Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00440/14.8BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/03/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:PROPRIEDADE HORIZONTAL, LEGALIZAÇÃO MARQUISE, AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS, LICENCIAMENTO MUNICIPAL
Sumário:1 . De acordo com a al. b) do n.º1 do art.º 1421.º do Código Civil, os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção, são obrigatoriamente parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal.

2 . Uma varanda sobressaída da estrutura homogénea da linha vertical exterior de um prédio não pode ser entendida como terraço de cobertura - al. b) do n.º1 do art.º 1421.º do Código Civil - na medida em que este tem a ver com a estrutura intrínseca do prédio.

3. Estando em causa a linha arquitectónica ou arranjo exterior do prédio - n.º3 do art.º 1422.º e n.º 1 do art.º 1425.º, ambos do Código Civil - mostra-se necessária a autorização maioritária da Assembleia de Condóminos para a legalização da obra pela câmara municipal.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . A., residente na Quinta (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, de 9 de Dezembro de 2019, que julgou improcedente a acção administrativa especial, intentada contra o MUNICÍPIO (...), onde peticionava a anulação do despacho proferido a 08/04/2014, que determinou a demolição/remoção da marquise construída no bem imóvel de sua propriedade e ainda o acto de 30/01/2019, atento o deferimento da ampliação da instância – art.º 63.º do CPTA Cfr. fls. 307 a 308 do processo físico.
- que rejeitou liminarmente o pedido comunicação prévia com vista à legalização da marquise, por falta de legitimidade do A/Recorrente.
*
2 . No final das suas alegações, o recorrente formulou as seguintes proposições conclusivas:
"1.ª/ O ato de demolição/remoção da varanda foi, tacitamente, revogado pelo despacho do vereador do urbanismo de 6 de novembro de 2017 (facto provado no ponto Y da sentença) ao concordar com a informação técnica dos serviços do réu nos termos da qual a vedação da varanda, através de envidraçamento, é suscetível de se manter.
2.ª/ Apesar desta revogação tacita de ato de demolição não ter sido invocada, nada obstava que o tribunal dela conhecesse nos termos do artigo 95.º do CPTA.
3.ª/ O despacho de 6 de novembro de 2017 ao concordar com informação técnica dos serviços que admite a legalização da colocação da marquise, visou sanar a ilegalidade o despacho que ordena a demolição por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 102.º-A do RJUE aprovado pelo D.L. 555/99, que na redação em vigor em 2017, dispunha que “quando se verifique a realização de operações urbanísticas ilegais nos termos do n.º 1 do artigo anterior, se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, a Camara Municipal notifica os interessados para a legalização das operações urbanísticas, fixando um prazo para o efeito”
4.ª/ O tribunal recorrido, ao não conhecer desta questão, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 95.º do CPTA.
Sem prescindir,
5.ª/ O tribunal recorrido ao considerar que a varanda onde o autor colocou a marquise e uma parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal cometeu erro no julgamento dos factos dados como provados nos pontos C) (o autor procedeu a instalação, na varanda da fachada principal do prédio, de vidro T) e T (os condóminos que executaram marquises fizeram-no na parte lateral do edifício T e mantiveram o estilo arquitetónico do edifício T) porquanto a prova destes factos (fachadas dos prédio, sejam laterais ou principais) apenas podia ser feita por documento autentico (o projeto de arquitetura do prédio construído e constituído em propriedade horizontal, aprovado e licenciado pela entidade publica competente) e não com recurso a prova testemunhal.
6.ª/ O tribunal ao dar como provados os factos dos pontos C e T da sentença, com recurso a prova testemunhal e fotografias, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 11.º n.º 1 al. f) da Portaria 232/2008, de 11 de marco e artigos 341.º, 362.º, 363.º n.º 2, 364.º e 393.º do C.C.
7.ª/ Existe contradição entre os factos dados como provados nos pontos A, G e H da sentença (a fração autónoma do autor e composta por duas varandas e foi numa destas varandas que colocou a marquise) e o facto dado como provado no ponto C (o autor procedeu a instalação, na varanda da fachada principal do prédio, de vidro e em toda a
sua largura, vedando-a inteiramente, vidro esse que assenta numa calha).
8.ª/ Não foi alegado, nem está provado, que a varanda onde o autor instalou a marquise e parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, prova essa que apenas podia ser feito através do titulo constitutivo - documento autentico – razão pela qual o tribunal recorrido ao concluir que a varanda era parte comum com fundamento em que “não só por serem consideradas terraços de cobertura, à luz da transcrita alínea b), como também por comporem a fachada desse mesmo edifício (conforme alínea a) da referida norma), cometeu erro de julgamento dos factos.
9.ª/ E cometeu igual erro de julgamento quando afirma que “qualquer alteração a ser realizada sobre uma parte comum do edifício sempre carecia de autorização previa da assembleia de condóminos, de acordo com o previsto no artigo 1422.º do mesmo diploma legal, particularmente qualquer obra suscetível de modificar a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício (n.º 3 desta norma).
10.ª/ Razão pela qual o julgamento dos factos dados como provados nos pontos C e T da sentença deve ser alterado para factos não provados.
11.ª/ Está provado nos pontos F, G e J da sentença que foram 4 os condóminos que instalaram marquise na varanda das suas frações, sem qualquer controlo prévio por parte do Município, isto e, procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia;
12.ª/ Não está provado qual deles instalou primeiro a sua marquise, se o autor (pontos F e G), se os demais condóminos (ponto J);
13.ª / Como não está provado se a legalização (através da emissão do respetivo ato de deferimento do controlo prévio (comunicação prévia ou licenciamento) da colocação das marquises por aqueles condóminos ocorreu antes da ordem de demolição da marquise do autor e se obtiveram autorização do condomínio.
14.ª/ O fundamento para o ato de demolição da marquise do autor consiste no facto de “não ter autorização do condomínio e a sua marquise não foi executada em conformidade com as restantes marquises do prédio, o que adultera a estética do prédio.”
15.ª/ O ato administrativo, que absorve a informação técnica dada como provada no ponto K da sentença, não contem fundamentação pois aquela informação é omissa relativamente a qual os condóminos executou primeiro a marquise para impor aos outros esse modelo de marquise; a mesma informação técnica é omissa relativamente a saber se as marquises colocadas pelos condóminos a quem foi legalizada a sua colocação não adulteram a estética do prédio originariamente construído de acordo com o projeto de arquitetura; a mesma informação técnica e omissa quanto a motivação para dizer que a marquise executada pelo autor adultera a estética do prédio.
16.ª/ Estas omissões, contradições e subjetividade conduzem a falta de fundamentação do ato de demolição da marquise da varanda da fração autónoma do autor.
17.ª / O tribunal recorrido ao entender que o ato estava devidamente fundamentado, fez incorreta apreciação dos factos e aplicação da lei e do direito, em desconformidade com
o que dispõe o artigo 153.o do CPA.
Ainda e sem prescindir,
18.ª/ Impor ao autor, como condição para a não legalização da sua marquise, “não ter autorização do condomínio e a sua marquise não foi executada em conformidade com as restantes marquises do prédio, o que adultera a estética do prédio“ sem indicação das normas jurídicas e dos valores e interesses de ordem e interesse público subjazem a esta decisão, e impor a vontade de um privado contra a vontade do outro, procurando imiscuir-se num conflito privado.
19.ª/ E com isso esta a entidade publica administrativa a utilizar o seu poder de imperium relativo a tutela da legalidade urbanística - como e o poder de ordenar a demolição - ao serviço de um privado, o CI.
20.ª/ E com esse exercício de poder substituir-se aos tribunais judiciais, órgãos próprios para dirimir o conflito entre privados, o que torna o ato administrativo ilegal por desvio de poder e usurpação de poder.
21.ª/ O tribunal recorrido ao ter entendimento diferente fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 102.º e 102.º-A do RJUE aprovado pelo D.L. 555/99 e artigos 211.º no 1 e 212.º n.º 3 da CRP.
22.ª/ Do mesmo modo, o ato de demolição viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 102.º - A do RJUE, quando não notifica o autor dos termos e condições em que lhe permite legalizar a marquise, como veio, posteriormente a fazer.
23.ª/ A varanda que o autor pretende adaptar a marquise é parte componente da sua fração autónoma (facto provado em A da sentença) e não é parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal;
24.ª/ A legitimidade, meramente formal, do autor para adaptar a marquise a varanda da sua fração autónoma, advém-lhe da qualidade de proprietário da sua fração autónoma.
25.ª/ Sob pena de usurpação de poder, o Réu não pode impor ao autor que obtenha autorização dos condóminos pois ao fazê-lo está a decidir que a referida varanda é parte comum do prédio, o que não está provado, nem foi alegado.
26.ª/ O tribunal recorrido ao ter entendimento diverso, impondo ao autor, para ter legitimidade, a obtenção de autorização do condomínio fez incorreta aplicação da lei e
do direito, violando o artigo 11.º n.º 6 do RJUE”.

3 . Notificadas as alegações de recurso, supra sumariadas nas suas conclusões, nem o Recorrido MUNICÍPIO (...), nem o contra interessado Condomínio (...) apresentaram contra alegações.
*
4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não emitiu Parecer.
*
5 . Sem vistos, mas com envio do projecto às Exmas. Juízas Desembargadoras-Adjuntas, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:
A) A) O Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra “D”, destinada a habitação, composta por 8 divisões, hall, corredor, 2 varandas, um compartimento amplo no sótão e um compartimento amplo na cave destinado a garagem, que faz parte do prédio em regime de propriedade horizontal sito no lote 29, na Rua (…), inscrita na matriz sob o artigo urbano nº 4061-D e descrito na conservatório de registo predial sob a ficha nº 2304-D/(…).
B) O Autor e o seu agregado familiar residem no prédio identificado em A).
C) Em data não concretamente apurada, o Autor procedeu à instalação, na varanda da fachada principal do prédio, de vidro, e a toda a largura, vedando-a inteiramente, vidro esse que assenta numa calha.
D) Em data também não concretamente apurado, o Autor instalou um aparelho de ar condicionado no compartimento da varanda tapada pelo vidro.
E) A 23/03/2012, o CI apresentou junto dos serviços do Réu uma participação relativamente às construções levadas a cabo pelo Autor, considerando que foram as mesmas realizadas sem licenciamento, sem autorização prévia do condomínio e em prejuízo da linha arquitectónica do edifício, e assim solicitando a sua intervenção.
F) A 13/04/2012, os serviços do Réu comunicaram ao Autor que tinha sido dado início a um procedimento administrativo, sob o nº 51/27/2012, para aferir da situação de colocação de marquise, mais tendo disso levantado auto de notícia, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) A 11/05/2012, os serviços do Réu emitiram a informação nº 478/2012, no âmbito do procedimento identificado em F), e na qual se pode ler o seguinte: “1. Por força da presente participação verifiquei que o S.nr A., residente na fracção D, R/Chão (…), vedou uma varanda do seu apartamento, em vidro temperado, sem caixilharia, sem qualquer licença municipal e sem autorização do condomínio. 2. Nos termos do art.º 101.º do DL nº 555/99, de 16/12, republicado pelo DL n.º 26/2010, de 30/03, e para os efeitos do art.º 98.º do mesmo diploma legal, junto se anexa Auto de Notícia, para efeitos de instauração do correspondente Processo de Contra-Ordenação. 3. As obras não são legalizáveis, atenta a participação do condomínio. 4. Assim, nos termos do art.º 106.º do DL n.º 555/99, de 16/12, republicado pelo DL n.º 26/2010, de 30/03, deve ser ordenada a remoção dos vidros, no prazo de 30 dias, sob pena de as obras serem demolidas a suas expensas, após audiência prévia do prevaricador.”.
H) A 31/05/2012, após acção de fiscalização ao local e levantamento de auto de notícia, os serviços do Réu comunicaram ao Autor a sua intenção de ordenarem a remoção dos vidros colocados na varanda, para o mesmo se pronunciar, querendo, no prazo de 15 dias.
I) A 18/06/2012, o Autor remeteu aos serviços do Réu a sua pronúncia, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “A., residente …, vem na sequência do ofício de V/Exa expor o seguinte: Reconhece que aplicou na sua varanda um simples vidro sem qualquer caixilharia, e logo sem qualquer impacto visual no alçado do edifício. Desconhecia que tal operação carecia de licenciamento dado o impacto nulo que as fotos anexas documentam. A decisão de colocar o vidro em causa prendeu-se unicamente com uma necessidade ditada por motivo de saúde familiar, de preservar a saúde da minha esposa. Em Fevereiro de 2011 teve de ser operada aos pulmões e foi-lhe diagnosticado um enfizema pulmonar, pois trata-se de uma varanda que dá acesso a dois quartos estando muito exposta ao vento, chuva, folhas do jardim, etc. Levando em linha de conta que os condóminos M., C. e V. proprietários respectivamente das fracções B (R/Chão Esquerdo Posterior), fracção F (1º Esquerdo Posterior) e fracção E (1º Esquerdo Frente), implantaram marquises nas respectivas varandas, solicita que lhe seja dada igual oportunidade de licenciamento. Ao mesmo tempo que peço para me ser perdoada a coima a que poderei estar sujeito, pois somos pessoas de fracos recursos económicos, com filho e com dificuldade em cumprir com a prestação da casa.”.
J) A 27/03/2013, e no seguimento de pedido de esclarecimentos dirigido pelo Réu quanto à existência de licenciamento das marquises construídas, os condóminos M., C. e V. informaram os serviços do Réu que se encontravam em fase de reunir a documentação necessária, solicitando um prazo de 60 dias para dar entrada ao projecto de licenciamento das marquises construídas nas suas fracções.
