| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
A., LDA instaurou ACÇÃO ADMINISTRATIVA URGENTE DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL contra o MUNICÍPIO (...), indicando como contrainteressada C., LDA, todos melhor identificados nos autos, formulando o seguinte pedido:
“Por todo o exposto, de facto e de direito, deve o acto de adjudicação impugnado ser anulado, bem como a proposta apresentada pelo concorrente C., Lda., ser excluída e, em consequência, ser adjudicada a proposta apresentada pela autora, A., Lda.
Termos em que a acção deve ser julgada procedente e, em consequência:
a) Ser anulado o acto final de adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente C., Lda.,
b) Ser o Réu condenado a excluir a proposta apresentada pelo concorrente C., Lda.
c) Ser o réu, MUNICÍPIO (...), condenado a adjudicar a proposta apresentada pela autora, A., Lda.
d) A anulação da decisão de ordenação das propostas dos concorrentes constantes do relatório final e a ordenação da sua proposta em 1º lugar, por ser a única conforme ao Caderno de Encargos e ao Programa de
Concurso;
e) A anulação do contrato eventualmente já celebrado com o concorrente C., Lda., e a adjudicação do concurso à Autora.
f) Ser o Réu, MUNICÍPIO (...), condenado a pagar à Autora a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais resultantes da prática do acto administrativo indevido”
Por Sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada parcialmente procedente a acção e:
i. Anulado o despacho do Presidente de Câmara, datado de 15.07.2021, que adjudicou à contrainteressada a aquisição de serviços de operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) e EE (elevatória) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano do MUNICÍPIO (...);
ii. condenado o R. a adjudicar o contrato concursado à Autora A., Lda.;
iii. Absolvida a Entidade Demandada do demais peticionado.
Desta vem interposto recurso pelo Réu Município.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. Por força das disposições conjugadas dos artigos 115.º, n.º 1, d), e 57.º, n.º 1, c), do CCP, o convite pode individualizar documentos exigidos aos candidatos que contenham os termos ou condições relativas a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
2. In casu, o convite não fez qualquer menção especifica à obrigatoriedade de as entidades concorrentes apresentarem valor dos serviços de manutenção curativa urgente não sujeita à concorrência nem de discriminarem o custo da instalação com mão de obra/hora e custo ao km para os serviços de manutenção curativa de carácter urgente, constando tal exigência apenas das cláusulas n.ºs 8.3 e 8.4 do artigo 22.º do Caderno de Encargos
3. O ponto 9.º, c), do convite, ao prever que deve constar da proposta “Memória descritiva dos serviços a prestar com indicação detalhada da forma, prazos e condições, em que os serviços serão prestados, bem como indicação dos materiais/equipamentos e meios humanos a afectar, em conformidade com as especificações técnicas do caderno de encargos”, não pode deixar de ser interpretado como referente apenas à parte concorrencial do concurso relativamente à qual o caderno de encargos concretizou os serviços a prestar, os meios humanos e técnicos ou as infraestruturas a assegurar.
4. Na parte não concorrencial, relativa a serviços de manutenção curativa de caráter urgente, o Município não descreveu no Cadernos de Encargos qualquer concreto serviço a prestar ou meios humanos e técnicos a utilizar, referindo no ponto 8.2 que caber-lhe-á “identificar quais as ações, caso a caso”. Ou seja, no que toca aos serviços de manutenção curativa de caráter urgente não submetidos à concorrência, o caderno de encargos não aponta especificações técnicas por se desconhecer o concreto cariz das intervenções a realizar, o que impõe a conclusão de que a menção prevista no ponto 9.º, c), do convite respeita apenas à parte concursal submetida à concorrência, não constando, por conseguinte, do convite a obrigatoriedade de discriminação de serviços e preços na parte não concorrencial.
5. Atenta a não indicação no convite de documentos previstos em abstrato no artigo 57.º, n.º 1, c), do CCP, o disposto nos pontos 8.3 e 8.4 do caderno de encargos não pode ser tido como documento retratando um atributo da proposta enquanto elemento ou característica da proposta, que diga respeito a um aspeto de execução submetido à concorrência, mas apenas como uma característica da execução do contrato a celebrar, não constando, como se referiu, do convite o tratamento formalmente indicado para que se desencadeasse a obrigatoriedade legal de discriminação de serviços e preços não concorrenciais.
6. O artigo 146.º, n.º 2, d) do CCP, estabelece como causa de exclusão resultante da omissão de documento da proposta, que tal documento se enquadre no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 57.º do CCP, ou seja, comina apenas como causa de exclusão a falta do documento que for exigido por lei ou que estejam previstos no convite, o que não ocorreu no caso em análise. Assim, não estando prevista no convite, mas apenas no Caderno de Encargos a obrigatoriedade de fixação dos preços unitários de prestação de serviços de “Manutenção curativa de caracter urgente”, não está aquela abrangida pelo preceituado no artigo 57.º, n.º 1 do CCP.
7. A conclusão parcelar do Tribunal a quo realizada na p. 23 da sentença de que “a obrigatoriedade da apresentação de documentos face a aspectos não submetidos à concorrência, relativos a termos ou condições da execução do contrato pode advir tanto do Programa do Concurso quer do Caderno de Encargos” contraria diretamente o disposto no artigo 57.º, n. º 1, c), do CCP que apenas refere documentos previstos expressamente no programa do concurso ou no convite
8. A norma contida naquele artigo exclui o Caderno de Encargos como documento que autonomamente possa prever a obrigatoriedade de indicação de aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência, pelo que apenas no caso de haver específica remissão no programa do concurso ou no convite para as normas sobre aquela matéria constantes do Caderno de Encargos é que tal menção, não per se mas pela remissão prevista naqueles documentos pode relevar.
9. Só é caso de exclusão da proposta aquela que seja omissa quanto aos atributos ou algum dos termos ou condições que constam dos documentos exigidos pelo “programa do procedimento” ou convite.
10. O concorrente que não tenha apresentado proposta com a discriminação dos preços de prestação de serviços não prevista como obrigatória no programa ou no convite, autonomizando-os da restante proposta, não pode sem mais ser excluído, sob pena de violação do disposto no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, conjugado com os artigos 57.º, n.º 1, c), e 115.º, n.º 1, d), do mesmo diploma, devendo ser convidado a esclarecer a proposta na parte fixa não concorrencial para mera determinação dos termos da execução dos serviços sem preço concorrencial.
11. A falta de tal proposta discriminada e autónoma não se pode enquadrar no regime da falta de documentos legais, nem dos exigidos no convite, mas apenas no de falta de documento que integra a proposta e, por isso, constitutivo da proposta apenas
por efeito da discricionariedade procedimental da entidade adjudicante, nos termos previstos no caderno de encargos, pelo que a mesma não segue o regime previsto no artigo 57.º, n.º 1, do CCP, não constituindo fundamento de exclusão da proposta, além de não se subsumir no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, aplicando-se o regime das meras faltas ou irregularidades, passíveis de sanação, mediante convite dirigido ao concorrente, nos termos do artigo 72.º do CCP.
12. Tendo sido, assim, lícito o comportamento do júri, não se verificando a ilegalidade que lhe foi assacada na sentença.
13. Existe abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
14. In casu, a A./recorrida, dentro do procedimento administrativo, aceitou o entendimento do R./recorrente relativamento às exigências documentais atinentes ao valor fixo não sujeito a concorrência quando este supriu a falta de indicação da A. do valor de € 5.000 na proposta que apresentou, vindo a censurar esse mesmo entendimento quando aplicado à contrainteressada através do no convite à prestação de esclarecimento que o Júri dirigiu à contrainteressada para, não obstante ter cumprido exigência de indicação do valor fixo de € 5.000 (falta inical da recorrida, suprida após audiência prévia com recurso à interpretação da norma dada também neste processo pelo Recorrente), não ter discriminado os preços dos serviços de manutenção curativa,
15. Ao agir judicialmente contra decisão baseada na mesma interpretação legal que permitiu que não fosse excluída do procedimento concursal, a A/. Recorrida agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium ou, pelo menos, na modalidade tu quoque.
16. A sentença impugnada violou as normas constantes dos artigos artigo 146.º, n.º 2,
d), 57.º, n.º 1, c), 72.º e 115.º, n.º 1, d), do CCP e 334.º do Código Civil e 10.º do CPA.
Não foram juntas contra-alegações.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
a) Por despacho do Presidente de Câmara Municipal, datado de 18.03.2021, foi determinada a abertura de um procedimento por consulta prévia destinado à Operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais [ETAR] e EE [elevatórias] e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano, do MUNICÍPIO (...) e aprovadas as peças do procedimento constituídas pelo convite
e caderno de encargos – cfr. fls. 1 a 4 da parte I do PA;
b) Do convite consta que:
“(…)
6. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
6.1 A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, tendo por base a avaliação do preço ou custo enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar (alínea b) do n.º 1 do artigo 74.° do CCP).
(…)
7. PREÇO BASE
O preço base é de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), acrescido de imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) à laxa legal em vigor.
(…)
9. DOCUMENTOS DA PROPOSTA
A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I do presente, do qual faz parte integrante.
b) Declaração do concorrente, assinada e datada com indicação do preço total S/IVA pela prestação dos serviços, respectiva nota justificativa e taxa de IVA aplicável.
c) Memória descritiva dos serviços a prestar com indicação detalhada da forma, prazos e condições em que os serviços serão prestados, bem como indicação dos materiais/equipamentos e meios humanos a afectar, em conformidade com as especificações técnicas do caderno de encargos.
cfr. doc .2 junto com a PI
c) Consta do caderno de encargos do procedimento supra-referido que:
Parte I - Cláusulas Jurídicas
(…)
Cláusula 4.ª
Obrigações principais
1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na legislação aplicável, no presente caderno de encargos ou nas cláusulas contratuais, da celebração do contrato decorem para o adjudicatário as seguintes obrigações principais:
a) Obrigação da prestação dos serviços objecto do contrato, de acordo com as normas técnicas aplicáveis e em cumprimento da legislação em vigor quanto aos serviços a prestar, nomeadamente em matéria normas ambientais e dentro dos prazos estabelecidos para a prestação de serviços;
b) Prestação dos serviços de exploração e manutenção dos Sistemas de Abastecimento de
Água para Consumo Humano no Concelho de Penedono, descritos mais pormenorizadamente nas condições técnicas;
c) Prestação dos serviços de operação e manutenção das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e Estações Elevatórias (EE) do Concelho de Penedono, descritos mais pormenorizadamente nas condições técnicas;
d) Prestação de serviços de "Manutenção curativa de caracter urgente”, ou seja, situações em que a "não acção" levará a prejuízos imediatos e directos e no serviço de abastecimento de água e/ou de tratamento de águas residuais. Caberá ao município identificar quais as acções de caracter urgente, caso a caso.
(…)
Cláusula 9ª
Preço contratual e condições de pagamento
1. Pela prestação dos serviços objecto do contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente caderno de encargos a entidade adjudicante deve pagar a adjudicatário o preço constante da proposta adjudicada acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
2. O preço referido no número anterior não pode, em qualquer caso, exceder o preço base, acrescido de lVA à taxa legal em vigor.
3. O preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações do contrato a celebrar é de 23.500,00 € (vinte e três mil e quinhentos euros), a que acresce o IVA, à taxa legal em vigor, pelo período de 365 dias.
4. O preço a que faz referência o número anterior é distribuído da seguinte forma: [imagem que aqui se dá por reproduzida]
O município não se encontra vinculado a adjudicar ao adjudicatário, os serviços enquadrados no ponto anterior, ou seja, serviços de manutenção curativa de “carácter urgente”, podendo após a apresentação dos orçamentos pelo adjudicatário, adjudicar a outra entidade, sem que para isso seja devida qualquer compensação e/ou indemnização.
(…)
10. O valor fixo afecto aos serviços de “manutenção curativa de “caracter urgente”” será pago conforme os serviços efectivamente prestados, até ao limite do plafond estabelecido na cláusula anterior para estes serviços.
(…)
PARTE II
CLÁUSULAS TÉCNICAS
Cláusula 22º
Condições técnicas
1. (…)
8. SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO CURATIVA DE “CARÁCTER URGENTE”
8.1. No âmbito do contrato o adjudicatário obriga-se ainda a prestar, quando solicitado pelo município, os serviços de "Manutenção curativa de caracter urgente", ou seja, situações em que a "não acção" levará a prejuízos imediatos e directos e no serviço de abastecimento de água e/ou de tratamento de águas residuais.
8.2. Caberá ao município identificar quais as acções, caso a caso.
8.3. Na proposta o prestador de serviços fixa os preços unitários necessários à prestação dos serviços de "Manutenção curativa de caracter urgente", os quais se manterão inalteráveis no decorrer contrato.
8.4 Na sua proposta o concorrente deverá indicar todos os preços discriminados relativos a estes serviços, nomeadamente os custos da sua instalação. com mão-de-obra/hora, custo ao km. etc.
8.5. A cada solicitação à entidade adjudicatária, pela entidade adjudicante, para realização destes serviços deverá discriminar os serviços a prestar, bem como prazos para a sua integral realização, os meios afectos e custos totais, o qual vinculará a entidade adjudicatária para efeitos de quaisquer pagamentos.
8.6. O valor base afecto cos serviços de “Manutenção curativa de “carácter urgente”” será pago conforme os serviços efectivamente prestados, até ao limite de plafond estabelecido no n.º 4 para estes serviços.
8.7. O município não se encontra vinculado a adjudicar ao adjudicatário, os serviços de Manutenção curativa de "caracter urgente", podendo após a apresentação de orçamentos pelo adjudicatário, adjudicar a outra entidade.
8.8. O município não se encontra vinculado a adjudicar ao adjudicar o valor base previsto para estes serviços, nem sendo por isso devida qualquer indemnização ao adjudicatário.
8.9. Caso se verifique a necessidade de intervenção de manutenção correctiva, desde que não sejam originadas por deficiente operação dos equipamentos ou negligência do adjudicatário, as mesmas ficarão a cargo do MUNICÍPIO (...), no que diz respeito ao fornecimento de peças e/ou equipamentos, sendo a montagem, ligações, ensaios e equipamentos acessórios da responsabilidade do adjudicatário.”
Cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;
d) A Proposta da contra-interessada foi instruída com declaração com indicação do preço total e nota justificativa do preço, do qual consta que:
C., Lda., (….) tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de consulta prévia para a OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DAS ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS [ETAR] E [EE ELEVATÓRIAS]
PARA CONSUMO HUMANO, DO MUNICÍPIO (...), obriga-se a executar a
referida aquisição de serviços, em cumprimento do Caderno de Encargos, declarando aceitar, sem reserva, todas as suas cláusulas, pela quantia global de 18.494,00 € (dezoito mil, quatrocentos e noventa e quatro euros), distribuído da seguinte forma: [imagem que aqui se dá por reproduzida]
As quantias supramencionadas acrescerá o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor.
Igualmente declara que esta proposta, salvo no caso de vir a ser expressamente retirada decorrido o respectivo prazo mínimo de validade, se mantém válida até à celebração do contrato ou até que o MUNICÍPIO (...) notifique que procedeu à adjudicação a outro concorrente.
Cfr. fls. 52 da parte I do PA;
e) A proposta da Autora foi instruída com proposta de preço total e nota justificativa, da qual consta que:
“ 1. Proposta de preço total
Em resposta à Consulta Prévia n° 10/2021, relativa à Prestação de Serviços de Operação e Manutenção de Subsistemas de Operação e manutenção das Estações de Tratamento de Aguas Residuais (ETAR) e EE (elevatórias) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano, do MUNICÍPIO (...), apresenta-se a proposta de preço total preparada pela A., Lda. [imagem que aqui se dá por reproduzida]
Atendendo ao especificado no caderno de encargos a AGR apresenta os custos de manutenção curativa discriminados: [imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. 174 parte I do PA;
f) Em 13.04.2021 foi remetido à Contra-Interessada o seguinte pedido de esclarecimento sobre a proposta:
“Ex.mo Sr. Em fase de análise de propostas vem o Júri do Procedimento, nos termos do artigo 72.º do CCP, solicitar esclarecimento quanto ao exigido no ponto 8.4 do Caderno de Encargos, dado que não foram indicados quaisquer valores/preços discriminados para manutenção curativa, em particular, para o custo da sua instalação com mão de obra/hora e custo ao Km, etc.”
Cfr. doc. 4 junto com a PI
g) A 14.04.2021 a contra-interessada submeteu documento com o seguinte teor:
h) [imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. doc. 5 junto com a petição inicial
i) A 19.04.2021, o Júri elaborou o Relatório Preliminar, no qual excluiu a proposta da Autora por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos, por força da alínea o) do n.º 2 do artigo 146º do mesmo Código – cfr. fls. 27 da parte II do PA;
j) Notificada do Relatório Preliminar, a Autora pronunciou-se em Audiência Prévia, no qual pede a exclusão da proposta da contra-interessada e a adjudicação da proposta da
Autora - cfr. fls. 29 da parte II do PA;
k) A 13.05.2021 o júri elaborou 1º relatório final do qual consta que:
“Em cumprimento do disposto no artigo 123.º do CCP, elaborado o relatório preliminar o júri disponibilizou a todos os concorrentes em 19.04.2021, através da plataforma electrónica com endereço www.acingov.com, fixando o prazo de 3 (três) dias para sobre ele se pronunciarem por escrito ao abrigo do direito de audiência prévia.
Ao abrigo do direito de audiência prévia, em 22.04.2021, às 00:12:16 foi submetido um documento por A., Lda. reclamando da decisão de exclusão da sua proposta. O Júri do procedimento avaliou o documento apresentado, de onde resulta:
- A proposta é obrigatoriamente constituída pelos documentos enunciados no ponto 9 do Convite;
- O valor relativo a " Operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais [Etar] e [EE elevatórias] para consumo humano, do MUNICÍPIO (...)", foi o único submetido à concorrência, com influência directa, para efeitos de aplicação do critério de adjudicação adoptado;
- O valor relativo a «Manutenção curativa de "carácter urgente"» é meramente indicativo (Caderno de Encargos Parte II- Cláusulas Técnicas, Cláusula 22. Condições Técnicas) pelo que não é alvo de qualquer avaliação, ou seja, não tem influência na classificação final da proposta.
Posto isto, o júri procedeu à reavaliação, rectificação e reordenação das propostas, deliberando pela admissão de todas as propostas apresentadas, conforme a seguir se discrimina: [imagem que aqui se dá por reproduzida]
Nestes termos, e tendo em conta o critério de adjudicação adoptado, o júri propõe a adjudicação à proposta apresentada pelo concorrente C., Lda., para a prestação de serviços "Operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais [Etar] e [EE elevatórias] para consumo humano, do MUNICÍPIO (...)", classificada em primeiro lugar em conformidade com critério de adjudicação definido no procedimento.
Nos termos do artigo 124. n. 2 do CCP, aprovado pelo DL n. 111-B/2007, o júri vai proceder a nova audiência prévia, restrita aos concorrentes interessados.
Cfr. fls. 40 da parte II do PA
k) Notificada do 1º Relatório final, a Autora pronunciou-se em Audiência Prévia, no qual pede a exclusão da proposta da contra-interessada por não ter apresentado os documentos exigidos no ponto 9 do convite e no ponto 8.4 da cláusula 22ª do caderno de encargos, nomeadamente a indicação dos preços unitários necessários à prestação
de serviços de “Manutenção curativa de carácter urgente” – cfr. fls. 41 da parte II do PA
l) A 05.07.2021, o Júri elaborou o 2º relatório final Relatório final, no qual, analisando a pronúncia dos concorrentes em sede de audiência dos interessados, propõe a adjudicação da proposta apresenta pela Contra-Interessada e do qual se retira que:
“Dado que houve reavaliação, rectificação e reordenação das propostas conforme consta do 1.º Relatório Final formalizado e disponibilizado a 13.05.2021, às 15:04:53, na plataforma de contratação pública acinGov, o júri do procedimento, nos termos do n.º 2 artigo 124.º do CCP, aprovado pelo DL n.º 111-B/2007 procedeu a nova audiência prévia, restrita aos concorrentes interessados, sendo subsequentemente aplicável o disposto no n.º 1, artigo 124.º do CCP.
O período supramencionado decorreu até às 23:59, do dia 18.05.2021 sendo que no dia 17.05.2021, às 11:51:43 foi submetido um documento por A., Lda.
manifestando a sua não concordância com a deliberação do Júri do procedimento.
Face às alegações patentes no documento apresentado, o Júri entende que:
a) O artigo 146.º, n. 2, d) do CCP, ao estabelecer como causa de exclusão resultante da omissão de documento da proposta, que tal documento se enquadre no n. 1 ou no n. 2 do artigo 57.º do CCP, ou seja, cominando apenas como causa de exclusão a falta do documento que for exigido lei e dos que são exigidos pela entidade adjudicante; com efeito, a lei apenas prevê a exclusão da proposta a que omita exigências prescritas na lei, não se aplicando tal solução quando estiver em causa a falta de quaisquer documentos que tenham sido exigidos pela entidade adjudicante;
b) Não estando prevista no convite, mas apenas no Caderno de Encargos a obrigatoriedade de fixação dos preços unitários de prestação do serviço de "Manutenção curativa de caracter urgente", não está aquela abrangida pelo preceituado no artigo 57.º, n. 1 do CCP;
c) Assim, o concorrente que não tenha apresentado proposta com a discriminação dos preços de tal prestação de serviços, autonomizando-os da restante proposta, não pode ser excluído, sob pena de violação do disposto no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, conjugado com os artigos 57.º, n.º 1, c), e 115.º, n.º 1, d), do mesmo diploma;
d) Seguindo de perto o Ac. TCA Sul de 10.12.2020 (proc. 700/20.9BELSB), a falta de tal proposta discriminada e autónoma não se pode enquadrar no regime da falta de documentos legais, nem dos exigidos no convite, Procedimento, mas apenas no de falta de documento que integra a proposta e, por isso, constitutivo da proposta por efeito da discricionariedade procedimental da entidade adjudicante, nos termos previstos no caderno de encargos, pelo que a mesma não segue o regime previsto no artigo 57.º, n.º 1, do CCP, não constituindo fundamento de exclusão da proposta, além de não se subsumir no artigo 146.º, n.º 2, d), do CCP, aplicando-se o regime das meras faltas ou irregularidades, passíveis de sanação, mediante convite dirigido ao concorrente, nos termos do artigo 72.º do CCP.
Pelas razões invocadas, o Júri:
a) Reitera a sua tomada de posição, que se traduz, concretamente, na admissão das propostas apresentadas pelas empresas convidadas;
b) Mais releva que o valor relativo a " Operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais [Etar] e [EE elevatórias] para consumo humano, do MUNICÍPIO (...)", é o único submetido à concorrência, com influência directa, para efeitos de aplicação do critério de adjudicação adoptado;
c) Salienta, ainda, que o valor relativo a «Manutenção curativa de "carácter urgente"» é um valor fixo definido pela entidade adjudicante, não sendo passível de alteração por parte das empresas, revestindo-se, portanto, de um carácter vinculativo a que deve obedecer a proposta.
(…)”
Cfr. fls. 46 da parte II do PA;
m) Por despacho do Presidente de Câmara, datado de 15.07.2021, foi adjudicado à contrainteressada a aquisição de serviços de operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) e EE (elevatória) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano do MUNICÍPIO (...) à contra-interessada, pelo preço contratual de € 18.494,00, acrescido de IVA, à taxa legal
em vigor - cfr. fls. 94 da parte II do PA;
DE DIREITO
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
É objecto de recurso a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, anulou o despacho de 15.07.2021 do Presidente da Câmara, de adjudicação à contrainteressada da aquisição de serviços de operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) e estações elevatórias (EE) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano do MUNICÍPIO (...), condenando o Réu a adjudicar o contrato concursado à A., ora recorrida.
Entendeu o Tribunal que “mal andou o júri do procedimento ao considerar que a omissão da informação exigida pelo 8.3 do caderno de encargos não consubstancia um fundamento de exclusão da proposta dos concorrentes nos termos da alínea c) do n. 1 do artigo 57.º, alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º e alínea d) e o) do n.º 2 do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos”, devendo ter excluído a contrainteressada do procedimento concursal.
Sublinhe-se que não é posta em crise a factualidade tida por assente.
Assim, vejamos,
No procedimento Consulta Prévia nº 33/2018, sob a epígrafe, V - Análise das Propostas (70º do CCP), o Júri procedeu à análise de todos os atributos, termos e condições das propostas apresentadas pelos concorrentes, decidindo do seguinte modo:
“O concorrente A., LDA., apresentou proposta em conformidade com o convite e caderno de encargos, bem como os respetivos documentos devidamente assinados pelo seu representante legal do concorrente, nos termos do exigido no convite do procedimento”.
O concorrente C., apresentou proposta, bem com os respetivos documentos devidamente assinados pelo representante legal do concorrente, nos termos do exigido no convite do procedimento. Contudo, não indicou na sua proposta os valores unitários exigidos no ponto “8. SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO CURATIVA DE “CARACTER URGENTE”, das cláusulas técnicas do caderno de encargos: “8. 3 Na proposta o prestador de serviços fixa os preços unitários necessários à prestação dos serviços e “Manutenção curativa de caracter urgente”, os quais se manterão inalteráveis no decorrer do contrato. 8.4 Na sua proposta o concorrente deverá indicar os preços discriminados relativos a estes serviços, nomeadamente os custos da sua instalação, com mão-de-obra, custo ao Km, etc”.
Tal situação não se trata de um atributo da proposta, atendendo ao que dispõe o artigo 56º do CCP quanto à noção de “atributo”, por este valor não estava submetido à concorrência.
Contudo, trata-se de “um termo ou condição” relativos a aspectos de execução do contrato que embora não submetidos à concorrência a entidade adjudicante pretende que o concorrente a eles fique vinculado.”
Tal situação, constitui causa de exclusão da proposta nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP, por violação do nº 1 do artigo 57º e alínea a) do nº 2 do artigo 70º”.
Assim, “O júri do procedimento verificou a existência de motivo de exclusão da entidade C., ao não indicar na sua proposta os valores unitários exigidos no ponto “8 SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO CURATIVA DE CARACTER URGENTE. Tratando-se de um termo ou condição relativos a aspectos de execução do cotrato que, embora não submetidos à concorrência, a entidade adjudicante pretende que o concorrente a eles fique vinculado, constitui causa de exclusão da proposta nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP, por violação da alínea a) do nº 2 do artigo 70º do CCP”.
Atente-se nos contornos da acção:
A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social a prestação de serviços de engenharia na área de ambiente, tratamento de águas residuais (ETAR) e estações de tratamento de água (ETA), Bombagem e Adução de Água.
O Réu, através de Convite, lançou o procedimento pré-contratual de consulta prévia para celebração do contrato designado por “Operação e manutenção das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) e EE (elevatória) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano, do MUNICÍPIO (...).”.
No âmbito do concurso foram apresentadas três propostas: a proposta da autora, e as das concorrentes “L., SA” e C., Lda..
O ponto 9 do Programa de Concurso enuncia os documentos que devem constituir a proposta.
Entre esses documentos consta, designadamente, na alínea c): “Memória descritiva dos serviços a prestar com indicação detalhada da forma, prazos e condições em que os serviços serão prestados, bem como indicação dos materiais/equipamentos e meios humanos a afectar, em conformidade com as especificações técnicas do caderno de encargos”.
Por seu turno, o ponto 21 do referido programa preceitua que as peças constituintes do procedimento de formação do contrato são o Caderno de Encargos e o Convite.
O Caderno de Encargos, na cláusula 4ª: sobre a epígrafe Obrigações Principais, elenca um conjunto de obrigações para o adjudicatário, entre elas, a obrigação descrita na alínea d): “Prestação de serviços de “Manutenção curativa de carácter urgente, ou seja, situações em que a não acção levará a prejuízos imediatos e diretos e no serviço de abastecimento de água e/ou de tratamento de águas residuais. Caberá ao município identificar quais as acções de carácter urgente, caso a caso”.
E, na cláusula 8.3 dos “SERVIÇOS DE MANUTENÇÂO CURATIVA DE CARÁCTER URGENTE”, o Caderno de Encargos dispõe o seguinte: “Na proposta, o prestador de serviços fixa os preços unitários necessários à prestação dos serviços de “Manutenção curativa de carácter urgente”, os quais se manterão inalteráveis no decorrer do contrato. E, impõe no ponto 8.4 o seguinte: “Na sua proposta o concorrente deverá indicar todos os preços discriminados relativos a estes serviços, nomeadamente, os custos da sua instalação, com mão de obra /hora, custo ao Km, etc.”.
A proposta da Autora, ao invés da proposta da concorrente C., Lda., é constituída por todos os documentos previstos no Programa de Concurso, cumprindo, desta forma, com todas as suas exigências e requisitos.
De facto, a concorrente C., Lda., não instruiu a proposta com os elementos exigidos no programa de contrato e com os elementos constantes dos pontos 8.3 e 8.4 do Caderno de Encargos, de acordo com os critérios estabelecidos para a adjudicação das propostas.
Em 13 de abril de 2021, perante essa omissão, foram solicitados esclarecimentos pelo Júri à proposta apresentada pela concorrente C., Lda., nos seguintes termos; “Em fase de análise de propostas vem o Júri do Procedimento, nos termos do artigo 72.º do CCP, solicitar esclarecimento quanto ao exigido no ponto 8.4 do Caderno de Encargos, dado que não foram indicados quaisquer valores/preços discriminados para manutenção curativa, em particular, para o custo da sua instalação com mão-de-obra/hora e custo ao Km, etc..
Em 14 de abril de 2021, na sequência do pedido de esclarecimento do júri veio, a concorrente C., Lda., apresentar um documento nos seguintes termos: ESCLARECIMENTOS À PROPOSTA – MANUTENÇÃO CURATIVA - Preços Unitários relativos aos serviços de MANUTENÇÃO CURATIVA (cf. exigido no ponto 8.3 do ponto 8 da clausula 20º do caderno de encargos) 25€ Mão de Obra (€/ 0.21 €/k).
No dia 19 de abril de 2021, o Júri elaborou o relatório preliminar no qual após a análise e classificação das propostas propôs a exclusão da proposta da Autora, invocando o disposto do artº 70º, nº 2., alínea b), aplicável por força da alínea o), do nº 2, do artigo 146º, ambos do CCP, e a adjudicação à proposta da C., Lda..
Relatório esse, a que, em 22.04.2021, a Autora respondeu em sede de audiência prévia, reclamando da decisão de exclusão e pedindo a revisão da classificação da mesma, com as demais consequências em termos de sua ordenação e a exclusão da proposta admitida.
No dia 13 de maio de 2021, na sequência dessas alegações, o Júri elaborou o 1º Relatório Final, no qual procedeu à reavaliação, rectificação e reordenação das propostas, deliberando pela admissão de todas as propostas apresentadas, e “propondo a adjudicação à proposta apresentada pela concorrente C., Lda., classificada em primeiro lugar em conformidade com o critério de adjudicação definido no procedimento”.
Em 08 de julho de 2021, através da plataforma informática, a Autora foi notificada da decisão final de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente C., Lda..
Ora, contrariamente ao sucedido, a proposta adjudicada deveria ter sido excluída por a mesma contender com as normas do procedimento, com o caderno de encargos e a lei, razão pela qual o acto de adjudicação consubstanciando a escolha daquela proposta, é ilegal e tinha de ser anulado, como bem o foi pelo Tribunal recorrido - cfr. nº 1, do artigo 73º, do CCP.
A anulação do acto de adjudicação sindicado e a condenação do Réu a excluir a proposta da concorrente C. e a adjudicar a da Autora foram bem decididas pelo Tribunal a quo.
Com efeito, nos termos do Convite da Consulta Prévia, sob a epígrafe Aquisição de Serviços, o concurso tem por objecto “Operação e manutenção das estações de tratamento e águas residuais (ETAR) e EE (elevatórias) e manutenção de todos os sistemas de abastecimento de água para consumo humano, do MUNICÍPIO (...)”.
O concurso rege-se, especialmente, pelas respectivas peças do Programa de Procedimento e do Caderno de Encargos.
Segundo a cláusula 6 do Procedimento Contratual, “A adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, tendo por base a avaliação de preço ou custo enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar (alínea b) do nº 1 do artigo 74º do CCP).
E, de acordo com o ponto 9 do Procedimento Contratual, “A proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I, do presente, do qual faz parte integrante; b) Declaração do concorrente, assinada e datada com indicação do preço total S/IVA pela prestação dos serviços, respectiva nota justificativa e taxa de IVA apoucável; c) Memória descritiva dos serviços a prestar com indicação detalhada da forma, prazos e condições, em que os serviços serão restados, bem como indicação dos materiais/equipamentos e meios humanos, em conformidade com as especificações técnicas do caderno de encargos;
Por seu turno, na alínea d) do nº 1 da cláusula 4ª (obrigações principais do adjudicatário) o Caderno de Encargos estipula o seguinte: “Prestação de serviços de “Manutenção curativa de carácter “urgente”, ou seja, situações em que a “não acção” levará a prejuízos imediatos e directos e no servidor de abastecimento de água e/ou de tratamento de águas residuais. Caberá ao município identificar quais as acções com carácter urgente, caso a caso”.
Nessa conformidade, estabelece a cláusula 8.3 do Caderno de Encargos: “Na proposta o prestador de serviços fixa os preços unitários necessárias à prestação dos serviços de “Manutenção curativa de carácter urgente”, os quais se manterão inalteráveis no decorrer do contrato”.
Acrescentando, de seguida, no ponto 8.4: “Na sua proposta o concorrente deverá indicar todos os preços discriminados relativos a estes serviços, nomeadamente os custos da sua instalação, com mão de obra/hora, custo ao Km, etc.”.
Ora, a informação solicitada, nomeadamente os custos da instalação com mão de obra /hora, custo ao Km, etc. reportados à Manutenção curativa de caracter urgente não foi efectivamente apresentada pela concorrente C.. Facto que a Autora/Recorrida suscitou, assim que foi notificada do relatório preliminar, defendendo que, ao invés da proposta adjudicada, a sua proposta observa todos os requisitos para poder ser admitida.
Ademais, não poderiam ser solicitados esclarecimentos nos termos em que o foram, isto porque, não havia necessidade de aclarar ou esclarecer qualquer elemento da proposta, antes havia uma omissão fundamento da exclusão ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 2, alíneas d) e n) do CCP, pelo que, mal andou o Júri ao considerar ser admissível a submissão do referido documento em fase de esclarecimentos, sem o qual a proposta teria de ser excluída.
Aliás, na sequência desse pedido de esclarecimento, a concorrente C., ao invés de aclarar ou esclarecer o sentido de algo que já se encontrava na sua proposta, aproveitou o ensejo para juntar, para lá do prazo de apresentação das propostas, o documento de vinculação à clausula 8.3 e 8.4 do Caderno de Encargos, violando o princípio da intangibilidade das propostas.
Resulta da resposta da C., que, ao invés de esclarecer aquilo que já constava da sua proposta, submeteu um Documento que estava em falta, sem o qual a sua proposta teria de ser liminarmente excluída;
Neste contexto, após a constatação pelo Júri da violação das regras procedimentais, nos termos operados pela concorrente C., a única decisão que respeitaria a lei, as disposições regulamentares e os princípios aplicáveis era, apenas e só, a exclusão da proposta prevaricadora, in casu a proposta adjudicada.
A não exclusão da proposta da C., Lda., nos termos descritos, criou uma situação injusta e em benefício indevido do Concorrente faltoso, atentando contra os princípios da Concorrência, Igualdade, Transparência e Imparcialidade.
Na verdade, o Código dos Contratos Públicos estatui que as propostas devem ser acompanhadas pelos documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar (cfr. artigo 57°/1/b) do Código dos Contratos Públicos).
Além disso, as propostas devem possuir os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetido à concorrência pelo caderno de encargos (cfr. artigo 57°, n° 1, alínea c) do CCP).
E, se tal não suceder ou se dos documentos juntos não constarem algum dos atributos ou constarem atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos, ou apresentarem termos ou condições não submetidos à concorrência que violem aspetos da execução do contrato a celebrar ou que sejam impossíveis de avaliar em virtude da forma de apresentação dos seus atributos, as mesmas devem ser imediatamente excluídas (cfr. artigos 70°, n° 2, alíneas a), b) e c) e 146.°, n.º 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos). Pois, se as propostas constituem uma declaração negocial onde o interessado comunica à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (cfr. artigo 56°/1 Código dos Contratos Públicos), por outro lado, é com base nelas que a entidade adjudicante forma o seu juízo e profere a sua decisão adjudicatória.
Assim, conforme refere o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 29/09/2016, no Processo n° 0867/16, daqui “decorre não só que a proposta é uma peça fundamental no procedimento de contratação pública mas também o princípio da sua imutabilidade ou intangibilidade - que proíbe que ela seja objeto de alterações ou correções posteriores - princípio que só cede nos casos em que esteja prevista a possibilidade de negociação e, portanto, a possibilidade da sua alteração”.
Do conteúdo da cláusula 8ª do caderno de encargos, designadamente do 8.3 e 8.4 resulta que todos os concorrentes estão obrigados a indicar e apresentar este elemento concreto, pelo que o mesmo terá de ser objecto de avaliação em sede de aplicação do critério de adjudicação. Ou seja, nessa sede, os aspectos submetidos à concorrência e sobre os quais deve incidir a avaliação não podem deixar de ser os mesmos para todos os concorrentes e exigidos igualmente a todos.
A exigência de todas as propostas dos concorrentes corresponderem a um padrão comum, isto é, que respondam às especificações constantes do procedimento contratual e do caderno de encargos é corolário do princípio da concorrência bem como do princípio que permite a comparabilidade das propostas.
A obrigatoriedade da apresentação de documentos face a aspetos não submetidos à concorrência, relativos a termos ou condições da execução do contrato pode advir tanto do Programa do Concurso, como do Caderno de Encargos, o que contraria a tese do Júri, constituindo fundamento da exclusão da proposta não só a indicação de termos e condições que violem aspetos da execução do contrato não submetido à concorrência, como também a omissão desses termos ou condições, a qual é essencial para a execução do contrato.
Entender como dispensável um determinado documento concursal, num momento em que são já conhecidas todas as propostas, é inaceitável por constituir uma clara violação das regras da concorrência e do princípio da intangibilidade das peças do procedimento.
No caso concreto, entre esses documentos consta, designadamente, nos termos ponto 8.3 e 8.4 a “lista de preços unitários para os trabalhos de Manutenção de Cura com carácter urgente, com indicação de preços unitários para todas as quantidades”.
Assim, ao contrário do que sustentou o júri no relatório preliminar, e depois no relatório final, não está em causa a falta de um aspecto ao dispor da vontade do concorrente C. mas sim um aspecto obrigatório exigido pelo procedimento contratual e pelo caderno de encargos.
Foi, manifestamente, por isso, que a entidade adjudicante pretendeu desta forma garantir que os concorrentes se auto-vinculassem a esses elementos, passando a constituir aspectos de execução do contrato a celebrar, constituindo, por isso, a sua não apresentação motivo de exclusão da proposta, nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 2, alínea b), do Código dos Contratos Públicos”, ao contrário do que o Júri entendeu. Ou seja, nos termos das peças do procedimento, a omissão do documento constante do ponto 8.4 e 8.3 do CE contém informação de maior relevância material, sem a qual a Entidade Adjudicante não poderá dar prossecução à sua principal obrigação contratual: o pagamento do preço devido ao cocontratante.
É por isso inquestionável que a proposta adjudicada não respeita as regras de apresentação do preço fixadas pela entidade adjudicante, o que impossibilita a sua avaliação e comparação com as demais propostas, atento o critério de adjudicação (…) do mais baixo preço” pelo que, repete-se, deveria ter sido excluída nos termos do artigo 70º, n.º 2, alínea c), do Código dos Contratos Públicos.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, a proposta é constituída pelos documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
São excluídas as propostas cuja análise revele que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, de acordo, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 57.º do CCP (CCP, artº 70.º, n.º 2, alínea a).
Aliás, no pedido de esclarecimentos formulado pelo júri a proposta do concorrente faltoso não havia nada para esclarecer ou aclarar, antes resulta evidente a omissão do documento exigido no programa do concurso, nomeadamente do caderno de encargos.
Ao assim não entender, o relatório preliminar fez uma errada interpretação do disposto na parte final da alínea c) do nº 1 do artº 57º, do CCP, e denegou as condições contratuais impostas aos concorrentes.
Resulta do disposto no artigo 124º, nº 2 do CCP, em particular da remissão ali efectuada para o artigo 146º, nº 2 daquele Código que, no procedimento de consulta prévia, o júri deve propor a exclusão da proposta, para além de outras situações, quando se verifique, pela respectiva análise, que ela revela “alguma das situações previstas no nº 2 do artigo 70º” (cfr. artigo 146º, nº 2, alínea o) do CCP).
A este propósito preceitua o artigo 70º do CCP:
1 – As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições. 2 – São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respectivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º; (…)”
Impunha-se, por isso, ao Júri, a análise das peças processuais, quais os termos previstos sobre esta matéria nas peças concursais, quer do procedimento contratual quer do caderno de encargos, para verificar se a concorrente C. apresentou a sua proposta nos termos aí constantes.
Como acima se deixou dito, ao contrário da proposta da Autora/Recorrida, a concorrente C. não instruiu a sua proposta fazendo menção aos aspectos obrigatórios previstos na cláusula 8.3 e 8.4 do Caderno de Encargos.
Neste contexto, deveria, assim, a referida proposta ter sido excluída, conforme se estatui na mencionada alínea c) do nº 1 do artigo 70º (e alínea d) do nº 2 do artigo 146º, do Código dos Contratos Públicos).
Em suma, bem andou o aresto recorrido ao secundar o entendimento da aqui recorrida, considerando que o ora Recorrente deveria ter excluído a contrainteressada C., Lda., do procedimento, por esta não ter respeitado as cláusulas técnicas n.ºs 8.3 e 8.4 do caderno de encargos, por força do disposto nas als. d), e n) do n.º 2, do art.º 146.º, do CCP, conjugado com as alíneas b) e c), do n.º 1, do art.º 57.º e als. a), b) e c), do art,º 70.º daquele diploma.
Por fim, salienta a Entidade Demandada que a Autora exerce o seu direito de acção de forma abusiva na modalidade de “venire contra factum próprium”, porquanto aceitou o entendimento da Entidade Demandada quanto ao valor fixo não sujeito a concorrência quando esta supriu a falta de indicação de € 5.000,00 na sua proposta, mas não deixou de censurar o comportamento do mesmo júri quanto ao esclarecimento que o júri solicitou à contra-interessada, para indicar os preços unitários de manutenção curativa.
Como sentenciado, o abuso do direito pressupõe a utilização do direito subjectivo estabelecido por lei ou contrato, embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. Constitui uma válvula de segurança, no sentido de obviar a injustiças intoleráveis para o sentimento jurídico que, face às condições do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido.
O abuso do direito tem como fundamento primordial a tutela da confiança, sendo a manifestação mais clara desse abuso o “venire contra factum proprium”.
Como se depreende (…), como primeiro pressuposto para a existência do abuso do direito na modalidade do “venire contra factum proprium” está a existência de um comportamento anterior do agente que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança.
In casu, o facto de o Júri ter admitido a proposta da Autora não é molde a criar qualquer legítima expectativa no sentido que não irá reagir contra a admissão da contra-interessada, ainda para mais, numa situação em considera que a proposta não obedece as regras constantes das peças do procedimento e numa situação diferente da que, num primeiro momento, motivou a exclusão da sua proposta.
“Em conclusão, mal andou o júri do procedimento ao considerar que a omissão da informação exigida pelo 8.3 do caderno de encargos não consubstancia um fundamento de exclusão da proposta dos concorrentes nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 57º, alínea a) do n.º 2 do artigo 70º e alíneas d) e o) do n.º 2 do artigo 146º do Código dos Contratos Públicos”.
Improcedem, assim, as Conclusões das alegações.
A sentença fez escorreita leitura dos preceitos e dos princípios visados e norteou-se pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, razão pela qual será mantida na ordem jurídica.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 28/01/2022
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro |