Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00192/13.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/02/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CAUSA PREJUDICIAL; SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA; PREJUÍZOS COM A SUSPENSÃO; PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS; PARTE FINAL DO N.º2 DO ARTIGO 272º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA PELO RECURSO.
Sumário:1. Existe relação de prejudicialidade entre as acções tributárias em que se pede a declaração de invalidade de liquidações e uma acção, de contencioso administrativo, em que se pede o reconhecimento do desequilíbrio financeiro de um contrato administrativo, alegadamente decorrente, em parte, daquelas liquidações.

2. Estando em causa nos processos tributários 26 liquidações e encontrando-se já em fase de instrução a acção administrativa – em que se pretende a reposição de equilíbrio financeiro de um contrato essencial para a actividade da Autora - impõe-se fazer prosseguir esta acção, ou seja, não determinar a suspensão da instância apesar da relação de prejudicialidade, face aos prejuízos que daí adviriam quer para a Autora quer para o interesse geral na celeridade da Justiça e tendo em conta o disposto a parte final do n.º2 do artigo 272º do Código de Processo Civil e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consignado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. Impõe-se dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso jurisdicional num caso em que a exigência do remanescente se traduziria numa grande desproporção entre o serviço prestado pelo tribunal e a taxa cobrada às partes, violando-se o princípio da proporcionalidade e até o direito de acesso aos tribunais, neste caso o direito ao recurso (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, Diário da República, 2.ª série, n.º 200, de 16.10.2013).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:V., S.A.
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

V., S.A. veio interpor o presente recurso jurisdicional, em acção administrativa comum, instaurada pela Recorrente contra o Estado Português, do despacho, de 19.12.2017, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo qual foi decidido suspender a presente instância até trânsito em julgado das decisões a proferir nas acções nºs 262/13.3BEPRT, 1578/13.4BEPRT, 1813/13.9BEPRT, 2224/13.1BEPRT, 2242/13.2BEPRT, 2972/13.6BEPRT, 1921/13.9BEPRT, 2742/13.1BEPRT, 972/14.8BEPRT, 413/14.0BEPRT, 1659/14.7BEPRT, 292/14.8BEPRT, 2551/14.08BEPRT, 143/14.3BEPRT, 1037/14.8BEPRT, 249/15.1BEPRT, 1149/15.08BEPRT, 1332/15.9BEPRT, 1920/15.3BEPRT, 2488/15.6BEPRT, 1853/16.6BEPRT, 1045/16.4BEPRT, 1233/16.BEPRT, 1215/16.5BEPRT, 139/16.0BEPRT e 124/17.5BEPRT, porque constituem causa prejudicial da presente acção, tendo nesta sido pedida a modificação do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da (...), de modo a repor o equilíbrio económico-financeiro da concessão, concretizando-se esse pedido mediante a pretendida alteração das cláusulas 4ª nº s 2 a 4 e 5ª, que se consubstanciam a) na alteração do cálculo da contrapartida anual bem como na eliminação do limite mínimo dessa contrapartida anual, ambas as situações previstas na cláusula 4º nº 2 do contrato de concessão e b) na alteração dos requisitos do eventual reporte do excesso de crédito da referida contrapartida anual, previstos na cláusula 5º do contrato de concessão.

Invocou para tanto que o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, porque as supra referidas 26 acções não são causa prejudicial da presente acção, nelas o que está em questão é a ilegalidade das liquidações do imposto especial de jogo e da contrapartida anual e na presente acção pretende-se a reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão; peticionando a aplicação ao caso concreto do artigo 272º nº 2, parte final, do Código de Processo Civil, com a inerente revogação do despacho recorrido e a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 272º, nº 1, do mesmo Código, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 4, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e 2º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que consagram o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1) À data da entrada em vigor do CPTA (ocorrida em 1 de Janeiro de 2004), a remissão para os casos de subida imediata regulados no CPC reportava-se aos casos indicados no art.º 734.º desse Código (na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08) e actualmente convoca os casos de apelação imediata e autónoma previstos no art.º 644.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06 (remissão dinâmica);

2) Por força da remissão operada nos termos da parte final do n.º 5 do art.º 142.º do CPTA, entendida em sentido dinâmico, para os casos de apelação imediata e autónoma previstos no art.º 644.º do CPC/2013, apura-se que a decisão proferida nos autos em 19/12/2017, que decretou a suspensão da instância da presente acção, é susceptível de apelação imediata e autónoma, nos termos da alínea c) do n.º 2 da mesma norma legal;

3) Da remissão constante da parte final do n.º 5 do art.º 142.º do CPTA para os casos de apelação autónoma regulados pela lei processual civil não resulta que se deva considerar aplicável, em processo administrativo, o prazo de 15 dias especialmente previsto no art.º 638.º do CPC para as apelações autónomas;

4) Sendo o presente recurso de apelação interposto no prazo de 30 dias previsto no art.º 144.º, n.º 1, do CPTA, e não tendo o processo dos presentes autos natureza urgente, o mesmo recurso é tempestivo;

5) Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda;

6) Nos termos da cláusula 4.ª, n.º 2, alínea a), do contrato de concessão de 2001 (cfr. doc. n.º 5 junto à p.i.), a contrapartida anual integra uma componente tributária, dado que a referida contrapartida se realiza, designadamente, através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor;

7) A contrapartida anual não se esgota no imposto especial sobre o jogo, nem o objecto do presente litígio se confunde com a declaração da ilegalidade da contrapartida anual, da contrapartida mínima ou do imposto de jogo, que é peticionada nas 26 acções tributárias identificadas a fls. 1068 a 1072 dos autos;

8) A decisão da presente causa não está dependente, em qualquer aspecto, do julgamento dessas mesmas acções tributárias, que são posteriores e têm causas de pedir e pedidos totalmente distintos dos da presente causa;

9) A causa de pedir da acção dos presentes autos é complexa e integra a factualidade decorrente (I) da evolução da economia nacional, (II) da alteração dos limites às deduções à contrapartida anual, (III) da imposição de zonas de jogo para não fumadores e (IV) da emergência e expansão do jogo online ilegal/ legal, e a repercussão da conjugação de todos esses factos no desequilíbrio da equação económico-financeira do contrato de concessão;

10) A causa de pedir das referidas acções de impugnação do imposto especial de jogo, da contrapartida anual e da contrapartida anual mínima é a respectiva ilegalidade, decorrente, inter alia, da violação dos princípios jurídico-constitucionais da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade;

11) O pedido formulado na presente causa consiste na reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão, através da sua modificação nos termos indicados na p.i. ou, quando assim se não entenda, através de outras medidas, nomeadamente, de reembolso de contrapartidas pagas e compensação directa em dinheiro, que assegurem resultado equivalente;

12) O pedido formulado nas acções de impugnação do imposto especial de jogo, da contrapartida anual e da contrapartida anual mínima é a declaração da respectiva ilegalidade, com a consequente devolução das quantias entregues a esse título;

13) O juízo que há-de vir a ser feito, nas mencionadas acções de impugnação, quanto à validade dos actos de liquidação do imposto especial de jogo e da contrapartida anual e, em particular, quanto à validade da imposição de um valor tributário mínimo, em nada prejudica ou condiciona o juízo que nos presentes autos tem de ser feito quanto à questão de saber se o complexo de factos apontado como causa de pedir justifica, em face da disciplina legal pertinente, a modificação do contrato de concessão em vista da reposição do respectivo equilíbrio económico-financeiro.;

14) Não existe, pois, qualquer relação de prejudicialidade ou precedência lógica, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 272.º, n.º 1, CPC, de que resulte que a questão da ilegalidade das liquidações do imposto especial de jogo e da contrapartida anual deva ser apreciada com prioridade sobre a da reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão;

15) Na medida em que a invalidade das liquidações tem como consequência a restituição das quantias desembolsadas pela Autora, e na medida em que isso pode (mas não tem necessariamente de) ser obtido nesta acção, então esse efeito não se produzirá nas acções tributárias se, em momento anterior, tal for concedido pelo Tribunal a quo enquanto medida de reposição do equilíbrio da concessão;

16) Se a presente acção de reequilíbrio económico-financeiro for apreciada em primeiro lugar, os efeitos repristinatórios de uma (eventual) posterior declaração de invalidade das liquidações estarão limitados se, e na medida em que o Tribunal a quo tiver ordenado a reposição do reequilíbrio da concessão através (designadamente), da devolução das quantias pagas;

17) Se, ao contrário, as (ou algumas das) 26 acções fiscais forem apreciadas em primeiro lugar, o Tribunal a quo terá de ter em consideração o efeito repristinatório da(s) decisão(ões) anulatória(s) na determinação das medidas de reequilíbrio da concessão e no seu quantum;

18) Qualquer ganho de causa que a Autora venha a ter em qualquer uma das mencionadas 26 acções de impugnação tributária, identificadas de fls. 1068 a 1072 dos autos, poderá ser tomado em consideração na sentença a proferir nos presentes, por força da norma prevista no art.º 611.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, que impõe a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, sem necessidade de qualquer suspensão da instância;

19) Não existe, pois, qualquer motivo, designadamente, causa ou questão prejudicial, para se determinar a suspensão da instância da presente acção, pelo que a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no art.º 272.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, porquanto a decisão da presente causa não está dependente do julgamento de qualquer outra causa já proposta;

20) Ainda que, por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, existisse uma relação de prejudicialidade ou precedência lógica entre o objecto das acções de impugnação tributária acima aludidas e a acção dos presentes autos – relação de prejudicialidade essa que não existe - tal não constituiria fundamento para que pudesse ser ordenada a suspensão da instância nos presentes autos, atendendo ao disposto na parte final do n.º 2 do art.º 272.º do CPC;

21) Tal preceito quer significar que o poder-dever do Juiz a quo de ordenar a suspensão da instância está delimitado positivamente pela verificação de uma relação de prejudicialidade entre duas (ou mais) causas e limitado negativamente pela inexistência de um saldo negativo na relação custo/benefício gerada pela não tramitação da causa dependente;

22) Os prejuízos ou vantagens a que alude o n.º 2 do art.º 272.º do CPC devem ser analisados, vistos e sopesados não (ou pelo menos não apenas) numa perspectiva subjectiva e de interesses das partes, mas sobretudo numa perspectiva de interesse processual, nomeadamente de celeridade e de boa administração da justiça;

23) O despacho recorrido tem como efeito o adiamento sine die da reposição do equilíbrio do contrato de concessão, num contexto em que (i) a acção foi proposta pela ora Recorrente há 5 (cinco) anos e em que (ii) os factos constitutivos do direito sob litígio se vêm sedimentando na esfera das partes há mais de uma década;

24) A suspensão da instância coloca irremediavelmente em causa o direito da ora Recorrente à obtenção, em prazo razoável, de uma decisão de mérito que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão deduzida em juízo na presente acção, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e acolhido no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA;

25) A suspensão decretada tem como consequência a diminuição do efeito útil pretendido pela ora Recorrente nestes autos, quer porque é inequívoco que a presente acção será julgada após o termo do prazo da concessão, com a consequente limitação do escopo de medidas de reequilíbrio passíveis de serem decretadas e implementadas, quer porque a ora Recorrente continuará a sofrer o forte impacto económico-financeiro resultante do actual desequilíbrio da concessão;

26) Estando a acção dos presentes autos já na fase de instrução, a suspensão da instância até à prolação de decisão nos 26 processos de impugnação tributária identificados no requerimento da Autora de 04/09/2017 (fls. 1068 a 1072 dos autos) implicará a paragem do presente processo por tempo indefinido e forçosamente prolongado, sem qualquer vantagem e com irremediável prejuízo do direito da Autora à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão;

27) Por força do disposto no art.º 272.º, n.º 2, parte final, do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Tribunal deveria não ter ordenado a suspensão da instância nos presentes autos;

28) A decisão recorrida violou o art.º 272.º, n.º 2, parte final, do CPC;

29) O Tribunal deveria ter interpretado e aplicado o disposto no art.º 272.º, n.º 2, parte final, no sentido de que, tendo a acção dos presentes autos sido instaurada há cinco anos, e encontrando-se em fase de instrução, os prejuízos emergentes da suspensão da instância, que se traduzem na falta de uma decisão sobre o mérito da causa por tempo indefinido, em que a Autora continuará a sofrer na sua esfera os efeitos negativos e prejuízos emergentes do desequilíbrio económico-financeiro do contrato, superam quaisquer pretensas, hipotéticas e supostas vantagens eventualmente decorrentes da referida suspensão;

30) O raciocínio subjacente à decisão recorrida levará a que a instância da presente acção permaneça suspensa assim que a Autora decida instaurar novas acções tributárias para impugnação do imposto especial de jogo, de impugnação da contrapartida anual, e de impugnação da contrapartida anual mínima, que venham a ser liquidadas até ao termo do prazo da concessão, isto é, até 31/12/2023;

31) Nessas circunstâncias, considerando que o prazo da concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da (...) termina em 31 de Dezembro de 2023 (cfr. cláusula 1.ª do doc. n.º 5 junto à p.i.), a presente acção, através da qual a Autora visa restabelecer o equilíbrio económico-financeiro da concessão, permanecerá com a instância suspensa e não será julgada até final do referido prazo, o que não faz qualquer sentido;

32) A interpretação dada pelo Tribunal ao art.º 272.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que a referida norma fundamenta a suspensão da instância da presente acção, instaurada no ano de 2013 e que se encontra na fase de instrução, para ficar a aguardar o trânsito em julgado de 26 acções tributárias instauradas nos anos de 2013 a 2017, viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, na vertente que assegura o direito da Autora a uma decisão da presente causa em prazo razoável, pelo que tal norma, nessa interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal, é inconstitucional e não deveria ter sido aplicada, por força do disposto no art.º 204.º da CRP;

33) A interpretação dada pelo Tribunal à norma do art.º 272.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, é inconstitucional, por violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos art.ºs 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, e acolhido no art.º 2.º, n.º 1, do CPTA;

34) Estão reunidas todas as condições previstas no art.º 6.º, n.º 7, 2.ª parte, do RCP, para que as partes sejam dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça no presente recurso de apelação.

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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A 19.12.2017 foi proferido despacho pelo qual foi decidido suspender a instância da presente acção até ao trânsito em julgado das decisões a proferir nas 26 acções de impugnação tributária identificadas a fls. 1068 a 1072 dos autos.

2. Naquelas acções, impugna-se a liquidação da contrapartida anual e da contrapartida anual mínima (que integram uma componente tributária, referente ao imposto especial sobre o jogo).

3. Na presente acção pretende-se a reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão celebrado com a Autora e o Estado Português.

4. Na presente acção pretende-se a alteração das cláusulas 4º nºs 2 a 4 e 5º do contrato de concessão junto como documento nº 5 com a petição inicial.

5. As alterações peticionadas consubstanciam-se : a) na alteração do cálculo da contrapartida anual bem como na eliminação do limite mínimo dessa contrapartida anual, ambas as situações previstas na cláusula 4º nº 2 do contrato de concessão e b) na alteração dos requisitos do eventual reporte do excesso de crédito da referida contrapartida anual, previstos na cláusula 5ª do contrato de concessão.

6. A causa de pedir da acção dos presentes autos integra a factualidade decorrente (I) da evolução da economia nacional, (II) da alteração dos limites às deduções à contrapartida anual, (III) da imposição de zonas de jogo para não fumadores e (IV) da emergência e expansão do jogo online ilegal/ legal, e a repercussão da conjugação de todos esses factos no desequilíbrio da equação económico-financeira do contrato de concessão;

7. Naquelas 26 acções tributárias impugna-se a liquidação do imposto especial de jogo, da contrapartida anual e da contrapartida anual mínima (contrapartidas essas que integram uma componente tributária, referente ao imposto especial sobre o jogo), com fundamento na respectiva ilegalidade, na violação dos princípios jurídico-constitucionais da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade.
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III – Enquadramento jurídico.

1. A relação de prejudicialidade entre as acções de impugnação tributária e a dos presentes autos

Alega a Autora, nas suas alegações de recurso:

“Na decisão recorrida, o Mmo. Juiz a quo considerou, em síntese, que, caso a Autora obtenha ganho de causa nas 26 acções de impugnação tributária (identificadas de fls. 1068 a 1072 dos autos), pendentes no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tal determinará uma diminuição, ou mesmo eliminação, do peso financeiro suportado pela Autora com a contrapartida anual, circunstância que terá reflexo directo na pretensão que pretende fazer valer nos presentes autos.

Assim, o Tribunal concluiu que as mencionadas 26 acções de impugnação tributária constituem causa prejudicial da presente acção, pelo que, invocando o disposto no art.º 272.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, decidiu suspender a instância da presente acção até trânsito em julgado das decisões a proferir nas mencionadas 26 acções de impugnação tributária.

Nos termos do art.º 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando penda causa prejudicial.

Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.

Recorrendo ao ensinamento do Prof. José Alberto dos Reis, “(...) uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda” e, acrescenta o referido Autor, “sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta”.

Ora, é inequívoco que, nos termos da cláusula 4.ª, n.º 2, alínea a), do contrato de concessão de 2001 (cfr. doc. n.º 5 junto à p.i.), a contrapartida anual integra uma componente tributária, dado que a referida contrapartida se realiza, designadamente, através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor.

Porém, a contrapartida anual não se esgota no imposto especial sobre o jogo, nem o objecto do presente litígio se confunde com a declaração da ilegalidade da contrapartida anual, da contrapartida mínima ou do imposto de jogo, que é peticionada nas supra identificadas 26 acções tributárias.

Razão por que é totalmente irrelevante, para os termos da presente causa, o desfecho das 26 acções de impugnação do imposto especial de jogo, de impugnação da contrapartida anual, e de impugnação da contrapartida anual mínima, identificadas no requerimento apresentado pela Autora em 04/09/2017 (fls. 1068 a 1072 dos autos).”

Sem razão.

Com efeito a Autora alega factos verdadeiros, mas que conduzem a conclusão oposta à pela mesma extraída nas suas alegações de recurso.

O facto de a presente acção ter uma causa de pedir mais ampla que a das 26 acções tributárias, não significa que, na parte, em que a causa de pedir coincide, aquelas acções não sejam prejudiciais da presente acção, porque parte do pedido da presente acção está contido nos pedidos das referidas 26 acções.

Assim, com este fundamento, o recurso não merece provimento.

Efectivamente, enquanto naquelas 26 acções tributárias se impugna a liquidação do imposto especial de jogo, da contrapartida anual e da contrapartida anual mínima (contrapartidas essas que integram uma componente tributária, referente ao imposto especial sobre o jogo), com fundamento na respectiva ilegalidade, na presente acção pretende-se a reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão, posto em causa por uma multiplicidade de factores conjugados, entre os quais os factores subjacentes às 26 acções tributárias.

Assim, as referidas 26 acções têm pedidos que cabem no pedido da presente acção.

Do antes exposto resulta que o objecto da presente lide é mais amplo do que o objecto das 26 acções tributárias, mas não é diferente na parte que tem de comum com elas.

Não tem razão a Recorrente quando afirma que o juízo que há-de vir a ser feito, nas mencionadas acções de impugnação, quanto à validade dos actos de liquidação do imposto especial de jogo e da contrapartida anual e, em particular, quanto à validade da imposição de um valor tributário mínimo, em nada prejudica ou condiciona o juízo que nos presentes autos tem de ser feito quanto à questão de saber se o complexo de factos apontado como causa de pedir justifica, em face da disciplina legal pertinente, a modificação do contrato de concessão em vista da reposição do respectivo equilíbrio económico-financeiro.

É a própria Recorrente, que, contradizendo o afirmado, concorda que que a prolação de decisões que lhe sejam favoráveis nas acções tributárias pode ter algum efeito reflexo na presente acção e que o inverso também pode suceder.

Enquanto nas acções tributárias pretende a declaração da invalidade das liquidações e, consequentemente, a devolução de quantias por si indevidamente pagas, na acção dos presentes autos a Recorrente pretende o reconhecimento do desequilíbrio do contrato e, consequentemente, a alteração da sua equação económica em termos mais equitativos, ou, subsidiariamente, atribuições pecuniárias que assegurem um resultado equivalente.

Assim, a decisão desta acção, na fixação da quantia do pedido está dependente da procedência dos pedidos nas referidas 26 acções de impugnação tributária, pelo que se impõe a suspensão da presente instância até decisão com trânsito em julgado das referidas acções.

Na medida em que a invalidade das liquidações tem como consequência a restituição das quantias desembolsadas pela Autora, e na medida em que isso é também pretensão desta acção, então esse efeito não se pode produzir antes de decididas as acções tributárias, para depois ser deduzida na presente acção os montantes restituídos à Autora em cada uma daquelas acções.

É certo que as acções tributárias não esgotam o efeito ou interesse da presente acção de reequilíbrio económico-financeiro, e vice-versa: quanto à primeira hipótese, porque as impugnações fiscais têm os seus efeitos circunscritos às liquidações e aos anos a que respeitam; quanto à segunda, porque subsiste sempre o interesse na eliminação do acto ilegal da ordem jurídica.

Mas essa constatação de facto só permite concluir que mesmo depois de decididas as acções tributárias, subsistirá o interesse em decidir a parte da presente acção que se não esgotou na decisão daquelas.

E aí mantém-se a competência deste Tribunal Administrativo para apreciar e decidir a presente causa, na parte remanescente, como foi decidido pelo acórdão de 08.04.2016, do Tribunal Central Administrativo Norte, transitado em julgado.

2. A multiplicidade de acções pretensamente prejudiciais; o estado da acção dependente; e a manifesta desconsideração dos prejuízos decorrentes da sua suspensão sine die.

Alega a Autora que mesmo a existir a supra afirmada relação de prejudicialidade ou precedência lógica entre o objecto das acções de impugnação tributária acima aludidas e a acção dos presentes autos, tal não constituiria fundamento para que pudesse ser ordenada a suspensão da instância nos presentes autos, atendendo ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 272.º, do Código de Processo Civil.

Dispõe a parte final do referido preceito que “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão (…) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

Quer este preceito significar que o poder-dever do Juiz a quo de ordenar a suspensão da instância está delimitado positivamente pela verificação de uma relação de prejudicialidade entre duas (ou mais) causas e limitado negativamente pela inexistência de um saldo negativo na relação custo-benefício gerada pela não tramitação da causa dependente.

Trata-se, em ambas as perspectivas, de aferir a conveniência em sustar o andamento e tramitação de um processo ao arrepio do princípio da celeridade processual e do direito à prolação de uma decisão, com força de caso julgado, em prazo razoável.

Sendo razões de economia processual e de prevenção de antinomia de julgados que justificam que se suspenda uma acção face à pendência de outra cujo julgamento pode afectar o da primeira, há, porém, que ponderar o(s) efeito(s) de tal medida, quer para os interesses das partes, quer para a justa composição do litígio.

Ora, concorda-se com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15.07.2015, processo n.º 21/12.0TBPSR.E1: “os prejuízos ou vantagens de que a lei fala no n.º 2 do citado art. 272º (nº 2 do art. 279º do velho C.P.C.) devem ser analisados, vistos e sopesados não (ou pelo menos não apenas) numa perspectiva subjectiva e de interesses das partes, mas sobretudo numa perspectiva de interesse processual, nomeadamente de celeridade e de boa administração da justiça”.

O Tribunal a quo não fez qualquer juízo comparativo entre as vantagens e desvantagens da suspensão da presente instância.

Recordando o pedido e os fundamentos que presidem à propositura desta acção, a ora Recorrente pede que seja reposto o equilíbrio económico-financeiro da concessão da zona de jogo da (...), afectado por uma multiplicidade de causas que remontam pelo menos a 2007: desde a “crise do subprime” em 2007, passando pela alteração unilateral dos limites às deduções à contrapartida anual e pela imposição de zonas para não fumadores, ocorridas em 2008, até à emergência e expansão do jogo on-line ilegal, desde pelo menos 2001.

Ou seja, a relação material controvertida traduz-se no direito da ora Recorrente (concedente) à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão que começou a ser posto em causa há mais de 10 anos e num contexto em que, conforme articulado pela ora Recorrente na petição inicial, está em causa (e já estava em 2013, aquando da propositura da acção) “a sobrevivência da concessionária, e assim a concessão” (artigo 141.º).

Conclui a Recorrente que a suspensão da instância coloca irremediavelmente em causa o direito da ora Recorrente à obtenção, em prazo razoável, de uma decisão de mérito que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão deduzida em juízo na presente acção, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa e acolhido no n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tanto mais quanto, sendo óbvio que o contrato de concessão não se suspende, é a ora Recorrente quem terá de continuar a suportar os efeitos nocivos que os referidos factos supervenientes tiveram (e continuam a ter) sobre a concessão e é a ora Recorrente quem terá de continuar a cumprir obrigações contratuais - a do pagamento da contrapartida anual (incluindo o imposto de jogo) e da contrapartida mínima – em termos que são injustos e insustentáveis.

Mais, considerando que:

- o prazo do contrato de concessão termina em 31.12.2023 (cf. artigo 13.º da petição inicial);

- a manter-se o despacho recorrido, a presente instância estará suspensa durante a pendência das 26 (vinte e seis) acções de impugnação tributária; - 21 (vinte e uma) dessas acções ainda não foram julgadas sequer em primeira instância;

- não é verosímil que nos próximos 5 anos (I) sejam julgadas e (II) transitem em julgado todas e cada uma das decisões dessas 26 acções,

Há uma fortíssima probabilidade, à luz de um juízo de prognose feito por qualquer cidadão médio, de a causa da suspensão decretada não cessar em momento anterior ao do termo da concessão. Mas é ainda mais provável, para não dizer certo, que, mesmo que todas as 26 acções tributárias sejam tramitadas de forma celeríssima e que a causa da suspensão cesse antes de 31.12.2023, não haverá julgamento desta acção, sequer em primeira instância, antes dessa data, ou seja antes do termo da concessão.

Dito doutro modo, a suspensão decretada tem como consequência a diminuição do efeito útil pretendido pela ora Recorrente nestes autos, quer porque é inequívoco que a presente acção será julgada após o termo do prazo da concessão, com a consequente limitação do escopo de medidas de reequilíbrio passíveis de serem decretadas e implementadas, quer porque a ora Recorrente continuará a sofrer o forte impacto económico-financeiro resultante do actual desequilíbrio da concessão.

Mas a suspensão é, ao mesmo tempo, prejudicial aos interesses do Recorrido, já que o decurso do tempo sem uma decisão judicial sobre o reequilíbrio da concessão significa que, em caso de procedência da acção, …o ora Recorrido poderá ter de pagar à ora Recorrente dezenas, ou mesmo centenas, de milhões de Euros, o que necessariamente afectará o cumprimento de metas orçamentais e ou o financiamento da actividade do Turismo de Portugal, I.P.

De resto, acrescenta-se que já terminou a fase dos articulados e já foi realizada a audiência prévia desta acção, estando definido o objecto do litígio, os temas da prova e tendo sido admitidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, aguardando-se apenas prolação de decisão quanto ao objecto da perícia colegial requerida pelo Réu.

Assim, a presente acção está (e estava na data em que o despacho recorrido foi proferido) praticamente pronta para ser julgada.

Relativamente às acções de impugnação tributária identificadas no requerimento apresentado pela Autora em 04.09.2017 (folhas 1068 a 1072 dos autos), apura-se que as referidas nos pontos 8.º, 15.º, 17.º, 20.º e 25.º desse requerimento foram julgadas improcedentes e estão pendentes de recurso no Supremo Tribunal Administrativo.

As restantes 21 (vinte e uma) acções encontram-se a aguardar a prolação de sentença pelo Tribunal de 1.ª Instância, entre as quais se incluem as mencionadas nos pontos 1.º a 7.º do referido requerimento (instauradas no ano de 2013, ou seja, há cerca de cinco anos) e as mencionadas nos pontos 9.º a 15.º do mesmo requerimento (instauradas no ano de 2014, ou seja, há cerca de quatro anos).

Estando a acção dos presentes autos já na fase de instrução, a suspensão da instância até à prolação de decisão nos 26 processos de impugnação tributária identificados no requerimento da Autora de 04.09.2017 (folhas 1068 a 1072 dos autos) implicará a paragem do presente processo por tempo indefinido e forçosamente prolongado, sem qualquer vantagem e com irremediável prejuízo do direito da Autora à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão.

Pelo que, por força do disposto no artigo 272.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Tribunal deveria não ter ordenado a suspensão da instância nos presentes autos.

A decisão recorrida violou, pois, o artigo 272.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil.

O Tribunal deveria ter interpretado e aplicado o disposto no artigo 272.º, n.º 2, parte final, no sentido de que, tendo a acção dos presentes autos sido instaurada há mais de cinco anos, e encontrando-se em fase de instrução, os prejuízos emergentes da suspensão da instância, que se traduzem na falta de uma decisão sobre o mérito da causa por tempo indefinido, em que a Autora continuará a sofrer na sua esfera os efeitos negativos e prejuízos emergentes do desequilíbrio económico-financeiro do contrato, superam quaisquer pretensas, hipotéticas e supostas vantagens eventualmente decorrentes da referida suspensão.

Por último, refira-se também que o raciocínio subjacente à decisão recorrida levará a que a instância da presente acção permaneça suspensa assim que a Autora decida instaurar novas acções tributárias para impugnação do imposto especial de jogo, de impugnação da contrapartida anual, e de impugnação da contrapartida anual mínima, que venham a ser liquidadas até ao termo do prazo da concessão, isto é, até 31.12.2023.

Ou seja, a ora Recorrente estaria impedida de exercer simultaneamente dois direitos que lhe assistem e que são totalmente independentes: (I) o direito de impugnar as liquidações do imposto de jogo, da contrapartida anual, e da contrapartida mínima, e (II) o direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão. É em vista de situações como esta que a lei prevê a excepção da parte final do n.º 2 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.

Nessas circunstâncias, considerando que o prazo da concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da (...) termina em 31.12.2023 (cfr. cláusula 1.ª do documento n.º 5 junto à petição inicial), a presente acção, através da qual a Autora visa restabelecer o equilíbrio económico-financeiro da concessão, permanecerá com a instância suspensa e não será julgada até final do referido prazo, o que não faz qualquer sentido.

Vejamos:

A Autora tem inteira razão.

Se é verdade que existe a relação de prejudicialidade, não menos certo é que a suspensão da presente instância conduz a todos os efeitos perniciosos que a Recorrente elenca e que são passíveis de conduzir a uma denegação de justiça e a prejuízos que superem as vantagens, até pelo estado adiantado da presente acção em contraposição com o facto de até 2023 ainda poderem ser interpostas várias acções tributárias e não haver decisão final nas 26 acções tributárias já interpostas.

3. O princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Conforme bem alega a Recorrente existe consenso na doutrina quanto à determinação dos momentos normativos que integram a garantia de uma tutela judicial efectiva dos direitos dos cidadãos, que inclui o direito de acesso ao direito e aos tribunais, e o direito de obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Nos termos do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o princípio da tutela jurisdicional efectiva abrange o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo.

De acordo com Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a ideia de processo equitativo “não é dissociável do direito de acesso aos tribunais que resulta de todo o contexto do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa., e que inclui, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência”.

Como concretização do direito geral à protecção judicial, o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, na qual se inclui o a tutela jurisdicional dos cidadãos versus a Administração Pública.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva conjugado com o artigo 272º nº2, parte final do Código de Processo Civil, conduzem a que a pretensão do Autor a ver revogado o despacho de suspensão da instância colha todo o fundamento, pelo que não há que concluir pela inconstitucionalidade arguida pela Recorrente para conseguir o mesmo efeito.

O artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, cede perante a situação prevista no artigo 272º, nº 2, parte final, já que estamos perante acção instaurada no ano de 2013 e que se encontra na fase de instrução e que deveria ficar suspensa até ao trânsito em julgado de 26 acções tributárias instauradas nos anos de 2013 a 2017e ainda das acções a instaurar até 2023, data em que termina o contrato de concessão em apreciação nos autos.

4. Pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no presente recurso.

A presente causa tem o valor de 58.359.353,96 €, o qual foi indicado pela Autora na petição inicial, à luz do critério decorrente do artigo 32, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e corresponde ao montante da contrapartida inicial paga pela Autora ao Réu como correspectivo da prorrogação do prazo da concessão por 15 anos, passando a terminar em 31.12.2023 (cfr. artigos 36.º a 38.º da petição inicial e cláusula 4.ª, n.º 1, do documento n.º 5 junto à petição inicial.

Ora as questões jurídicas analisadas no presente recurso de apelação são simples e resumem-se a apurar a) se existe uma relação de prejudicialidade entre as acções de impugnação tributária acima identificadas em relação aos presentes autos e, em caso afirmativo, e se a instância da acção dos presentes autos deve, ou não, ser suspensa até trânsito em julgado das decisões a proferir nas referidas acções de impugnação tributária, face ao disposto no artigo 272.º, n.º 1, 1.ª parte, e n.º, 2, parte final, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Pelo que não dispensar no caso o remanescente da taxa de justiça traduzir-se-ia numa grande desproporção entre o serviço prestado por este Tribunal e a taxa cobrada às partes, violando-se o princípio da proporcionalidade e até o direito de acesso aos tribunais, neste caso de direito ao recurso (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, Diário da República, 2.ª série, n.º 200, de 16.10.2013), o que se pretende evitar com a norma constante do artigo 6º, n.º 7, 2.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais,

Aplicar na íntegra as regras de cálculo de custas constantes do artigo 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais e respectiva tabela I, incluindo o seu segmento final, significa agravar a tributação em custas nos processos judiciais de valor mais elevado, sem qualquer preocupação com o nexo sinalagmático que deve caracterizar a fixação de uma taxa, ultrapassando muito largamente os custos efectivamente incorridos com a actividade de administração da justiça.

Estão, assim, reunidas todas as condições previstas no artigo 6.º, n.º 7, 2.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais, para que as partes sejam dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça no presente recurso de apelação, que se requer.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que revogam a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos à Primeira Instância, para aí prosseguirem os seus ulteriores termos.

Custas pelo Recorrido, dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça no presente recurso de apelação, nos termos do artigo 6º, nº 7, 2ª parte, do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 02.10.2020

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco