foram igualmente apreciadas no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.04.2018, no processo 1757/11 LSB (Aveiro), mantendo-se a decisão proferida na 1ª Instância, de improcedência da acção, com fundamentos aos quais inteiramente se adere e que subscrevemos na íntegra:
«Como resulta desde logo das conclusões do Recurso precedentemente transcritas, as imputações feitas pela Recorrente mostram-se predominantemente conclusivas e genéricas.
Invoca-se, designadamente, que o Tribunal a quo terá incorrido em erro de julgamento da matéria de direito, ao considerar não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício.
Mais se refere que o DL n° 116/2008 de 04.07, veio esvaziar de conteúdo a essência da atividade notarial, introduzindo uma profunda alteração na redação do art.° 80° do CN, o que terá determinado que todos os atos que tradicionalmente eram da competência exclusiva dos notários, por via da celebração de escritura pública, estarão atualmente excluídos em decorrência da aplicação do referido normativo.
Terão ainda sido violados os artºs 53°, 58° e 61°, da CRP ao terem sido afetados os direitos da Recorrente a exercer a profissão de notária.
Mais se invoca que terá sido incentivada pelo Estado a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações introduzidas pelo referido Dec. Lei n° 116/2008, se não mostrará estável e sustentável, o que terá determinado a violação do princípio da confiança jurídica e das legítimas expetativas da recorrente.
Invoca-se ainda que em virtude da intervenção do Estado, a mesma terá determinado uma restrição anormal da atividade inerente à profissão de notário, o que terá tido como consequência ter sofrido uma redução drástica no número mensal de atos praticados e do volume de honorários cobrados, o que terá tido como consequência direta, a suposta verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, decorrente da função legislativa, facto indemnizável nos termos do art.° 16° da Lei n° 67/2007, de 31.12.
Diga-se desde já que se entende que a decisão recorrida se mostra adequada e suficientemente justificada e fundamentada, tanto mais, como se disse já, que as alegações de Recurso se mostram predominantemente conclusivas e genéricas.
Entendeu a decisão recorrida não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, desde logo, por que não estamos perante um ato legislativo ilícito e culposo;
Do mesmo modo inverificar-se-iam os pressupostos da indemnização pelo sacrifício, pois que, no caso, a Recorrente não dispunha de qualquer direito ou interesse legalmente protegido, cujo conteúdo substancial tivesse sido violado ou afetado suscetível de ser integrado na previsão do art.° 16°, da Lei n° 67/2007.
A conduta será ilícita na medida em que o sujeito podendo ter atuado corretamente, aja de forma diferente, violando direitos ou interesses legalmente protegidos.
A ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, centra-se não tanto no resultado mas na própria conduta que o gerou. Se uma conduta é proibida é porque ela é contrária ao ordenamento jurídico, o que obriga à adoção de uma determinada diligência para evitar a violação da respetiva norma.
A ilicitude radica precisamente na inobservância dessa diligência mediante a infração de uma norma, pelo que o ordenamento jurídico emite um juízo de reprovação sobre a conduta realizada, obrigando à reparação do dano. A apreciação da responsabilidade exige que a conduta lesiva reúna a nota de antijuridicidade pelo autor ter transgredido as regras de conduta ou cometido uma injustiça com a sua atuação.
No que toca ao pressuposto da culpa, exige-se que a conduta tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. A ilicitude é um elemento da responsabilidade civil por culpa, mas a realização de um facto ilícito não pressupõe automaticamente que o sujeito deva responder, sendo necessário que ele tenha agido com culpa.
Agir com culpa significa atuar em termos da conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. A conduta do lesante será reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Deste pressuposto da culpabilidade resulta que, em princípio, só está obrigado a indemnizar quem agiu com culpa, quem cometeu uma imprudência na sua forma de atuar. A doutrina jurídica tradicional inspirou-se totalmente no conceito de culpa, pelo que o autor de um dano só responde quando a sua atuação resulta de uma vontade de causar dano ou de negligência. O lesado só poderá ressarcir-se à custa de outrem quando os danos provindo de facto ilícito sejam imputáveis à conduta culposa de terceiro.
Verificada a situação em concreto, mostra-se que a conduta legislativa do Estado não preencheu os pressupostos da ilicitude e culpa nos termos explicitados.
Assim, não estão presentes os pressupostos de que a Lei n° 67/2007, de 31/12, faz depender a existência de responsabilidade civil extracontratual do Estado, seja a invocada responsabilidade civil pelo exercício da função político-legislativa nos termos do disposto no art.° 15°, seja a indemnização pelo sacrifício prevista no art.° 16°, invocada subsidiariamente.
Com efeito, refere o art.° 15°, n° 1, da Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro, que "O Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormais causados aos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos por atos que, no exercício da função político-legislativa, pratiquem, em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou o ato legislativo de valor reforçado".
Como requisitos cumulativos da existência de responsabilidade civil no âmbito do exercício da função político-legislativa, atende-se predominantemente na verificação de danos anormais causados aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, por atos que, no exercício da função político-legislativa sejam praticados em desconformidade com o direito aplicável.
Por outro lado, o n° 4 do referido normativo, consagra um regime especial de culpa, ao estabelecer que "a existência e a extensão da responsabilidade prevista nos números anteriores são determinadas atendendo às circunstâncias concretas de cada caso e, designadamente, ao grau de clareza e precisão da norma violada, ao tipo de inconstitucionalidade e ao facto de terem ou não sido adotadas ou omitidas diligências suscetíveis de evitar a situação de ilicitude".
Aqui chegados, e tal como concluído pelo Tribunal a quo, não se vislumbra qualquer ilicitude suscetível de merecer ser indemnizada nos termos do Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07, com base no qual a aqui Recorrente assenta o seu entendimento da verificação de responsabilidade civil por ato legislativo.
Tal como evidenciado na sentença recorrida, improcede toda a argumentação proferida pelos então Autores, a propósito da ilicitude, pois que se não reconhece que a publicação do Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07, possa diretamente ter afetado os direitos ao exercício da profissão de notário, em violação do art.° 53º; da CRP, conjugado com o estabelecido nos arts. 58.° e 61.°, n° 1, da mesma CRP, e em violação do princípio da confiança jurídica e das legítimas expetativas da Recorrente.
Mal seria que o Estado, mercê da privatização dos Notários tivesse ficado impedido de introduzir quaisquer alterações nas suas competências, mormente no que concerne à simplificação de procedimentos.
Como sublinhado pelo Tribunal a quo, não se vislumbra pois que o controvertido ato legislativo possa ter violado o princípio da proteção da confiança, nem que tenha contribuído para a violação dos direitos fundamentais ao trabalho (art.°. 58°, n° 1, do CRP) e à iniciativa privada (art.° 61°, da CRP), sendo que a simplificação dos atos notariais é uma decorrência da desejada e desejável modernização da administração, que não poderá ficar refém dos interesses de qualquer grupo funcional ou corporativo.
Como se afirmou sintomaticamente em Declaração de Voto, aquando da aprovação do controvertido diploma na AR, e tal como reproduzido no Facto HH) da matéria dada como provada:
"É, por isso, essencial que fique muito claro que não reconhecemos os direitos adquiridos ou, sequer, a expectativa legítima à manutenção do duplo controlo.
Quem, agora, optar pela privatização sabe que o monopólio legal tem os dias contados. Não poderá invocar desconhecimento ou alteração imprevista das circunstâncias.
O risco fica, desde já, e muito claramente, definido.
A desburocratização da sociedade e a competitividade da economia não ficarão presas aos interesses corporativos que a atual maioria serve e que uma próxima maioria revogará."
Não há, nem poderia haver qualquer norma que previsse a imutabilidade do regime notarial vigente, em face do que os seus profissionais, como quaisquer outros, terão de estar recetivos à inovação de meios e procedimentos.
O preâmbulo do diploma é desde logo clarificador dos pressupostos subjacentes à sua intenção, onde se afirmou, designada e legitimamente, que se aprovavam "medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de atos e processos na área do registo predial e de atos notariais conexos".
O referido, em qualquer caso, não determinou o esvaziamento das funções dos notários, tendo-lhe, aliás, sido afetadas atribuições acrescidas no âmbito, por exemplo, da desjudicialização dos inventários (cfr. Lei n° 29/2009, de 29.06).
Também o Decreto-Lei n° 15/2011, de 25/01, veio a consagrar acrescidas competências aos notários.
Em função de tudo quanto se esgrimiu na presente Ação, não se vislumbra em que medida o controvertido Decreto-Lei n° 116/2008 possa ter irremediavelmente afetado os direitos dos notários a exercerem a sua profissão, mormente em decorrência da violação dos art.° 53°, conjugado com o disposto nos arts. 58° e 61°, n° 1, todos da CRP, tanto mais que resultou de uma livre escolha dos seus titulares, sendo que, tal como afirmado pelo tribunal a quo, "o direito ao trabalho é um direito positivo perante o Estado e não um direito subjetivo a obter um concreto posto de trabalho".
Como se intui do que já foi aqui afirmado, o princípio da proteção da confiança, não é impeditivo da necessária e desejável evolução legislativa e da simplificação de procedimentos.
O princípio constitucional da proteção da confiança, trata-se de um princípio delimitador da liberdade de conformação do legislador, tendente a obstar à prática de atos que inesperada e arbitrariamente pudessem determinar a ofensa dos mínimos de segurança e de certeza dos regimes jurídicos com os quais os cidadãos podem contar, violação que aqui se não reconhece.
O controvertido Decreto-Lei n° 116/2008, limitou-se pois e designadamente a criar uma forma alternativa de titulação de atos sujeitos a registo predial (por documento particular autenticado) que também pode, para além do mais, ser realizada pelo notário (cfr. artigo 4.° n° 2, c) do Código do Notariado), cabendo, naturalmente, aos interessados escolher a forma de titulação que mais lhes convier.
Em função de tudo quanto ficou lapidarmente explicitado na sentença recorrida, que aqui se reafirma, é patente que o ato legislativo erigido em causa de pedir, não viola o princípio da proteção da confiança que decorre do artigo 2° da CRP, na medida em que as alterações introduzidas no regime vigente pelo DL, n° 116/2008 não tiveram a virtualidade de esvaziar o objeto da profissão de notário, sendo que o Legislador assegurou e garantiu medidas compensatórias para os notários constituídos.
Não se reconhece pois a verificação de qualquer conduta ilícita por parte do Estado, inexistindo igualmente e correspondentemente culpa, o que só por si inviabiliza a verificação da imputada responsabilidade civil,
Inexistindo desde logo alguns dos requisitos cumulativos (ato legislativo ilícito e culposo), sempre teria de improceder a presente Ação, tanto mais que a mesma assentou na suposta responsabilidade civil extracontratual do Estado por ato ilícito praticado no exercício da função político-legislativa, nos termos do art.° 15°, da Lei n° 67/2007, de 31/12, relativo à aprovação, publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07.
Acresce que se não vislumbram igualmente quaisquer danos anormais para os notários constituídos, em decorrência do Decreto-Lei n° 116/2008, o que aliás foi reconhecido na decisão recorrida.
No que concerne já relativamente à subsidiariamente peticionada indemnização pelo sacrifício, acompanha-se igualmente o entendimento adotado na decisão recorrida.
Com efeito, não se reconhece a verificação, para efeitos da previsão do invocado art.° 16°, da Lei 67/2007, de qualquer direito subjetivo ou interesse legalmente protegido suscetível de ser violado ou afetado por força da aplicação do Decreto-Lei n° 116/2008;
Como se afirmou na decisão recorrida, “quando da privatização da atividade notarial em 2004 não foi criado na esfera jurídica dos AA. nenhum interesse legalmente protegido quanto à sua posição estatutária no que se refere aos atos a praticar. Ou seja, não foi criado nenhum direito ou interesse legalmente protegido, no sentido de não se poder alterar os atos notariais que se iam praticando."
Mais se afirma que, "Aliás, sempre foi referido que teria de haver alterações no âmbito da simplificação e desformalização dos atos notariais. Assim sendo, os interesses que eventualmente foram criados são interesses simples, reflexamente protegidos, que representam vantagens genéricas para os notários, mas que não gozam de proteção jurídica".
Concluiu-se o referido raciocínio, afirmando-se que, "assim que no presente caso os AA. não dispõem de interesse legalmente protegido quanto à sua posição estatutária, no que se refere aos atos a praticar, pelo que não pode proceder a presente ação".
Sempre a Ação improcederia, mesmo no que respeita à responsabilidade pelo sacrifício por danos resultantes do exercício da função político-legislativa.
Com efeito, do disposto no n° 1 do artigo 15°, da Lei n° 67/2007, resulta que a responsabilidade civil por atos próprios da função político-legislativa se cinge àqueles atos que forem praticados "em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário, ou ato legislativo de valor reforçado", o que se não reconheceu, não competindo aos tribunais administrativos, em qualquer caso, intrometer-se na margem de livre conformação do legislador, o que desde logo ofenderia o princípio da separação de poderes (artigos 2° e 111° da CRP).
Não parece igualmente que a inserção sistemática do artigo 16° da Lei n° 67/2007, num capítulo separado daquele que versa sobre a responsabilidade por atos da função político-legislativa, pudesse significar que o legislador teria pretendido conferir transversalidade à responsabilidade pelo sacrifício, independentemente da função estadual em presença.
Mal se compreenderia que o artigo 16°, da Lei n° 67/2007, pudesse ser singelamente interpretado no sentido de admitir uma regra geral de admissibilidade de responsabilização civil do Estado por atos lícitos praticados no âmbito da função político-legislativa.
Em concreto, qualquer prejuízo que se verifique, não constituirá, no entanto, um prejuízo especial, no sentido que lhe vinha atribuindo genericamente pela jurisprudência administrativa.
Na realidade, a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, vem considerando como prejuízo especial aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa determinada, em função de uma específica posição relativa, sendo que a exigência da especialidade do dano decorre do princípio da igualdade (Cfr. Acórdão STA, de 21 de Janeiro de 2003, proc. 0990/02).
Concluindo, se é certo que o Decreto-lei n° 116/2008, de 04/07 eliminou o exclusivo relativamente a determinados atos de todos aqueles que exercem a profissão de notários, não visou, no entanto, pessoas determinadas e, muito menos, o aqui Recorrente.
Assim, tal como decidido em 1ª instância, não se reconhece que haja lugar a qualquer direito a indemnização decorrente da imposição de sacrifícios por razões de interesse público, em decorrência do art.° 16°, da Lei n° 67/2007, de 31/12.
Por outro lado, não se mostram igualmente preenchidos os requisitos cumulativos de uma pretensa responsabilidade civil extracontratual do Estado por ato ilícito praticado no exercício da função político-legislativa, nos termos do art.° 15°, da Lei n° 67/2007, de 31/12, relativo à aprovação, publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07.»
Com tais fundamentos não merece provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida de improcedência da ação de absolvição do Réu dos pedidos.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 25.01.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre