Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00407/10.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/21/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; OBRAS EM ESTRADA MUNICIPAL; ESTRAGOS EM PRÉDIO PARTICULAR;
REPARTIÇÃO DE CULPAS.
Sumário:Num caso de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito de um município por danos causados num prédio particular com obras levadas a cabo numa estrada municipal, colocando-se a questão da repartição de culpas e não se sabendo quais as deficiências que o prédio do autor já apresentava antes das obras na estrada municipal e, portanto, quais os estragos provocados pela deficiência na construção do prédio ou pela falta ou deficiência de obras de reparação e conservação, por um lado, e quais os estragos provocados pelas obras na estrada municipal, por outro lado, não se vê que outra solução se possa adoptar no caso que não seja a de repartir em partes iguais o contributo para os danos verificados, como decidido.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:C. e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Município de (...) veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 17.09.2020, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção intentada por C. e, em consequência, condenados os Réus, o Município Recorrente e a Massa Insolvente de (...) a pagarem ao Autor, ora Recorrido, a quantia de 6.014,30 € (seis mil e catorze euros e trinta cêntimos), acrescida de I.V.A..

Invocou para tanto, em síntese, que: a sentença condena em objecto diverso do pedido (artigo 615.º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Civil), dado ter acrescido ao montante indemnizatório o valor do I.V.A., valor este que não foi pedido nem pago ainda; o Autor nunca foi ouvido em declarações e por isso não se pode assumir sem mais de que só terá tido conhecimento da situação quando os seus pais lhe pediram ajuda para elaborar a carta dirigida ao Município, com base no depoimento das testemunhas; as declarações de parte do Autor não foram admitidas por estar o Tribunal convicto de que este não teve qualquer intervenção pessoal nos factos ou um qualquer conhecimento direto; no entanto, a forma como o Autor teve conhecimento dos danos e quando, as diligências que efetuou ou não com vista ao ressarcimento dos danos, são factos em que interveio pessoalmente ou de que tem conhecimento pessoal e direto, pelo que as declarações de parte do Autor sempre deveriam ter sido admitidas. está demonstrado que o Autor em Maio de 2007 tinha perfeito conhecimento dos pressupostos do seu direito, pelo que o mesmo se encontra prescrito desde Maio de 2010; o facto dado como provado no ponto 18, de que “Por volta de junho de 2007 a 2.ª R. realizou, nas imediações e na zona que confronta com o prédio do A., trabalhos de compactação e pavimentação.” está incorrectamente julgado e como tal não deve ser dado como provado, isto porque resulta da prova documental constante dos autos que as obras na zona da habitação do Autor, decorreram durante o mês de Maio desse ano; os factos dados como provados nos pontos 23 e 24 são meramente conclusivos, não tendo ficado suficientemente provada a ocorrência dos danos; não se verificam, em todo o caso, todos os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por facto ilícito, ao contrário do decidido; tal como foi referido pelos peritos sem o relatório de patologias prévio do imóvel, não é possível estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre a fissuração existente e a realização das obras; por não haver essa prova, e face á idade do imóvel, a imputação do nexo causal na medida de 50% dos danos que o imóvel apresenta é desproporcional.

O Recorrido contra-alegou defendendo a improcedência total do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) No que se refere ao valor de 6.014,30€ (seis mil e catorze euros e trinta cêntimos) acrescidos de IVA, a sentença ora recorrida condena em objeto diverso do pedido (art. 615.º, n.º1 e) do CPC), uma vez que o Autor na sua petição inicial peticionou que os RR fossem condenados a pagar indemnização no valor de 43.230,50€, correspondente ao montante necessário à realização das obras destinadas à reparação dos referidos danos, valor esse indicado sem IVA, acrescido de juros legais vencidos desde a citação até integral pagamento.

b) O Autor não peticionou que lhe fosse pago qualquer valor correspondente ao IVA que eventualmente teria que suportar com a reparação, mas sim uma indemnização acrescida de juros.

c) Veja-se que a reparação, do que resultou provado, ainda não foi efetuada pelo que ainda não foi faturado ao Autor. Não podendo nessa medida a ora recorrente ser condenada a pagar um valor a título de IVA de uma fatura que não existe.

d) O facto dado como provado no ponto 18 – “ Por volta de junho de 2007 a 2.ª R. realizou, nas imediações e na zona que confronta com o prédio do Autor, trabalhos de compactação e pavimentação.” está incorretamente julgado e como tal não deve ser dado como provado, isto porque resulta da prova documental constante dos autos que em maio de 2007 já os trabalhos de compactação e pavimentação tinham ultrapassado a zona da casa do A, não tendo sido executados em Junho qualquer tipo de trabalhos de pavimentação naquela zona.

e) Do início da empreitada à zona da habitação do Autor contam-se cerca de 15.600 m2 (2600 metros de extensão com cerca de 6 metros de largura) e através dos autos de medição, que representam os trabalhos executados no mês a que diz respeito, é possível verificar o avanço temporal dos trabalhos.

f) Conforme se extrai dos autos de medição n.º 2, de 30/04/2007 e n.º 3 de 31/05/2007, referentes ao Troço B Matouce - N15 da Empreitada de Repavimentação da E.M. 566, os trabalhos de escarificação, compactação e pavimentação na zona da habitação do A ocorreram, todos, durante o mês de maio.

g) Isto porque, tendo presente que do início da empreitada à habitação do A são cerca de 15.600 m2, no mês de abril (auto n.º 2 Troço B Matouce – N15) apenas haviam sido executados 8300 m2 dos seguintes trabalhos de Pavimentação:

“3.1. Espalhamento, regularização e compactação do material proveniente da escarificação em toda a plataforma a pavimentar a betuminoso (sub-base); 3.2. – Base, satisfazendo o estipulado no C.E. e de acordo com o(s) perfil (s) transversal(is) – Tipo incluindo fornecimento, transporte e aplicação:

3.2.1. Em material granular britado (de granulometria extensa);

3.2.1.1 – Com 0,20 m de espessura, após compactação.”

h) Não restando dúvidas que ainda não havia sido alcançada a zona da habitação do Autor.

i) Já da leitura do auto de medição referente ao mês de maio (auto de medição n.º 3 do Troço B – Matouce – N15), é possível verificar que nesse mês foram executados mais 9200 m2 dos seguintes trabalhos de pavimentação: “3.1. Espalhamento, regularização e compactação do material proveniente da escarificação em toda a plataforma a pavimentar a betuminoso (sub-base); 3.2. – Base, satisfazendo o estipulado no C.E. e de acordo com o(s) perfil (s) transversal(is) – Tipo incluindo fornecimento, transporte e aplicação:

3.2.1. Em material granular britado (de granulometria extensa);

3.2.1.1 – Com 0,20 m de espessura, após compactação.”

j) Ora, somando os trabalhos executados neste mês com os do mesmo tipo já executados no mês anterior, resulta que a 31/05/2007 já se encontrava realizada a escarificação e compactação do material dela resultante, bem como colocada a camada do tout-venant com 0,20m de espessura, no total de 17500.000 m2 da via.

k) Se a zona da habitação do A se localiza a 15.600 m2, facilmente se depreende que em maio de 2007, os trabalhos executados de escarificação, compactação do material de escarificação, colocação do tout-venant e compactação deste já tinham ultrapassado a zona da habitação do Autor

l) Continuando a leitura do auto de medição referente ao mês de maio (auto de medição n.º 3 do Troço B – Matouce – N15), é possível verificar que também nesse mês foram executados 17500.000 m2, ou seja, em toda a área onde já haviam sido realizados os trabalhos de escarificação, compactação, colocação do tout-venant e sua compactação, os seguintes trabalhos também designados de pavimentação:

“3.3. Camada de regularização, satisfazendo o C.E. e de acordo com o(s) perfil(s)-Tipo incluindo fornecimento, transporte e aplicação:
3.3.1 – Em mistura betuminosa densa;
3.3.1.1 – Com 0,06m de espessura, após compactação.
3.5. - Regas de impregnação e colagem de acordo com o estipulado no C.E., incluindo fornecimento e aplicação:
3.5.1 – Rega de impregnação”

m) Daqui se extrai que foi durante todo o mês de maio de 2007 que os trabalhos decorreram na zona da habitação do A chegando a ultrapassá-la. Em maio de 2007 a via já se encontrava com o tapete betuminoso colocado, isto é, pavimentado.

n) No decurso do mês de junho não foram executados quaisquer trabalhos de pavimentação quer na zona da habitação do Autor quer nas proximidades, dado que apenas foram executados trabalhos de pavimentação em cubos no outro troço da empreitada, designado de Troço A – N.211-1/Matouce.

o) Não há dúvidas que em junho de 2007 nenhum trabalho se realizou naquela zona, e resultou do depoimento das testemunhas Maria da Glória e J. que estes denunciaram o aparecimento dos danos imputando-os à empreitada junto da fiscalização municipal, na pessoa do Eng.º António Pereira, e do responsável da 2.ª R., ainda no decurso dos trabalhos na zona da habitação, ou seja, durante o mês de maio. Assim, o facto dado como provado no ponto 28 está incorretamente julgado e como tal não deve ser dado como provado.

p) O facto dado como não provado no ponto 4 está incorretamente julgado e em contradição com o facto 27 dado como provado.

q) As obras na zona da habitação do Autor, decorreram durante o mês de maio de 2007, não tendo sido executadas naquele local qualquer tipo de trabalhos no mês de junho.

r) E apesar de o Autor e seus pais apenas terem dirigido por escrito a reclamação ao Município a 20 de junho de 2007, referem nessa comunicação “Aquando da pavimentação da referida via (Trovoada – Vila Meã) as maquinas para execução da obra, principalmente a máquina “cilindro” para abatimento do terreno da via para posterior pavimentação com alcatrão, fizera estremecer tudo aquando da sua passagem, ora com este movimento a minha casa ficou totalmente partida (…) .

Depois de analisarem os estragos o Sr. Eng. P. e o responsável pela empresa U. disseram-nos para que encaminhasse o assunto para a Câmara Municipal de (...), fazendo uma exposição ao Sr. Presidente da Câmara, Dr. A..

O responsável pela empresa U. informou-nos que possuía seguro para este efeito de estragos causados nas habitações aquando da realização das obras na via. (…)”

s) Na carta remetida o Autor demonstra o conhecimento da causa dos danos, referindo-se “aquando da pavimentação da referida via”, pavimentação essa que como já ficou demonstrado ocorreu em maio de 2007, e nunca em junho, sendo que o Autor admitiu na sua réplica que também em maio de 2007 já tinha a perceção dos danos.

t) Por tudo isto, está demonstrado que o Autor em maio de 2007 tinha perfeito conhecimento dos pressupostos do seu direito, pelo que o mesmo se encontra prescrito desde maio de 2010.

u) A utilização das expressões “disseram-nos” e “informou-nos” naquela comunicação evidencia que o Autor estava a par de todas as conversações que haviam ocorrido. Embora pudesse não as ter presenciado, tudo leva a crer que os seus pais terão agido em sua representação e que o manteriam informado. Pelo que sabia o que provocou os alegados danos e a quem se deveria dirigir.

v) O Autor nunca foi ouvido em declarações e por isso não se pode assumir sem mais de que só terá tido conhecimento da situação quando os seus pais lhe pediram ajuda para elaborar a carta dirigida ao Município, com base no depoimento das testemunhas.

w) As declarações de parte do Autor não foram admitidas por estar o Tribunal convicto de que o Autor não teve qualquer intervenção pessoal nos factos ou um qualquer conhecimento direto.

x) No entanto, a forma como o Autor teve conhecimento dos danos e quando, as diligências que efetuou ou não com vista ao ressarcimento dos danos, são factos em que interveio pessoalmente ou de que tem conhecimento pessoal e direto, pelo que as declarações de parte do Autor sempre deveriam ter sido admitidas.

y) Os factos dados como provados nos pontos 23 e 24 são meramente conclusivos, não tendo ficado suficientemente provada a ocorrência dos danos.

z) Da prova produzida nos autos o Autor não logrou provar qual o estado de conservação do seu imóvel em momento anterior às obras. Apenas se sabe que apresentava alguma fissuração (facto confirmado pela testemunha Joaquim Vieira) mas não se sabe a sua quantidade nem tamanho, nem a sua idade, tendo ficado assente no relatório pericial que o referido imóvel está sujeito a vibrações normais do tráfego da via”, sendo sujeito, tal como qualquer outro prédio, a mecanismos naturais tais como “expansão diferencial térmica dos materiais” e “assentamentos diferenciais”.

aa) Os factos foram dados como provado com base em juízos hipotéticos que não correspondem à realidade, nem encontram na prova um mínimo de correspondência.

bb) A presente ação e no que respeita ao pedido formulado contra o aqui Recorrente, funda-se no regime da responsabilidade civil extracontratual do Município de (...) por danos resultantes do exercício da função administrativa no Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de novembro de 1967, em vigor à data dos factos.

cc) Tal como referido pela sentença são pressupostos cumulativos da responsabilidade por atos ilícitos e culposos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. A não verificação de um destes pressupostos acarreta automaticamente a inexistência de responsabilidade.

dd) A responsabilidade civil emergente de omissões depende da existência de um dever de praticar a ação omitida de forma a evitar a produção de danos para outrem.

ee) A conduta/omissão ilícita que vem imputada ao Recorrente resulta de como dono de obra não ter realizado uma adequada fiscalização e planeamento de segurança da obra, impondo a adoção ao empreiteiro das medidas de prevenção adequadas a evitar os danos, ou seja, o exercício deficiente dos seus poderes de direção e fiscalização da obra.

ff) Os danos reclamados alegadamente surgiram no decurso da Empreitada da Repavimentação da EM. 566, que estava consignada ao adjudicatário U., ,

gg) Decorre do artigo 150.º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, aplicável aos autos, que há um dever de consignação da obra por parte do dono de obra.

hh) O Recorrente Município por este ato, que constitui um dever legal, entregou o local dos trabalhos, ou seja, a EM.566 ao empreiteiro, que nos termos do artigo 24.º n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2 de março, “tem a obrigação, salvo estipulação em contrario, de realizar á sua custa todos os trabalhos que, por natureza ou segundo o uso corrente a execução da obra implique como preparatórios ou acessórios.”

ii) constituído especial obrigação do empreiteiro a execução dos seguintes trabalhos “… b) Os necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra, incluindo o pessoal dos subempreiteiros, e do público em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança, higiene e saúde no trabalho e de polícia das vias públicas;” (cfr. Alínea b), do n.º 2 do artigo 24.º do DL n.º 59/99, de 2 de março).

jj) Ora, da conjugação dos artigos 150.º e 24.º do DL n.º 59/99, de 2 de março, resulta que o Recorrente Município tinha o dever de entregar o local dos trabalhos ao adjudicatário, 2.ª R. U. , e que este tinha obrigação de desenvolver os trabalhos necessários para evitar danos quer nos prédios vizinhos quer nas pessoas.

kk) Daqui se extrai que sobre o Município de (...) não impendia nenhum dever de ordem a evitar danos quer nos prédios vizinhos quer em terceiros.

ll) O contrato de empreitada é um contrato de resultado, em que o empreiteiro se obriga, mediante o pagamento do preço a atingir o resultado final, que será a construção de uma obra material. E dos poderes de fiscalização concedidos ao dono de obra, não é possível extrair que o exercício desse seu poder de fiscalização se estende para além da verificação do “exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor”, até porque os atos de fiscalização enunciados no art. 180.º do DL n.º 59/99, têm como único escopo a verificação do cumprimento da prestação contratual do empreiteiro.

mm) Ficou assente que tecnicamente, não havia outra forma de executar os trabalhos, sendo a utilização daquelas máquinas imprescindíveis e que tecnicamente não há medidas que possam ser adotadas para minimizar os danos. Os senhores peritos referiram que um pouco de cuidado junto das habitações que ajuda sempre, mas que depende sempre do tipo de construção e da qualidade da construção, pelo que a adoção de uma qualquer medida poderia não ter garantia de sucesso.

nn) O Município não tinha o dever de impor quaisquer medidas especiais, porque com a consignação da obra e consequente entrega do local dos trabalhos ao empreiteiro e passa este a ser responsável por todos os danos decorrentes da execução da empreitada, deixando de ter o dever de vigilância sobre a coisa.

oo) Isto porque o empreiteiro passa a deter a coisa, com vista à realização da obra e, com essa detenção, assume os poderes de direção e controle que caracterizam o dever de guarda e vigilância.

pp) O dever de vigilância não poderá permanecer no dono da obra, pois não detendo ele a vigilância e direção efetiva da mesma, não pode prevenir os danos que dela possam vir, passando este dever para o empreiteiro, aquando da consignação, que passa a deter a coisa, coisa esta que está a ser objeto de transformação através dos atos e trabalhos realizados pelo empreiteiro com vista à realizada da empreitada, trabalhos esses realizados com autonomia técnica.

qq) O dono da obra não tem nenhum dever de vigiar/fiscalizar com vista a impedir a ocorrência de danos derivados da realização de uma atividade que não é por si executada e que, por isso, não domina. Tal dever de vigilância encontra-se na esfera do empreiteiro que tem o domínio do processo executivo.

rr) Além disso, a serem aplicadas medidas, estas deveriam ser aplicadas pelo empreiteiro, no cumprimento do seu dever previsto no artigo 24.º do DL n.º 59/99 de 2 de março, sendo que estando as máquinas no poder da 2.ª R. o dever de vigilância sobre as mesmas pertencia à 2.ª R.

ss) Assim, não estando preenchidos os pressupostos do facto e da ilicitude, em relação ao Recorrente Município, por este não ter omitido um qualquer dever que lhe era imposto, não poderá haver responsabilidade civil extracontratual porque os requisitos são cumulativos.

tt) Mesmo que assim não se entenda, o que só por mera cautela de defesa se admite ainda assim, não estaria preenchido o pressuposto do dano e do nexo de causalidade.

uu) O Autor não logrou provar qual o exato estado do seu imóvel em momento anterior à realização das obras de repavimentação da EM 566, sabendo-se ainda que o imóvel já apresentava alguma fissuração, não estando concretamente apurada a existência de outras fissuras, o seu tamanho e a sua idade.

vv) Sem se conhecer o estado prévio do imóvel, não é possível aferir da ocorrência dos alegados danos. Como se consegue apurar? Qual a medida do alegado agravamento das fissuras? Quantas fissuras novas apareceram?

ww) Pelo exposto, o pressuposto do dano não deve considerar-se preenchido.

xx) Ainda que assim não se entenda, o nexo de causalidade não se encontra preenchido considerando que:

yy) Foi dado como facto assente que os trabalhos na via foram realizados com idêntica intensidade e regularidade e que a maquinaria utilizada era necessária à realização deste tipo de empreitada de repavimentação;

zz) Foi reconhecido que ao longo de toda a extensão da via existem centenas de casas, e grande parte delas nas mesmas circunstâncias que a habitação do Autor em relação à via, ou seja, muito próximas da via;

aaa) O prédio do Autor anteriormente à realização das obras apresentava alguma fissuração e que foi em virtude da existência dessa fissuração pré-existente que a passagem da maquinaria causou o seu agravamento e a abertura de novas fissuras;

bbb) Foi referido pelas testemunhas que este tipo de obras não é normal a ocorrência deste tipo de danos, constando ainda do relatório pericial que o tipo de trabalhos executados são trabalhos correntes e comuns, mesmo no interior de vilas e cidades, que em condições normais não são propícios a criar danos nas estruturas dos imóveis;

ccc) Também no relatório pericial os senhores peritos, de forma unânime, não excluem que os danos/fissuras sejam resultado de fenómenos distintos dos trabalhos em causa nos autos, demonstrando assim o potencial de outros fatores contribuírem para o estado do imóvel, tais como: “antiguidade do prédio, a fraca qualidade dos materiais utilizados na construção, a exposição a condições climatéricas, a movimentação natural de terras.”

ddd) Só é possível concluir que se não fosse o mau estado de conservação do imóvel do Autor, e a fissuração nele existente, os alegados danos não tinham ocorrido. Hipótese também avançada pelos peritos.

eee) Tal como foi referido pelos peritos sem o relatório de patologias prévio do imóvel, não é possível estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre a fissuração existente e a realização das obras.

fff) E por não haver essa prova, a imputação do nexo causal na medida de 50% dos danos que o imóvel apresenta é desproporcional.

ggg) É desproporcional e poderá revelar-se causa de enriquecimento ilícito do Autor porquanto, tendo presente que há data dos factos o imóvel do Autor contava com 30 anos de idade, deveria ter sido submetido a intervenções de conservação pelo menos três vezes, ou seja, pelo menos uma vez de oito em oito anos (cfr. Artigo 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), pelo que o incumprimento do seu dever originou a ocorrência dos alegados danos. Se o Autor zelasse pelo seu imóvel, nele fazendo as reparações e conservações necessárias, a passagem das obras não o afetaria, assim como não afetou mais nenhum imóvel ao longo de toda a extensão da via onde se realizaram obras de repavimentação, alguns em estado de degradação avançado e localizados com a mesma proximidade à via.


Nestes termos, e sempre com o mui suprimento de V.Exas., deve julgar-se procedente o presente recurso e, como consequência, deverá a sentença ser objeto de revogação, substituindo-se a mesma por uma mais acertada e justa!

Só neste caso esse Venerando Tribunal fará, como sempre, a melhor e a mais sã JUSTIÇA!
*

II –Matéria de facto.

1. Preterição de meio de prova – a falta de audição do Autor em declarações.

O requerimento de depoimento de parte do Autor foi apresentado pela Interveniente Companhia de Seguros (...), em 16.12.2013.

Num primeiro momento foi admitido, mas depois, face a um pedido apresentado pelo Autor, devidamente justificado, foi indeferido, por despacho proferido oralmente – e gravado - na sessão da audiência de julgamento de 07.07.2020, com este teor:

“Considerando,

. O requerimento apresentado pelo Autor do qual se extrai, por um lado, a impossibilidade de o mesmo, face ao contexto que actualmente se vive designadamente de limitação às viagens aéreas, se deslocar a Portugal, e por outro, que o Autor não tem conhecimento direto e pessoal da factualidade relativamente à qual foi requerido o depoimento de parte;

. Existirem testemunhas nos autos que estarão mais aptas a proporcionarem essas respostas;

. Que o depoimento de parte determinaria, uma vez mais, o adiamento da presente audiência e/ou pelo menos a impossibilidade de a mesma continuar com a brevidade necessárias ao cumprimento do princípio da plenitude, atento desconhecer-se o momento, a partir do qual, o Autor estaria em condições de se deslocar a Portugal;

Não se admite o depoimento de parte requerido pela Interveniente “Companhia de Seguros (...)”.

Deste despacho não foi interposto recurso pelo que se formou caso julgado no sentido de não ser necessário a prestação de declarações pelo Autor.

Em todo o caso, o Município ora Recorrente não teria legitimidade para recorrer dado não ter feito requerimento no sentido de ser feita a produção de prova por depoimento pessoal do Autor, mas apenas a produção de prova testemunhal e documental que efectivamente foi produzida.

Finalmente, ainda que se entendesse que o Tribunal podia e devia, a favor da descoberta da verdade, determinar esta produção de prova, o certo é que o despacho acima transcrito se mostra acertado no sentido de considerar dispensável tal prova.

Foram indicados como testemunhas as pessoas que conversaram e se corresponderam com o Autor, conversas e correspondência (esta documentada nos autos) cujo conteúdo se pretendia ver confirmado e esclarecido elo próprio Autor.

Ora nada impedia que esse desiderato se pudesse obter, com idêntica ou até maior isenção, por parte dessas testemunhas.

Por outro lado, seria exigir ao Autor o impossível que na audiência de julgamento que teve lugar em meados de 2020 se lembrasse, do teor dessas conversas e correspondência, ocorridas em meados de 2007, ou seja 13 anos depois, se teve conhecimento em Maio ou em Junho – e em que dia - desse longínquo ano de 2007, de que os danos causados no seu prédio tinham resultado da obra aqui em causa, facto que afinal se pretendia apurar através do depoimento de parte e relevante para decidir a questão suscitada da prescrição do direito à indemnização aqui pedida, dado que a citação para a acção ocorreu em 09.06.2010.

De tudo isto se conclui que não foi preterida diligência de prova que devesse ter sido produzida com influência no exame ou decisão da causa, em concreto o depoimento do Autor.

Pelo que não se verifica qualquer nulidade processual.

2. O erro na apreciação da prova.

2.1. O facto dado como provado no ponto 18.

Efectivamente dar como provado que foi por volta de Junho de 2007 que a 2.ª Ré realizou, nas imediações e na zona que confronta com o prédio do Autor, trabalhos de compactação e pavimentação é contraditório com a documentação referida pelo Município Recorrente da qual resulta que em finais de Maio 2007 já os trabalhos de compactação e pavimentação tinham ultrapassado a zona do imóvel do Autor, não tendo sido executados em Junho qualquer tipo de trabalhos de pavimentação naquela zona, como defende o Autor.

O que de resto é confirmado pelo facto provado sob o n.º 27:

“O Autor e seus pais aperceberam-se da fissuração e seu agravamento em final de maio de 2007”.

O Autor e os seus pais não se podiam ter apercebido em Maio de 2007 da fissuração e seu agravamento resultantes de obras ocorridas em Junho seguinte.

Dessa mesma documentação resulta que as obras em causa decorreram durante todo o mês de Maio de 2007 – documentos juntos em 10.07.2020, de folhas 1240 a folhas 1853 do SITAF, em particular o auto de medição n.º 2, de 30.04.2007, e n.º 3, de 31.05.2007.

Pelo que nesta parte se impõe alterar o julgamento da matéria de facto, como pretendido pelo Município Recorrente.

2.2. Os factos dados como provados nos pontos 23 e 24.

O agravamento das fissuras e fendilhação existente no prédio (ponto 23) e a abertura de algumas novas fissuras (ponto 24), como resultado da realização pela 2.ª Ré dos trabalhos de compactação e pavimentação da via, da circulação e a utilização na obra de meios mecânicos, designadamente camiões e cilindros, nas proximidades do imóvel do o Autor, e vibrações que se propagaram no solo provocadas por esses trabalhos (prévio ponto 22), não é matéria conclusiva.

Trata-se de factos constatáveis e que integram o nexo de causalidade entre as obras em causa e os danos no prédio do Autor que aqui se pretende ver ressarcidos.

Não há que eliminar, portanto esta matéria dos factos provados.

Quanto ao demais da matéria de facto, que o Recorrente põe em causa com base na prova testemunhal, dado não ter cumprido o ónus imposto pelo artigo 640º, n.º1, alínea b), e n.º2, alínea a), do Código de Processo Civil, ou seja, dado não ter indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda nessa parte o recurso, nem procedido, em alternativa, à transcrição dos excertos que entendia relevantes, não se pode considerar nessa parte o recurso.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

1. Sob a inscrição G da descrição predial n.º 772 encontra-se registado a favor do o Autor o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito no lugar (…), inscrito na matriz sob o artigo 1112 (doravante prédio do Autor) – cf. certidão permanente.

2. O referido prédio é composto por r/c e primeiro andar.

3. Correspondendo o primeiro andar a casa de habitação e funcionando, há longos anos, no rés-do-chão um estabelecimento de café e discoteca.

4. Confrontando o seu alçado principal com a EM 566 – cfr. relatório pericial.

5. O prédio foi construído há cerca de 40 anos.

6. Por deliberação da Câmara Municipal de (...) de 3.7.2006 foi aberto o concurso público para a “Repavimentação da EM566” (doravante Concurso), de acordo com o projeto patenteado a concurso e regido pelo Programa de Concurso, Caderno de Encargos, Condições Técnicas, Mapas de Medições e Plano de Segurança e Saúde, respetivos anexos e projetos nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos – folhas 4 e seguintes do processo administrativo.

7. Consta da memória descritiva do Concurso, além do mais, que os trabalhos de execução da empreitada envolviam trabalhos de pavimentação, que incluía a “escarificação total do pavimento betuminoso; levantamento de cubos de granito; aplicação de sub-base do material proveniente da escarificação; aplicação de uma camada de base em material de granulometria extensa 0/40mm com a espessura de 20 cm, superficialmente impregnada; aplicação de uma camada de regularização em betão betuminoso 0/20mm com a espessura média de 6 cm, à qual corresponde uma taxa expectável de 200kg/m2; aplicação de camada de desgaste, em betão betuminoso 0/14mm, com a espessura de 4 cm e antecedida por rega de colagem; colocação de tubos de 2.ª escolha em bermas, remates e serventias”– folhas 4 e seguintes do processo administrativo.

8. Consta do artigo 50.º

- Equipamento para Utilização, das Condições Técnicas do Concurso,
- Unidades de Transporte
O adjudicatário deverá dispor de uma frota de camiões dimensionada de acordo com as distancias de transporte entre a central de fabrico e a obra a realizar.
[…]
Compactadores
Os cilindros a utilizar na compactação das misturas serão obrigatoriamente auto propulsionáveis e dos seguintes tipos:
- Estáticos;
- Pneus;
- Vibradores;
- Mistos;
- folhas 95 e seguintes do processo administrativo.

9. E do Plano de Segurança e Saúde, constante dos elementos concursais,

“Os Equipamentos a utilizar na execução serão primordialmente,
- Giratória;
- Rectro-Escavadora;
- Motoniveladora;
- Camiões para transporte de matérias/equipamentos;
- Compressor;
- Betoneiras para a execução de argamassas;
- Máquina de corte e moldagem de ferro;
- Vibrador;
- Cilindro;
- Vassoura mecânica;
- Cisterna de rega asfáltica; - Espalhadora de betuminosos.”
- folhas 111 do processo administrativo.

10. A U. apresentou proposta ao Concurso, que integrava, além do mais: lista de preços unitários; plano de equipamentos; plano de trabalhos; plano de saúde e segurança; e memoria descritiva e justificativa, tudo nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos – folhas sem número do processo administrativo.

11. Da memoria descritiva e justificativa apresentada pela U. extrai-se, além do mais,

“- 5.2. – Terraplanagem
[…]
Equipamento
- 1 escavadora hidráulica (giratória)
- 1 retroescavadora
- 1 Motoniveladora
- 1 Cilindro Vibrador
- 1 Compressor
- 1 Martelo Pneumático
- 1 Tractor cisterna com joper acoplado
- 3 camiões […]
5.3. – Drenagem […]
Equipamento
- 1 escavadora hidráulica (giratória)
- 1 Martelo Hidráulico
- 1 retroescavadora
- 1 Camião basculante
- […]
- 1 placa vibradora / cilindro manual
[…]
O desmonte de rocha branda e rocha dura, será efectuado por martelo hidráulico montado sobre escavadora e se necessário recorrer-se-á a martelos pneumáticos manuais.
[…] Para a sua compactação utilizar-se-ão cilindros pequenos ou placas vibradoras manuais, de acordo com as circunstancias reais encontradas.
[…]
O aterro e a compactação das valas serão apoiados por placa vibratória.
[…]
5.4. – Pavimentação
[…]
Equipamento
- 1 retroescavadora
- 1 motoniveladora
-1 cilindro vibrador
- 1 tractor cisterna com joper acoplado
- 4 camiões […]
No espalhamento e compactação das massas considerou-se uma equipa dotada dos seguintes meios:
Equipamento
- 1 espalhadora /pavimentadora
- 1 cilindro vibrador
- 1 cilindro de pneus
- 1 cilindro manual de rolos
- 6 camiões.
- folhas sem número do processo administrativo.

12. Por deliberação de 27.11.2006 a CMA adjudicou à U. a empreitada para a “Repavimentação da EM 566” – folhas sem número do processo administrativo.

13. Em 10.1.2007 a Câmara Municipal de (...) celebrou com a U. contrato para a execução da empreitada de “Repavimentação da EM 566” (doravante Empreitada) – folhas sem número do processo administrativo.

14.Entre a U. e a então E., Companhia de Seguros, S.A., a que sucedeu a Companhia de Seguros (...), foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º 13.14.00108152, tendo por objeto a garantia “do pagamento das indemnizações que sejam exigidas à firma U. por terceiros e pelos quais seja civilmente responsável em conformidade com a legislação em vigor e relativa a danos que se verifiquem durante o período de vigência da apólice e derivem dos riscos inerentes à execução de obras no âmbito da sua actividade de construção civil‖, sendo o capital seguro de € 500.000,00, sujeito a uma franquia geral de 10%, no mínimo de € 399,04, regendo-se pelas condições particulares e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais se extrai, além do mais,

“ - Condições Particulares
[…]
Artigo 4.º - Exclusões
Ficam excluídas da cobertura deste contrato:
(…)
e) Fendas ou fissuras que não ponham em risco a estabilidade dos imoveis vizinhos;
f) Danos resultantes da inobservância de disposições Camarárias relativas à execução das obras, ou medidas de segurança que a lei ou o uso corrente recomendam.
g) Danos ou prejuízos a terceiros em consequência da utilização ou uso de explosivos, assim como de demolições.
[…]
Condições Gerais
[…]
Artigo 3.º - Exclusões
Ficam expressamente excluídos das garantias concedidas pelo contrato:
(…)
d) Os danos provocados pelo uso de veículos terrestres com motor (sem prejuízo do n.º8 do artigo anterior), barcos e aeronaves de qualquer espécie:
(…)
f) Os danos causados de forma lenta e progressiva:
-(…) bem como os causados por (…) vibrações (…)

- folhas 134 e seguintes do suporte físico dos autos.

15. A U. apresentou à Câmara Municipal de (...) o Plano de Segurança e Saúde, que veio a ser aprovado por deliberação de 29.1.2007. – folhas sem número do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16.A consignação da obra à U. ocorreu em 5.3.2007 – folhas sem número do processo administrativo.

17. Sensivelmente a partir de Maio de 2007 a 2.ª Ré começou a executar trabalhos nas imediações do prédio de o Autor, designadamente de escarificação e levantamento de cubos.

18. Durante o mês de Maio de 2007 a segunda Ré realizou, nas imediações e na zona que confronta com o prédio do o Autor, trabalhos de compactação e pavimentação.

19. A segunda Ré executou os trabalhos de compactação e pavimentação da via, incluindo nas imediações e na zona que confronta com o prédio do o Autor, utilizando, além do mais, camiões, compressores e cilindros de rolos e pneus.

20. Realizando os trabalhos na via com idêntica intensidade e regularidade.

21. Aquando da execução dos trabalhos pela 2.ª Ré, a maquinaria utilizada, designadamente camiões e cilindros, circulava com frequência nas imediações e na zona que confronta com o prédio do Autor.

22. A realização pela 2.ª Ré dos trabalhos de compactação e pavimentação da via, a circulação e a utilização na obra dos meios mecânicos referidos, designadamente camiões e cilindros, nas proximidades do imóvel do o Autor, provocou vibrações que se propagaram no solo.

23. Agravando as fissuras e fendilhação existente no prédio.

24. E causando algumas novas fissuras.

25. Apresentando o prédio do o Autor fissuras, nos termos constantes do relatório pericial que aqui se dá por reproduzido, com comprimentos diversos, algumas com mais de 1 metro, e com espessuras que variam entre 1 a 6 mm:

. No r/c numa parede divisórias interior, noutra parede delimitativa e no pavimento;
. No piso superior, no revestimento em azulejos da cozinha e em duas paredes interiores;
.No alçado lateral esquerdo;
. No alçado principal;
. No alçado lateral direito;
. Nas paredes exteriores, designadamente nas juntas dos vãos e nos degraus da escadaria.

- cfr. relatório pericial.

26. A fissuração existente no prédio do o Autor proporciona, em períodos de chuva, a infiltração de águas e humidade no interior da habitação.

27. O Autor e seus pais aperceberam-se da fissuração e seu agravamento em final de Maio de 2007.

28.Tendo denunciado em Junho de 2007 junto do fiscal da Câmara, Eng.º P., e do responsável da 2.ª Ré, a sua imputação aos trabalhos da Empreitada, reclamando a sua reparação.

29. O fiscal da Câmara, Eng.º P., e o responsável da 2.ª Ré, realizaram uma verificação ao imóvel do o Autor, tendo verificado a existência de fissuras e fendilhação.

30. Em 20.6.2007 o Autor e os seus pais, M. e J., remeteram missiva à Câmara Municipal de (...) nos seguintes termos:

- Aquando da pavimentação da referida via (Trovoada – Vila Meã) as maquinas para execução da obra, principalmente a maquina ¯cilindro para abatimento do terreno da via para posterior pavimentação com alcatrão, fizera estremecer tudo aquando da sua passagem, ora com este movimento a minha casa ficou totalmente partida, tendo atingido mesmo a grande parte das divisões da habitação e de comércio.

A casa tem cerca de 30 anos de existência e nunca se verificou qualquer tipo de problemas a nível de paredes partidas, e agora com as obras realizadas na via é só “rachadelas” (paredes partidas) por todas as divisões.

Existem paredes partidas em algumas divisões que chegam a atingir cerca de 1 m de largura na divisão de comercio “Café C.”

Contactado o Engenheiro da Câmara Municipal de (...) responsável pela obra, Sr. Eng. P. e o responsável pela empresa que realiza a obra ¯U. constataram os estragos, analisaram as paredes partidas e concluíram que tinha sido aquando da passagem em frente à habitação das máquinas em movimento na pavimentação da via.

Depois de analisarem os estragos o Sr. Eng. P. e o responsável pela empresa U. disseram-nos para que encaminhasse o assunto para a Câmara Municipal de (...), fazendo uma exposição ao Sr. Presidente da Câmara, Dr. A..

O responsável pela empresa U. informou-nos que possuía seguro para este efeito de estragos causados nas habitações aquando da realização das obras na via. Por tudo isto solicitados a V.Exa. que analise esta situação que nos causou prejuízos avultados na habitação e alguém tem que ser responsabilizado pelos danos causados.”

- folhas sem número do processo administrativo.

31. Em 20.8.2007 o 1.º R. remeteu a reclamação à 2.ª Ré para pronuncia desta – folhas sem número do processo administrativo.

32.A 2.ª Ré respondeu ao Município de (...) que:

-[…] vimos pelo presente informar que de imediato efectuámos uma participação da ocorrência à nossa Seguradora, que de imediato efectuou uma peritagem ao local para avaliação dos danos causados. Neste momento a seguradora encontra-se em negociação com o reclamante.”.

– folhas sem número do processo administrativo.

33. O 1.º remeteu ao o Autor, por oficio de 20.09.2007, a resposta referida no ponto supra – folhas sem número do processo administrativo.

34. A reparação das fissuras e fendilhação que o prédio do o Autor apresenta implica: reparação de reboco areado interior em paredes e tetos, com abertura das fissuras, limpeza, preenchimento com massa reparadora, execução de areado e pintura final; reparação de reboco carapinhado em paredes exteriores, com abertura das fissuras, limpeza, preenchimento com massa reparadora, execução de reboco carapinhado e pintura final, incluindo montagem e desmontagem de andaime; reparação de cerâmicos fissurados/partidos, com demolição dos cerâmicos, limpeza, assentamento de novo cerâmico e betumação de juntas; reparação de pavimentos fissurados/partidos, com demolição do marmorite, limpeza e execução de novo marmorite - cf. relatório pericial.

35. Ascendendo a reparação ao valor total de € 12.028,60 (doze mil e vinte e oito euros e sessenta cêntimos), a que acresce o IVA – cf. relatório pericial.

36. A segunda Ré executou os trabalhos de construção da via em conformidade com o projeto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra (1.º Réu’).

37. Os trabalhos realizados e a maquinaria utilizada pela 2.ª Ré, designadamente camiões, retroescavadora e cilindros, e a sua circulação pelo local dos trabalhos, eram necessários à realização deste tipo de empreitada de repavimentação.

38. A execução da empreitada foi acompanhada pela equipa de fiscalização do Município de (...), Eng.º P. e Eng.º L., deslocando-se regularmente à obra.

39. A presente ação foi instaurada em 2.6.2010, tendo os RR. sido citados em 9.6.2010 – folhas 3 e 35 e seguintes do suporte físico
*
III - Enquadramento jurídico.

1. Nulidade da sentença; condenação em objecto diverso do pedido - artigo 615.º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Civil.

No caso de pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito, o Tribunal apenas está limitado, face ao disposto no artigo 615.º, n. º1, alínea e), do Código de Processo Civil, pelo valor global do pedido e não às parcelas indemnizatórias referidas pelo Autor no seu articulado inicial.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17.11.2016, no processo 472/13 3TBFAR.E1, reproduzindo jurisprudência e doutrina pacifica (ponto II do sumário):

“Os limites da condenação, ditados pelo princípio do dispositivo, reportam-se ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano”.

No caso o Autor veio pedir uma indemnização por estragos causados num prédio seu com uma obra levada a cabo pela segunda Ré (massa falida que lhe sucedeu) por ordem e no interesse do demandado Município, no montante global de 43.230,50 €, correspondente ao montante necessário à realização das obras destinadas à reparação dos referidos danos, acrescida dos juros legais vencidos desde a citação até integral pagamento.

O montante de indemnização fixado na sentença recorrida é de 6.014,30 € mais IVA que corresponde a metade do valor fixado na peritagem como necessário para reparar os estragos verificados na construção do Autor “12.028,60 € (doze mil e vinte e oito euros e sessenta cêntimos), acrescido do IVA à taxa legal em vigor aplicável”.

Este valor que os Réus foram condenados a pagar pela decisão recorrida está contido, portanto, dentro do pedido (de indemnização pelos prejuízos causados com as obras em apreço) e está muito aquém do valor global do pedido.

Saber se se pode condenar no valor do IVA ou não – e pode, adianta-se – não tem a ver com a validade, intrínseca, da decisão, mas eventualmente com o seu mérito.

Termos em que se conclui não se verificar a apontada nulidade da decisão recorrida.

2. A prescrição do arrogado direito do Autor.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967.

Determina o seu art.º 2º, nº1, que:

“O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Acórdãos Doutrinários, n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Por seu turno estabelece o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil aplicável às relações jurídico-administrativas por força do disposto no do artigo 5º do Decreto-Lei 480.51, que:

"O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso".

Face a estas normas só se pode afirmar o conhecimento do direito de indemnização por parte do lesado, para despoletar este prazo de prescrição, de três anos, quando o lesado tem conhecimento de todos os pressupostos da indemnização acima, referidos pois só nesse momento se pode afirmar que tem conhecimento do direito.

Este conhecimento é, como é evidente, um conhecimento empírico e não jurídico, dado que destinatárias das normas não são apenas as pessoas com conhecimentos jurídicos, mas todas as pessoas.

No caso concreto dos factos provados, em particular nos pontos 18 e 27, resulta que o Autor e os seus pais já conheciam o dano, da fissuração e seu agravamento, mas não se pode afirmar, com o mínimo de segurança que nessa altura já soubessem que tais danos tinham resultados das obras em causa, na via municipal.

Apenas se pode afirmar com um mínimo de segurança que em Junho de 2007 já o Autor conhecia o seu direito pois nessa data ele e os seus pais denunciaram junto do fiscal da Câmara, Eng.º P., e do responsável da 2.ª Ré, a sua imputação aos trabalhos da Empreitada, reclamando a sua reparação – ponto 28 dos factos provados.

Mas, como se refere na decisão recorrida, não se sabe ao certo em que dia do mês de Junho.

Dia em que por certo se pode afirmar que o Autor já tinha conhecimento do seu direito é o dia 20.6.2007, data em que este e os seus pais, remeteram missiva à Câmara Municipal de (...), colocando à consideração do município da situação – ponto 30 dos factos provados.

E do facto de aí mencionarem que “Aquando da pavimentação da referida via (Trovoada – Vila Meã) as máquinas para execução da obra, principalmente a máquina “cilindro” para abatimento do terreno da via para posterior pavimentação com alcatrão, fizera estremecer tudo aquando da sua passagem, ora com este movimento a minha casa ficou totalmente partida (…), não se pode retirar, como pretende o Recorrente, que logo aquando da pavimentação, em Maio, o Autor e os seus pais se aperceberam que a obra estava a provocar estragos no seu prédio.

Significa apenas que, pelo menos quando lavraram essa missiva, já sabiam que as obras é que tinham provocados os estragos no prédio do Autor.

Sendo a prescrição um facto extintivo do direito, era aos Réus que cabia a prova da sua verificação – n. º2 do artigo 342º do Código Civil.

Para isso tinham de provar que o conhecimento do direito por parte do Autor tinha ocorrido em data anterior a 09.06.2007, dado que a citação para a presente acção ocorreu em 09.06.2010 – ponto 39 dos factos provados.

Isto porque no caso concreto apenas a citação poderia ter interrompido a prescrição, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 323.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:

“A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

O que não lograram provar.

Improcede, pois, como decidido, esta excepção.

3. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito; o nexo de causalidade; a proporcionalidade.

Olhando para a matéria de facto provada – e essa é que é relevante, não as especulações que se possam fazer sobre o que poderá ter ocorrido ou não –, em particular o que se fixou sob os prontos 17 a 25, teremos forçosamente de concluir que estão inequivocamente verificados os pressupostos do facto, as obras levadas a cabo pela 2ª Ré, numa via pertença do 1º Réu, a ilicitude, traduzida na ofensa do direito de propriedade do Autor, a existência de um dano, os estragos no prédio do Autor e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, pois os estragos resultaram da obra n via municipal.

Em particular no que respeita ao nexo de causalidade entre os danos verificados mostra-se acertado o julgamento da matéria de facto nos pontos 22 a 24, de que as obras em causa na via municipal agravaram as fissuras e fendilhação existente no prédio do Autor e causaram algumas novas fissuras, pois se por um lado no relatório pericial se refere que não é possível efectuar uma comparação dos danos agora existentes com os existentes antes da realização da obra, por se desconhecer qualquer relatório de patologias existentes no edifício antes do início dos trabalhos, e se salientar que na EM 566 junto à casa do Autor circulam todo o tipo de veículos, antes e após obras, pelo que está constantemente sujeito a vibrações normais do tráfego da via, por outro lado também se refere que fendilhação que se verifica no prédio é bastante acentuada face à normal fendilhação que a seu tempo todas as construções apresentam, o que indicia que em algum momento da existência do prédio poderá ter ocorrido um fenómeno pontual que danificou o prédio (ponto 4), a que acresce o facto de as fissuras existentes no ano em que foi feita a peritagem, 2019, serem na generalidade as mesmas e com as mesmas dimensões que é possível ver nas fotografias tiradas pelo Autor e juntas com a reclamação de Junho de 2007 (ponto 5).

Mas também a culpa se tem por verificada, tal como decidido, quer por parte da Ré, a empresa de construção quer por parte do Município, dono da obra.

No que diz respeito à Ré empreiteira, face à grande proximidade do imóvel do Autor à via (tanto quanto resulta das fotos junto aos autos) e facto de ter, na sua parte mais antiga, mais de trinta anos à data, deveria a empreiteira ter redobrados cuidados na realização da empreitada.

Cuidados que notoriamente não teve face aos danos que a obra provocou no prédio do Autor e porque de acordo com os dados disponibilizados aos Senhores Peritos, os trabalhos em causa, de repavimentação da EM 566, são correntes e comuns, mesmo no interior de vilas e cidades, pelo que em condições normais não são propícias a criar danos nas estruturas dos imóveis circundantes (ponto 3 da peritagem).

Quanto ao Município, é certo que “os comportamentos que lesem terceiros, ocorridos durante a execução de uma empreitada de obras públicas, não são automaticamente assimiláveis a um deficiente e censurável exercício das funções administrativas” - acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de11.02.2021, no processo 967/09.3 BRG.

Mas também é entendimento pacifico o de que numa empreitada sujeita à disciplina do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02.03, como era o caso, a responsabilidade extracontratual do dono da obra se pode fundar na violação do dever de vigilância.

Como se sustenta no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.11.2002, no processo n.º 0571/02, obre o dono da obra impendia o “… dever de acompanhamento e fiscalização da execução das obras, que lhe exigia verificar se delas não resultava perigo e se a sua sinalização era a mais conveniente e adequada”, o que “mais não é do que uma manifestação do dever de diligência exigido pelo art. 483.º do Código Civil … dever este que não era afastado pela circunstância das obras estarem a cargo de terceiro …”.

A culpa ou negligência do Município de (...) resulta pois, como se decidiu, de se constatar “que exerceu uma fiscalização inoperante, nada determinando ao empreiteiro que se dirigisse a uma realização dos trabalhos de forma adequada ao concreto local diminuindo os riscos que a maquinaria utilizada pelo empreiteiro comportava”.

Finalmente, a repartição de culpas, entre os Réus, por um lado, e o Autor, por outro, mostra-se uma solução equilibrada e proporcional, ao contrário do que defende o Recorrente.

Não se sabendo quais as deficiências que o prédio do autor já apresentava antes das obras na estrada municipal e, portanto, quais os estragos provocados pela deficiência na construção do prédio ou pela falta ou deficiência de obras de reparação e conservação, por um lado, e quais os estragos provocados pelas obras na estrada municipal, por outro lado, não se vê que outra solução se possa adoptar no caso que não seja a de repartir em partes iguais o contributo para os danos verificados, como decidido.

Termos em que se impõe manter na íntegra a decisão recorrida.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente.
*

Porto, 21.05.2021

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco