Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/03 - Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Vital Lopes
Descritores:CUSTOS
INDISPENSABILIDADE
MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo, a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade;
2. Assim, não é de afastar a aceitação fiscal de um custo contabilizado com ajudas de custo pela utilização de viatura própria unicamente pela circunstância de constar do imobilizado da sociedade um veículo automóvel que não está a ter qualquer utilização empresarial.
3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT);
4. Persistindo uma situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso.
5. A prova do erro ou excesso de quantificação ou da manifesta inadequação do critério de quantificação à realidade concreta do sujeito passivo, tem de ser positiva e concludente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

C…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações de IVA e IRC dos anos de 1995, 1996 e 1997 e respectivos juros compensatórios.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.274).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A recorrente fez duas Impugnações ora apensas, para anulação duas liquidações de IRC e juros, de 1995, 1996 e 1997 no total de 10.848,84€, e liquidações adicionais oficiosas de IVA e juros no valor total de 5.556.50€, dos mesmos anos e pelos mesmos factos consequentes de uma visita inspectiva e com recurso a métodos indirectos e correcções técnicas.


A recorrente colocou em crise, por falta de fundamentação o Relat dos SIT, que tinha existido duplicação dos proveitos nos anos de 1995 e 1996 para efeitos de quantificação do lucro tributável.

Havendo dupla tributação.


Existência de erro por no ano de 1996, para efeitos de quantificação por métodos indirectos adicionam a correcção técnica de 1.767,59€.


No Relatório não resulta que a contabilidade não merece credibilidade, porquanto sempre é referido “parece -nos” e nunca “temos a certeza”


A contabilidade está devidamente organizada, o volume de negócios foi o real declarado, e todo com o respectivo suporte documental como é referido no Relat.


Foi apresentada a reclamação do artigo 91° da LGT, alegando-se que da emissão de 2 cheques (ambos do mesmo valor 2.743,38€), o sócio não foi confrontado, oral ou por escrito, sobre a natureza desses pagamentos e foram para reembolso deste.


Existe erro quando os SIT desconsideram que um projecto de construção civil tem as especialidades de arquitectura, estabilidade e águas e esgotos


Quando a impugnante apenas intervém numa destas especialidade, não podem os SIT considerar como fosse num todo, sob pena de erro.

10º
O Relat tem vícios de fundamentação, por não conhecer da complexidade e o valor da obra em execução, aplicando um preço único, quer seja a garagens, barracões ou moradias e incorre em erro no procedimento quando,
11º
Não se pode considerar que todas as empresas do mesmo ramo prestam o mesmo tipo de serviço e têm a mesma capacidade técnica de trabalho e qualidade, com preços idênticos criando-se aleatoriamente uma tabela de preços
12°
Não se pode considerar que em 1995 se cobra o mesmo preço de 523,73€, tenha o valor da obra 3.651,20€ ou 56.426,00€

13°
Não se pode considerar que em 1996 se cobra o mesmo preço de 623,49€, tenha a obra o valor de 7.082,00€ ou 110.598,00€.

14°
Não se pode considerar que em 1997 se cobra o mesmo preço de 723,25€ tenha a obra o valor de 7.696,45€ ou de 19.556.50€.

15°
Não se pode considerar que os preços mínimos e máximos para um projecto de Construção civil tiveram condições para crescer entre 1995 e 1997 44.44% e 33.33%, respectivamente.

16°
A impugnante factura de acordo com o tipo de projecto realizado, não conforme o aleatoriamente considerado.

17º
Há projectos assinados pelo sócio, Eng.° J… realizados simultaneamente por outras entidades e projectos aonde não houve qualquer prestação de serviços
18°
A impugnante presta serviços a outras entidades que a subcontratam e os SIT não analisaram qualquer projecto tendo determinado a matéria colectável de uma fora aleatória

19º
Num projecto de Construção civil, dos três projectos que o integram, o que tem maior peso é o de Arquitectura (65%) seguido da Estabilidade (25%) e por fim águas e esgotos (10%).
20º
O principal serviço da impugnante é a assistência e a direcção técnica de obras, sendo a fase de arquitectura na maioria dos casos feita por outras entidades.
21°
Os preços praticados nesta actividade não são administrativos.

22°
Os preços tem as variantes de quantidade e complexidade, do valor da obra, da capacidade económica do cliente, oportunidade de negócio, da estratégia da concorrência, se é uma empresa conhecida (nova) ou não no mercado, se o projecto é uma reprodução (cópia) ou não, se se trata de uma reconstrução, remodelação, ampliação ou construção, se se trata de um cliente que angaria outros clientes, se se está a fazer um preço a cliente a pensar em obras futuras,

23°
Os SIT não equacionaram nenhum destes parâmetros para fixação dos métodos indirectos.

24°
Há situações de apenas a assinatura, como pequenos projectos, onde se cobram valores simbólicos e em muitos casos tiveram um carácter de gratuitidade, não existindo qualquer valor não facturado.