K) A 11/09/2013, os serviços do Réu emitiram a informação técnica nº 725/2013, na qual se pode ler o seguinte: “1. O participado, através de requerimento de 09/11/2012, vem solicitar que lhe seja dada oportunidade de licenciamento da marquise que executou. 2. Pede igualmente que lhe seja perdoada a coima a que poderá estar sujeito. 3. Face ao exposto e tendo em conta o processo de legalização das restantes marquises existentes no prédio (processo camarário n.º 08/2013/22), deve informar que o participado A. de que a sua marquise, tal como se encontra, não reúne condições de legalização, por não dispor de autorização do condomínio e não estar executada em conformidade com as restantes marquises do prédio, o que adultera a estética do prédio. 4. Caso entenda proceder ao licenciamento de nova marquise, a executar em conformidade com as restantes marquises do prédio, deverá fazê-lo no prazo de 30 dias, sob pena de ser ordenada a retirada da caixilharia existente, sem mais delongas. (…)”.
L) A 26/03/2014, e no âmbito do processo nº 27/2012, os serviços do Réu emitiram a informação nº 178/2014, na qual se pode ler o seguinte: “1. Foi solicitada a pronúncia do requerente para cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 106 do DL n.º 555/99, de 16/12, republicado pelo DL n.º 26/2010, de 30/03. 2. A pronúncia do arguido não se constitui uma mais-valia para o procedimento e, portanto, não é passível de aceitação, porquanto os restantes condóminos do prédio já regularizaram a situação, conforme se comprova pelo processo em anexo. 3. Deve assim ser ordenada a remoção da marquise, nos termos do n.º 1 do art.º 106.º do DL nº 555/99, de 16/12, republicado pelo DL n.º 26/2010, de 30/03, estipulando-se o prazo de 30 dias para o efeito, findo o qual a CMV tomará posse administrativa do imóvel para efeitos de tal remoção, sem prejuízo da comunicação ao Ministério Público do crime de desobediência, conforme disposto no art.º 100.º do citado diploma legal. 4. Informe-se o participante.”.
M) A 08/04/2014, o Vereador J. apôs despacho de concordância na informação transcrita.
N) A 21/04/2014, a decisão identificada em M), bem como a informação técnica sobre a qual incidiu, foram comunicadas ao Autor, através de registo com conhecimento pessoal.
O) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 21/07/2014.
P) A intenção do Autor na colocação dos vidros na varanda foi a de impedir a entrada de água, frio, pólenes e outras intempéries, atenta a doença pulmonar de que padece a sua esposa.
Q) Tal colocação não tem outro suporte físico metálico, de madeira, ou outros.
R) A colocação dos vidros em causa na varanda foi realizada pelo Autor sem autorização do condomínio.
S) A 09/06/2011, em reunião da assembleia de condomínio do prédio identificado em A), o Autor comprometeu-se a retirar os vidros que tinha colocado na varanda, sem que, todavia, tenha cumprido com o que se comprometera.
T) Os condóminos que executaram marquises fizeram-no na parte lateral do edifício, com autorização dos condóminos, e mantiveram o estilo arquitectónico do edifício, colocando caixilharia em alumínio, quadriculado, susceptível de ser aberta para arejamento, e com as demais características que podem ser analisadas nas fotografias juntas a fls. 21 e seguintes do PA.
U) A 20/09/2016, o Autor apresentou junto dos serviços do Réu um pedido de informação prévia sobre os termos e condições em que podia manter o vidro na varanda.
V) A 11/01/2017, os serviços do Réu emitiram a informação técnica nº 29/2017, da qual consta o seguinte: “1. Face ao requerido por A. e tendo em conta todos os antecedentes processuais, deverá informar-se o Sr. A. que nunca esteve em causa a autorização do envidraçamento da varanda. O que esteve e está em causa é a forma como a mesma foi envidraçada. 2. E não poderá permanecer como se encontra, quer pelo facto de não se integrar devidamente na forma arquitectónica do prédio, quer pelo facto de não reunir o consenso dos demais condóminos. 3. Para que a marquise seja envidraçada, é necessário que a mesma respeite a traça arquitectónica das restantes marquises do prédio e ainda o disposto no art.º 71.º do RGEU. 4. Deverá informar-se de tal o Sr. A. e a titular do presente processo (…).”, informação esta que foi comunicada ao Autor a 31/01/2017.
W) A 05/05/2017, o Autor apresentou junto dos serviços do Réu um pedido de informação, no âmbito do processo nº 51-27/2012, e no qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “(…) No seguimento da referida informação, o aqui requerente, através do seu mandatário, deslocou-se aos serviços técnicos desse município, com vista à aclaração da referida informação, tendo aquilatado, mediante informação verbal prestada pelos técnicos, que o licenciamento da marquise, pressupunha o seu enquadramento arquitectónico com as restantes marquises, para além da necessidade de esta se conformar com o disposto no artigo 71º do RGEU. Mediante tais informações, o requerente verificou que adaptar os resguardos em vidro que actualmente vedam a referida varanda com o caixilho e adorno igual às restantes marquises, em estrutura de alumínio e quadriculado branco, não só seria extremamente dispendioso, como o resultado final, não seria adequado, quer do ponto de vista visual, quer do ponto de vista funcional. Pelo que, com vista à legalização administrativa, optou pela substituição do referido resguardo, por uma marquise em alumínio igual à dos restantes moradores já implementadas e legalizadas por esse município nos alçados laterais do edifício, mantendo-se assim, o enquadramento arquitectónico das fachadas do edifício, face à situação já consolidada, no que se refere às marquises pré-existentes. Situação essa que, face à informação verbal recolhida junto dos serviços técnicos desse município, recolhe o parecer favorável à sua legalização, independentemente da autorização, ou não, dos restantes condóminos, até porque, com a referida substituição, ficam salvaguardados todos os interesses subjacentes à linha arquitectónica do edifício e demais normas de carácter administrativo que cabe ao município, no exercício das suas competências, salvaguardar. Assim e, uma vez que o início do procedimento de comunicação prévia a que o requerente pretende dar início, implica custos de vária ordem, por uma questão de certeza e utilidade, solicita-se que esse município, previamente informe, por escrito se a execução nessa varanda de marquise igual às existentes nos restantes alçados obtém a aprovação por parte dessa entidade, com vista à sua legalização – controlo administrativo – independentemente da autorização, ou não, dos restantes condóminos.”.
X) A 03/11/2017, os serviços municipais do Réu emitiram a informação nº 661/2017, na qual se pode ler o seguinte: “1. Tendo em conta o requerido por A., temos a informar que a Câmara Municipal de Viseu não vê qualquer inconveniente na autorização da transformação da varanda do seu apartamento, a que se reporta a presente petição, em marquise, igual ou semelhante às existentes do mesmo prédio, respeitando sempre o disposto no art.º 71.º do RGEU. 2. Mais se deve informar o Sr. A. que, tal procedimento fica dependente de comunicação prévia, a efectuar em conformidade com o previsto no ponto 4 do art.º 4.º do DL n.º 555/99, de 16/12, alterado e republicado pelo DL n.º 136/2014, de 09/09. (…)”.
Y) A informação identificada supra mereceu despacho de concordância do Réu, a 06/11/2017, tendo sido dado conhecimento ao Autor a 21/11/2017.
Z) A 15/12/2017, o Autor apresentou junto dos serviços do Réu um pedido de licenciamento de obras, relativamente à marquise em discussão nos presentes autos, ao qual foi atribuído o nº 09/459/2017, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
AA) A 26/03/2018, os serviços do Réu emitiram a informação nº 185/2018, na qual argúem que, não obstante o projecto apresentado pelo Autor estar de harmonia com as demais marquises já construídas, não apresentou autorização dos demais condóminos para proceder às alterações pretendidas, assim considerando ser de indeferir o pedido apresentado por este.
BB) A 16/04/2018, e após despacho proferido pelo Réu para o efeito, foi tal intenção de decisão comunicada ao Autor para que este, querendo, exercesse o seu direito de audição prévia.
CC) A 05/05/2018, o Autor apresentou junto dos serviços do Réu a sua pronúncia quanto à intenção de indeferimento da pretensão, que aqui se dá por integralmente reproduzida, considerando não ser exigível a apresentação de tal autorização e não ser atribuição da autoridade municipal qualquer dever de fiscalização de interesses exclusivamente privados.
DD) Por decisão adoptada a 12/11/2018, os serviços técnicos de urbanismo do Réu solicitaram ao gabinete jurídico deste a emissão de um parecer, referente à matéria da eventual falta de legitimidade do Autor para a intervenção solicitada.
EE) A 15/01/2019, o gabinete jurídico do Réu emitiu parecer relativamente à matéria solicitando, concluindo, a final, o seguinte: “(…) 3. Conclusões: - uma vez que a legitimidade constitui um pressuposto procedimental – al. c) do nº 1 do art. 109º do novo Código de Procedimento Administrativo – ou seja, um elemento cuja não verificação impede uma decisão de fundo do procedimento – cabe à Administração, na fase de saneamento e apreciação liminar, verificar a sua existência efectiva; - no entanto, a apreciação da legitimidade é meramente formal, o que significa que, desde que tenha sido apresentado o documento exigido para a sua comprovação, a Administração deve avançar com o procedimento, mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha por objecto o direito invocado; - só assim não será quando, «(…) não obstante o requerente ou comunicante ser titular de um direito que abstractamente lhe confere legitimidade, a verdade é que ele não tem, na situação concreta, a possibilidade de realizar a operação urbanística em causa»; - é o que acontece, designadamente, quando «(…) o requerente é proprietário de uma fracção autónoma, mas a obra em causa necessita do consentimento do condomínio, que não é apresentado»; - «Quando estas situações são detectadas antes da decisão final (no caso de licenciamento ou autorização) deve haver rejeição liminar do pedido (nº 6 do art. 11º do RJUE - «Saneamento e apreciação liminar»); - é precisamente o que se verifica no caso concreto, em que está em causa a obra de adaptação de uma varanda a marquise, uma vez que as varandas, como componentes da fachada do edifício, constituem partes comuns do prédio; - no entanto, «Havendo rejeição do pedido ou comunicação, nos termos do presente artigo, o interessado que apresente novo pedido ou comunicação para o mesmo fim está dispensado de juntar os documentos utilizados anteriormente, que se mantenham válidos e adequados.» - nº 9 do art. 11º do RJUE. Este é, salvo melhor opinião, o nosso parecer.”.
FF) A 01/02/2019, os serviços do Réu comunicaram ao Autor a decisão proferida no âmbito do processo de licenciamento da marquise, e na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “Relativamente ao pedido identificado em título, cumpre-me informar V. Exª que o mesmo, nos termos do n.º 3 do art.º 11º do decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo decreto-lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro, foi objecto de despacho de rejeição liminar, exarado a 30/01/2019, por se verificar a falta de legitimidade para a realização da operação urbanística em causa, designadamente a não apresentação do consentimento do condomínio, conforme parecer jurídico Nº DJ/Par.4 de 15/01/2019, do qual se anexa cópia. Mais se informa que, nos termos do nº 9 do art.º 11.º da mesma disposição legal, caso apresente novo pedido para o mesmo fim, está dispensado de juntar documentos utilizados anteriormente que se mantenham válidos e adequados.”.

2 . MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, tendo em consideração as alegações de recurso, nomeada e concretamente as conclusões supra transcritas e a sentença recorrida, as questão que se coloca, em síntese, é a seguinte:
- o facto de o A./recorrente ter fechado uma varanda da sua habitação, com um vidro de grandes dimensões, sem obter a autorização da maioria dos condóminos do prédio onde a habitação se insere, através da respectiva Assembleia de Condóminos, em regime de propriedade horizontal, bem como o licenciamento da CM de (..), importa que essa construção/fechamento da varanda tenha de ser demolida, por ilegal ?
Vejamos!
Da ilicitude das obras realizadas pelo A./Recorrente no edifício constituído em regime de propriedade horizontal.
O artigo 1421º do Código Civil, sob a epígrafe “Partes comuns do prédio”, preceitua:
“1 - São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.”
2 - …
3 - O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns” .
Por sua vez, o Art.º 1422.º - “Limitações ao exercício dos direitos” dispõe que:
“1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.
2. É especialmente vedado aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;
b) Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes;
c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;
d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por acordo de todos os condóminos.

3. As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
4. Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio
” – sublinhado nosso.
Importa ter ainda presente o que dispõe o n.º1 do art.º 1425 do C.Civil, sob a epígrafe “Inovações”a saber:
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”.
*
No caso dos autos, temos que o A./recorrente levou a cabo obras na sua fracção autónoma consistentes no facto de ter fechado uma varanda existente na fachada do prédio - como a foto documenta –
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

sem ter obtido prévia autorização dos condóminos e requerido pedido de comunicação prévia à CM de (…), entidade administrativa com competências para deferir essa pretensão.
Ora, é indiscutível que está em causa, neste caso concreto, a realização de obras que modificam a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício constituído em propriedade horizontal e que assim devem ser qualificadas como inovações.
Efectivamente, o conceito jurídico de inovação no âmbito do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à exigência de maioria qualificada de condóminos para a sua aprovação, prende-se essencialmente com as situações em que se verifique a modificação na substância ou na forma da coisa comum, ou ainda no seu destino ou afectação específica.
Ou seja, na situação dos autos, quer a obra realizada seja caracterizada como uma real inovação, quer ainda porque, indubitavelmente, o fechamento de uma varanda altera a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, constituído em propriedade horizontal, tudo impõe que esta inovação/alteração tenha necessariamente que ser autorizada, em assembleia, pelo conjunto maioritário dos condóminos, conforme imperativamente obrigam os arts. 1422.º, nº 3 e 1425º, nº 1, do Código Civil.
Ora, competia, assim, ao recorrente alegar e provar que havia submetido à aprovação da assembleia de condóminos a realização da obra, tendo, nessa mesma sequência, obtido a maioria exigida no mencionado preceito.
Não tendo sido tais obras submetidas ao veredicto da Assembleia de Condóminos, é evidente que a obra realizada, modificando a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício, terá que ser considerada ilícita, legitimando qualquer outro condómino a pedir a respectiva eliminação, como aconteceu no caso dos autos.
Deste modo, sem que o recorrente obtenha a devida autorização da maioria dos condóminos, não pode obter a legalização da obra realizada.
Trata-se de um regime específico da propriedade horizontal com obrigações de carácter imperativo e interesse público que nenhum dos condóminos pode ignorar ou desrespeitar, sendo a obra em causa, manifestamente, uma delas.
Nem a alegação/justificação de que a o obra era necessária e de que visara assegurar o conforto, a segurança e o bem estar do condómino que as executou, dispensa a necessária autorização qualificada da Assembleia de Condóminos.
Não se ignora que existem outras varandas fechadas no prédio – não apresentando este a sua configuração original - que foram ilegalmente fechadas – sem a prévia autorização da Assembleia de Condóminos e licença camarária – mas, no decurso do procedimento administrativo levantado na sequência de denúncia da obra realizada pelo recorrente, foram sanadas essas ilegalidades, com decisão de legalização por parte da CM de Viseu.
A foto junta, retirada do PA - fls. 21 -, elucida acerca das varandas em causa.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Trata-se de uma questão de pura legalidade.
O que está aqui em causa é, pura e simplesmente, o frontal desrespeito pelos procedimentos legais imperativamente exigidos pelo regime da propriedade horizontal e em especial o disposto nos artigos 1422º, nº 3, e 1425º, nº 1, do Código Civil.
*
Analisando agora a argumentação propendida pelo recorrente, no que se refere à questionada legitimidade, melius, falta de legitimidade não formal, mas antes substancial, ligada às exigências de autorização por parte da Assembleia de Condóminos, nos termos e condições previstas nas normas legais supra referidas, sem se ignorar jurisprudência dissonante Nomeadamente, data venia, a resultante do Ac. deste TCA-N, de 23/9/2016, in Proc.534/09.1BEPRT.
, sufragamos aquela que vem indicada na sentença do TAF de Viseu, ora em reapreciação, concretamente, a vertida no Ac. do STA, de 9/11/2017, com especial destaque para o seguinte:
Para a distinção entre actos jurisdicionais e actos administrativos, ou entre as funções judicial e administrativa, a jurisprudência deste STA tem perfilhado um critério teleológico-objectivo preconizado por Afonso Rodrigues Queiró (in “Lições de Direito Administrativo”, 1976, págs. 51 e 52), considerando que na função jurisdicional há um conflito de interesses cuja resolução tem como fim específico a realização do direito e da justiça, destinando-se, consequentemente, a servir o interesse público da própria composição dos conflitos de interesse e o órgão que decide está numa situação de neutralidade perante o mesmo, enquanto na função administrativa a actuação do órgão visa prosseguir outro ou outros interesses públicos que a lei põe a seu cargo e não a mera “paz jurídica” (cf., entre muitos, os Acs. de 24/5/89 in BMJ 387.º-372, de 28/10/98 – Proc. n.º 37158, de 14/1/99 – Proc. n.º 31654, de 18/5/99 – Proc. n.º 041853 e de 11/10/2012 – Proc. n.º 01002/10).
Assim, a Administração age no exercício da função administrativa quando, no uso dos poderes que a lei lhe confere, visa a concretização das suas competências para realização dos fins legais e não apenas para compor conflitos de interesses privados, prosseguindo o interesse público da “paz jurídica”. No procedimento de licenciamento ou de legalização de obras, embora a autoridade administrativa não possa imiscuir-se em litígios de ordem privada, susceptíveis de ocorrerem entre particulares, cuja resolução cabe aos tribunais, tem de analisar a titularidade do direito que confere ao requerente a faculdade de realizar a operação urbanística em causa por, antes de apreciar o mérito do pedido, lhe competir verificar a existência do pressuposto procedimental da legitimidade em face da documentação por ele apresentada (cf. artºs. 83.º, do CPA, 16.º, n.º 1, do DL n.º 445/91, de 20/11 e 2.º, n.º 2, al. b), da Portaria n.º 1115-B/94, de 15/12).
Por isso, a Administração poderá ter de analisar se ocorreu o cumprimento de determinadas normas de direito privado que conferiam ao requerente legitimidade para formular o pedido.
No caso em apreço, ao ordenar a demolição da construção clandestina, a deliberação recorrida verificou a legitimidade da recorrente para formular pedido de legalização e não teve por fim dirimir imparcialmente um conflito de interesses suscitados entre particulares, mas antes satisfazer o interesse público que lhe está confiado em matéria de urbanismo e, designadamente, de licenciamento de construções e dos consequentes policiamento e sancionamento das correspondentes infracções.
Assim, porque a questão de direito privado se suscitou a propósito da legitimidade da requerente da legalização que a recorrida estava obrigada a apreciar e porque a intervenção desta visou prosseguir outros interesses públicos que a lei pôs a seu cargo, para além da mera “paz jurídica”, terão de improceder as referidas conclusões da alegação da recorrente.
E o mesmo se deve concluir quanto à conclusão 30.ª, onde a recorrente contesta a decisão de improcedência do vício de desvio de poder que invocara com o fundamento que o motivo principalmente determinante com que a autoridade recorrida exercera o poder discricionário de legalização da obra fora o de protecção dos interesses meramente privados dos particulares reclamantes.
Efectivamente, nem do parecer em que se fundamentou a deliberação recorrida, nem de quaisquer outros factos provados, resulta que o motivo principal que a determinou tenha sido a satisfação dos interesses dos reclamantes, ainda que tenha sido a denúncia destes que suscitou a sua intervenção. Pelo contrário, do aludido parecer extrai-se que a sua actuação se reconduziu à defesa do interesse público, na procura da solução legal, tendo mobilizado o regime da propriedade horizontal para aferir da legitimidade da recorrente para a pretendida legalização da obra. (…)”.
**
Por uma questão de rigor intelectual, importa ainda referir que, quanto ao carácter comum (ou não) da varanda que o A./recorrente fechou, nesta parte, divergimos da posição assumida na sentença recorrida, ao dizer que “… não há dúvidas que as varandas do prédio onde se situa a fracção autónoma propriedade do Autor são consideradas partes comuns desse mesmo prédio, não só por serem consideradas terraços de cobertura, à luz da transcrita alínea b), como também por comporem a fachada desse mesmo edifício (conforme a alínea a) da referida norma). Tal posição tem, aliás, sido acolhida de forma unânime e reiterada pela jurisprudência dos tribunais superiores portugueses, aqui se indicando, a título de mero exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/06/2017, P. 1986/08.2TVLSB.L1-7 (disponível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, qualquer alteração a ser realizada sobre uma parte comum do edifício sempre careceria de autorização prévia da assembleia de condóminos, de acordo com o previsto no artigo 1422º do mesmo diploma legal, particularmente qualquer obra susceptível de modificar a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício (nº 3 desta norma) …”.
Na verdade, além da al. a) do n.º 1do art.º 1421.º do C. Civil não referir “fachada do prédio”, mas sim “estrutura do prédio” – coisas diversas -, não cremos que uma varanda, sobressaída da estrutura homogénea da linha vertical exterior do prédio, possa ser entendida como “terraço de cobertura” – al. b) do n.º1 do art.º 1421.º do C.Civil -, pois que, salvo meliore, “terraço de cobertura” tem a ver com a estrutura intrínseca do prédio e não com varandas como as que estão realmente em causa no prédio dos autos, sendo mesmo que a do A./recorrente se situa a nível do rés do chão, o que significa que não serve, de todo, de cobertura do que quer que seja, nomeadamente da estrutura do prédio Conforme as fotos de fls. 3 e 21 a 24 do PA bem elucidam..
Os terraços de cobertura mencionados na b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, são estruturas em si mesmas não cobertas, cujo piso constitui, ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso, o que, convenhamos, não é o caso das varandas dos autos, maxime, a do A./Recorrente.
Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício. A natureza obrigatoriamente comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a "saúde" do edifício.
Sendo assim, os terraços de cobertura existentes no edifício não podem ficar na dependência da vontade individual de um condómino, por se correr o risco do mesmo poder vir a ser negligente na sua conservação, designadamente se abandonar a sua fracção e a mantiver encerrada e sem vigilância - daí serem obrigatoriamente partes comuns.
Coisa diversa são as varandas como as dos autos!!!
*
Porém, esta dissintonia não afecta a conclusão a que chega o TAF de Viseu, na medida que sempre está em causa a modificação da linha arquitetónica ou arranjo exterior do prédio – n.º3 do art.º 1422.º do C. Civil.
Acresce que, como se diz na sentença, com total acerto que “… como tem sido decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, sempre estaria a realização de tal operação, de “fechamento” de varandas por via da colocação de vidros, assentes numa calha metálica, e com uma estrutura totalmente distinta, física e visualmente, daquelas previamente existentes no prédio em questão, sujeita a licenciamento municipal, de acordo com o artigo 4º do RJUE (neste sentido, e a título de mero exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 07/10/2016, P. 03124/10.2BEPRT, disponível em www.dgsi.pt)".
Quanto ao mais, sem necessidade de outras considerações, por manifestamente despiciendas, remete-se para a laboriosa enunciação e fundamentação fáctico jurídica vertida na sentença, com a qual concordamos integralmente, nomeadamente o que concerne à alegada falta de fundamentação dos actos recorridos, proporcionalidade e legalidade do acto de demolição.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em dar negar provimento ao recuso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
*
Custas pelo recorrente.
*
Notifique-se.
DN.


Porto, 3 de Dezembro de 2021
Antero Salvador
Helena Ribeiro
Conceição Silvestre