Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01372/22.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA - MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE - PODER DISCRICIONÁRIO;
SEPARAÇÃO DE PODERES - AUDIÊNCIA PRÉVIA DE INTERESSADOS
APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO;
Sumário:I- Legitimando os autos a aquisição processual que o Autor, com reporte à data de prática do ato impugnado, tinha pendente sobre si uma Medida cautelar NSIS de interdição de entrada nos Estados Schengen, é de manifesta evidência que o mesmo não reunia as legais condições - concretamente o requisito previsto na alínea i) do nº 1 do art. 77º. da Lei nº. 23/2007 - de que depende a validação do pedido de concessão de autorização de residência por si formulado.

II- Embora tal “óbice” pode ser ultrapassado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 88º, nº. 2 e/ou do artigo 123º, nº.1, ambos da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, não pode o Tribunal a quo imiscuir-se quanto à eventual aplicação destes regimes excecionais, por constituir a aplicação dos mesmos o exercício de um poder discricionário, sob pena de violação do princípio de separação de poderes constitucionalmente consagrado.

III- Ocorre preterição de audiência prévia quando a Administração não se pronuncie sobre questões ou sobre a realização de diligências complementares suscetíveis de influírem no sentido da decisão final.

Não sendo possível asseverar que, renovado o procedimento, será sempre de proceder ao aproveitamento da decisão impugnada, julgando inoperante o vício em causa, resulta inviável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
AA, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga providência cautelar contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, peticionando o provimento do referido meio processual por forma a ser suspensa a eficácia do Despacho proferido pela Diretora Regional do Centro Regional de ... do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], datado de 12.08.2022, que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência por si formulado e a notificação de abandono deste voluntário de território português.
O T.A.F. de Braga, em antecipação do juízo sobre a causa principal, julgou procedente a ação principal instaurada nos autos e, em consequência, (i) determinou a anulação do despacho proferido pela Diretora Regional do Centro do SEF de 12.08.2022 e, bem assim, (ii) condenou o Réu na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor, nos termos e para os efeitos do art. 88.° [e/ou do art. 123.°] da Lei n.° 23/2007, deferindo a pretensão requerida pelo Autor.
É desta sentença que o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SEF] vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso: ”(…)
1. A ora recorrente não se pode conformar com o doutamente decidido, que considera padecer de erro de julgamento, devendo a douta sentença recorrida ser revogada.
2. No caso presente, o requerente não dá pelo menos cumprimento à alínea i) do nº. 1 do art. 77º. da lei n.2 23/2007, por ter pendente sobre si uma Medida cautelar NSIS de interdição de entrada nos Estados Schengen, inserida pelos Países Baixos em 26.01.2021, válida até 23.01.2023, facto que, só por si, constitui óbice à concessão de um título de residência, pelo que nem sequer se afere necessário sopesar o cumprimento dos restantes requisitos com maior acuidade, porquanto, e como resulta dos citados preceitos, ainda que se mostrem cumpridos, de nada lhe servirá, atenta a cumulatividade dos mesmos.
3. No mesmo sentido, também o preceituado no art. 25º. da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (CAAS), de 14 de junho de 1985, estriba desde logo no seu n.º. 1, que, nestas circunstancias "... O título de residência só pode ser emitido por motivos graves, nomeadamente de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais
4. Ora, à partida, não se verifica a existência de "motivos graves, nomeadamente de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais" passíveis de acato para a eventual retirada da referida medida, implicando a improcedência do desiderato em causa.
5. Reitere-se, que os requisitos do regime excecional de autorização de residência para exercício de uma atividade profissional subordinada, assumem carácter cumulativo, pelo que a inobservância de qualquer um deles, determina a impossibilidade de concessão de título de residência.
6. Não faz pois qualquer sentido, solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução.
7. Com efeito, não advém do seu "incumprimento", e diretamente, qualquer consequência para o cidadão estrangeiro.
8. Ao contrário do acolhido pela douta sentença, nunca poderia o Tribunal impor a concessão de uma autorização de residência, a menos que esteja em causa um manifesto desrespeito por princípios constitucionais, pois a apreciação e enquadramento do pedido formulado ao abrigo do art.º 88º da Lei de Estrangeiros é matéria de discricionariedade administrativa pelo que, atendendo ao princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente consagrado e também vertido no artº. 3º. do CPTA, não poderia o Tribunal a quo impor a “condenação à prática de acto devido consubstanciado em a Entidade Demandada conceder ao Autor o título de residência."
9."2.- O sentido do artigo 3º é, claramente, de abrangência dos poderes dos tribunais administrativos. Mas precisamente por isso, o legislador tem o cuidado de abrir, no n? 1, com um preceito que coloca o acento tónico nos limites que se impõem ao exercício desses poderes. 0 Código confere aos tribunais administrativos todos os poderes que são próprios e naturais do exercício da função jurisdicional, fazendo com que estes tribunais sejam, como todos os outros, tribunais dotados de poderes de plena jurisdição. Mas, tal como nas restantes ordens jurisdicionais, também o campo de atuação dos tribunais administrativos se restringe à aplicação da lei e do Direito. Isto significa que os tribunais administrativos não se podem substituir aos particulares na formulação de valorações que pertencem à respetiva autonomia privada, como também não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem caráter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa.
10. São vários os preceitos que, ao longo do Código, concretizam o princípio do artigo 3º, nº. 1, preservando dos poderes de condenação dos tribunais administrativos os "espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa": vejam-se, em particular, o artigo 71º, nºs. 2 e 3, de importância nuclear no que se refere aos poderes de pronúncia no domínio da condenação à prática de atos administrativos, o artigo 95 n? 5, para a hipótese em que tenha sido deduzido um pedido de condenação da Administração à adoção de atos jurídicos ou comportamentos, e o artigo 179º, nº. 1, quando se trate de proceder a essa mesma determinação no âmbito do processo de execução das sentenças de anulação de atos administrativos." (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, pág. 50e51).
11. Neste contexto, e uma vez que a concessão de autorização de residência se situa no âmbito discricionário da atividade administrativa, não competia ao Tribunal substituir-se à Entidade Demandada na análise da situação, uma vez que tal apreciação poderá envolver a produção de valorações próprias do exercício da atividade administrativa, bem como, a produção, pela entidade administrativa competente, de atividade instrutória adicional, no que diz respeito à análise da factualidade subjacente ao pedido do requerente.
12. Ou seja, ao não permitir a apreciação do caso concreto identificar apenas uma solução como legalmente possível, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 2 e 3 do art.º 71º do CPTA, o tribunal não poderia determinar o conteúdo do ato a praticar, mas sim explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.
13. Evidencia-se, assim, existir uma reserva de discricionariedade da Administração. Portanto, ou existem "vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a atuação da Administração no caso em apreço, e pede-se a tribunal que averigue da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efetivos, ou não há vínculos desses e o tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspetos em que as decisões concretas da Administração releva de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma , os tribunais administrativos - não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável - ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas" (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos anotados, Almedina, 2004, vol. I, pág. 123),
14. Desta forma, o nº. 1 do artigo 3º do CPTA evidencia a necessidade de salvaguardar o princípio da separação de poderes (cfr. artº. 111º. nº. 1 da CRP, nos termos do qual "os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição").
15. Daí decorre a fixação de limites funcionais aos poderes de controlo tribunais administrativos, independentemente dos meios de que se possam socorrer.
16. Em igual sentido, também o Ministério Público junto do Tribunal se pronunciou (Proc. nº. 1.75... – ... juízo – ... Secção), em defesa do presente entendimento, "Esse poder da Administração não pode ser sindicado pelo A. nos termos constantes desta instância, pois há uma clara amplitude da decisão que o legislador entendeu por à disposição da Administração para melhor exercer, em cada caso, os seus poderes".
17. Não estamos, pois, como estriba o douto Parecer, perante um ato vinculado por parte da Administração, pelo que, com todo o respeito, não se compreende como pôde Mmo. Juiz a quo decidir, intimando o requerido "à prática da decisão de autorização de residência e consequente emissão do título de residência
18. Inequivocamente, e mais uma vez citando o douto Parecer do Ministério Público, a decisão a quo "viola o princípio da separação de poderes consignado no artigo 2.5 da Constituição (...) tanto mais que, como se alcança dos autos, quando foi proferida a sentença sobre o recurso ainda decorria a análise do processo do A. pelo SEF."
19. Não é, pois, compreensível, e muito menos aceitável, que o poder judicial, ao arrepio da lei, se imiscua no poder que esta mesmo ditou como exclusivo da esfera da Administração.
20. Em suma, impõe-se sobre o assunto dizer, que a execução da presente Sentença implica tout court que o ora réu preterisse outras manifestações de interesse que estão nas mesmas circunstâncias (a aguardar a conclusão da análise) e que deram entrada em data anterior à do recorrido, com inequívoca violação das expectativas dos cidadãos interessados entretanto preteridos sem qualquer justificação aceitável e, sobretudo, que a discricionariedade da administração na prolação da decisão, inversamente ao estatuído na lei fosse integralmente subtraída (…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
1. As presentes contra-alegações são apresentadas na sequência do recurso interposto pelo Recorrente, Ministério da Administração Interna, da sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 31-12-2022, que julgou a ação administrativa procedente, por provada, e nessa conformidade julgou procedente a pretensão do Recorrido, determinado “a anulação do despacho proferido pela Diretora Regional do Centro do SEF, proferido em 12-08-2022”, e condenando o Recorrente/Réu (na pessoa do seu órgão competente SEF) na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor, nos termos e para os efeitos do art. 88.° (e/ou do art. 123.°) da Lei n.° 23/2007, deferindo a pretensão requerida pelo Autor”.
2. Resumidamente, os argumentos invocados pelo Recorrente para tentar reverter a sentença, por si, posta em crise, foram os seguintes:
a. Que a posição adotada pelo Tribunal a quo não se afigura correta e padece de erro de julgamento, porquanto, na ótica do Recorrente, o Recorrido não cumpre os requisitos necessários à concessão de um título de residência;
b. Que não faz qualquer sentido solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução;
c. Que o Tribunal a quo não poderia impor e condenar o Recorrente “(na pessoa do seu órgão competente SEF) na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor”, pois, na ótica do Recorrente, a apreciação e enquadramento do pedido formulado pelo Recorrido é matéria de discricionariedade administrativa, e, ao abrigo do princípio da separação de poderes, não compete ao Tribunal a quo substituir-se à Entidade Demandada na análise da situação, não podendo o Tribunal a quo determinar o conteúdo do ato a praticar, mas sim explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.
3. Contudo, a razão não assiste ao Recorrente, uma vez que a sentença proferida pelo Tribunal a quo enquadrou corretamente a matéria de facto e a aplicação que fez da lei não é merecedora de qualquer tipo de censura, devendo manter-se inalterada. Vejamos.
4. Quanto ao erro de julgamento alegado pelo Recorrente, este considera que a douta sentença padece de erro de julgamento por suposta ausência de verificação dos requisitos necessários à concessão de um título de residência.
5. Resulta evidente do teor das alegações de recurso que o Recorrente procura fazer radicar o fundamento da sentença recorrida para julgar procedente a pretensão do Recorrido (no erro de julgamento) na verificação dos requisitos necessários à concessão de um título de residência.
6. Contudo, como facilmente se retira da análise da decisão recorrida, “o objecto do litígio reconduz-se à apreciação da legalidade (ou ilegalidade) do Despacho proferido pela Diretora Regional do Centro Regional de ... do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência e a notificação de abandono voluntário - ou seja, a questão decidenda prende-se em saber se o acto impugnado padece ou não dos vícios que lhe foram assacados pelo Autor. Sendo que, em caso afirmativo, cumpre conhecer da sua eventual substituição por outra decisão que conceda ao Autor a autorização de residência”.
7. Ora, conforme resulta da factualidade julgada provada na douta decisão recorrida (para a qual aqui se remete, para facilidade do Tribunal ad quem), o entendimento plasmado na sentença recorrida vai no sentido de que assiste razão ao Recorrido, desde logo, porque:
a. “O Autor sempre esteve com a sua situação em conformidade com a legislação aplicável em vigor, sendo que apenas não lhe foi possível mostrar às autoridades holandesas a autorização de residência em virtude dos reagendamentos do SEF”;
b. “O Autor que tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse número 30720073) e que apenas não procedeu de outra forma na medida em que não lhe era exigível - o Autor estava à espera do agendamento/entrevista e apenas efetuou uma escala em Amesterdão, tendo confrontado as autoridades holandesas com a documentação subjacente (que as mesmas ignoraram)”;
c. “O Autor que não pode ser prejudicado pela não compreensão das autoridades holandesas da legislação portuguesa em matéria de agendamento do SEF, aquando da pandemia, nem tampouco o Autor poderia ter sido afetado pela demora na concessão das autorizações de residência”.
8. Resulta, aliás, da decisão recorrida que:
- '“Preliminarmente, cumpre aludir e adiantar que os vícios assacados ao despacho impugnado decorrem do pedido de concessão de autorização de residência requerido pelo Autor junto da Delegação Regional de ... do SEF. Efetivamente, no decorrer dos trâmites daquele pedido de concessão de autorização de residência, o Autor foi notificado “da proposta de decisão anexa, que se pronuncia DESFAVORAVELMENTE sobre o pedido de concessão de autorização de residência, nos termos do art.° 88. °, n.° 2 da Lei 23/07, de 04/07, atual versão, para, no prazo de dez dias, querendo, dizer o que se lhe oferecer sobre o mesmo, em documento escrito a apresentar nesta Delegação Regional do SEF”. E pese embora o Autor tenha exercido o seu direito de defesa e audiência, em 25-07-2022; foi notificado, em 12-08-2022, do indeferimento final e, em consequência, para “abandonar o Território Nacional no prazo de 20 dias”, sendo fundamento do indeferimento o alegado facto de “tendo sido o requerente legalmente notificado nos termos dos art.° (s) 121° e 122° do CPA até à presente data não se pronunciou acerca do pedido solicitado nos termos do art.° 88°, n.° 2 da lei 23/07 de 04.07, na sua atual versão””;
- “Como é sabido, o art. 25.°, n.° 1, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen preceitua que “sempre que uma parte contratante tencionar emitir um título de residência a um estrangeiro que conste da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, consultará previamente a parte contratante que o indicou e tomará em consideração os interesses desta. O título de residência só pode ser emitido por motivos graves, nomeadamente, de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais. [...] Se o título de residência for emitido, a parte contratante que indicou o estrangeiro retirará o seu nome dessa lista, podendo, todavia, inscrevê-lo na sua lista nacional de pessoas indicadas””;
- “Ora, afigurando-se aquele “nomeadamente” não taxativo, o Autor, em sede de audiência prévia, referiu que, dentre os “motivos graves”, se enquadraria a pandemia (mormente, o facto de os condicionalismos subjacentes à pandemia terem obstado a que o Autor, à data do sucedido no estado holandês [em 20-12-2020], já possuísse cartão de residência, porquanto o seu agendamento no SEF para o efeito seria em março de 2020, estando toda a sua documentação em conformidade. Todavia, e não obstante o Autor ter aludido (em 20-12-2020) ao teor do despacho n.° ...02 e ao teor do despacho n.° ...03, bem como ao facto de ainda não ter o cartão de residência devido ao cancelamento do agendamento em virtude da pandemia, o estado holandês fez tábua rasa e procedeu, de forma inflexível”;
- “Pelo que assiste razão ao Autor quando alegou que o fundamento para “ter sido observada uma indicação no Sistema de Informação Schengen, nos termos da al. i) do n.° 1 do art.° 77.° e al. b) do n.° 1 do art.° 52.° da Lei 23/07, de 04/07, carecia de fundamento legal e fáctico, pelo que não poderia obstar à concessão de autorização de residência, pois não se vislumbraria outra razão que não um lapso ou uma conduta inflexível por parte das autoridades holandesas para terem atuado em desconformidade com a legislação portuguesa em matéria de COVID-19 e ignorando as explicações tecidas pelo Autor - que nunca saiu do aeroporto, apenas fez escala em Amesterdão
- “E, no âmbito do exercício do seu direito de defesa e de audiência, o Autor referiu que não poderia considerar-se que “o presente pedido não cumpr[ia] com os requisitos essenciais e estruturantes para a sua atendibilidade, por se verificar que [tinha] uma medida NSIS por entrada e permanência ilegal na Holanda, com decisão de afastamento baseada no incumprimento por parte do nacional de Estado terceiro em questão da regulamentação relativa à entrada e permanência do Estado autor da decisão vertida na al. b) do n.° 1 do art.° 169.° da Lei 23/07, de 04/07 na sua atual versão, e fazer parte da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, consignadas nos art.° 25. ° da Convenção Aplicação do Acordo de Schengen””;
- “Isto porque as autoridades holandesas e o Réu deveriam ter atendido ao circunstancialismo do caso em apreço e à legislação e regulamentação em vigor referente à COVID-19, designadamente o Despacho n.° 5793-A/2020, o Despacho n.° ...20 e o Despacho n.° ...21, na medida em que o Autor apenas não detinha cartão de residência nem (consequentemente) o mostrou às autoridades holandesas por motivo a si não imputável. Efetivamente, o Autor, à data daquela escala (em 20-12-2020) tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse número 30720073) - facto que fez questão de referir, quer junto das autoridades holandesas (em 20-12-2020), quer junto do SEF (no “reagendamento”/entrevista presencial, em 07-12-2021). E, nesse seguimento, exerceu o seu direito de defesa e audiência (...);
- “Por conseguinte, andou mal o Réu, ao não se ter pronunciado sobre o alegado pelo Autor, tendo sido preterido o direito de audiência prévia do Autor - o que, per si, torna o despacho impugnado num acto anulável nos termos do artigo 163.° do CPA - ou até mesmo num acto nulo, nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, porquanto se traduz num ato que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos dos artigos 15.°, 44.°, 58.°, 65.° e 67.°, todos da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) - não se olvide que o direito de audição é um direito constitucionalmente garantido, nos termos do n.° 10, do art. 32.° da CRP, pelo que jamais pode subsistir um processo em violação do mesmo. A este respeito, preceitua o douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), de 25-02-2022 (processo n.° 02137/16.5BEPRT), que: “...o Autor não foi ouvido no procedimento quanto àquele resultado, na medida em que, no exercício do direito de audiência, o interessado poderia ter-se pronunciado sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos, o que poderia obviar a uma tal prática de acto.””;
- “Por conseguinte, o despacho de indeferimento, além de violar normas administrativas e constitucionais e afetar a protecção e direitos do Autor, afetou - e afeta -, de forma mais incisiva, a sua liberdade de circulação e a sua atividade profissional (a sua liberdade de estabelecimento, circulação, permanência e exercício da sua atividade profissional em Território Nacional), dado que o Autor é jogador profissional de hóquei em patins, com relação laboral efectiva em Portugal (com contrato de trabalho) e com residência habitual, a sua vida pessoal e profissional, em Portugal”;
- “Constata-se, assim, que o despacho de indeferimento sempre viola os arts. 88.° e 123.° da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, e ainda os arts. 15.° (n.° 1), 32.° (n.° 10), 44.°, 58.°, 65.° e 67.°, todos da CRP
- o que determinaria e configura um ato anulável, nos termos do artigo 163.° do CPA. Sendo que o circunstancialismo em apreço poderia ter sido evitado caso o SEF, ao abrigo das suas competências e obrigações legais (em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis), tivesse diligenciado competentemente: caso o SEF não tivesse ignorado o Autor (em 07-12-2021, na sua deslocação ao SEF para efeitos de “reagendamento”/entrevista presencial) e/ou tivesse ouvido o Autor (ou melhor, caso não houvesse uma omissão de pronúncia por parte do SEF ao requerimento enviado pelo Autor em 25-07-2022, por via do qual o Autor exerceu o seu direito de defesa e audiência)”;
- “No entanto, e bem sabendo que o Autor tinha os documentos em conformidade, o SEF, em face da pretensão substantiva que lhe foi requerida (e que era realizável através de um ato administrativo), decidiu expressamente indeferi-la, denegá-la, por considerar que a referida pretensão não é devida, que não assiste razão de fundo ao interessado/Autor. O SEF, ao ignorar e não ouvir o Autor, fez uma incorreta aplicação do Direito ao caso concreto no que à pretensão material do Autor diz respeito - pois, cumpre reiterar: o único fundamento para a não concessão da autorização de residência é aquela indicação NSIS, a qual deveria ter sido retirada pelo SEF, face aos esclarecimentos tecidos pelo Autor, em sede de audiência prévia. Efetivamente, o SEF deveria ter procedido e atuado ao abrigo das suas competências e obrigações legais e em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis. Ao invés, o SEF violou normas administrativas e constitucionais e afetou a protecção e os direitos do Autor, a sua liberdade de estabelecimento, circulação, permanência e exercício da sua atividade profissional em Território Nacional”;
- “Acresce que a atuação do SEF violou os trâmites e a legislação aplicáveis - designadamente os constantes do Regulamento (UE) 2018/1861 e Regulamento (UE) 2018/1860, ambos de 28 de novembro de 2018. Com efeito, o art. 17.° do D.L. n.° 122/2021 - aprova a orgânica do Gabinete Nacional SIRENE - determina que as autoridades portuguesas que “dispõem de acesso aos dados introduzidos no SIS, bem como direito a consultá-los, as autoridades que, para o efeito, são indicadas pelo Estado Português: d) O SEF””;
- “Ante o exposto, o Réu não pode desconhecer que, sendo o SEF uma autoridade com direito de acesso aos dados, tal auxílio foi solicitado pelo Autor (ali Requerente), aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 - data em que pagou a quantia de 84,00 EUR pela “receção e análise al. a) n.° 1 ponto IV Portaria 1334-E/2010” e explicou o sucedido no estado holandês. Contudo, e pese embora as insistências do Autor, o SEF ignorou o Autor e não procedeu em conformidade com os Regulamento (UE) 2018/1861 e Regulamento (UE) 2018/1860”;
- “Portanto, o SEF, apesar dos esclarecimentos verbais tecidos pelo Autor aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 (data do “reagendamento”/entrevista presencial), preferiu ignorar o Autor, em violação dos trâmites, legislação e regulamentos europeus aplicáveis”;
- “O Réu olvida-se que, para tomar aquela decisão (de conceder ou não conceder), basta(ria) ter em conta, nos termos da alínea d) do artigo 27° daquele Regulamento, “os motivos da decisão do Estado Membro autor da indicação”, bem como “qualquer ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública que possa ser colocada pela presença do nacional de país terceiro em questão no território dos Estados-Membros” - o que não é o caso, pois o SEF bem sabe o sucedido no estado holandês, na medida em que o Autor o explicou em 07-12-2021, designadamente que apenas ali tinha estado em escala, que nunca saiu do aeroporto, que não tinha cometido qualquer delito e que apenas não detinha o cartão/autorização de residência (para apresentar às autoridades holandesas) em virtude dos reagendamentos do SEF”;
- '“Finalmente, sempre se diga que deve ser concedida autorização de residência ao Autor, nos termos do art. 88.° e/ou do art. 123.°, ambos da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho. Isto porque o Autor é residente em Portugal há cerca de dois anos, com relação laboral efectiva em Portugal, onde tem a sua habitação e a sua vida pessoal (o seu lar), não podendo ser prejudicado pelo mal funcionamento do SEF, nem pelos vícios das suas decisões. Caso o SEF não tivesse ignorado o Autor quando este solicitou o auxílio do SEF aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 (data do “reagendamento”/entrevista presencial), precisamente pelo facto do SEF ser uma autoridade com direito de acesso aos dados, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 17.° do DL n.° 122/2021, de 30 de dezembro e em cumprimento do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (UE) 2018/1861, de 28/11/2018; e caso o SEF tivesse procedido e atuado em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis, designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 27.° do mencionado Regulamento (UE) 2018/1861, sempre teria de deferir o pedido do Autor”;
- “Conforme se referiu supra, pelo modo como atuou, o SEF violou o disposto nos artigos 121.° e 122.° do CPA, bem como violou o disposto no artigo 32.° (n.° 10) da CRP, o que determinaria e configura um ato anulável, nos termos do artigo 163.° do CPA. Ao decidir indeferir a pretensão substantiva que lhe foi requerida pelo Autor, o SEF não procedeu nem atuou (conforme deveria) ao abrigo das suas competências e obrigações legais, incumprindo a legislação e regulamentos europeus aplicáveis. Ao invés, o SEF deveria ter procedido e atuado ao abrigo das suas competências e obrigações legais e diligenciado competentemente (nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 17.° do DL n.° 122/2021, de 30 de dezembro e em cumprimento do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (UE) 2018/1861, de 28/11/2018) e/ou em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis (nos termos do artigo 27.° do Regulamento (UE) 2018/1861) - e não o fez””;
- “Pelo que, conforme supra se mencionou, a decisão do SEF, ao decidir pelo indeferimento da pretensão do Autor, violou as normas constitucionais constantes dos artigos 15.°, 32.°, 44.°, 58.°, 65.° e 67.° da Lei Fundamental, violou ainda o disposto nos artigos 88.° e 123.° da Lei n.° 23/2007, violando igualmente o disposto nos artigos 7.° e 27.° do Regulamento (UE) 2018/1861 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28/11/2018, bem como violou o disposto no artigo 17.° do DL n.° 122/2021”.
9. O entendimento plasmado na sentença, por via desta fundamentação (e subsunção jurídica da factualidade apurada) vai no sentido de que assiste razão ao Recorrido: “o Autor tem direito a que lhe seja concedida a autorização de residência, nos termos do art. 88.° e/ou do art. 123.°, ambos da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, porquanto estão reunidos os “elementos necessários” e todos os documentos do Autor estão em conformidade, preenchendo o Autor os requisitos para que lhe possa ser deferida a autorização de residência, (a) quer, nos termos e para os efeitos do art. 88.° da Lei n.° 23/2007, caso o SEF tivesse procedido e atuado em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis (designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 27.° do mencionado Regulamento (UE) 2018/1861), (b) quer, nos termos e para os efeitos do art. 123.° da Lei n.° 23/2007, porquanto nos termos da alínea c) do n.° 1 deste artigo, a título excecional, pode “ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei: por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social””.
10. Incongruentemente, porém, o Recorrente entende que a posição adotada pelo Tribunal a quo não se afigura correta e padece de erro de julgamento, porquanto o Recorrido não cumpre os requisitos necessários à concessão de um título de residência.
11. Não tem razão o Recorrente. Ao contrário do que o Recorrente alega, inexiste, in casu, qualquer erro de julgamento (de facto e/ou de direito) suscetível de inquinar a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
12. Na verdade, tem razão o Tribunal a quo neste seu entendimento (e fundamentação), como resultou documentalmente demonstrado no processo. Note-se que, em relação à motivação, a convicção do Tribunal a quo quanto à factualidade julgada provada (factualidade, diga-se, não impugnada pelo Recorrente) “assentou na análise crítica (i) dos documentos que constam dos autos e Processo Administrativo-Instrutor (PA), (ii) da consulta informática do processo que se encontra apenso n.° 2046/22.9BEBRG, (iii) das posições assumidas pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos que resultaram da admissão por acordo, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento; e, ainda, tendo sido tomada em consideração por este Tribunal a factualidade notória - cf. art. 412.° do CPC], e (iv) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos da factualidade julgada provada”.
13. Pelo que, assiste razão ao Recorrido e esteve bem a decisão recorrida ao decidir como decidiu. Quer a argumentação expendida, quer o quadro normativo utilizado pelo Recorrente para tentar fundamentar o “erro de julgamento” da sentença recorrida, são absolutamente infrutíferos.
14. Neste sentido, atente-se ao teor do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30-05-2018, processo n.° 03164/16.8BEPRT, citado na sentença recorrida, na medida em que todo este “conjunto de pressupostos” (conforme foram atendidos, e bem, no mencionado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte) não podem ser ignorados, desde logo porque, para efeitos do artigo 88.° (bem como para efeitos do artigo 123.°) da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, todos os documentos do Requerente/Autor (ora Recorrido) estão em conformidade.
15. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo enquadrou corretamente a matéria de facto e a aplicação que fez da lei não é merecedora de qualquer tipo de censura. Pelo que o recurso em apreço é totalmente desprovido de fundamentos, de facto e de direito, tendo o Tribunal a quo realizado uma acertada interpretação dos factos e uma correta aplicação da lei.
16. A outro título, o Recorrente reconduziu o seu recurso à questão da suspensão da eficácia do ato, referindo que “não faz pois qualquer sentido, solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução”.
17. Ora, para facilidade de referência do Tribunal ad quem, importa contextualizar que o Recorrido instaurou o processo cautelar (requerendo a suspensão da eficácia do ato/despacho de indeferimento e consequente suspensão do prazo de 20 dias concedido para abandonar o Território Nacional) de forma a assegurar a utilidade da decisão da ação principal e por se mostrar adequada a salvaguardar os seus direitos e interesses. Portanto, antes de intentar a ação principal (p. n.° 2046/22.9BEBRG), o Recorrido socorreu-se da tutela cautelar (requerendo a suspensão daquele ato).
18. O Recorrente limita-se a referir: “não faz qualquer sentido, solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução”.
19. Contudo, faz todo o sentido. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, e como resulta da sentença recorrida, convém não olvidar que o Recorrido é “jogador profissional de hóquei em patins, mundialmente conhecido na sua modalidade desportiva, sendo internacional e titular pela seleção da Argentina, ao serviço da qual se encontra a participar no Mundial de Hóquei em Patins a decorrer na Argentina”.
20. Caso o Recorrido não se socorresse da tutela cautelar, apenas intentando a ação principal, findos os 20 dias concedidos para abandonar o TN, não lograria permanecer no TN regularmente, não conseguindo desenvolver a sua vida pessoal e profissional normalmente (munido da autorização de residência que lhe é devida, conforme entende o Tribunal a quo), sendo que só através da tutela cautelar lograria cumprir o seu contrato de trabalho e o seu dever de representação da seleção nacional da Argentina no Mundial de hóquei em patins (permitindo-lhe o regresso a Portugal).
21. Portanto, aquele ato/decisão de 12-08-2022 teve e está a ter consequências na esfera jurídica do Recorrido, porquanto se traduz na decisão do procedimento despoletado pela manifestação de interesse n.° 30720073, cuja mera abertura atribuiu ao Recorrido vantagens jurídicas - desde logo, a permanência legal em TN (Território Nacional).
22. Se a mera abertura do procedimento, e inerente tramitação, per si, é motivo impeditivo de expulsão do interessado (Recorrido), então a suspensão da eficácia daquele ato, de indeferimento/arquivamento, teve e tem efeitos positivos na esfera jurídica do Recorrido, razão pela qual requereu aquela providência cautelar da suspensão da eficácia do ato, uma vez que tal suspensão significa que o procedimento se mantém aberto, com as inerentes vantagens jurídicas.
23. Além disso, “sendo o único fundamento para a não concessão da autorização de residência aquela indicação NSIS”, importa salientar que à data da mesma (à data da escala, em 20-12-2020) o Recorrido tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse n.° 30720073), conforme resultado provado da sentença recorrida. E o que se pretendia era que continuasse pendente, com a suspensão da eficácia daquele ato de 12-08-2022, tendo-se logrado demonstrar os vícios de que aquele ato padece (conforme consta da fundamentação da sentença recorrida).
24. A suspensão da eficácia daquele ato afigurava-se essencial, desde logo, para efeitos de cumprimento do contrato de trabalho, pois além das deslocações subjacentes à participação no Mundial que se encontrava a decorrer (tendo-se sagrado campeão mundial em 13-11-2022), o Recorrido necessitava de viajar para cumprir com o seu contrato de trabalho (porquanto, conforme consta provado na sentença recorrida, “o Autor é jogador profissional de hóquei em patins, tendo a sua habitação e a sua actividade profissional em Portugal há mais de dois anos, encontrando-se a participar no Mundial de hóquei em patins, na Argentina (ao serviço da seleção), desde outubro de 2022 e tendo a sua situação fiscal e contributiva regularizada perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social”.
25. Não tem razão o Recorrente (que não se opôs à antecipação do juízo sobre a causa principal), quando alega que “não faz pois qualquer sentido, solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução”.
26. Esteve bem o Tribunal a quo ao manter “como acto suspendendo o despacho datado de 12-08-2022, por permanecerem os vícios apontados pelo Requerente”, bem como ao concluir, quanto ao requisito da existência de uma situação de urgência, que “o mesmo encontra-se preenchido, na medida em que a decisão que melhor serve os interesses de AA é aquela que, em definitivo, decida sobre o direito que o mesma se arroga de ver declarada a anulação do Despacho proferido pela Diretora Regional do Centro Regional de ... do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência e a notificação de abandono voluntário (e a sua substituição por outra que lhe conceda a autorização de residência)”.
27. Assim, cai por terra todo o raciocínio que parte de tal premissa do Recorrente. Não merece qualquer censura a sentença, tendo estado bem o Tribunal a quo ao concluir que “compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 16) - e para a qual, aqui, se remete, por uma questão de economia processual -, assiste razão ao Autor”.
28. Por fim, também não colhe a tese do Recorrente, quanto à discricionariedade administrativa/princípio da separação de poderes, segundo a qual o Tribunal a quo não poderia impor e condenar o Recorrente “(na pessoa do seu órgão competente SEF) na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor” (na ótica do Recorrente, a apreciação e enquadramento do pedido formulado pelo Recorrido é matéria de discricionariedade administrativa, e, ao abrigo do princípio da separação de poderes, não compete ao Tribunal a quo substituir-se à Entidade Demandada na análise da situação, não podendo o Tribunal a quo determinar o conteúdo do ato a praticar, mas sim explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido).
29. Em sede recursiva, o Recorrente chamou à colação os artigos 3.° e 71.° do CPTA, conjugados com o artigo 111.° da Lei Fundamental, referindo que se impunha que o Tribunal a quo apenas explicitasse “as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido”.
30. Todavia, o Recorrente incorreu numa análise pouco atenta da decisão recorrida, bem como numa aplicação incorreta do direito, revelando, com o devido respeito, a alegação do Recorrente um profundo (e preocupante) desconhecimento da lei ou, não sendo assim, uma postura ostensiva de litigância de má-fé. Isto porque, pese embora se socorra daqueles artigos, o Recorrente parece olvidar-se do estabelecido no n.° 1 do artigo 71.° do CPTA, bem como do estabelecido no n.° 2 do artigo 205.° da CRP.
31. O Recorrente reconduziu, deliberadamente, as suas alegações, nesta parte, à alusão de um Parecer do Ministério Público, argumentando que, aquando da sentença recorrida, ainda decorria a análise do processo do Recorrido pelo SEF (“é precisamente o que ocorre com o presente caso”; “a aguardar a conclusão da análise”).
32. Contudo, tal não corresponde à verdade (conforme, de resto, resulta evidente da sentença recorrida). Na verdade, o SEF tomou a decisão em relação ao processo do Recorrido, por via do despacho datado de 12-08-2022. Conforme consta da sentença recorrida: a decisão cabia ao SEF, sendo que, entre deferir/conceder e ter de notificar as autoridades holandesas ou indeferir/não conceder e ter de notificar o Recorrido, o SEF preferiu o segundo. Outrossim, e bem sabendo que o Recorrido tinha todos os documentos em conformidade, o SEF, em face da pretensão substantiva que lhe foi requerida (e que era realizável através de um ato administrativo), decidiu expressamente indeferi-la, denegá-la, por considerar que a referida pretensão não era devida, que não assistia razão de fundo ao interessado (Recorrido).
33. Contudo, conforme consta da sentença, assiste razão ao Recorrido. E o Recorrente sabe-o, pese embora revele algum inconformismo com a sujeição dos seus atos a controlo jurisdicional.
34. Ao contrário do que o Recorrente alega, a manifestação de interesse não está “a aguardar a conclusão da análise”. Pelo contrário: o SEF concluiu a análise e, por via da decisão de 12-08-2022, ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência, pese embora a análise e consequente decisão padeça de vícios que lhe foram assacados pelo Recorrido (reconhecidos na sentença recorrida).
35. Com o devido respeito, o Recorrente parece querer manter viva uma ação através de uma argumentação que carece (evidentemente) de fundamento. E já o havia feito em sede de processo cautelar, designadamente quando o SEF, por requerimento (datado de 13-10-2022), juntou “a parte do Processo administrativo entretanto aditada no âmbito da análise às alegações do requerente, e que sustentou a prolação da nova decisão”. Ou seja, no desenrolar daqueles autos cautelares, o Recorrente, por via daquele requerimento, tentou sanar a violação do direito de defesa e audiência do Recorrido, numa tentativa de fundamentação a posteriori por parte do Recorrente.
36. O caso em apreço é paradigmático em relação ao aludido risco de que os vícios das decisões/despachos (e mal funcionamento do SEF) origine comportamentos abusivos por parte deste (prejudiciais ao Recorrido), sendo que aquele requerimento não deixa quaisquer dúvidas de que o Recorrente parecia querer revogar o ato suspendendo com a clara intenção de provocar a extinção da instância e abrir caminho a uma nova regulação da situação jurídica do Recorrido, ao arrepio do Despacho de 29-09-2022. Perante isto, o Recorrido pronunciou-se no sentido de não se admitir que “a parte do Processo administrativo entretanto aditada no âmbito da análise às alegações do requerente, e que sustentou a prolação da nova decisão” fosse considerada uma revogação ou fosse considerado um “novo acto administrativo”, mas apenas uma mera tentativa de fundamentação a posteriori.
37. Sendo certo que, e conforme mencionado na sentença recorrida, sobre isto, verteu o Acórdão do STA (p. n.° 01306/03), que “a fundamentação a posteriori não é legalmente admissível”. Efetivamente, quando um ato é emitido, tem de (nele) constar toda a fundamentação. No mesmo sentido, é mencionado no Acórdão do STA (p. n.° 6/20.3YFLSB, de 29-10-2020) que “a necessidade de fundamentação coeva do acto administrativo implica a inadmissibilidade da fundamentação a posteriori, ou seja, aquela que é deduzida depois do acto”.
38. Neste seguimento, e conforme consta da sentença recorrida, que considerou a questão da fundamentação a posteriori levantada pelo Recorrido, “certo é que atenta a relação material controvertida plasmada nos autos pelo Requerente, mantém-se como acto suspendendo o despacho datado de 12-08-2022, por permanecerem os vícios apontados pelo Requerente”.
39. Pelo que, ao contrário do que o Recorrente alega, a manifestação de interesse do Recorrido não está “a aguardar a conclusão da análise”, não se subsumindo, portanto, o caso dos autos ao caso vertido pelo Recorrente (nos pontos 21 a 24).
40. A análise foi levada a cabo pelo SEF e culminou num indeferimento mal dado, tendo o Recorrido intentado a ação administrativa com vista à impugnação (e suspensão, em sede cautelar) daquele ato/decisão (de 12-08-2022, que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência), na medida em que, conforme resulta da sentença recorrida, o indeferimento foi mal dado, sendo que todo o circunstancialismo em apreço poderia ter sido evitado caso o SEF, ao abrigo das suas competências e obrigações legais, tivesse diligenciado competentemente (tivesse atuado em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis).
41. Quer a argumentação expendida, quer o quadro normativo utilizado para tentar fundamentar a violação do princípio da separação de poderes, são absolutamente infrutíferos, sendo que, tal argumentação, além de carecer de fundamento, revela inconformismo do Recorrente com a sujeição dos seus atos a controlo jurisdicional (é, aliás, o próprio que o confessa quando afirma que “não é, pois, compreensível, e muito menos aceitável, que o poder judicial, ao arrepio da lei, se imiscua no poder que esta mesmo ditou como exclusivo da esfera da Administração”).
42. Nesta senda, refira-se e atente-se no teor do Acórdão do STA, de 10-12-2020 (processo n.° 0754/19.0BECBR): “nos termos da Constituição e da lei é aos tribunais administrativos, e não à Administração, que cabe aplicar e fazer cumprir o direito, pelo que os poderes de que aquela dispõe para prosseguir as suas atribuições não podem deixar de estar condicionados pelas decisões daqueles tribunais que, nos termos do número 2 do artigo 205.° da Constituição, «são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades». É esse, e não outro, o sentido que se deve dar ao princípio da separação de poderes, que implica necessariamente que a Administração não se possa fazer valer das suas competências dispositivas ordinárias para se sobrepor”.
43. Assim, também neste domínio (quanto à separação de poderes) as alegações do Recorrente não colhem, sendo que, em relação às mesmas, por um lado, não corresponde à verdade que a manifestação de interesse e/ou o processo do Recorrido esteja “a aguardar a conclusão da análise” (não está), pois a análise foi levada a cabo pelo SEF e culminou num indeferimento mal dado (conforme consta da sentença recorrida), e, por outro lado, o Tribunal a quo não decidiu ao arrepio da lei mas ao abrigo dela, designadamente nos termos do n.° 1 do artigo 71.° do CPTA.
44. Inexiste, in casu, qualquer violação ao princípio da separação de poderes. O que existe é uma sentença (recorrida) na qual o Tribunal a quo realizou uma acertada interpretação dos factos e uma correta aplicação da lei.
45. E em relação à alegação do Recorrente de que “não poderia o Tribunal a quo impor “a condenação à pratica de acto devido consubstanciado em a Entidade Demandada conceder ao Autor o título de residência””, atente-se no que foi decidido no Ac. Tribunal Central Administrativo Norte, de 30-05-2018, p. n.° 03164/16.8BEPRT, o qual foi citado na sentença recorrida e decidiu “julgar procedente o Recurso, revogando-se a decisão Recorrida, mais se condenando o SEF na prática do ato concessão da autorização de residência ao Recorrente”, ancorando e atendendo a sua decisão no “conjunto de pressupostos”. Ora, este “conjunto de pressupostos” foram, no caso em apreço, atendidos na sentença recorrida, sendo que também não poderiam ser ignorados, desde logo porque, para efeitos do artigo 88.° (e do artigo 123.°) da Lei n.° 23/2007, todos os documentos do ora Recorrido estão em conformidade.
46. Na sentença recorrida, pode ler-se: “resulta da factualidade supra julgada provada que (1) o Autor sempre esteve com a sua situação em conformidade com a legislação aplicável em vigor, sendo que apenas não lhe foi possível mostrar às autoridades holandesas a autorização de residência em virtude dos reagendamentos do SEF. (2) O Autor que tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse número ...73) e que apenas não procedeu de outra forma na medida em que não lhe era exigível - o Autor estava à espera do agendamento/entrevista e apenas efetuou uma escala em Amesterdão, tendo confrontado as autoridades holandesas com a documentação subjacente (que as mesmas ignoraram). (3) O Autor que não pode ser prejudicado pela não compreensão das autoridades holandesas da legislação portuguesa em matéria de agendamento do SEF, aquando da pandemia, nem tampouco o Autor poderia ter sido afetado pela demora na concessão das autorizações de residência” (sublinhado nosso).
47. Assim, esteve bem o Tribunal a quo ao pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado (Recorrido) e ao impor a prática do ato devido, nos termos do n.° 1 do artigo 71.° do CPTA. A não ser assim, cair-se-ia no absurdo de se considerar que ninguém poderia lançar mão de uma ação de condenação à prática do ato devido ou, pior, que os atos da Administração não pudessem ser sujeitos a controlo jurisdicional.
48. E quanto à alegação do Recorrente de que “a execução da presente Sentença implica tout court que o ora réu preterisse outras manifestações de interesse que estão nas mesmas circunstâncias (a aguardar a conclusão da análise) e que deram entrada em data anterior à do recorrido, com inequívoca violação das expectativas dos cidadãos interessados entretanto preteridos sem qualquer justificação aceitável”, importa salientar que é o próprio SEF que reconhece que cada caso é um caso.
49. Na “Legispédia SEF”, numa nota ao artigo 88.°, consta um esclarecimento do Ministério da Administração Interna sobre legalização de imigrantes: “o artigo 88.°, n. 2 da lei de estrangeiros exige a entrada legal, não podendo a mesma ser presumida, até , porque nos termos do artigo 123.° da lei de estrangeiros é , possível a legalização de quem tem uma relação laboral efetiva em Portugal”, constando ainda um esclarecimento divulgado pelo SEF: “todos aqueles que trabalham e descontam para a Segurança Social e tenham entrada legal têm acesso ao regime especial dos artigo 88.° e 89.°, desde que motivos de segurança nacional não o impeçam, assim como todos os que não tendo entrada legal e demonstrem inserção no mercado de trabalho por período superior a um ano e cumpram os demais requisitos legalmente impostos, podem ver a sua situação regularizada, por motivos excecionais de cariz humanitário, através do artigo 123.° da lei de estrangeiros” (sublinhado nosso). Portanto, é o próprio SEF que reconhece que cada caso é um caso.
50. E conforme consta da fundamentação da sentença recorrida, mesmo que o SEF nada tivesse querido fazer em relação à indicação NSIS em apreço (designadamente nos termos e para os efeitos do art. 88.° da Lei n.° 23/2007), bem sabe o SEF (e sabia à data) que tal medida NSIS não obstava a que operasse o regime previsto no artigo 123.° da Lei n.° 23/2007. Sendo aquela indicação NSIS o único fundamento para a não concessão da autorização de residência, bem sabe o SEF que, atento o circunstancialismo (constante e atendido na sentença recorrida), tal não obstava a que o Recorrido pudesse ver a sua situação regularizada ao abrigo do artigo 123.°.
51. O SEF não pode socorrer-se de uma prorrogativa legal para justificar a não aplicação de outra prorrogativa legal. E nenhum Tribunal pode admitir que o SEF o faça.
52. Por cada caso ser um caso, sobressai da decisão recorrida que o Tribunal a quo teve em consideração todo o “conjunto de pressupostos”, conforme também foram atendidos no Acórdão do Venerando Tribunal ad quem (p. n.° 03164/16.8BEPRT).
53. Pelo que, esteve bem o Tribunal a quo ao decidir condenar “o Réu (na pessoa do seu órgão competente SEF) na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor”, tal como foi decidido no Acórdão do Venerando Tribunal ad quem (p. n.° 03164/16.8BEPRT) que decidiu condenar “o SEF na prática do ato concessão da autorização de residência ao Recorrente”.
54. Em face do exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do recurso interposto pelo Recorrente: não existiu qualquer violação ao princípio da separação de poderes, não tendo o Tribunal a quo tampouco errado no julgamento de facto e/ou de direito. A sentença recorrida enquadrou bem a matéria de facto e a aplicação que fez da lei não é merecedora de qualquer tipo de censura.
55. Pelas razões ora aduzidas, entende-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer quaisquer reparos, devendo ser mantida nos seus precisos termos e, por conseguinte, o presente recurso deverá soçobrar e ser julgado improcedente. (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer fundamentado no sentido da procedência parcial do recurso.
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O Recorrido respondeu ao parecer do M.P. nos termos e com os fundamentos que fazem fls. 463 e seguintes dos autos [suporte digital].
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a única questão essencial a dirimir resume-se a saber se o T.A.F. de Braga, ao julgar nos termos e com alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento de direito.
E na resolução de tal[ais] questão[ões] que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida [aqui sem reparos] foi o seguinte:”(…)
1. AA, ora Autor, tem nacionalidade argentina, e nasceu em .../.../1997, sendo portador do Passaporte n.° ... (ARG), datado de 02/07/2015, emitido pela República da Argentina e válido até 02/07/2025 [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
2. O Autor deu entrada, nos serviços da Delegação Regional de ... do SEF, ora Réu, de um pedido de concessão de autorização de residência, ao abrigo do art. 88.°, n.° 2, da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho (manifestação de interesse n.° 30720073) [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
3. O pedido referido em 2) foi instruído com os documentos devidos para o efeito; tendo sido notificado para comparecer numa entrevista a realizar-se em março de 2020 [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
4. Em março de 2020, foi decretado, em Portugal, estado de emergência em virtude da pandemia decorrente da doença COVID-19 provocada pelo vírus Sars-Cov-2 [cf. factualidade notória]. 
5. Em março de 2020 - estando todos os documentos apresentados pelo Autor em conformidade com o art. 88.°, n.° 2, da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho -, a autorização de residência para exercício de actividade profissional requerida pelo Autor estava apenas dependente dessa entrevista presencial - a qual não se realizou em março de 2020 devido à pandemia [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
6. Em dezembro de 2020, o Autor - que se encontrava em Portugal em virtude do contrato de trabalho desportivo celebrado e objecto da manifestação de interesse em apreço - decidiu deslocar-se à Argentina para visitar a sua família (tendo comprado o bilhete de ida e volta) [cf. documentos (docs.) n.º 3 e n.º 4 juntos com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
7. Em 20 de dezembro de 2020, a viagem com origem no Porto (Portugal) e destino Buenos Aires (Argentina) teve escala em Amesterdão (Holanda); sendo que, nessa escala, no Aeroporto Schiphol (em Amesterdão), as autoridades holandesas solicitaram ao Autor a apresentação do cartão de residência - o que o Autor não logrou fazê-lo porquanto ainda não o tinha - em virtude de novo reagendamento da sua entrevista para dezembro de 2021 [cf. documentos (docs.) n.° 4 e n.° 5 juntos com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
8. Na sequência da não apresentação do cartão de residência, as autoridades holandesas despoletaram uma medida NSIS por entrada e permanência ilegal na Holanda, bem sabendo que o Autor estava apenas a fazer escala, sem nunca ter saído do aeroporto, sem ter cometido qualquer delito e apenas por não deter autorização de residência em virtude de a entrevista (de março de 2020) ter sido reagendada para dezembro de 2021 [cf. documentos (docs.) n.° 4 e n.° 5 juntos com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
9. Em 07 de dezembro de 2021, aquando da entrevista reagendada, foi comunicado ao Autor a existência de “indicação no Sistema de Informação Schengen”, tendo o Autor procedido ao pagamento da quantia de € 84,00 pela “receção e análise al. a) n.° 1 ponto IV Portaria 1334-E/2010” e comunicado a factualidade supra descrita em 5) a 8) - mais, nessa data, o Autor reiterou pedido de concessão de autorização de residência, ao abrigo do art. 88.°, n.° 2, da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, com junção dos seguintes documentos: (a) passaporte válido, (b) comprovativo de meios de subsistência (contrato de trabalho desportivo), (c) comprovativo de alojamento, e (d) comprovativo de seguro de saúde [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; [cf. documento (doc.) n.° 6 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
10. Em 20 de julho de 2022, o Autor foi notificado pelos serviços do Requerido, nos seguintes termos, a saber: “nos termos do artº. 121.° e 122.° do Código de Procedimento Administrativo, da proposta de decisão anexa, que se pronuncia DESFAVORAVELMENTE sobre o pedido de concessão de autorização de residência, nos termos do artº. 88.°, n.° 2 da Lei 23/07, de 04/07, atual versão, para, no prazo de dez dias, querendo, dizer o que se lhe oferecer sobre o mesmo, em documento escrito a apresentar nesta Delegação Regional do SEF” [cf. documento (doc.) n.° 2 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
11. Em anexo a tal notificação (Referência/Ofício ...22; Informação de serviço n.° 121/PA/2022) constava o “Projeto de Indeferimento”, que, resumidamente, vertia (no seu ponto 5) o seguinte: “a manifestação de interesse apresentada pelo requerente em 07/12/2021 foi sujeita a rigorosa análise documental, tendo sido observada a existência de motivos que obstam à concessão de autorização de residente, conforme se assinala: Indicação no sistema de informação Schengen, nos termos da al. i) do n.° 1 do artº. 77.° e al. b) do n.° 1 do artº. 52.° da Lei 23/07, de 04/07, na sua atual versão”; acrescentando (no seu ponto 6) que “de acordo com o artº. 77.°, n.° 1, al. i) da Lei 23/07, a sua atual versão, um dos requisitos essenciais para a concessão de autorização de residência temporária, é a ausência de indicação no sistema de informação Schengen” e que “sucede que, no caso concreto, consta uma indicação no Sistema de Informação Schengen com o n.° ID. SIS 0011.02000001088678100000001.01 emitida pelo estado holandês, aos 26/01/2021 e válida até 23/01/2023” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].até factualidade não impugnada].
12. Na sequência da notificação referida em 10) e em 11), o Autor exerceu o seu direito de audiência prévia; tendo enviado a sua pronúncia, por carta registada (datada de 25-07-2022) e a qual foi rececionada pelo SEF - Delegação Regional de ... (em 26-07-2022) - pronúncia, essa e documentos juntos, cujo teor, aqui, se tem presente [cf. documento (doc.) n.° 7 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
13. Em 05 de agosto de 2022, no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o Autor foi notificado para '“comparecer no DELEGAÇÃO REGIONAL DE ... sita na Avenida ..., ... ..., na próxima sexta-feira, dia 12 de agosto de 2022, pelas 10 horas [cf. documento (doc.) n.° 9 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
14. Em 12 de agosto de 2022, o Autor foi notificado do indeferimento final e, em consequência, para “'abandonar o Território Nacional no prazo de 20 dias” porque “tendo sido o requerente legalmente notificado nos termos dos art.° (s) 121° e 122° do CPA até à presente data não se pronunciou acerca do pedido solicitado nos termos do art.° 88°, n.° 2 da lei 23/07 de 04.07, na sua atual versão [cf. documento (doc.) n.° 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada] - acto ora impugnado.
15. O Autor é jogador profissional de hóquei em patins, tendo a sua habitação e a sua actividade profissional em Portugal há mais de dois anos, encontrando-se a participar no Mundial de hóquei em patins, na Argentina (ao serviço da seleção), desde outubro de 2022 e tendo a sua situação fiscal e contributiva regularizada perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social [cf. documentos (docs.) juntos com o requerimento inicial, com a petição inicial e com o PA e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não impugnada].
16. Tem -se aqui presente o teor de todos os documentos constantes do presente processo (e seu apenso) e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs. constantes dos autos (e seu apenso) e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
1. Vem posta em causa na apelação a sentença que julgou procedente a ação principal instaurada nos autos e, em consequência, (i) determinou a anulação do despacho proferido pela Diretora Regional do Centro do SEF proferido em 12.08.2022 e, bem assim, (ii) condenou o Réu na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor, nos termos e para os efeitos do art. 88.° [e/ou do art. 123.°] da Lei n.° 23/2007, deferindo a pretensão requerida pelo Autor.
2. Discordando da decisão proferida, o Apelante alega que o Autor, aqui Recorrido, não dá cumprimento à alínea i) do nº. 1 do art. 77º da Lei nº. 23/2007, por ter pendente sobre si uma Medida cautelar NSIS de interdição de entrada nos Estados Schengen, inserida pelos Países Baixos em 26.01.2021, válida até 23.01.2023, facto que, só por si, constitui óbice à concessão de um título de residência.
3. Ademais, invoca que não se verifica a existência de "motivos graves, nomeadamente de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais" passíveis de acato para a eventual retirada da referida medida, implicando a improcedência do desiderato em causa.
4. Derradeiramente, aduz que nunca poderia o Tribunal impor a concessão de uma autorização de residência, pois a apreciação e enquadramento do pedido formulado ao abrigo do artº. 88º da Lei de Estrangeiros é matéria de discricionariedade administrativa pelo que, atendendo ao princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente consagrado e também vertido no artº. 3º. do CPTA, não poderia o Tribunal a quo impor a “condenação à prática de acto devido consubstanciado em a Entidade Demandada conceder ao Autor o título de residência.".
5. Vejamos, convocando, desde já, a ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência da presente ação: “(…)
Como acima se referiu, o objecto do litígio reconduz-se à apreciação da legalidade (ou ilegalidade) do Despacho proferido pela Diretora Regional do Centro Regional de ... do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência e a notificação de abandono voluntário (e eventual sua substituição por outra que lhe conceda a autorização de residência).
A este respeito, o Autor alegou que tal deliberação padeceria do (i) vício de violação de lei (em articulação com a verificação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e com a violação do princípio da proporcionalidade), e do (ii) vício procedimental decorrente da preterição de audiência prévia e do vício de falta de fundamentação.
O Réu, por seu turno, argumentou que o acto impugnado se afigurava perfeitamente legal.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já, se adianta, que compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 16) - e para a qual, aqui, se remete, por uma questão de economia processual -, assiste razão ao Autor.
Antes demais esclarece-se que é pacífico, na jurisprudência, a irrelevância da formulação de um pedido impugnatório em sede de acção em que se reage de um indeferimento da pretensão do administrado, visando a condenação à prática do ato devido, “uma vez que o desaparecimento da ordem jurídica do ato de indeferimento decorre inexoravelmente da pronúncia condenatória” - cf. douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL (TCAS), de 07-05-2020, proferido no âmbito do processo n.° 509/16.4BECTB-A. Preliminarmente, cumpre aludir e adiantar que os vícios assacados ao despacho impugnado decorrem do pedido de concessão de autorização de residência requerido pelo Autor junto da Delegação Regional de ... do SEF. Efetivamente, no decorrer dos trâmites daquele pedido de concessão de autorização de residência, o Autor foi notificado “da proposta de decisão anexa, que se pronuncia DESFAVORAVELMENTE sobre o pedido de concessão de autorização de residência, nos termos do art. ° 88.°, n.° 2 da Lei 23/07, de 04/07, atual versão, para, no prazo de dez dias, querendo, dizer o que se lhe oferecer sobre o mesmo, em documento escrito a apresentar nesta Delegação Regional do SEF”. E pese embora o Autor tenha exercido o seu direito de defesa e audiência, em 25-07-2022; foi notificado, em 12-08-2022, do indeferimento final e, em consequência, para “abandonar o Território Nacional no prazo de 20 dias”, sendo fundamento do indeferimento o alegado facto de “tendo sido o requerente legalmente notificado nos termos dos art.0 (s) 121° e 122° do CPA até à presente data não se pronunciou acerca do pedido solicitado nos termos do art.° 88°, n.° 2 da lei 23/07 de 04.07, na sua atual versão”. Perante isto, o Autor, residente em Portugal, onde cumpre o seu contrato de trabalho e tem o seu lar, instaurou o presente processo urgente (requerendo, a título cautelar, a providência da suspensão da eficácia de ato administrativo, de forma a assegurar a utilidade da decisão que venha a ser obtida na ação principal). Ora, tendo intentado a acção principal - na qual também requer a condenação do Réu na prática do ato administrativo devido de concessão da autorização de residência -, foi decidido antecipar o juízo sobre a causa principal. Por conseguinte, e apesar de não ser necessário que o Autor deduza um pedido de anulação do acto de indeferimento - já que a “a eliminação da ordem jurídica do eventual ato de indeferimento resulta diretamente da pronúncia condenatória” [vide AROSO DE ALMEIDA/FERNANDES CADILHA, Comentário ao CPTA, 4ª Ed., Almedina, 2017, p. 455] -, a verdade é que, atendendo aos vícios e ao circunstancialismo em apreço, o Autor reiterou os vícios de que padeceria o despacho de indeferimento, a título principal, efeitos dos arts. 95.°, n.° 3, e 121.°, n.° 1, ambos do CPTA.
Como é sabido, o art. 25.°, n.° 1, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen preceitua que “sempre que uma parte contratante tencionar emitir um título de residência a um estrangeiro que conste da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, consultará previamente a parte contratante que o indicou e tomará em consideração os interesses desta. O título de residência só pode ser emitido por motivos graves, nomeadamente, de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais. [...] Se o título de residência for emitido, a parte contratante que indicou o estrangeiro retirará o seu nome dessa lista, podendo, todavia, inscrevê-lo na sua lista nacional de pessoas indicadas”.
Ora, afigurando-se aquele “nomeadamente” não taxativo, o Autor, em sede de audiência prévia, referiu que, dentre os “motivos grave” se enquadraria a pandemia (mormente, o facto de os condicionalismos subjacentes à pandemia terem obstado a que o Autor, à data do sucedido no estado holandês [em 20-12-2020], já possuísse cartão de residência, porquanto o seu agendamento no SEF para o efeito seria em março de 2020, estando toda a sua documentação em conformidade. Todavia, e não obstante o Autor ter aludido (em 20-12-2020) ao teor do despacho n.° ...02 e ao teor do despacho n.° ...03, bem como ao facto de ainda não ter o cartão de residência devido ao cancelamento do agendamento em virtude da pandemia, o estado holandês fez tábua rasa e procedeu, de forma inflexível. Pelo que assiste razão ao Autor quando alegou que o fundamento para “ter sido observada uma indicação no Sistema de Informação Schengen, nos termos da al. i) do n.° 1 do art. ° 77.° e al. b) do n.° 1 do art. ° 52. ° da Lei 23/07, de 04/07, carecia de fundamento legal e fáctico, pelo que não poderia obstar à concessão de autorização de residência, pois não se vislumbraria outra razão que não um lapso ou uma conduta inflexível por parte das autoridades holandesas para terem atuado em desconformidade com a legislação portuguesa em matéria de COVID-19 e ignorando as explicações tecidas pelo Autor — que nunca saiu do aeroporto, apenas fez escala em Amesterdão”. E, no âmbito do exercício do seu direito de defesa e de audiência, o Autor referiu que não poderia considerar-se que “o presente pedido não cumpr[ia] com os requisitos essenciais e estruturantes para a sua atendibilidade, por se verificar que [tinha] uma medida NSIS por entrada e permanência ilegal na Holanda, com decisão de afastamento baseada no incumprimento por parte do nacional de Estado terceiro em questão da regulamentação relativa à entrada e permanência do Estado autor da decisão vertida na al. b) do n.° 1 do art. ° 169.° da Lei 23/07, de 04/07 na sua atual versão, e fazer parte da lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão, consignadas nos art. ° 25. ° da Convenção Aplicação do Acordo de Schengen”. Isto porque as autoridades holandesas e o Réu deveriam ter atendido ao circunstancialismo do caso em apreço e à legislação e regulamentação em vigor referente à COVID-19, designadamente o Despacho n.° 5793-A/2020, o Despacho n.° ...20 e o Despacho n.° ...21, na medida em que o Autor apenas não detinha cartão de residência nem (consequentemente) o mostrou às autoridades holandesas por motivo a si não imputável. Efetivamente, o Autor, à data daquela escala (em 20-12-2020) tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse número 30720073) — facto que fez questão de referir, quer junto das autoridades holandesas (em 20-12-2020), quer junto do SEF (no “reagendamento”/entrevista presencial, em 07-12-2021). E, nesse seguimento, exerceu o seu direito de defesa e audiência, tendo referido:
(a) No tocante ao Despacho n.° 5793-A/2020 que: “1 - A implementação de um procedimento simplificado de instrução dos pedidos de concessão de autorização de residência com dispensa de visto previstos no n.° 2 do artigo 88.° e no n.° 2 do artigo 89.° da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, consistindo nas seguintes diligências: a) Consulta às bases de dados relevantes, necessárias para confirmar que o requerente não se encontra no período subsequente de interdição de entrada em território nacional, não está indicado para efeitos de não admissão no Sistema de Informação Schengen por qualquer Estado membro da União Europeia, nem indicado para efeitos de não admissão no Sistema Integrado de Informações do SEF e para confirmação de ausência de condenações por crime que, em Portugal, seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano, ainda que esta não tenha sido cumprida ou a sua execução tenha sido suspensa; b) Que os documentos apresentados conjuntamente com o pedido de dispensa de visto (manifestação de interesse) fazem prova dos factos nos mesmos atestados, independentemente do seu prazo de validade, desde que estivessem válidos na data daquela apresentação”.
(b) No que concerne ao Despacho n.° ...20: “1 - No caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, que aprova o regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, ou que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.° 27/2008, de 30 de junho, na sua redação atual, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no SEF, à data de 15 de outubro de 2020. 2 - Os documentos que atestam a situação dos cidadãos referidos no número anterior são os seguintes: a) O documento de manifestação de interesse ou pedido emitido pelas plataformas de registo em uso no SEF nos casos de pedidos formulados ao abrigo dos artigos 88.°, 89.° e 90.°-A da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual”.
(c) No que respeita ao Despacho n.° ...21: “1 - No caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual, que aprova o regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, ou que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.° 27/2008, de 30 de junho, na sua redação atual, que estabelece as condições e os procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no SEF, à data de 30 de abril de 2021. 2 - Os documentos que atestam a situação dos cidadãos referidos no número anterior são: a) O documento de manifestação de interesse ou pedido emitido pelas plataformas de registo em uso no SEF nos casos de pedidos formulados ao abrigo dos artigos 88.°, 89.° e 90.°-A do regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional; b) O documento comprovativo do agendamento no SEF ou de recibo comprovativo de pedido efetuado em todas as outras situações de processos pendentes no SEF, designadamente concessões ou renovações de autorização de residência, seja do regime geral ou dos regimes excecionais”.
Resulta da factualidade supra julgada provada que (1) o Autor sempre esteve com a sua situação em conformidade com a legislação aplicável em vigor, sendo que apenas não lhe foi possível mostrar às autoridades holandesas a autorização de residência em virtude dos reagendamentos do SEF. (2) O Autor que tinha um pedido pendente a decorrer em Portugal (manifestação de interesse número 30720073) e que apenas não procedeu de outra forma na medida em que não lhe era exigível — o Autor estava à espera do agendamento/entrevista e apenas efetuou uma escala em Amesterdão, tendo confrontado as autoridades holandesas com a documentação subjacente (que as mesmas ignoraram). (3) O Autor que não pode ser prejudicado pela não compreensão das autoridades holandesas da legislação portuguesa em matéria de agendamento do SEF, aquando da pandemia, nem tampouco o Autor poderia ter sido afetado pela demora na concessão das autorizações de residência.
Por conseguinte, andou mal o Réu, ao não se ter pronunciado sobre o alegado pelo Autor, tendo sido preterido o direito de audiência prévia do Autor - o que, per si, torna o despacho impugnado num acto anulável nos termos do artigo 163.° do CPA - ou até mesmo num acto nulo, nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, porquanto se traduz num ato que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos dos artigos 15.°, 44.°, 58.°, 65.° e 67.°, todos da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) - não se olvide que o direito de audição é um direito constitucionalmente garantido, nos termos do n.° 10, do art. 32.° da CRP, pelo que jamais pode subsistir um processo em violação do mesmo. A este respeito, preceitua o douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), de 25-02-2022 (processo n° 02137/16.5BEPRT), que: “...o Autor não foi ouvido no procedimento quanto àquele resultado, na medida em que, no exercício do direito de audiência, o interessado poderia ter-se pronunciado sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos, o que poderia obviar a uma tal prática de acto...Por conseguinte, o despacho de indeferimento, além de violar normas administrativas e constitucionais e afetar a protecção e direitos do Autor, afetou - e afeta -, de forma mais incisiva, a sua liberdade de circulação e a sua atividade profissional (a sua liberdade de estabelecimento, circulação, permanência e exercício da sua atividade profissional em Território Nacional), dado que o Autor é jogador profissional de hóquei em patins, com relação laboral efectiva em Portugal (com contrato de trabalho) e com residência habitual, a sua vida pessoal e profissional, em Portugal.
Constata-se, assim, que o despacho de indeferimento sempre viola os arts. 88.° e 123.° da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, e ainda os arts. 15.° (n.° 1), 32.° (n.° 10), 44.°, 58.°, 65.° e 67.°, todos da CRP - o que determinaria e configura um ato anulável, nos termos do artigo 163.° do CPA. Sendo que o circunstancialismo em apreço poderia ter sido evitado caso o SEF, ao abrigo das suas competências e obrigações legais (em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis), tivesse diligenciado competentemente: caso o SEF não tivesse ignorado o Autor (em 07-12-2021, na sua deslocação ao SEF para efeitos de reagendamento/entrevista presencial) e/ou tivesse ouvido o Autor (ou melhor, caso não houvesse uma omissão de pronúncia por parte do SEF ao requerimento enviado pelo Autor em 25-07-2022, por via do qual o Autor exerceu o seu direito de defesa e audiência).
No entanto, e bem sabendo que o Autor tinha os documentos em conformidade, o SEF, em face da pretensão substantiva que lhe foi requerida (e que era realizável através de um ato administrativo), decidiu expressamente indeferi-la, denegá-la, por considerar que a referida pretensão não é devida, que não assiste razão de fundo ao interessado/Autor. O SEF, ao ignorar e não ouvir o Autor, fez uma incorreta aplicação do Direito ao caso concreto no que à pretensão material do Autor diz respeito - pois, cumpre reiterar: o único fundamento para a não concessão da autorização de residência é aquela indicação NSIS, a qual deveria ter sido retirada pelo SEF, face aos esclarecimentos tecidos pelo Autor, em sede de audiência prévia. Efetivamente, o SEF deveria ter procedido e atuado ao abrigo das suas competências e obrigações legais e em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis. Ao invés, o SEF violou normas administrativas e constitucionais e afetou a protecção e os direitos do Autor, a sua liberdade de estabelecimento, circulação, permanência e exercício da sua atividade profissional em Território Nacional.
Faz-se notar que, de acordo com a jurisprudência firmada pelo COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA) (processo n.° 01306/03), “a fundamentação a posteriori não é legalmente admissível”. Efetivamente, quando um acto é emitido, tem de (nele) constar toda a fundamentação - neste mesmo sentido, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) (processo n.° 6/20.3YFLSB, de 29-10-2020) refere que “a necessidade de fundamentação coeva do acto administrativo implica a inadmissibilidade da fundamentação a posteriori, ou seja, aquela que é deduzida depois do acto””. Pelo que, independentemente da questão da fundamentação a posteriori do Réu, a verdade é que o acto impugnado, além de violar normas administrativas e constitucionais e afetar a protecção e direitos do Autor, afeta, de forma mais incisiva, a sua liberdade de circulação e a sua actividade profissional, dado que é jogador profissional de hóquei em patins, a cumprir contrato de trabalho, tem a sua vida pessoal e profissional em Portugal e participa no Mundial de hóquei em patins na Argentina, desde outubro de 2022. Acresce que a atuação do SEF violou os trâmites e a legislação aplicáveis - designadamente os constantes do Regulamento (UE) 2018/1861 e Regulamento (UE) 2018/1860, ambos de 28 de novembro de 2018. Com efeito, o art. 17.° do D.L. n.° 122/2021 - aprova a orgânica do Gabinete Nacional SIRENE - determina que as autoridades portuguesas que “dispõem de acesso aos dados introduzidos no SIS, bem como direito a consultá-los, as autoridades que, para o efeito, são indicadas pelo Estado Português: d) O SEF”. Ante o exposto, o Réu não pode desconhecer que, sendo o SEF uma autoridade com direito de acesso aos dados, tal auxílio foi solicitado pelo Autor (ali Requerente), aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 - data em que pagou a quantia de 84,00 EUR pela “receção e análise al. a) n.° 1 ponto IV Portaria 1334- E/2010”” e explicou o sucedido no estado holandês. Contudo, e pese embora as insistências do Autor, o SEF ignorou o Autor e não procedeu em conformidade com os Regulamento (UE) 2018/1861 e Regulamento (UE) 2018/1860. Portanto, o SEF, apesar dos esclarecimentos verbais tecidos pelo Autor aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 (data do “reagendamento”/entrevista presencial), preferiu ignorar o Autor, em violação dos trâmites, legislação e regulamentos europeus aplicáveis. O Réu olvida-se que, para tomar aquela decisão (de conceder ou não conceder), basta(ria) ter em conta, nos termos da alínea d) do artigo 27.º daquele Regulamento, “os motivos da decisão do Estado Membro autor da indicação”, bem como “qualquer ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública que possa ser colocada pela presença do nacional de país terceiro em questão no território dos Estados-Membros” - o que não é o caso, pois o SEF bem sabe o sucedido no estado holandês, na medida em que o Autor o explicou em 07-12-2021, designadamente que apenas ali tinha estado em escala, que nunca saiu do aeroporto, que não tinha cometido qualquer delito e que apenas não detinha o cartão/autorização de residência (para apresentar às autoridades holandesas) em virtude dos reagendamentos do SEF.
Finalmente, sempre se diga que deve ser concedida autorização de residência ao Autor, nos termos do art. 88.° e/ou do art. 123.°, ambos da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho. Isto porque o Autor é residente em Portugal há cerca de dois anos, com relação laboral efectiva em Portugal, onde tem a sua habitação e a sua vida pessoal (o seu lar), não podendo ser prejudicado pelo mal funcionamento do SEF, nem pelos vícios das suas decisões. Caso o SEF não tivesse ignorado o Autor quando este solicitou o auxílio do SEF aquando da sua deslocação ao SEF em 07-12-2021 (data do reagendamento/entrevista presencial), precisamente pelo facto do SEF ser uma autoridade com direito de acesso aos dados, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 17.° do DL n.° 122/2021, de 30 de dezembro e em cumprimento do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (UE) 2018/1861, de 28/11/2018; e caso o SEF tivesse procedido e atuado em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis, designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 27.° do mencionado Regulamento (UE) 2018/1861, sempre teria de deferir o pedido do Autor. Conforme se referiu supra, pelo modo como atuou, o SEF violou o disposto nos artigos 121.° e 122.° do CPA, bem como violou o disposto no artigo 32.° (n.° 10) da CRP, o que determinaria e configura um ato anulável, nos termos do artigo 163.° do CPA. Ao decidir indeferir a pretensão substantiva que lhe foi requerida pelo Autor, o SEF não procedeu nem atuou (conforme deveria) ao abrigo das suas competências e obrigações legais, incumprindo a legislação e regulamentos europeus aplicáveis. Ao invés, o SEF deveria ter procedido e atuado ao abrigo das suas competências e obrigações legais e diligenciado competentemente (nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 17.° do DL n.° 122/2021, de 30 de dezembro e em cumprimento do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (UE) 2018/1861, de 28/11/2018) e/ou em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis (nos termos do artigo 27.° do Regulamento (UE) 2018/1861) - e não o fez. Pelo que, conforme supra se mencionou, a decisão do SEF, ao decidir pelo indeferimento da pretensão do Autor, violou as normas constitucionais constantes dos artigos 15.°, 32.°, 44.°, 58.°, 65.° e 67.° da Lei Fundamental, violou ainda o disposto nos artigos 88.° e 123.° da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, violando igualmente o disposto nos artigos 7.° e 27.° do Regulamento (UE) 2018/1861 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de novembro de 2018, bem como violou o disposto no artigo 17.° do DL n.° 122/2021, de 30 de dezembro.
E, resulta do supra exposto, que o Autor tem direito a que lhe seja concedida a autorização de residência, nos termos do art. 88.° e/ou do art. 123.°, ambos da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, porquanto estão reunidos os “elementos necessário?” e todos os documentos do Autor estão em conformidade, preenchendo o Autor os requisitos para que lhe possa ser deferida a autorização de residência, (a) quer, nos termos e para os efeitos do art. 88.° da Lei n.° 23/2007, caso o SEF tivesse procedido e atuado em cumprimento com a legislação e regulamentos europeus aplicáveis (designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 27.° do mencionado Regulamento (UE) 2018/1861), (b) quer, nos termos e para os efeitos do art. 123.° da Lei n.° 23/2007, porquanto nos termos da alínea c) do n.° 1 deste artigo, a título excecional, pode “ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei: por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social”. Sendo que, também aqui, nos termos e para os efeitos do artigo 123.° (da Lei n.° 23/2007), fez o SEF uma incorreta aplicação do Direito ao caso concreto no que à pretensão material do Autor diz respeito - nomeadamente, uma incorreta aplicação/interpretação dos artigos 88.°, n.° 1 e 77.°, n.° 5 e 6, ambos da Lei n.° 23/2007, na medida em que o n.° 6 daquele art. 77.° dispõe que “para efeitos do disposto no número anterior, com exceção dos casos em que a indicação diga respeito apenas a permanência ilegal por excesso do período de estada autorizada, é aplicável o regime excecional previsto no artigo 123. °, sendo a decisão final instruída com proposta fundamentada que explicite o interesse do Estado Português na concessão ou na manutenção do direito de residência”. Portanto, e conforme supra mencionado, mesmo que o SEF nada tivesse querido fazer (conduta que se condena e hipoteticamente se alude) em relação à indicação NSIS em apreço (designadamente nos termos e para os efeitos do art. 88. ° da Lei n.° 23/2007), bem sabe o SEF que tal medida NSIS não obsta a que opere o regime previsto no artigo 123.° da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho. E tanto é assim que, para estes casos, a própria “Legispédia” do SEF, menciona um esclarecimento do Ministério da Administração Interna sobre legalização de imigrantes (publicado a 05-12-2016 no Portal do Governo) que refere que “o artigo 88.°, n. 2 da lei de estrangeiros exige a entrada legal, não podendo a mesma ser presumida, até porque nos termos do artigo 123. ° da lei de estrangeiros é possível a legalização de quem tem uma relação laboral efetiva em Portugal”. Mencionando ainda um esclarecimento divulgado a 12-05-2018 pelo SEF que refere que “todos aqueles que trabalham e descontam para a Segurança Social e tenham entrada legal têm acesso ao regime especial dos artigo 88.° e 89.°, desde que motivos de segurança nacional não o impeçam, assim como todos os que não tendo entrada legal e demonstrem inserção no mercado de trabalho por período superior a um ano e cumpram os demais requisitos legalmente impostos, podem ver a sua situação regularizada, por motivos excecionais de cariz humanitário, através do artigo 123.° da lei de estrangeiro”
Portanto, é o próprio SEF que reconhece que cada caso é um caso. E sendo aquela indicação NSIS o único fundamento para a não concessão da autorização de residência, bem sabe o SEF que, atento o circunstancialismo supramencionado, tal não obsta a que o Autor possa ver a sua situação regularizada ao abrigo do artigo 123.° da Lei n.° 23/2007.
Reitera-se que o SEF não pode socorrer-se de uma prerrogativa legal para justificar a não aplicação de outra prerrogativa legal - sendo que, para efeitos do art. 123.° da Lei n.° 23/2007, o Autor reside em Portugal há cerca de dois anos, tendo a sua habitação e a sua vida pessoal (o seu lar) em B..., cidade na qual tem sede a entidade empregadora do Autor: o Ó..., SAD. O Autor é jogador profissional de hóquei em patins, mundialmente conhecido na sua modalidade desportiva, sendo internacional e titular pela seleção da Argentina, ao serviço da qual se encontra a participar no Mundial de Hóquei em Patins a decorrer na Argentina - o que, per si, nos termos da al. c) do n.° 1 daquele artigo 123.°, é passível de configurar uma situação extraordinária para concessão de autorização de residência “por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social”. Mais, o Hóquei em Patins é considerado uma atividade relevante no domínio desportivo, sendo do interesse público e prestigiante a contratação e vinda de jogadores internacionais (pelas suas seleções) para Clubes em Portugal - tal como sucede no Futebol. E o Autor logrou demonstrar um período superior a um ano de inserção no mercado laboral (tendo uma relação laboral efectiva) sendo que, no último ano, o Autor teve remunerações pagas pela sua entidade empregadora, sendo as mesmas devidamente tributadas em Portugal, em sede de IRS, sendo ainda alvo dos legais descontos para a Segurança Social. Pelo que, e sendo o único fundamento para a não concessão da autorização de residência aquela indicação NSIS, a verdade é que, conforme resulta do supra exposto, tal medida NSIS não obstaria - nem obsta - a que opere o regime previsto no artigo 123.° da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho. Portanto, todo este “conjunto de pressuposto” (conforme foram atendidos, e bem, no douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, de 30-05-2018, processo n.° 03164/16.8BEPRT) não podem ser ignorados, desde logo porque, para efeitos do artigo 88.° (bem como para efeitos do artigo 123.°) da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, todos os documentos do Autor estão em conformidade. Procede, assim, a pretensão do Autor. (…)”.
6. Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, e após exame dos argumentos esgrimidos pelo Recorrente, antecipe-se, desde já, o presente recurso jurisdicional vingará parcialmente, isto é, sem a abrangência revogatória pretendida pelo Recorrente.
7. Realmente, do cotejo da matéria de facto apurada, emerge inequivocamente que o Recorrido formulou ao S.E.F. um pedido de autorização de residência para o exercício de atividade profissional subordinada ao abrigo do disposto no artigo 88º, nº. 2 da Lei nº. 23/2007, de 04.07.
8. Os requisitos de que depende a concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional subordinada encontram-se definidos nos artigos 88º e 77º da citada Lei n.º 23/2007.
9. Da concatenação destes dispositivos legais resulta que a autorização de residência para o exercício de atividade profissional subordinada depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: (i) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas nesta lei para a concessão de autorização de residência; (ii) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido das autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto; (iii) Presença em território português; (iv) Posse de meios de subsistência tal como definidos pela portaria n.º 1563/2007, de 11/12; (v) Alojamento, (vi) Inscrição na segurança social; (vii) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano; (viii) Não se encontrar no período de interdição de entrada em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento do País; (ix) Ausência de indicação no sistema de informação Schengen; (x) Ausência de indicação no Sistema Integrado de Informações do SEF para efeitos de não admissão, nos termos do art.º 33º; (xi) Posse de contrato de trabalho celebrado nos termos da lei.
10. Assente o que se vem de expor, e debruçando-nos sobre o caso trazido a juízo, não sentimos hesitação em assumir que o Autor, aqui Recorrido, na data em que foi praticado o ato impugnado, não dava cumprimento à alínea i) do nº 1 do art. 77º. da Lei nº. 23/2007, por ter pendente sobre si uma Medida cautelar NSIS de interdição de entrada nos Estados Schengen, inserida pelos Países Baixos em 26.01.2021, válida até 23.01.2023.
11. Sendo os requisitos que derivam do disposto no artigo 77º da Lei nº. 23/2007 de natureza cumulativa, basta um para a pretensão do Autor, aqui Recorrido, não possa ser julgada procedente.
12. Naturalmente, poder-se-á objetar – como perspetivou a sentença recorrida – que tal “óbice” pode ser ultrapassado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 88º, nº. 2 da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, que permite, excecionalmente, que possa ser dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 77 [posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades prevista nesta lei para a concessão de autorização de residência], desde que se verifique (i) a entrada e a permanência legal em território nacional; (ii) a posse de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral comprovada por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Inspeção-Geral do Trabalho, e (iii) a inscrição e situação regularizada perante a segurança social.
13. De igual modo, poder-se-á equacionar-se a superação de tal “falha” com base na normação prevista no artigo 123º, nº.1 da mesma lei, que permite que possa, a título excecional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos legalmente exigidos por razões (i) de interesse nacional; (ii) humanitárias; e/ou (iii) de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.
14. Contudo, a Administração não está obrigada a abrir tais procedimentos quando instada a tal por parte de qualquer interessado.
15. Na verdade, o desencadeamento destes procedimentos não é da livre iniciativa dos particulares interessados, antes dependendo de manifestação de vontade nesse sentido por parte do diretor nacional do SEF ou do membro do Governo responsável pela área da administração interna.
16. Ademais, a lei ao conceder a possibilidade de dispensa de visto ao abrigo destes regimes excecionais, fê-lo utilizando conceitos indeterminados, tais como “excecionalidade”, “força maior”, “razões pessoais ou profissionais atendíveis”, “razões de interesse nacional” ou “humanitárias”.
17. Ao utilizar estes conceitos, legislador pretendeu atribuir à Administração uma margem de livre apreciação, exigindo desta uma avaliação dos factos que conduzem, nesta situação, a várias soluções possíveis para a decisão, o que só pode significar que o legislador entendeu o poder administrativo é mais adequadamente exercido no caso concreto e não através de uma predeterminação geral e abstrata.
18. Assim, constituindo a aplicação destes regimes excecionais o exercício de um poder discricionário, o princípio da separação de poderes impediria que o Tribunal definisse o conteúdo do acto a praticar ao abrigo deste regime excecional plasmado no art.º 88, nº.2 ou do artigo 123º, nº.1, ambos da citada Lei nº. 23/2007.
19. Deste modo, não podia o Tribunal a quo imiscuir-se – como o fez – quanto à eventual aplicação destes regimes excecionais, sob pena de violação do princípio de separação de poderes constitucionalmente consagrado.
20. Sendo assim, ressuma com evidência que a sentença recorrida, na parte que assim não o entendeu, enferma de erro de julgamento em análise.
21. Tal, porém, não importa a ablação integral da decisão judicial, na medida em que o sentido decisório aposto na mesma mostra-se igualmente estribado no entendimento que o Réu “(…) andou mal o Réu, ao não se ter pronunciado sobre o alegado pelo Autor, tendo sido preterido o direito de audiência prévia do Autor - o que, per si, torna o despacho impugnado num acto anulável nos termos do artigo 163.º do CPA – ou até mesmo num acto nulo, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA (…)”, o qual entendemos ser de acolher integralmente no caso recursivo em análise.
22. Concretizando, o princípio da audiência prévia não se esgota no exercício do direito à mera intervenção procedimental, antes exige (i) que seja dada oportunidade ao interessado para se pronunciar sobre o conteúdo provável da decisão com o fito de eventualmente aportar argumentos que invertam ou alterem o sentido decisório e que (ii) em resultado da mesma seja devidamente ponderada toda a motivação [aqui integrando-se eventuais a solicitação de eventuais diligências complementares] suscetível de vir a exercer influência, na decisão a proferir, sob pena da audiência prévia ficar despida de objeto e de objetivo.
23. Desta feita, impunha-se à Administração o cuidado de emitir pronúncia sobre os invocados aspetos na resposta exercida pelo Recorrido em sede de audiência prévia de interessados, mormente quanto às diligências instrutórias complementares ali requeridas, o que não veio a suceder.
24. Nesta medida, foi preterida formalidade essencial no procedimento em causa, a qual é sancionada com a anulabilidade do ato impugnado, por violação do direito de audiência prévia do A.
25. Todavia, não se pode encerrar a questão sem considerar o princípio de aproveitamento do ato administrativo.
26. Neste domínio, afigura-se não ser possível asseverar que, renovado o procedimento, será sempre de proceder ao aproveitamento da decisão impugnada, julgando inoperante o vício em causa.
27. Na verdade, cabe notar que a medida de interdição do Recorrido em espaço Schengen caducou no dia 23.01.2023, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à verificação do fundamento no qual se estribou o indeferimento da pretensão do Autor, aqui Recorrido.
28. O que faz resultar aqui inviável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.
29. Atinge-se, deste modo, a conclusão de que o ato impugnado não pode ser salvo com base no princípio do aproveitamento dos atos administrativos, impondo-se, por isso, a anulação do mesmo [cfr. os Acórdãos do TCAS, de 08.10.2009, no âmbito do Processo n.º 05464/09, e do TCAN, de 19.03.2009, proferido no Processo n.º 00643/05, e de 18.12.2015, tirado no Processo n.º 00277/13].
30. Destarte, e ponderando tudo o esgrimido, é inevitável concluir pela procedência parcial do presente recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida na parte em que se ordenou a emissão da autorização de residência, e julgada parcialmente procedente a presente ação administrativa, condenando-se a Administração a reapreciar o requerimento do Recorrido à luz da verificada caducidade da medida de interdição do Recorrido em espaço Schengen.
31. Ao que se provirá no dispositivo.
* *

IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida na parte em que se ordenou a emissão da autorização de residência, e julgar parcialmente procedente a presente ação administrativa, condenando-se a Administração a reapreciar o requerimento do Recorrido à luz da verificada caducidade da medida de interdição do Autor em espaço Schengen.
Custas em ambas as instâncias por Apelante e Apelado, a proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50%.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 10 de março de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia – com a declaração de voto que segue

Voto a decisão e fundamentos, ainda que não qualifique de violação do direito de audiência prévia a falta que assim vem identificada.