25°
O serviço só está concluído quando o mesmo projecto é aprovado pela Câmara Municipal e não quando dá entrada naquela, como foi considerado

26°
O serviço pode ser indeferido ou haver necessidade de introduzir alterações ao mesmo e só concluído definitivamente é facturado ao cliente,

27º
k) O projecto 145 foi facturado no ano de 1998
l) O projecto 329 idem
m) O projecto 82 idem
n) O projecto 278 idem
o) O projecto 279 idem
p) O projecto 259 idem
q) O projecto 267 foi facturado no ano de 1999
r) O projecto 256 foi facturado no ano de 1998
s) O projecto 190 idem
t) O projecto 130 idem
28°
São desconhecidos do impugnante os projectos n°s 65, 163, 281,149, e 57.

29°
Não existe intervenção na execução dos projectos n°s 39, 365, 91, 87, 224, 168, 191,

269.
30°
Na repetição do projecto original o preço a praticar é inferior, o que não aconteceu por banda dos SIT, nos Projectos 278 e 279.

31°
Reunidos os peritos da Fazenda Pública e da impugnante estes não chegaram a acordo.

32°
O Senhor Director de Finanças viria a reduzir os mesmos valores tributáveis para os anos de 1995, 1996 e 1997, para os montantes de 8.284,05€, 2.984.42€ e 10.413,58€, com o fundamento “que apesar de não haver acordo entre peritos” o perito da Fazenda Pública reconheceu existir alguma razão ao contribuinte.

33º
Se o sócio gerente da impugnante não tivesse efectuado 914,81€ de custos com deslocações os proveitos não aconteceriam.
34°
O recurso aos métodos indiciários não está fundamentado nos seus pressupostos.

35º
A utilização dos métodos Indiciários é “última ratio” dado vigorar o princípio da verdade da declaração do contribuinte.
36°
No 51° do CIRC vigora o princípio da taxatividade

37º
Os SIT não subsumiram a situação do contribuinte numas das situações elencados pelas mesmas disposições para poder utilizar estes métodos aleatórios, pelo imperativo constitucional da tributação pelo lucro real. Cfrt. Art° 104° da CRP
38°
O SIT indicam alguma factualidade que constituiriam indícios “parece-nos” como referem no RELAT, mas os factos para fundamentar tal recurso deveriam ser sem margem para dúvidas.

39°
Todos esses “factos indiciantes” foram explicados e justificados no nosso direito de audição e Reclamação e a pedido da senhora juiz.

40°
Pelo que todos os factos indiciantes apresentados pelos SIT e que são o suporte do seu recurso á determinação do lucro tributável pelos métodos indiciários, indirectos ou aleatórios são inteiramente imprestáveis para no sentido de objectivar a previsão legal de “uma demonstração sem margem para dúvidas” de que tenham sido praticados pela impugnante “omissões ou inexactidões no registo das declarações.

Neste sentido confrontar os doutos acórdãos do TCA Ano II n°s 1 e 2 páginas 300 e 288 e ano IV n° 2 página 314, publicados In Antologia de Acórdãos do TCA e STA, publicação Almedina.
41°
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e a senhora juiz por despacho de 2/07/2015, decidiu ainda complementar os autos com prova documental adicional, ordenando à impugnante para juntar facturação dos projectos 329/96, 82/97, 278/97, 279/97, 259/97, 267/97, 256/97, 190/97, e 130

42°
E, ao Município de Arganil para informar se a impugnante teve intervenção nos processos 65/95, 163/96, 281/96 57/97 e 149/97

43º
A Impugnante explicita processo por processo o seu grau de intervenção e junta a respectiva factura.
44°
Na sua resposta do Município, os seus ofícios ao Tribunal estão de acordo com o explicitado pela Impugnante e esta não litiga de má-fé
45º
A impugnante nos processos 169/95, 65/95, 163/96, 149/97, 57/97, não teve qualquer intervenção.

46°
A senhora juiz julgou as impugnações de IVA e IRC improcedentes porquanto, com todo o respeito e é sempre inquestionável, fez uma adesão prática e generalizada ao Relatório dos SIT

47º
A senhora Juiz desprezou em absoluto todas as explicações dadas pela impugnante, com suporte documental, não tendo tido uma análise crítica e assertiva dos mesmos, conforme era expectável
48°
Melhor andou a senhora Procuradora da República que numa análise crítica exarou parecer no sentido de procedência parcial das impugnações.

49º
A senhora juiz laborou no mesmo erro dos SIT, avaliando de igual modo projectos de barracões ou garagens com moradias, e julgando as intervenções como um todo
50º
a senhora juiz desconsiderou que um projecto de uma moradia tem outros subprojectos, designadamente arquitectura, estabilidade água e esgotos, cada um com o seu respectivo valor.
51°
À senhora juiz faltou-lhe a critica e ponderação pela razoes da experiencia comum para tratar o desigual de uma forma desigual e o igual de uma forma igual

52°
O procedimento pelo facto de sem acordo em reunião de peritos, ter sido dada razão parcial á impugnante, está ferido de nulidade insanável

61°
O relatório está inquinado com errada fundamentação e todos os factos tributários são dúbios.

62°
Os SIT para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos, deveriam ter fundamentado com uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte nos termos do artigo 90°/1/i da LGT


Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Exs., deve ser concedido provimento, revogando-se esta decisão, proferindo-se douto acórdão que julgue estas impugnações procedentes porque provadas, por conhecimento dos apontados vícios no procedimento, e se ordene a restituição dos impostos pagos acrescidos dos respectivos juros».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões da alegação apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC aplicável), o objecto do recurso reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não estarem as liquidações impugnadas inquinadas de ilegalidade por (i) erro nos pressupostos da correcção técnica de 1.767,59€ reportada ao exercício de 1996; (ii) erro nos pressupostos do recurso à avaliação indirecta e, (iii) erro nos pressupostos de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«i) De Facto

Atenta a prova produzida, com interesse para a decisão, julgo provados os seguintes factos:

A) A impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária que incidiu sobre IVA e IRS dos anos de 1995 a 1997, no âmbito da qual, em 18/04/2000, foi elaborado o relatório de fls. 2 a 11 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(…)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 – IRC
Depois de solicitados todos os elementos de escrita dos anos em análise, constatamos que os valores que constam das respectivas declarações modelo 22 dos anos em análise têm suporte documental e dizem respeito à referida firma.
No entanto, existem algumas correcções a fazer:
Correcções aos fornecimentos e serviços externos – conta 62
Ano de 1996
Neste ano a respectiva firma contabilizou como custo do exercício a:
- factura nº 1762 respeitante a uma cadeira de gabinete no montante de 57.393$
- recibo n.º 113.008 de um telemóvel no valor de 113.573$.
Porque estes bens, nos termos do artº 27º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pertencem ao activo da empresa, ficando pois sujeitos a deperecimento, deveriam ser contabilizados na conta 42, formando custo a respectiva amortização. Assim, deve o valor de 170.966$00 (57.393$ + 113.573$), ser acrescido no Quadro 17 da Declaração mod. 22 de IRC.
Ainda no mesmo ano verificamos terem sido contabilizadas no mês de Dezembro, ajudas de custo no montante de 183.404$00, respeitante a deslocações feitas ao longo do ano no carro próprio do sujeito passivo J….
Porque do imobilizado da respectiva sociedade faz parte um veículo automóvel, e uma vez que não existe qualquer justificação para que o mesmo não fosse utilizado, atento o facto da respectiva firma não ter nenhum empregado ao serviço nem a sócia C… ali exercer funções que exigissem a necessidade de utilização daquela viatura, não se justifica considerar estes custos para a realização dos proveitos, devendo os mesmos ser acrescidos ao Quadro 17 da declaração mod. 22 de IRC.

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1 – Dos elementos que constam nas respectivas modelos 22 fizemos uma análise dinâmica da evolução da actividade nomeadamente às rúbricas: Serviços Prestados e Fornecimentos e Serviços Externos tendo-se constatado uma evolução algo desajustada entre ambos os montantes. O rácio F.S.E./Serv.Prest. apresenta o valor de 30,4% em 1995, 55,69% em 1997, chegando mesmo a verificar-se no ano de 1996 para 1997 uma diminuição dos serviços prestados e um aumento dos custos e fornecimentos externos, como se pode verificar no quadro abaixo:
(…)
2 - Da análise à conta “Caixa” constatamos não existir qualquer controlo interno, e, da contabilidade, foi possível verificar a existência de cheques emitidos pela firma em análise, à ordem do sócio gerente J… com o movimento contabilístico de débito na conta “Caixa” por crédito da conta “Depósitos à Ordem”, conforme o ilustra os exemplos abaixo indicados:
- documento nº 18 de Janeiro de 1996 – cheque emitido a favor do sócio gerente no valor de 550.000$;
- documento nº 21 de Março do mesmo ano – cheque emitido a favor do seu sócio gerente no valor de 550.000$.
Este facto parece-nos estranho se se atender à falta de necessidade de uma conta Caixa ter valores tão elevados. Repare-se que as despesas correntes que necessitam de ser pagas pela conta “Caixa” em dinheiro vivo constam da conta “Fornecimentos e Serviços Externos” e esta evidencia um movimento anual que de forma nenhuma necessita de saldos de caixa semelhantes aos que ali constam conforme se pode verificar.
Ano de 1995
CONTAS
Caixa – saldo devedor em Dezembro igual a 1.268.335$;
Fornecimentos e Serviços Externos – saldo anual de 626.689$ o que representa em termos genéricos despesas mensais de 52.224$.

Ano de 1996
Caixa – saldo devedor em Dezembro igual a 838.122$
Fornecimento e Serviços Externos – saldo anual de 1.618.827$ e que à semelhança do ano anterior traduz despesas mensais de 134.902$.

Ano de 1997
Caixa - saldo devedor em Dezembro igual a 1.251.222$
Fornecimentos e Serviços Externos - saldo anual de 1.877.707$ representeando de igual forma, despesas mensais de 156.476$.

Atendendo à actividade da respectiva firma e à existência da conta “Depósitos à Ordem”, de forma alguma se justificam os saldos que constam da conta “Caixa” que permitem fazer face a vários meses de despesas correntes.
Desta sorte parece-nos daqui resultar que a emissão de cheques pela firma ao sócio gerente J… que a contabilidade traduz com o débito da conta “Caixa” por crédito da conta “Depósitos à Ordem”, não são mais do que retiradas da firma pela respectivo sócio. De outra forma não encontramos justificação para tais transferências atento o facto de ambas representarem pagamentos disponíveis e de, não existir efectivamente uma caixa física, conforme nos referiu o sócio gerente supra referido, com destino a servir de depósito daquelas importâncias.

3 – As incoerências então encontradas justificam uma análise mais exaustiva pelo que se decidiu fazer um levantamento geral dos projectos de construção civil apresentados nos anos de 1995 a 1997 em nome do sócio gerente Engº J… nos concelhos de Arganil e Tábua, locais onde predominantemente a firma exerce a sua actividade. Desse levantamento se ficou a saber que os projectos que ali deram entrada foram os que constam do ANEXO 1.
Apurados que foram esses projectos, impunha-se fazer a sua reconciliação com as respectivas facturas emitidas. Dessa reconciliação foi apurado que alguns não foram facturados ou então foram-no por valores muito baixos, atento o valor praticado na região por outros profissionais do ramo em projectos semelhantes.
Então, se tivermos em conta que as facturas deverão ser emitidas o mais tardar até ao 5º dia útil seguinte ao do momento da realização da prestação de serviço (artº 35º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado - CIVA) se conclui existirem omissões de proveitos que é necessário quantificar.

4 – Ainda dessa reconciliação se apurou que os projectos de estabilidade facturados à firma V… Ldª – Gabinete de Projectos e Estudos, existem facturas de custos pela mesma prestação de serviços emitidas pela firma P... –Engenharia e Consultadoria Ldª a esta empresa (C…) que representam aproximadamente 85% daqueles proveitos.
Refira-se que o sócio gerente J… é também sócio gerente e único engenheiro civil daquela sociedade, pelo que, sendo ele o único profissional quer numa quer noutra empresa, responsável por estes projectos, não existe qualquer razão que justifique o recurso aos serviços daquela firma P... – Engenharia e Consultadoria Ldª. Parece-nos pois, estar em presença da intenção de imputar aqueles 85% de proveitos á firma P... uma vez que os prejuízos que a mesma vem apresentando, servem para absorver aqueles proveitos, furtando-se dessa forma à respectiva tributação.

5 – Por estes factos se verifica existirem motivos seguros de inexactidões no registo das operações contabilísticas, não sendo possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Assim, estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos previstos no artº 51º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), alínea b) do artº 87º e al. c) do artº 88º ambos da Lei Geral Tributária (LGT).

V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1 – IRC
Do referido no item anterior, verifica-se existirem irregularidades pela falta ou emissão por defeito, em valor, de facturas respeitantes a serviços prestados com os projectos de construção civil que é necessário quantificar.
Conhecidos que são os serviços prestados com projectos de construção civil nos concelhos de Arganil e Tábua, resta agora saber quais os valores praticados para cada tipo de serviço.
Das várias pesquisas feitas junto a outros profissionais do mesmo ramo naquela área, verificamos que os preços praticados variam entre mínimos e máximos conforme tabela que segue:
Ano
MORADIAS
(constr. e reconstr.)
GARAGENS/ANEXOS
BARRACÕES ou
AMPLIAÇÃO DE MORADIAS
Blocos/Fracções
1995
90.000$ e 120.000$
50.000$00 e 70.000$
70.000$ e 80.000$
1996
110.000$ e 140.000$
60.000$ e 80.000$
80.000$ e 90.000$
1997
130.000$ e 160.000$
70.000$ e 90.000$
90.000$ e 100.000$

O valor que iremos considerar ter sido praticado pela firma objecto em análise será o valor médio da tabela antes indicada.
Refira-se ainda que, em relação a alguns projectos não foi emitida factura conforme o exige o artº 35º do CIVA.

QUANTIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS OMITIDOS
Conforme consta do ANEXO 1 foram apurados os valores omitidos de :
1995 – 1.545.718$00
1996 – 2.752.565$00
1997 – 3.052.085$00

2 – IVA
Das correcções com recurso a métodos indirectos anteriormente feitas e tendo como fundamento:
1º - Inexactidões no registo das operações e indícios seguros de que os livros de registo não reflectem de forma verdadeira e apropriada o volume de negócios, (cfr. Itens IV)
2º - Diversos serviços prestados sem emissão de factura (cfr. Itens IV)
Vamos proceder ao apuramento dos valores omitidos nos termos dos artºs 82º e 84º do CIVA:
(…)
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(…)
Analisada a petição, constatamos que a mesma não contraria em nada o Projecto de Relatório, excepção feita a alguns projectos de ampliação de moradias, que não foram valorizados de acordo com a tabela indicada no item V, e que se resumem a:
Projecto 312, “Francisco Diogo Marques”, 142 e 216 do ano de 1995;
Projecto 353 do ano de 1996;
Projecto 110 do ano de 1997, agora corrigidos.
Contudo, na argumentação que o sujeito passivo utiliza, cabe prestar os seguintes esclarecimentos:
Quando refere que se impôs a prática de preços máximos da tabela, o mesmo não corresponde à verdade, conforme ponto 1 do item V do relatório.
A tabela que consta do item V do relatório, porque varia entre valores mínimos e máximos praticados em cada tipo de projecto, consubstancia por esse facto as respectivas diferenças de valorização por estimativa de obra, contrariando assim a argumentação utilizada nos itens xii, xiii e xiv do ponto 3.
Durante o período de fiscalização, foi facultado ao contribuinte a relação dos projectos que constam do anexo 1 do relatório para que o mesmo identificasse, quais os intervenientes nos mesmos, o que veio a ser feito, conforme se demonstra a fls 4 do anexo 1 e anexo 2, composto de 7 folhas a título exemplificativo.
Argumenta o sujeito passivo haver gratuitidade na prestação de alguns serviços.
Em conformidade com a al. b) do nº 2 do artº 4º e al. c) do nº 2 do artº 16º, ambos do Código sobre o Valor Acrescentado (CIVA), deveria o sujeito passivo emitir a respectiva factura pelo valor normal do serviço.
Vem ainda referir que só considerar concluído o projecto na data de deferimento pela respectiva Câmara.
Parece-nos no entanto este ser um procedimento errado, pelo facto da al. b) do nº 1 do artº 7º do CIVA, considerar o serviço prestado no momento da sua realização, entendendo-se como tal a data da apresentação do mesmo na respectiva Câmara, isto porque, caso o mesmo seja indeferido, já contém uma carga de custos (Recursos Humanos e Materiais) que é necessário ressarcir.
Quanto ao referido no ponto 25, e de acordo com o nº 1 do artº 35º do CIVA, deveriam os projectos aí mencionados, ser facturados até ao 5º dia útil seguinte ao da realização dos mesmos.
Não obstante o indicado no ponto 26, os projectos números 65/95, 163 e 281/96 e 149 e 57/97, constam na Câmara Municipal de Arganil, tendo como empresa responsável C…, Lda.
Em relação ao indicado no ponto 27, onde se refere que o contribuinte não teve intervenção nos projectos aí indicados, refira-se a título de exemplo o projecto nº 93/95, que é indicado como pertencente à firma P... – Engenharia e Consultadoria, Lda, quando esta apenas iniciou a actividade em 1 de Maio de 1996.».

B) A impugnante deduziu reclamação para a Comissão de Revisão, nos termos do Art. 91.º da LGT, conforme requerimento de fls. 23 a 26 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido.

C) Reunidos os peritos, não foi alcançado acordo, como se infere do teor das Atas n.º 058/LGT, 058-A/LGT e 058-B/LGT, de fls. 29 a 32 do p.a.

D) Os vogais da contribuinte e da Fazenda Pública elaboraram os Laudos, respetivamente, de fls. 33 e 34 a 37 do p.a., que igualmente se dão aqui por reproduzidos, destacando-se do laudo do perito da Fazenda Pública o seguinte:

«(…)
A proposta apresentada pelo perito da Fazenda Pública assentava nos seguintes pressupostos:
Retirar da tributação todos os processos quês e encontram contabilizados em anos seguintes ( ponto 14º da reclamação);
Dos processos relacionados no ponto 15º da reclamação como desconhecidos pelo contribuinte, anular a tributação dos nºs 65/95 e 57/97 já que não foi determinada nenhuma relação com a empresa e o processo nº 149/97 apresentado e licenciado pela firma P...:
Manter a tributação dos processos n.º 163 e 281 ambos de 1996 (…)
Anular a tributação dos projectos nºs 437/95 e 142/95, elaborados para clientes com pagamento de avenças.
Anular a tributação de todos os processos referenciados no ponto 16º da reclamação excepto quanto aos projectos nºs 39 (a empresa P... não exercia actividade em 1995) e 169 que entrou na Câmara em nome da C…. (…).
(…)
Assim, as correcções propostas, ao volume de negócios fixado, pelo perito da Fazenda Pública ascendem ais seguintes montantes:
1995: …………………………………………… 375.000$00, referente à anulação dos processos nºs 65, 142, 380 e 437.

1996: …………………………………………… 695.000$00, referente à anulação dos processos nºs 145, 365, 91, 329, 323 e 174

1997: …………………………………………… 1.920.000$00, referente à anulação dos processos nºs 82, 87, 149, 224, 259, 267, 278, 279, 57, 168, 191, 130, 190, 269 e 256.

Do exposto, o acréscimo ao volume de negócios declarado seria de :
1995:-------------------------- Esc. 1.170.718$00
1996: ------------------------- Esc. 2.057.565$00
1997: ------------------------- Esc. 1.132.085$00
(…)
Face ao que precede o perito da Fazenda Pública emite a opinião no sentido de ser reduzido o lucro tributável de I.R.C. para Esc: 1.660.803$00, Esc. 2.984.428$00 e Esc. 2.087.737$00 para os exercícios de 1995, 1996 e 1997.
Para efeitos de I.V.A. a liquidar adicionalmente, os valores serão:
1995 ----------------------- 199.022$00
1996 ----------------------- 349.786$00
1997 ----------------------- 192.454$00
(…)».

E) O Exm.º Diretor de Finanças proferiu o Despacho n.º 20/2000, de fls. 25 a 26, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(…)
Na sua reclamação o contribuinte acaba por solicitar a anulação das fixações, mantendo os valores declarados.
No seu laudo o perito do contribuinte remete para a reclamação apresentada.
O perito da Administração Fiscal diz que não foi possível estabelecer acordo, mas reconhece alguma razão ao contribuinte reclamante, num laudo bem fundamentado.
Nestes termos, e tendo em conta o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, a reclamação do contribuinte e os laudos apresentados por ambos os peritos, fixo os lucros tributáveis para os anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente em 1.660.803$00 (…), 2.984.428$00 (…) e 2.087.737$00 (…).
Fixo também o IVA considerado em falta para cada um dos anos de 1995, 1996 e 1997, respectivamente em 199.022$00 (…), 349.786$00 (…) e de 192.454$00 (…).
As fixações, tanto do lucro tributável para efeitos de liquidações de IRC, como do IVA considerado em falta, são efectuadas de harmonia com o laudo do perito da Administração Fiscal, bem como da sua fundamentação.
(…)».

F) Consequentemente foram emitidas em nome da impugnante as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes aos de 1995, 1996 e 1997, de fls. 8 a 22 dos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas, perfazendo o valor global de 5.556,58€.

G) As liquidações de IVA aludidas no ponto anterior foram pagas no dia 27/12/2002, conforme guia de pagamento de fls. 73, que também se dá aqui por reproduzida.

H) Também em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios n.º 8310013932, 8310015624 e 8310015625, respeitantes aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, nas quais se apurou o valor global a pagar de 10.848,84€ - cfr. liquidações de fls. 8 a 10 da impugnação apensa.

I) As liquidações identificadas na alínea antecedente foram pagas no dia 27/12/2002, conforme prints de fls. 85, 86 e 87 do processo de impugnação apenso, que se dão por integralmente reproduzidos.

J) O sócio gerente da impugnante assinou, ao serviço desta firma, o termo de responsabilidade dos projetos de especialidade que constam do processo de obras n.º 163/1996 – cfr. informação de fls. 198 a 199 dos presentes autos.

K) O sócio gerente da impugnante assinou, ao serviço desta firma, o projeto de arquitetura do processo de obras n.º 281/1996 – cfr. informação de fls. 198 a 199 dos presentes autos.

L) Nos anos aqui em causa a sociedade impugnante não tinha uma tabela de preços, sendo estes fixados um função do valor do projeto e do número de horas de trabalho – facto declarado pelo sócio gerente da impugnante e referido pela testemunha António Virgílio Dinis dos Santos.
*
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, bem como no teor do depoimento das testemunhas ali identificadas que se revelaram coerentes entre si e credíveis.
**
Com interesse para a decisão, não se provou que:
a) O sócio gerente da sociedade impugnante tinha necessidade de utilizar a sua viatura própria ao serviço da sociedade impugnante.
b) Nos exercícios de 1995, 1996 e 1997 a sociedade impugnante tinha colaboradores.
c) A impugnante presta principalmente serviços de assistência e direção técnica de obras relegando noutra entidade a execução de projetos.
d) Há projetos assinados pelo sócio gerente da impugnante que não correspondem a serviços prestados.
e) A impugnante prestava serviços a outras entidades que a subcontratavam.
f) Nos anos de 1995 a 1997 a impugnante prestou serviços gratuitamente.
g) O projeto n.º 303 do ano de 1995 não implicou qualquer “reconstrução”.
h) O valor efetivamente cobrado pelo projeto de “Francisco Diogo Marques”, de 1995, foi diferente de 60.000$00.
i) A impugnante não teve qualquer intervenção nos projetos n.º 39 e 269.
*
Relativamente aos factos não provados:
Quanto à matéria das alíneas a) e b), o sócio gerente da sociedade impugnante apenas referiu, em declarações de parte, não se recordar porque razão não era utilizado o carro do imobilizado. Mais declarou que a empresa tinha dois colaboradores, R… e L…, porém, não resulta claro que tais colaboradores já prestavam a sua atividade para a impugnante nos anos aqui relevantes de 1995, 1996 e 1997, sendo certo que no relatório inspetivo se refere exatamente o contrário («Porque do imobilizado faz parte um veículo automóvel, e uma vez que não existe qualquer justificação para que o mesmo não fosse utilizado, atento o facto da respectiva firma não ter nenhum empregado ao serviço (…)»).
Relativamente aos factos das alíneas c), d), e), f), g) e h) não foi produzida qualquer prova».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Começa a impugnante por contestar a correcção técnica de 1.767,59€, reportada ao exercício de 1996, que a sentença validou.

Essas correcções técnicas, tal como se extrai dos autos e do probatório, referem-se, por um lado, à incorrecta contabilização como custo do exercício das verbas correspondentes à aquisição de uma cadeira de gabinete e de um telemóvel e, por outro lado, à contabilização como ajudas de custo do montante de 183.404$00, respeitante a deslocações do sócio-gerente J… em viatura própria.

Só esta última correcção técnica foi contestada pela impugnante, em sede de IRC, como se alcança do art.º13.º da p.i. do apensado processo 20/2003.

A correcção fiscal do custo contabilizado a título de ajudas de custo teve lugar, como se explica no RIT (fls.5 do apenso PA), «porque do imobilizado da respectiva sociedade faz parte um veículo automóvel, e uma vez que não existe qualquer justificação para que o mesmo não fosse utilizado, atento o facto da respectiva firma não ter nenhum empregado ao serviço nem a sócia C… ali exercer funções que exigissem a necessidade de utilização daquela viatura, não se justifica considerar estes custos para a realização dos respectivos proveitos, devendo os mesmos ser acrescidos ao Quadro 17 da declaração mod.22 de IRC».

Nesta matéria, dispõe o n.º1 do art.º23.º do CIRC, que consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora.

No caso, não está em causa a existência do custo contabilizado como ajudas de custo, mas sim saber se esse custo contabilístico preenche as características que o tonam subsumível ao conceito legal de custo fiscal.

Neste ponto e como refere Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina 2007, a págs.85, «os sujeitos passivos são livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e montante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica», sendo que um custo não deixa de o ser «pelo facto de numa avaliação a posteriori, se revelar inútil e ineficaz, ou simplesmente excessivo na óptica dos interesses fazendários»; como é de rejeitar a posição que recusa a relevância fiscal do custo quando não seja possível «estabelecer uma correlação directa com a obtenção de concretos proveitos» ou que afasta os custos «resultantes de “erros” de gestão ou, tão-só de meras inflexões na orientação da empresa».

Como salienta o referido Autor, o que importa é surpreender a motivação empresarial do gasto, sendo que «quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então, tal custo não deve ser havido por indispensável».

Não é diferente o entendimento da jurisprudência. Como se deixou consignado no Ac. do STA, de 24/09/2014, tirado no proc.º 0779/12, «No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (…), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)».

Como se sabe, as declarações, bem como os dados da contabilidade e escrita do contribuinte presumem-se verdadeiros quando estejam organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal – n.º1 do art.º75.º da LGT.

No entanto, como decorre da alínea a) do n.º2 daquele art.º75.º da LGT, essa presunção de veracidade cessa, nomeadamente, quando «as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo».

Pois bem, para afastar a aceitação fiscal do custo contabilizado com ajudas de custo pela utilização de viatura própria, a AT limita-se a referir que o imobilizado da empresa incluía um veículo automóvel.

Ora, isso pode contender com a oportunidade ou conveniência gestionária do encargo assumido mas não afasta per se a motivação ou interesse empresarial do gasto, salientando-se que a AT nenhum facto refere que permita concluir que o encargo com as ajudas de custo foi assumido pela impugnante no interesse pessoal do seu sócio-gerente e não no interesse social (no fundo, que as deslocações não foram feitas ao serviço da empresa mas determinadas por motivações não relacionadas com a actividade empresarial), que era aquilo que verdadeiramente importava averiguar em sede de indispensabilidade do custo, com o alcance doutrinário e jurisprudencial acima referidos.

Note-se que em vista da fundamentação expendida pela AT, não é posta em causa fundadamente (art.º75.º, n.º2 alínea a), da LGT) a racionalidade económica do gasto, mas apenas a sua oportunidade ou conveniência e só naquela primeira situação se justificaria a inversão do ónus da prova, ou seja, onerar o contribuinte com a alegação e prova dos factos que rodearam a tomada de decisão de que resultou um custo para a empresa, em termos de evidenciar a sua necessidade ou interesse empresarial em concreto. Na verdade, não está aqui em causa a utilização de um veículo pesado, de características incompatíveis com a actividade empresarial de consultadoria e projecto, nem nada do género, mas sim a mera opção pela utilização de viatura própria.

Assim, com a fundamentação externada no RIT a correcção fiscal do custo contabilizado no exercício de 1996 com ajudas de custo não pode manter-se na ordem jurídica, estando a subsequente liquidação de IRC, na parte nela assente, inquinada de vício de lei por erro nos pressupostos.

A sentença recorrida, que diferentemente decidiu, impondo ao contribuinte o ónus da prova dos factos que justificam a necessidade ou o objectivo interesse empresarial do gasto incorrido com as ajudas de custo contabilizadas e contra ele valorando a ausência dessa prova, incorreu em erro de julgamento, não podendo o julgado manter-se neste segmento.

Passando ao conhecimento das restantes questões suscitadas, invoca a impugnante erro nos pressupostos do recurso à avaliação indirecta. Vejamos.

É clara a preferência do legislador pela avaliação directa, só podendo recorrer-se à avaliação indirecta nos casos em que a matéria tributável não possa ser avaliada ou calculada com base nos elementos da contabilidade e escrita do sujeito passivo ou de terceiros com ele relacionados – art.º85.º, n.º1, da LGT.

As situações excepcionais que podem determinar o recurso à avaliação indirecta estão elencadas no art.º87.º da LGT, prevendo a sua alínea b) como uma dessas situações, “a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável de qualquer imposto”.

E como decorre do disposto no art.º88.º da LGT, essa impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos pode resultar, nomeadamente, de erros e inexactidões no registo das operações contabilísticas quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável, nos termos da alínea c), a que se faz apelo no RIT (cf. fls. 7 do PA).

Percorrendo o RIT (transcrito, por extracto, no probatório), logo se apreende o essencial dos factos que a AT subsumiu a erros e inexactidões no registo das operações contabilísticas, a saber:
i. Aumento acentuado entre 1995 e 1997 dos rácios entre os serviços prestados e os fornecimentos de serviços (30,4%, 39,14% e 55,69%);
ii. Conta caixa com valores excessivos face a despesas correntes e saídas de valores a favor do sócio-gerente J…;
iii. Os projectos camarários entrados nos municípios da Tábua e Arganil entre 1995 e 1997 (conforme anexo 1) não conciliam com os projectos facturados ou as facturas apresentam valores muito baixos comparativamente aos apresentados por outros profissionais do ramo em projectos semelhantes.

Os factos descritos, com destaque para o referido em iii), suportam objectivamente e prima facie a conclusão de que a contabilidade do sujeito passivo não merece crédito, não reflectindo a totalidade das operações tributáveis.

Mas se assim é, necessariamente fica comprometida a possibilidade de determinação da matéria tributável com base na contabilidade, ou seja, dela não se podem extrair ou reconstituir os elementos em falta, ficando legitimado o recurso ao método indirecto de avaliação.

Não pode pois dizer-se, como pretende a impugnante, que a decisão de recurso a métodos indirectos não está fundamentada. A decisão contém a fundamentação formal exigida pelo n.º4 do art.º77.º da LGT e, materialmente, está apoiada em indicadores factuais sólidos, consistentes e credíveis da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
É certo que em sede de procedimento de revisão, a impugnante logrou demonstrar que determinados projectos entrados nas câmaras municipais da Tábua e Arganil e constantes do anexo 1 ao RIT como não facturados pela impugnante, não lhe podiam ser atribuídos ou foram efectivamente facturados mas em exercícios seguintes, tendo a AT expurgado das correcções os projectos indevidamente considerados.

Todavia, essa prova não compromete a decisão de recurso à avaliação indirecta pois subsistem situações não esclarecidas de projectos entrados nas câmaras e não facturados pela impugnante, para além das outras situações cujo valor facturado se apresenta excessivamente baixo comparativamente aos valores facturados por outros profissionais do ramo em projectos semelhantes.

Em sede de impugnação judicial nada resultou demonstrado a propósito como se alcança do probatório, pelo que impõe-se concluir que a decisão correctiva e a subsequente escolha do método indirecto de avaliação na determinação da matéria tributável não estão inquinadas de vício de forma, nem de erro nos pressupostos factuais, como alega a Recorrente.

Refere a impugnante (Conclusão 52) que o procedimento de revisão está ferido de nulidade insanável na medida em que foram alterados os valores propostos pela fiscalização sem acordo na reunião dos peritos.

Dispõe o art.º92.º da LGT, no segmento pertinente:

«1 - O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

2 – (…).

3 - Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.

4 - O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.

5 – (…).

6 - Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.

7 - Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.

8 – (…)».

Regressando ao caso em apreço, documentam os autos que na falta de acordo entre os peritos do contribuinte e da AT, o Sr. Director de Finanças fixou a matéria tributável do IRC e do IVA por despacho, remetendo expressamente para a fundamentação vertida no laudo do perito da Administração tributária – cf. despacho 20/2000, de 30/10/2000, a fls.25 dos autos e actas e laudos constantes de fls.31 a 37 do PA.

Não descortinamos qualquer vício nos actos ou no formalismo do procedimento de revisão, muito menos a censurar com a sanção mais grave da nulidade insanável, os quais se limitaram a seguir o prescrito na lei e, nomeadamente, o previsto no n.º6 do art.º92.º da LGT.

Neste ponto, também falece razão à Recorrente.

Vimos já que a AT demonstrou a verificação dos pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos.

A Recorrente põe também em causa a quantificação da matéria tributável.

Dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT, em matéria de repartição do ónus da prova que «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

Como se salienta no Ac. do STA, de 16/11/2011, proferido no proc.º0247/11, «De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT)».

Por outro lado e como se escreveu no Ac. daquele alto tribunal de 17/03/2010, tirado no proc.º01211/09, «Persistindo a situação de "non liquet" quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso, nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo».

Ou seja, a prova do erro ou excesso de quantificação tem de ser positiva e concludente.

Em sede de impugnação judicial e como se extrai do probatório, nada se provou a respeito do erro ou excesso de quantificação ou da manifesta inadequação do critério de quantificação da matéria tributável à realidade do contribuinte (às condições concretas em que ele exerce a actividade), nomeadamente, não se provou que a impugnante presta principalmente serviços de assistência e direcção técnica de obras relegando noutra entidade a execução de projectos; que há projectos assinados pelo sócio-gerente da impugnante que não correspondem a serviços prestados; que a impugnante prestava serviços a outras entidades que a subcontratavam; que nos anos em causa de 1995 a 1997 a impugnante prestou serviços gratuitamente; que o projecto n.º303 do ano de 1995 não implicou qualquer “reconstrução”; que o valor efectivamente cobrado pelo projecto de “Francisco Diogo Marques”, de 1995, foi diferente de 60.000$00; que a impugnante não teve qualquer intervenção nos projectos n.ºs 39 e 269.

Com efeito, percorrendo o corpo alegatório e as conclusões do recurso, fica a impressão de que a Recorrente se preocupou mais em atacar os pressupostos das liquidações de IRC e IVA impugnadas, quando o decisivo era atacar os pressupostos da sentença e, em particular, não concordando com a decisão relativa à matéria de facto, por indevida valoração da prova, impugná-la eficazmente, isto é, com observância do ónus imposto no art.º640.º do CPC.

Não tendo impugnado eficazmente a decisão relativa à matéria de facto, as alegações da Recorrente quanto ao excesso de quantificação resultam insubstanciadas, não se alicerçam em factos concretos e assentes ou elementos de prova que este tribunal possa valorar diferentemente da sentença recorrida.

Este segmento do recurso também não logra procedência.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
i. Conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que validou a correcção técnica do encargo contabilizado pela impugnante como ajudas de custo no exercício de 1996 e anular a liquidação de IRC/96 na parte assente nessa correcção;
ii. No mais, negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente na proporção do decaimento.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro