Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01919/10.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/08/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:NOTIFICAÇÃO A MANDATÁRIO JUDICIAL; PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO; NOMEAÇÃO DE PATRONO.
Sumário:I. Mostrando-se comprovado nos autos que foi expedida carta registada para o escritório do mandatário judicial contendo a notificação da contestação apresentada pela Fazenda Pública e não tendo sido demonstrado o seu não recebimento, presume-se a notificação feita nos termos do disposto no nº 3 do artigo 254º do CPC.
II. Tendo sido junto aos autos documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário junto dos serviços da segurança social, requerendo, além do mais, a nomeação de patrono com vista à dedução de oposição judicial quando ainda não havia decorrido o prazo de 30 dias para o efeito previsto no artigo 203º do CPPT, o tribunal a quo não pode rejeitar por extemporaneidade a oposição sem ter em consideração esse facto, dada a sua relevância para o efeito nos termos do disposto na Lei 34/04 de 29/7.
III. Todavia, este Tribunal não pode ainda decidir se ocorreu ou não a caducidade do direito de deduzir oposição, uma vez que dos elementos juntos aos autos não resulta a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação, sendo que esse facto é determinante para a questão de saber se a oposição foi ou não tempestivamente deduzida, impondo-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido a fim de aí ser averiguada a factualidade referente à concreta data da notificação do patrono nomeado.
Recorrente:E(...)
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório

E(...) [Recorrente], com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que absolveu a Fazenda Pública da instância, por caducidade do direito de deduzir oposição à execução fiscal n°0301200701061593, que contra si foi revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “B(...), Lda.”, por dívidas de cotizações e contribuições à segurança social.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. Nunca foi a Recorrente notificada da contestação apresentada, nem muito menos para se pronunciar sobre a alegada excepção de intempestividade da oposição apresentada.

II. Desconhece a Recorrente o teor dessa mesma contestação.

III. A falta de notificação da contestação importa a nulidade de todo o processo e que aqui expressamente se invoca.

IV. No dia 27 de Agosto de 2010 a Recorrente informou o IGF - Delegação de Braga, secção de processo executivo de ter requerido apoio judiciário com nomeação de patrono.

V. O Recorrido não juntou aos presentes autos o requerimento da Recorrente acima referido, constituindo tal comportamento uma efectiva omissão de documento oficial referente a questão de documento oficioso, o que, nos termos do art.º. 98º, nº 1 d) do CPPT, fere de nulidade insanável todo o processado e que aqui expressamente se invoca.

VI. O Requerimento apresentado pela Recorrente implica a interrupção do prazo que estiver em curso, in casu, o prazo de oposição à execução fiscal.

VII. A Oposição essa que foi apresentada no dia 21 de Outubro de 2010, ou seja, dentro do prazo legalmente fixado devendo ser conhecida.

Não houve contra-alegações.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela recorrente delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4 e 685º- A, nº 1, todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] são as seguintes: (i) saber se a sentença recorrida se encontra afectada por nulidade processual nos termos previstos no artigo 201º, nº 1 do CPC, decorrente da falta de notificação à recorrente da contestação apresentada nos autos; (ii) saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento direito ao julgar verificada a caducidade do direito de deduzir oposição.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

1- A oponente foi citada em 15-8-2010 - cfr. fls. 13 a 15 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

2- Do exame do carimbo aposto na p.i, resulta que a presente oposição foi apresentada a 21-10-2010 no I.G.F.S.S. de Braga.

2.1.2.Aditamento oficioso de matéria de facto provada

Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT, adito ao probatório a seguinte matéria de facto:

3- Em 27/8/2010, a Oponente comunicou à entidade exequente a apresentação de pedido de apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, com vista à dedução de oposição à execução fiscal - cfr. fls. 72 dos autos.

4- O pedido de apoio judiciário formulado pela Oponente foi deferido pelos serviços da Segurança Social, nos termos do documento de fls. 18 a 20 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

2.2. O direito

2.2.1. A primeira questão suscitada pela recorrente que cumpre apreciar é a de saber se ocorreu nos autos a nulidade processual decorrente da alegada falta de notificação da contestação à Recorrente [conclusões I, II e III] e, em caso afirmativo, quais as respectivas consequências processuais.

A este propósito, a recorrente sustenta que nunca foi notificada da contestação apresentada nos autos e que tal falta importa a nulidade de todo o processo.

Está, portanto, em causa, uma eventual nulidade secundária, anterior à sentença, e traduzida, essencialmente, na violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, por a recorrente (alegadamente) não ter sido notificada do teor da contestação apresentada nem para se pronunciar sobre a excepção de intempestividade da oposição aí suscitada.

Vejamos.

É sabido que o princípio do contraditório (que é o que aqui está em causa) constitui, a par do princípio do dispositivo, a trave mestra do direito processual civil, sem o qual dificilmente as decisões seriam substancialmente justas [António Santos Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, I Vol, pág.74] e está expressamente consagrado, entre outros, no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil [aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário], no qual se estabelece que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Como decorrência deste princípio é proibida a “decisão - surpresa”, ou seja, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes [José Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, Volume 1º, pág. 9 e acórdão do STJ, de 13/1/2005, Processo 04B4031]. Assim, antes de decidir com base numa questão que as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, o juiz deve convidá-las a pronunciarem-se sobre tal questão, independentemente da fase do processo em que tal ocorra. A não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedido às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre questões que se deva conhecer, constitui nulidade, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa [artigo 201º do CPC].

Ao nível do processo tributário, e também por respeito ao princípio do contraditório, o artigo 113º, nº 2 do CPPT impõe que o impugnante seja ouvido se o representante da Fazenda Pública suscitar [na contestação] questão que obste ao conhecimento do pedido. Tal norma é igualmente aplicável ao processo de oposição, pois, embora se insira na secção IV do Capítulo II que regula o processo de impugnação, o mesmo é aplicável ao processo de oposição por força do disposto no artigo 211º, nº 1 do CPPT.

Destes normativos legais resulta, sem dúvida, a obrigatoriedade legal de notificação da contestação ao oponente - de forma a ser assegurado o princípio do contraditório - sempre que for suscitada questão que obste ao conhecimento do mérito da oposição. É que, como se escreveu no parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º vol., págs. 14 e segs), o conteúdo essencial do princípio do contraditório está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.

Considerando as exigências do princípio do contraditório e a circunstância de na contestação apresentada (fls. 40/47 dos autos) ter sido suscitada pela Fazenda Pública a questão da caducidade do direito de deduzir oposição [a qual, de resto, foi julgada procedente pelo Tribunal a quo e determinou a absolvição da Fazenda Pública da instância], importa então averiguar se foi cometida a nulidade processual invocada pela recorrente e, em caso afirmativo, quais as respectivas consequências.

Compulsados os autos, verifica-se que a fls. 50 se encontra um ofício datado de 29/11/2010, dirigido ao Exmo. advogado subscritor da petição inicial e para o escritório deste; e a fls. 74/75 dos autos, está junto o print dos CTT comprovativo de que tal ofício (registado) teve “entrega conseguida” em 30/11/2010.

Ora, nos termos do artigo 40º do CPPT, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório (nº1) e “ (…) por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal” (nº3).

Este artigo 40º do CPPT (também) se aplica às notificações a mandatários em processo judicial tributário, como resulta da epígrafe da Secção IV, “Dos actos procedimentais e processuais” em que a norma está inserida - neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Volume I, pág. 398.

E no que não estiver expressamente regulado neste normativo, à notificação de mandatários judiciais é de aplicar o regime decorrente do artigo 254º do CPC. Ora, nos termos do disposto no nº 3 deste normativo, a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro útil seguinte a esse, quando não o seja, sendo que, de acordo com o nº 6 do mesmo normativo, tal presunção só pode ser ilidida pelo notificando provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.

Mostrando-se comprovado nos autos que, em 29/11/2010, foi expedida carta registada para o escritório do mandatário judicial contendo a notificação da contestação apresentada pela Fazenda Pública e não tendo sido demonstrado o seu não recebimento, presume-se a notificação feita nos termos do disposto no nº 3 do artigo 254º do CPC.

Deste modo, não se verifica a invocada nulidade processual, improcedendo, por conseguinte, as conclusões I, II e III das alegações de recurso

2.2.2. A segunda questão colocada pela recorrente é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter concluído pela procedência da excepção de caducidade do direito de deduzir oposição [conclusões IV a VIII].

Na sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga entendeu que tendo a oponente/recorrente sido citada para a execução fiscal em 15/8/2010, na data da apresentação da oposição, em 21/10/2010, já tinha expirado o prazo de 30 dias previsto no artigo 203º, nº 1, alínea a) do CPPT.

Sustenta, no entanto, a recorrente que tendo requerido concessão de apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono [e disso informado o serviço onde corre o processo de execução fiscal], o prazo para deduzir a oposição à execução interrompeu-se com aquele pedido, reiniciando a sua contagem apenas na data da nomeação do respectivo patrono, que apenas ocorreu em 20/9/2010 e conclui que a petição apresentada em 21/10/2010 é, por tal motivo, tempestiva.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 24º, nº 4 da Lei 34/04 de 29/7 “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.

Acrescenta o nº 5 do mesmo normativo que o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

Por outro lado, caso se entenda a oposição como uma petição, tendo o pedido de nomeação de patrono judiciário sido efectuado antes da primeira intervenção processual, nos termos do artigo 33º da mesma Lei “o patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo” (nº 1) e “a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono” (nº 4). Ou seja, segundo este entendimento, tendo o pedido de nomeação de patrono sido efectuado antes da primeira intervenção, após o deferimento desse pedido, o patrono nomeador dispõe de um prazo de 30 dias para propor a acção.

No caso em apreço, resulta dos autos que foi junto com a petição inicial um ofício da Segurança Social a comunicar à oponente [ora recorrente] o deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, com indicação de que a finalidade do pedido era a execução fiscal a que se reporta a presente oposição [cfr. fls. 18/20]. Também foi junto com o presente recurso documento comprovativo de que, em 27/8/2010, a oponente dirigiu à entidade exequente um requerimento a comunicar, além do mais, a solicitação da nomeação de patrono junto da segurança social para deduzir oposição (cfr. fls. 72), ou seja, quando não havia decorrido ainda o prazo de 30 dias previsto no artigo 203º do CPPT (considerando que a citação ocorreu em 15/8/2010).

Perante estes elementos, com o devido respeito, impunha-se que o Tribunal a quo não deixasse de atender na decisão recorrida ao pedido de nomeação de patrono formulado pela oponente nos autos [e isto independentemente de aplicar ao caso o disposto no artigo 24º, nº 4 e 5 ou no artigo 33º, ambos da Lei 34/04 de 29/7].

Todavia, este Tribunal não pode ainda decidir se ocorreu ou não a caducidade do direito de deduzir oposição, porquanto dos elementos juntos aos autos não resulta a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação que, segundo a recorrente, terá (alegadamente) ocorrido em 20/9/2010 (conclusão VII), sendo que esse facto é determinante para a questão (de direito) de saber se a oposição foi ou não tempestivamente deduzida.

Deste modo, e face ao déficit instrutório dos autos sobre esta matéria, impõe-se a este Tribunal a anulação da sentença, nos termos do disposto no artigo 712º, n.º 4, do CPC, e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de aí ser averiguada a factualidade referente à concreta data da notificação do patrono nomeado e, depois, ser proferida nova decisão.

3.Decisão

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, com a consequente remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí serem efectuadas as diligências necessárias ao apuramento da factualidade relevante, nos termos que ficaram referidos, e proferida nova sentença em conformidade com o que vier a ser apurado.

Sem custas.

Porto, 8 de Novembro de 2012

Ass.: Fernanda Esteves

Ass.: Miguel Aragão Seia

Ass.: Anabela Russo