Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00032/23.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/16/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:LICENÇA PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES DE GESTÃO DE RESÍDUOS; COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO CENTRO;
ACTO ESTRITAMENTE VINCULADO; AUDIÊNCIA PRÉVIA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; PROVA TESTEMUNHAL; PROVA POR DOCUMENTO AUTÊNTICO; PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DOS ACTOS.
Sumário:1. Estando em causa a licença para a realização de operações de gestão de resíduos, por parte da entidade requerida, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, apenas se impunha verificar se a requerente dispunha de licença de utilização para “Operações de Gestão de Resíduos” a emitir pelo Município.

2. Facto que apenas por documento autêntico (a própria licença) se pode provar – n.º1 do artigo 364º do Código Civil, e não por testemunhas.

3. Saber se essa licença estava em condições de ser emitida ou não, é matéria da competência do Município, e por isso, escapa à apreciação da validade dos actos suspendendos, da autoria da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.

4. Entendendo que o Município deve emitir tal licença e a recusa é ilegal, deve o interessado reagir contra a inércia do Município.

5. Para apreciação da validade dos actos suspendendo, de revogação parcial da licença provisoriamente concedida, e de ordem para desactivar o estabelecimento da requerente, apenas interessa esse único facto: a requerente não dispõe da licença que devia ter.

6. Perante este facto é irrelevante que se tenha verificado a preterição da audiência prévia, designadamente através da audição das testemunhas arroladas nesta sede, ou que falte fundamentação aos actos. No respeito pelo princípio do aproveitamento dos actos, tais vícios sempre seriam irrelevantes porque independentemente de estarem verificados ou não, sempre a decisão da Administração teria de ser a mesma: a contida nos actos suspendendos.

7. Quanto ao princípio da proporcionalidade só pode ser violado quando a Administração tem a possibilidade – e, logo, o dever – de optar pela solução menos gravosa para o administrado. No caso concreto não havia várias soluções legais possíveis, mas apenas uma, a contida nos actos suspendendos, tratando-se aqui de actos estritamente vinculados.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...], Lda. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 14.03.2023 pela qual foi julgado improcedente o processo cautelar intentado contra a CCDRC - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro para suspensão da eficácia pelo qual foi determinada a “revogação parcial do Titulo, nos termos da alínea b) do n.° 4 do art. 81° do RGGR (anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro), bem como a desativação do estabelecimento da requerente no prazo de 60 dias”.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou a julgar não verificado o fumus boni iuris para indeferir a providência requerida.

O Centro de Competências Jurídicas do Estado contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido também da improcedência do recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) Conforme foi dado como provado na Sentença recorrida, a ora Recorrente, em, 04/10/2022, exerceu o direito de audiência prévia sobre o projeto de decisão notificado através do Ofício da «CCDRC» com a referência DLPA 1473/2022, datado de 29/08/2022, tendo, para prova dos factos por si então alegados, apresentado seis documentos e requerido a inquirição de três testemunhas (cfr. alíneas GG) e HH) da matéria de facto dada como provada).

b) Ainda conforme foi dado como provado na Sentença recorrida, a «CCDRC», antes de proferir os actos suspendendo, não procedeu à inquirição das referidas três testemunhas arroladas pela ora Recorrente no requerimento de audiência prévia apresentado em 04/10/2022 (cfr. alínea JJ) e HH) da matéria de facto dada como provada).

c) Assim sendo, e de forma contrária ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, não pode deixar de se concluir que ocorreu um vício de forma gerador da invalidade da decisão da «CCDRC» e, consequentemente, dos actos suspendendos.

d) O art. 267º-5 da CRP, reconhece aos cidadãos o direito de participação «na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».

e) Por sua vez, o art. 20º da Lei Fundamental CRP consagra a exigência de um processo equitativo, e, ainda que não afaste a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjectivos têm de proporcionar aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito à tutela jurisdicional efectiva.

f) Dando concretização aos citados princípios constitucionais, o nº 1 do art. 121º do CPA dispõe que a Administração, antes de proferir a decisão final, está obrigada a promover a audição dos interessados, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo dispositivo legal, estes últimos, no exercício do direito de audiência, «podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos».

g) No caso sub judice, a «CCDRC» proferiu os actos suspendendos sem sequer se ter dignado a, previamente, inquirir as três testemunhas que a ora Recorrente arrolou para prova dos factos por si alegados no requerimento apresentado em 04/10/2022, sendo certo que, contrariamente ao que consta da Sentença recorrida, do artigo 125º do CPA não resulta que a mesma estivesse legitimidade a actuar dessa forma, uma vez que essa norma se refere a uma fase posterior à audiência prévia, e não à audiência prévia propriamente dita – daí a utilização da expressão «[a]pós a audiência» –, e o respectivo teor visa acautelar a hipótese de no decurso daquela terem sido trazidos ao procedimento factos, questões e provas que nela não tivessem sido (adequadamente) considerados pelo instrutor.

h) A ora Recorrente, perante a citada omissão grave da «CCDRC», viu-se impedida de discutir, de forma consolidada, os critérios e fundamentos que estão subjacentes à emanação dos actos suspendendos.

i) Assim que assim não fosse, ou seja, ainda que a «CCDRC» pudesse efectivamente não ter procedido à inquirição das três testemunhas que a ora Recorrente arrolou para prova dos factos por si alegados no requerimento apresentado em 04/10/2022, sempre se exigia à mesma que justificasse o porquê da sua actuação, pronunciando-se, no dizer da própria Sentença, «sobre a pertinência daquela diligência para a boa solução da causa».

j) Contrariamente ao exposto, a «CCDRC» não realizou a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente nem justificou o porquê de não o ter feito, omitindo, na decisão do procedimento, toda e qualquer referência à diligência que havia sido requerida (cfr. alíneas HH), II) e JJ) da matéria de facto dada como provada), o que equivale a dizer que foram coarctados os direitos de defesa da ora Recorrente plasmados nos acima citados arts. 20º e 268º-4 da CRP, tendo a mesma sido colocada na impossibilidade prática de provar que aqueles fundamentos não se verificavam.

k) De forma distinta daquela que foi a decisão do Tribunal a quo, foi assim violado o princípio da igualdade, ínsito no artigo 13° da CRP, o direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20°-2 da CRP, e também o direito de defesa estabelecido no artigo 268°-4 da mesma CRP.

l) Igualmente de forma contrária ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, a «CCDRC», ao não ter tido em conta, nas suas decisões, o que a ora Recorrente lhe referiu em sede de audiência prévia nem as provas nessa fase apresentadas, e ao nem sequer ter explicado porque não o fez, violou de forma manifesta o dever de fundamentação previsto nos arts. 268º-3 da CRP, 152º e 153º no CPA.

m) Nos termos do disposto no art. 268º-3 da CRP, todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos têm de ser fundamentados de forma expressa e acessível, encontrando-se essa exigência constitucional regulada, v.g., nos arts. 152º e 153º do CPA.

n) A exigência da fundamentação significa que o acto administrativo deve apresentar-se formalmente como uma disposição conclusiva lógica de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das normas jurídicas em que se funda, que os seus destinatários possam fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo seu autor.

o) No caso sub judice, a enunciação clara, coerente e completa dos fundamentos de facto e de direito não resulta, nem dos actos suspendendos, nem da informação (parecer) notificada à ora Recorrente, sendo manifesta a falta, quer dos fundamentos de facto, quer dos fundamentos de direito que sustentam a decisão da «CCDRC».

p) A ora Recorrente, através de requerimento apresentado em 04/10/202, exerceu esse seu direito de audiência prévia alegando, designadamente (i) que tudo tinha feito para cumprir com os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, sendo que tal só não aconteceu por circunstâncias a que era totalmente alheia; (ii) que em face da pandemia associada ao contágio por SARS-Cov-2 e à doença Covid-19 que lhe está intimamente ligada se viu coartada na sua actuação, tendo visto sucessivamente proteladas todas as respostas aos seus incessantes pedidos, junto das autoridades competentes, de obtenção dos elementos que, em circunstâncias normais, há muito lhe teriam permitido resolver a questão em apreço; (iii) que foi sempre sua intenção cumprir escrupulosamente os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, tudo tendo feito para que fossem suprimidos os problemas entretanto detectados; (iv) que, logo em 10/02/2021, obteve e enviou à «CCDRC» uma certidão da Câmara Municipal ... dando conta de que, para o prédio onde aquela exerce a sua atividade, tinha sido emitido um parecer técnico onde se referia que «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.º 4 do artigo 99.º»; (v) que, confrontada com a pronúncia da «CCDRC» relativamente a esse documento, solicitou, de imediato, nova certidão à Câmara Municipal ... em que se atestasse «a compatibilidade da localização da instalação localizada na Rua ..., Zona Industrial, ..., ..., ..., ..., com a atividade de Operação de Gestão de Resíduos», tendo a Câmara Municipal ... certificado, mais uma vez, que, para o citado prédio, «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.º 4 do artigo 99.º», tendo a certidão em causa sido prontamente remetida à «CCDRC»; (vi) que, tendo a «CCDRC» concluído que a certidão em causa não supria «a falta de Licença para “Operações de Gestão de Resíduos”», encetou, com vista à resolução definitiva do problema, múltiplos contactos junto da Câmara Municipal ..., tendo reunido com os respectivos serviços em várias ocasiões; (vii) que, na sequência dessas reuniões e das suas sucessivas insistências, a Câmara Municipal ..., através do respectivo Chefe de Divisão de Desenvolvimento Local, lhe comunicou que, face ao teor do artigo 84.º do DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro – que, no que aqui interessa, determina, no seu n.º 2, que “[q]uando verifique a inexistência de impacte relevante no equilíbrio urbano e ambiental, pode a câmara municipal territorialmente competente declarar compatível com uso para atividade de tratamento de resíduos o alvará de autorização de utilização de edifício ou sua fração autónoma destinado ao uso de comércio, serviços ou armazenagem, no caso de se tratar de estabelecimento que exerça atividade titulada com a CAE 46” –, poderia “ser requerido declaração de compatibilidade do uso de tratamento de resíduos o alvará de utilização destinado ao uso de comércio, serviços ou armazém, correspondendo o procedimento de averbamento da autorização de utilização, instruídos com as necessárias adaptações com o estabelecido na Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril”; (viii) que, dando cumprimento àquilo que, nessa altura, foi solicitado pelo referido Chefe de Divisão de Desenvolvimento Local no sentido de ser confirmado se a ora Requerente exercia actividade com o CAE 46, “de forma a poder ser emitida respetiva declaração”, a mesma informou que tinha o referido CAE, tendo então junto a correspondente certidão permanente a atestar essa circunstância; (ix) que, não obstante as suas várias insistências nesse sentido, a Câmara Municipal ..., apesar de ter manifestado, nos termos acima descritos, disponibilidade para emitir a declaração de compatibilidade que se encontra prevista no artigo 84.º do DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, ainda não o tinha feito, facto a que ora era e é totalmente alheia; (xx) que impulsionou novamente o procedimento tendente à obtenção dessa declaração de compatibilidade, pelo que tudo indicava que a muito breve prazo conseguiria obter esse documento que lhe permitiria exercer, no estrito cumprimento daquilo que se encontra legalmente previsto, a actividade de gestão de resíduos; e (xxi) que, dando seguimento a todas as diligências que tinha vindo a encetar com o objetivo de serem escrupulosamente cumpridos os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, obteve, junto da [SCom02...], a Autorização para Rejeição de Águas Residuais Industriais, facto esse, aliás, de que a «CCDRC» já tinha conhecimento (cfr. alínea GG) da matéria de facto dada como provada).

q) A «CCDRC», conforme, aliás, acaba por ser admitido na Sentença recorrida – na parte em que dela consta que a «CCDRC» não rebateu «a alegação de cada um dos diferentes artigos da pronúncia da requerente» – não se pronunciou sobre todos esses factos e elementos novos aduzidos pela ora Recorrente no citado requerimento, limitando-se, no Ofício datado de «2022-11-21», com a referência DSA-DLPA 1925/2022, a fazer uma súmula do alegado por aquela e a emitir comentário sobre a «certidão emitida pela Câmara Municipal ... a 13.05.2021» e sobre o «contrato de autorização para rejeição de águas residuais industriais, celebrado com a [SCom02...], S.A., a 12.08.2020» (cfr. alínea II) da matéria de facto dada como provada).

r) Em contrário não se diga, como se diz na Sentença recorrida, que essa «certidão emitida pela Câmara Municipal ... a 13.05.2021» constituía «o argumento nuclear apresentado» e que «as demais alegações são de mero suporte do mesmo».

s) É que, conforme resulta do teor do acima citado requerimento apresentado pela ora Recorrente em 04/10/202, a realidade é exactamente a oposta, ou seja, as certidões emitidas pela Câmara Municipal ... é que constituem um mero elemento de suporte dos múltiplos argumentos ali invocados.

t) A fundamentação dialógica que o exercício do direito de audição prévia podia produzir ficou assim irremediavelmente prejudicada, pois não foi explicado o itinerário cognoscitivo que terá permitido à «CCDRC» chegar às decisões a que chegou.

u) Os actos administrativos, ao não cumprirem o disposto no artigo 268º-3 da CRP, e nos artigos 124º e 125º, ambos do [antigo] CPA, ofendem o conteúdo essencial do direito fundamental do particular à fundamentação (alínea d) do n.º 2 do artigo 133º-2/d do antigo CPA, correspondente ao art. 161º-2/d do actual CPA), enfermando, por conseguinte, de nulidade, nos termos previstos nos arts. 152º, 153º e 161º-2/d do CPA

v) Ainda que não se entenda no sentido da nulidade dos referidos actos da «CCDRC», dúvidas não existem que os actos não fundamentados ou fundamentados de forma deficiente são anuláveis, nos termos do previsto no artigo 163º do CPA, situação que também se regista nos actos de que se requereu a suspensão da eficácia.

w) O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao ter considerado que «a medida adotada pela entidade requerida não só se revela necessária e adequada, como se revela totalmente proporcional».

x) O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2 da CRP, e no artigo 7º do CPA, proíbe o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionais ao bem público que se pretende salvaguardar.

y) Especificamente no que aqui interessa, importa sobremaneira salientar que, nos termos do preâmbulo do DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro – acto legislativo que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852 –, as políticas relativas à gestão de resíduos» visam, designadamente, «a gestão sustentável dos materiais, a fim de proteger, preservar e melhorar a qualidade do ambiente, proteger a saúde humana, assegurar uma utilização prudente, eficiente e racional dos recursos naturais, reduzir a pressão sobre a capacidade regenerativa dos ecossistemas, promover os princípios da economia circular, reforçar a utilização da energia renovável, aumentar a eficiência energética, reduzir a dependência de recursos importados, proporcionar novas oportunidades económicas e contribuir para a competitividade a longo prazo».

z) Do teor do citado preâmbulo decorre, pois, que o interesse público que todas as normas do DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro, visam alcançar, é a protecção da saúde humana e do ambiente.

aa) É por referência a esse específico interesse público - a redução dos riscos que decorrem da actividade de gestão de resíduos para a saúde humana e para o ambiente - que deve ser aferida a adequação e proporcionalidade de todas as medidas previstas no mencionado diploma, em especial quando as mesmas restringem de forma muito significativa - como acontece no caso sub judice - direitos, liberdades e garantias dos administrados.

bb) A ora Recorrente não põe em causa que a actividade por si desenvolvida deva estar sujeita a licenciamento, «que importa o cumprimento de um conjunto de regras que, prescritas no RGGR, se destinam à salvaguarda» da saúde humana e do ambiente.

cc) Porém, no sub judice, não pode deixar de se concluir que do ofício da «CCDRC» através do qual foram dados a conhecer à ora Recorrente os actos suspendendos não resulta, em concreto, que da manutenção da actividade desta última possam vir a decorrer quaisquer «riscos para a saúde humana e para o ambiente» - no dizer do acima citado artigo 6.º do DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro - pelo que aqueles mesmos actos se afiguram manifestamente desadequados e desproporcionais.

dd) A ora Recorrente desenvolve a sua actividade no interior de um armazém arrendado, sendo que realiza unicamente operações de descarne de cabos e armazenagem de resíduos não perigosos (cfr. alíneas B) e H) da matéria de facto dada como provada), sendo que esses resíduos não perigosos são maioritariamente sujeitos a simples operações de triagem e armazenamento no interior do mencionado armazém, não se verificando a realização de qualquer operação ao ar livre.

ee) É evidente, pois, que as concretas condições em que a ora Recorrente exerce a sua actividade não geram qualquer risco para a saúde humana e para o ambiente, sendo que o único motivo pelo qual a ora Recorrente ainda não conseguiu obter «Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos” a emitir pelo Município» exigida pela «CCDRC», decorre da circunstância de o prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, onde se encontra a fração autónoma que constitui as suas instalações, ter uma área real de 2737m2, por contraposição aos 3002m2 que a esse respeito constava do processo de obras n.º ...0 da Câmara Municipal ....

ff) Daí que, contrariamente àquele que foi o entendimento do Tribunal a quo, uma mera diferença de áreas, não consubstanciando qualquer perigo para a saúde humana e para ambiente, jamais poderá sustentar uma decisão tão gravosa como aquela que foi aplicada pela «CCDRC» à ora Recorrente.

gg) Atente-se ainda que se a revogação do «TUA» e a consequente desactivação do estabelecimento no prazo determinado se mantiverem na ordem jurídica, à ora Recorrente não restará outra alternativa que não seja a de encerrar e cessar toda a sua actividade – relembre-se que a mesma se dedica exclusivamente ao comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, de cartão, papel e plástico, bem como à reciclagem, à triagem, à valorização de resíduos e à operação de gestão de resíduos –, daí resultando, naturalmente, danos definitivos e irreparáveis, não só para a própria Recorrente como também para todos os seus colaboradores, sendo impossível, caso a acção principal venha a ser julgada procedente, proceder-se à restauração natural da situação conforme à legalidade.

hh) Ainda que não se verificassem os referidos vícios de violação do direito de audiência prévia e de falta de fundamentação (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), sempre os actos suspendendos se afigurariam manifestamente desadequados e desproporcionais atendendo ao específico interesse público – a redução dos riscos que decorrem da actividade de gestão de resíduos para a saúde humana e para o ambiente – que visam acautelar, e, enquanto tal, seriam nulos, nos termos previstos no artigo 161º, nº 2, alínea d), do CPA, ou anuláveis, nos termos previstos no artigo 163º do mesmo diploma.

ii) A Sentença recorrida violou o disposto nas normas dos artigos 13º, 18º-2, 20º-2, 268º-3 e 268º-4 da CRP, bem como as normas dos artigos 7º, 121º, 152º, 153º, 161º-2/d e 163º do CPA, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.

*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:


A) A sociedade [SCom01...], Lda., ora requerente, dedica-se ao comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, de cartão, papel e plástico, bem como à reciclagem, à triagem, à valorização de resíduos e à operação de gestão de resíduos (Cfr. doc. n.° ... junto com o requerimento inicial).

B) A requerente desempenha a sua atividade no interior de um armazém arrendado, instalado na fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., Zona Industrial, ..., ..., ... ..., ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° ...19 e inscrito na matriz predial urbana de ... sob o art. ...81, e com o Alvará de Utilização n.° ...8, emitido pelo Município ... em 16.12.2008, nos termos do qual a fração autónoma em causa se encontra destinada à atividade de «ARMAZÉM» (Cfr. doc. n.° ... junto com o requerimento inicial).

C) Em 7.10.2008, foi atribuído a «AA» o Alvará de Licença para a realização de Operações de Gestão de Resíduos n.° 81/2008/CCDRC (cfr. fls. 36 a 42 do processo administrativo).

D) Em 25.10.2013, foi renovada a licença atribuída a «AA», e titulada pelo Alvará n.° ...08..., pelo período de 5 anos, até 7 de outubro de 2018 (cfr. fls. 75 do processo administrativo).

E) Em 11.03.2015, foi averbado no Alvará n.° ...08... a transmissão da licença em nome de «AA» para o da sociedade [SCom01...], Lda., aqui requerente (cfr. fls. 83 do processo administrativo).

F) Em 4.10.2018 foi prorrogada a validade do Alvará n.° ...08... pelo prazo de 6 meses, até 25.04.2019 (cfr. fls. 157 e 158 do processo administrativo).

G) Em 14.05.2019 a requerente submeteu na Plataforma SILIAmb (Módulo LUA) um novo pedido de licenciamento, em regime simplificado e ainda ao abrigo do anterior Regime Geral de Gestão de Resíduos (Decreto-Lei n.° 178/2006, de 5.9) - processo PL20190426000616 (cfr. fls. 216A a 412 do processo administrativo).

H) Em 22.08.2019, foi emitido o Título Único Ambiental TUA20190329000136, no âmbito do qual a requerente foi autorizada a realizar operações de descarne de cabos e armazenagem de resíduos não perigosos (Cfr. doc. n.° ... junto com o requerimento inicial).

I) O Título Único Ambiental TUA20190329000136 atribuído à requerente estabelecia o cumprimento de condições, nomeadamente as seguintes:

- T000022 - A realização da operação só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para "Operações de Gestão de Resíduos", a emitir pelo Município. (...) Prazo de implementação (1ano).

-T000018 - Possuir autorização de descarga dos efluentes líquidos no coletor municipal ou Título de Utilização dos Recursos Hídricos, a emitir pela Agência Portuguesa do Ambiente/Administração da Região Hidrográfica, nos termos do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, caso haja descarga dos citados efluentes no solo ou domínio hídrico.

(cfr. fls. 413 a 439 do processo administrativo e doc. n.° ... junto com o requerimento inicial).

J) A 10.03.2020, realizou-se a vistoria de controlo prevista nos termos dos artigos 30.° e 32.° do RGGR 2006, a qual teve decisão final favorável, comunicada à Requerente a 17.03.2020, através da Plataforma (cfr. fls. 115 a 121 do requerimento ...87 - processo administrativo).

K) No Auto de vistoria foi imposto, entre outros aspectos, a apresentação da Licença de Utilização para as Operações de Gestão de Resíduos, emitida pela Câmara Municipal ..., e o comprovativo de autorização de descarga das águas residuais, emitido pela [SCom03...] (doravante “[SCom02...]”), no prazo de 30 dias (cfr. fls. 115 a 121 do requerimento ...87 - processo administrativo).

L) Em Abril de 2020, a requerente diligenciou pela alteração do uso da fracção em causa, tendo verificado que esta tinha uma área real de 2737m2, por contraposição aos 3002 que constava do processo de obras n.° ...0 da Câmara Municipal ..., não tendo o proprietário da outra fracção autónoma existente no prédio em causa aceitado qualquer retificação (Acordo e cfr. docs. n.° 7, 8, 9 e 10 do requerimento inicial).

M) Em 23.04.2020, a Câmara Municipal ... veio informar a CCDRC que a requerente dispunha do Alvará de Utilização n.° ...8, para o uso de armazém, não dispondo a fração em causa de utilização de Operador de Gestão de Resíduos (cfr. fls. 109 do requerimento ...87 - processo administrativo).

N) A 7.05.2020, foi comunicado à requerente que, atendendo a que se havia verificado o fim da suspensão dos prazos com a cessação do estado de emergência, aquela dispunha do prazo de 30 dias seguidos para apresentar licença de utilização para “operações de Gestão de Resíduos” e comprovativo de autorização de rejeição de águas residuais, emitido pela [SCom02...] (cfr. fls. 88 a 96 do requerimento ...87 - processo administrativo).

O) Foi ainda informada a requerente, pelo mesmo acto, do seguinte:

“Caso no prazo fixado não seja cumprido o acima referido, o Título detido por V. Exas é automaticamente suspenso, nos termos da alínea c) do n.° 2 do art.° 38° do RGGR, mantendo-se a suspensão enquanto não for demonstrado terem sido cumpridas as condições impostas, nos termos do n.° 2 do art.° 38° do mesmo diploma.”.

(cfr. fls. 88 a 96 do requerimento ...87 - processo administrativo).

P) A 12.05.2020, a requerente apresentou uma exposição na qual refere a dificuldade em obter a licença de utilização, face a problemas de limites de propriedade horizontal com um vizinho (cfr. fls. 67 e 68 do requerimento ...87 - processo administrativo).

Q) A 15.06.2020, em resposta à requerente foi a mesma notificada de que deveria apresentar a Licença de Utilização e a autorização de descarga até 21/08/2020, bem como que, se caso o prazo estipulado não fosse cumprido o Título seria suspenso, nos termos das alíneas c) e d) do n.° 2 do art.° 38 do anterior RGGR (Cfr. Ofício DLPA 671/20, a fls. 59 e 60 do requerimento ...87 – processo administrativo).

R) A 17.08.2020, através de email, a requerente apresentou nova exposição, dando conta de não ter ainda obtido a Licença de Utilização para OGR. (cfr. fls. 24 e 25 do requerimento ...87 do processo administrativo que se têm por reproduzidas).

S) Sobre a exposição da requerente viria a ser proferida a Informação n.° DLPA 343/20, da qual viria a resultar a decisão de suspensão do Título, comunicada pelo Ofício DSA-DLPA 1122/20, de 29/09/2020, do qual constava que caso as desconformidades não fossem corrigidas em seis meses, o TUA seria revogado nos termos da alínea b) do n.° 4 do artigo 38.° do RGGR (Cfr. fls. 20 a 23 do requerimento ...87 - processo administrativo).

T) Em 26.01.2021, a requerente solicitou, junto da Câmara Municipal ..., a emissão de certidão de declaração de conformidade de laboração (Cfr. doc. n.° ...1 junto com o requerimento inicial).

U) Em 10.02.2021 pela Câmara Municipal ... foi emitida a certidão junta de fls. 567 a 568 do processo administrativo, que se dá por reproduzida, e da qual se extrai o seguinte excerto:

“(...)
Deste modo, apenas no âmbito do direito à informação estabelecido na alínea a), do n.° 1, do artigo 110.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei n.° 136/2014, de 9 de setembro, poderá informar-se que de acordo com o artigo 99.° do regulamento do PDM, que define usos e condições de ocupação para o Espaço de Atividades Económicas, que o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível (...)”.

V) E, 18.02.2021, na sequência da apresentação da referida certidão, a CCDRC reiterou a decisão anteriormente comunicada, informando a requerente que não alterava a decisão de suspensão do título (Cfr. Ofício DSA -DLPA 294/21, de 18.02.2021, a fls. 569 e 570 do processo administrativo).

W) Após a prolação da decisão identificada na alínea anterior, a requerente continuou a laborar (Cfr. doc. n.° ... junto com a oposição).

X) A 04.03.2021, através de email, a requerente apresentou a autorização de descarga de águas residuais emitida pela [SCom02...] (Cfr. fls. 581 a 598 do processo administrativo).

Y) Em 26.03.2021, a sociedade [SCom01...] requereu perante o Município ... a emissão de certidão a atestar a compatibilidade da localização da instalação em causa com a atividade de Operação de Gestão de Resíduos (Cfr. doc. n.° ...3 junto com o requerimento inicial).

Z) A 21.05.2021, a requerente apresentou nova certidão da Câmara Municipal ... que, nos termos da anterior, informava que o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” era admissível, mediante o cumprimento de obrigações (Cfr. fls. 603 a 604A do processo administrativo).

AA) Através do Ofício DSA DLPA 1262/2021, de 01.06.2022, a CCDRC informou a requerente de que a certidão apresentada não supria a falta de licença de utilização para a atividade de gestão de resíduos, reiterando que aquela não poderia exercer a atividade sem essa licença (Cfr. fls. 603A a 608 do processo administrativo).

BB) A requerente, após reunir com os serviços municipais, foi informada que, no caso de cumprir com os requisitos legais, poderia requerer a declaração prevista no artigo 84.° do Decreto-lei n.° 102-D/2020 (Cfr. doc. n.° ...6 junto com o requerimento inicial).

CC) Em agosto de 2022, a requerente foi notificada do Ofício da «COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO CENTRO», datado de «2022-08-29», com a referência DSA-DLPA 1473/2022, de cujo teor consta, designadamente, o seguinte:

«Na sequência da suspensão do TUA20190329000136, emitido a .../.../2019, oficio DLPA 1122/20, de 29.09.2020 (em Anexo), verifica-se, de acordo com o constante da informação anexo e parecer inserto, que ainda se mantém a desconformidade já identificada anteriormente (laboração com a licença suspensa), sendo que é intenção desta CCDR notificar V. Exas no seguintes termos:
· a revogação parcial do Titulo, nos termos da alínea b) e f) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR (Anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro);
· deverá proceder à desativação do estabelecimento, no prazo de 60 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
i. proceder ao encaminhamento de todos os resíduos existentes no estabelecimento para destino final autorizado;
ii. proceder à limpeza de toda a instalação, incluindo toda a rede de drenagem e depósito estanque;
iii. destino a dar aos equipamentos e máquinas do estabelecimento.
Findo o prazo acima estabelecido, deverá ser realizada vistoria de conformidade ao estabelecimento prevista na alínea e) do n.° 1 do art.° 64° do novo Regime Geral de Gestão de Resíduos, Anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro, tendo em vista a verificação das condições impostas e decisão sobre a revogação total do Titulo em referência.
Deste modo, ficam V. Exas notificados, nos termos e para efeitos previstos nos artigos 121.° e 122.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA – DL n° 4/2015, de 7 de janeiro) para, no prazo de 10 dias úteis, contados da data da presente notificação, apresentarem por escrito, o que se lhes oferecer sobre o procedimento em causa, podendo anexar os documentos que entenderem por convenientes».

(Ofício DSA-DLPA 1473/2022, com base na Informação n.° DSA-DLPA 452/2022, pp. 616A a 618 do processo administrativo).

DD) A 12.09.2022, face à devolução do Ofício enviado, porque a Requerente não o reclamou, foi o Ofício remetido via email a 20.09.2022 (Cfr. fls. 619A a 627 do processo administrativo).

EE) Em 24.09.2022 foi determinada nova suspensão do TUA, pelo prazo de 6 meses (Cfr. fls. 621 e 623 do processo administrativo).

FF) Em 3.10.2022, «AA», na qualidade de proprietário da fração autónoma ..., do prédio em causa, veio requerer a declaração de compatibilidade do alvará de autorização de utilização da fração em causa com o uso para atividade de tratamentos de resíduos, nos termos do artigo 84.°, n.° 3 do RGGR (Cfr. doc. n.° ...7 junto com o requerimento inicial).

GG) A Requerente, através de requerimento que, em 04.10.2022, via correio registado com AR, remeteu à «CCDRC», e que foi por esta recebido em 07.10.2002, exerceu o direito de audiência prévia, alegando, designadamente, o seguinte:

«– Da não verificação dos pressupostos legais de que depende a “revogação parcial do Título, nos termos das alíneas b) e f) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR (Anexo I do DL n.° 102-D/2022, de 10 de dezembro)”

Nos termos do disposto no art.° 81.°, n.° 4, alíneas b) e f), do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro (diploma que aprovou o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e alterou o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852), “[a] licença é total ou parcialmente revogada quando: /.../ b) Se verifique o incumprimento reiterado dos termos da respetiva licença de exploração ou parecer vinculativo; /.../ f) Se verifique o incumprimento das condições definidas no âmbito das vistorias”.

Isto significa que a revogação – total ou parcial – da licença não pode ser ordenada pela entidade licenciadora enquanto não se verificar um incumprimento voluntário e reiterado, por parte do operador de tratamento de resíduos, dos termos da própria licença ou das condições definidas aquando das vistorias realizadas.

Estamos perante, pois, uma verdadeira responsabilidade subjetiva por parte do operador de tratamento de resíduos, isto é, perante um comportamento do mesmo que é merecedor de reprovação ou censura.

Concretamente, ao operador de tratamento de resíduos terá de ser imputável a violação culposa dos termos da própria licença ou das condições definidas aquando das vistorias realizadas.

Isto posto, cumpre notar que, no caso em apreço, jamais à ora exponente poderá ser imputado qualquer comportamento culposo naquele sentido.
Bem pelo contrário!

Com efeito, a ora exponente tudo fez para cumprir com os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, sendo que tal só não aconteceu por circunstâncias a que é totalmente alheia.

Nesse sentido, atente-se, em primeiro lugar, que, conforme é sabido, o País – à semelhança do que sucedeu um pouco por todo o mundo – foi assolado pela pandemia associada ao contágio por SARS-Cov-2 e à doença Covid-19 que lhe está intimamente ligada, o que originou o decretamento, pelo Presidente da República, do Estado de Emergência que foi sendo sucessivamente renovado. 8°
Essa circunstância determinou o encerramento de múltiplas instalações públicas e, consequentemente, criou inúmeras dificuldades aos cidadãos em obter documentos relevantes para o exercício dos respetivos direitos.

Em face de tal, também a ora exponente se viu coartada na sua atuação, tendo visto sucessivamente proteladas todas as respostas aos seus incessantes pedidos, junto das autoridades competentes, de obtenção dos elementos que, em circunstâncias normais, há muito lhe teriam permitido resolver a questão em apreço.
10°
Apesar disso, foi sempre intenção da ora exponente cumprir escrupulosamente os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, tudo tendo feito para que fossem suprimidos os problemas entretanto detetados.
Senão vejamos:
11°
Conforme é do V/ conhecimento, a ora exponente, logo em 10/02/2021, obteve e enviou a essa CCDR uma certidão da Câmara Municipal ... dando conta de que, para o prédio onde aquela exerce a sua atividade, tinha sido emitido um parecer técnico onde se referia que «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.° 4 do artigo 99.°» (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo) (o negrito é nosso).
12°
Confrontada com a V/ pronúncia relativamente a esse documento, a ora exponente solicitou, de imediato, nova certidão à Câmara Municipal ... em que se atestasse “a compatibilidade da localização da instalação localizada na Rua ..., Zona Industrial, ..., ..., ..., ..., com a atividade de Operação de Gestão de Resíduos” (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo).
13°
Em resposta a esse pedido, a Câmara Municipal ... certificou, mais uma vez, que, para o citado prédio, «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.° 4 do artigo 99.°» (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo) (o negrito é nosso), tendo a certidão em causa sido prontamente remetida a essa CCDR (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo).
14°
Tendo V. Exas. concluído que a certidão em causa não supria «a falta de Licença para “Operações de Gestão de Resíduos”», a ora exponente, com vista à resolução definitiva do problema, encetou múltiplos contactos junto da Câmara Municipal ..., tendo reunido com os respetivos serviços em várias ocasiões (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo).
15°
Na sequência dessas reuniões e das sucessivas insistências da ora exponente, a Câmara Municipal ..., através do respetivo Chefe de Divisão de Desenvolvimento Local, comunicou à mesma que, face ao teor do artigo 84.° do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro – que, no que aqui interessa, determina, no seu n.° 2, que “[q]uando verifique a inexistência de impacte relevante no equilíbrio urbano e ambiental, pode a câmara municipal territorialmente competente declarar compatível com uso para atividade de tratamento de resíduos o alvará de autorização de utilização de edifício ou sua fração autónoma destinado ao uso de comércio, serviços ou armazenagem, no caso de se tratar de estabelecimento que exerça atividade titulada com a CAE 46” –, poderia “ser requerido declaração de compatibilidade do uso de tratamento de resíduos o alvará de utilização destinado ao uso de comércio, serviços ou armazém, correspondendo o procedimento de averbamento da autorização de utilização, instruídos com as necessárias adaptações com o estabelecido na Portaria n.° 113/2015, de 22 de abril” (cfr. documento n.° ...) (o negrito é nosso).
16°
Dando cumprimento àquilo que, nessa altura, foi solicitado pelo referido Chefe de Divisão de Desenvolvimento Local no sentido de ser confirmado se a ora exponente exercia atividade com o CAE 46, “de forma a poder ser emitida respetiva declaração” (cfr. documento n.° ...) (o sublinhado é nosso), a mesma informou que tinha o referido CAE, tendo então junto a correspondente certidão permanente a atestar essa circunstância (cfr. documento n.° ...).
17°
Porém, não obstante as várias insistências da ora exponente nesse sentido (cfr. documento n.° ...), a Câmara Municipal ..., apesar de ter manifestado, nos termos acima descritos, disponibilidade para emitir a declaração de compatibilidade que se encontra prevista no artigo 84.° do DL n.° 102­D/2020, de 10 de dezembro, ainda não o fez, facto a que ora exponente é totalmente alheia.
18°
Não obstante, a ora exponente impulsionou novamente o procedimento tendente à obtenção dessa declaração de compatibilidade, pelo que tudo indica que a muito breve prazo conseguirá obter esse documento que lhe permitirá exercer, no estrito cumprimento daquilo que se encontra legalmente previsto, a atividade de gestão de resíduos.
19°
Importa ainda salientar que, entretanto, dando seguimento a todas as diligências que tem vindo a encetar com o objetivo de serem escrupulosamente cumpridos os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, a ora exponente já obteve, junto da [SCom02...], a Autorização para Rejeição de Águas Residuais Industriais (cfr. documento n.° ... que se junta em anexo), facto esse, aliás, de que essa CCDR já tem conhecimento.
Isto posto,
20°
Verifica-se à saciedade que o alegado incumprimento das condições impostas aquando das vistorias de controlo não resulta de qualquer ato voluntário da ora exponente – antes decorrendo de circunstâncias a que é alheia –, uma vez que a mesma fez tudo o que estava ao seu alcance para que, nesta altura, estivessem cumpridas as citadas condições.
21°
Sem prescindir, sempre se dirá que ora exponente está convencida de que, a curto prazo, conseguirá obter, face à sua insistência junto da Câmara Municipal ..., a declaração de compatibilidade a que alude o artigo 84.°-2 do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro, pelo que a intenção dessa CCDR de proceder à “revogação parcial do Título, nos termos das alíneas b) e f) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR (Anexo I do DL n.° 102-D/2022, de 10 de dezembro)” é absolutamente desproporcionada e, a concretizar-se, originará muito provavelmente o encerramento de uma empresa que tem uma situação económica e financeira perfeitamente equilibrada, que cumpre pontualmente todas as suas obrigações (designadamente para com o Fisco, Segurança Social, trabalhadores, fornecedores e restantes credores), e que goza de uma boa imagem no mercado.
22º
Assim, não se verificando os pressupostos de que depende a citada revogação parcial – designadamente a violação culposa, pela ora exponente, dos termos da própria licença ou das condições definidas aquando das vistorias realizadas –, não pode a mesma vir a ser decidida, devendo sobrestar-se até que a Câmara Municipal ... emita a acima citada declaração de compatibilidade, o que se prevê que possa acontecer a muito curto prazo.
*
Termos em que não deverá ser proferida decisão no sentido de se proceder à “revogação parcial do Título, nos termos das alíneas b) e f) do n.º 4 do art.º 81º do RGGR (Anexo I do DL n.º 102-D/2022, de 10 de dezembro)”»
(Cfr. fls. 628 a 669 junto com o requerimento inicial).

HH) Para prova dos factos alegados nesse seu requerimento em que exerceu o direito de audiência prévia, a Requerente juntou seis documentos e arrolou três testemunhas cuja inquirição expressamente requereu (Cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).

II) A pronúncia da requerente foi objeto de análise na «Informação N.º: DSA-DLPA 630/2022», de cujo teor consta, designadamente, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Analisadas as alegações, reitera-se a informação constante do oficio DSA-DLPA 1262/2021, de 01.06.2021, de que a certidão emitida pela Câmara Municipal ...”, a 13.05.2021, não supre a falta de Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos”, correspondendo apenas à certificação de que a utilização do local como OGR poderá vir a ser autorizada mediante “alteração às condições de licenciamento do edifício” e desde que cumpridas as regras do PDM. Deste modo, a certidão evidencia que Licença de Utilização para OGR não existe, nem as alegações do requerente demonstram o contrário.

Mais se informa que, para além de, na vistoria (10.03.2020), o requerente, não cumprir como imposto no Titulo TUA20190329000136, nomeadamente com a condição:

“A realização da operação só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos”, a emitir pelo Município.” e, está a rececionar resíduos emitindo e-GAR (cf. Fig.1), estando o titulo suspenso, o que constituiu uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, conforme estipulado no artigo na alínea y) do n.° 1 do 81° do RGGR (Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro):

y) A realização de operações de gestão de resíduos com base em licença suspensa ou revogada nos termos do artigo 81.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. Conclusão
Face ao acima exposto, entende-se que, após audiência do interessado, as alegações analisadas não alteram a intenção de atuação desta CCDR (DSA-DLPA 1473/2202, de 29.08.2022), de revogação parcial do Título, nos termos da alínea b) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR (Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro), verificando-se que o mesmo se encontra a trabalhar como demonstra as e-GAR emitidas na plataforma SILIamb, sem deter Licença de utilização para OGR, em violação reiterada da condição T000022,
“A realização da operação só poderá ser iniciada após obtenção da Licença de Utilização para "Operações de Gestão de Resíduos", a emitir pelo Município.” do TUA20190329000136, de 22.08.2019.
Acresce referir que a falta de Licença de Utilização para as Operações de Gestão de Resíduos, conforme estipulado no n.° 5 do art.° 4° e alínea d) do n.° 1 do art.° 98° do DL n.° 555/99, de 16.12, na sua atual redação, não permite o exercício da atividade no edificado.
E ainda que, ao emitir e-GAR (Plataforma SILIamb) com a licença suspensa, o requerente está a cometer uma contraordenação ambiental muito grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, conforme estipulado no artigo na alínea y) do n.° 1 do 81° do RGGR (Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro).

(Cfr. doc. n.° ... junto com o requerimento inicial).

JJ) Sem que tivessem sido inquiridas as testemunhas arroladas pela requerente, através do Ofício da CCDRC foi comunicado à requerente, em conjunto com a informação que antecede, em 21/11/2021, pelo Sr. Vice-Presidente da CCDRC foi proferido o despacho vertido no ofício DAS-DLPA 1925/2002, do qual consta que:

«Na sequência do oficio DSA-DLPA 1473/2022, de 29.08.2022, analisadas as alegações apresentadas por V. Ex.as, em sede de audiência prévia, verifica-se, que as mesmas não alteração [sic] a intenção de atuação desta CCDR, conforme informação que se anexa, pelo que se mantém a desconformidade já identificada anteriormente (laboração com a licença suspensa), sendo certo que é decisão desta CCDR notificar V. Exas no seguintes termos:
· a revogação parcial do Titulo, nos termos da alínea b) do n.° 4 do art.° 81° do RGGR (Anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro);
· deverá proceder à desativação do estabelecimento, no prazo de 60 dias seguidos, cumprindo as seguintes condições:
i. proceder ao encaminhamento de todos os resíduos existentes no estabelecimento para destino final autorizado;
ii. proceder à limpeza de toda a instalação, incluindo toda a rede de drenagem e depósito estanque;
iii. destino a dar aos equipamentos e máquinas do estabelecimento.
A vistoria de conformidade prevista na alínea e) do n.° 1 do art.° 64° do novo Regime Geral de Gestão de Resíduos, Anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro, será realizada no dia 23.02.2023, pelas 10h30, tendo em vista a verificação das condições impostas e decisão sobre a revogação total do Titulo em referência.
Junto se envia para pagamento a guia de depósito relativa à vistoria a realizar, a qual terá de ser paga por V. Ex.as no prazo nela fixado»

(Cfr. doc. n.° ... junto com o requerimento inicial e fls. 670 a 675 do processo administrativo).

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante.

“(…)

Importa, pois, a análise dos requisitos supra elencados, apreciando-se em primeiro lugar o requisito da aparência do bom direito, também designado de fumus boni iuris.

No que respeita a este requisito, que com a redação dada ao CPTA pelo Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2/10 passou a ter apenas uma formulação positiva (por oposição à redação do anterior 120.º, n.º1, al. b) do CPTA), impõe-se ao julgador a realização de um juízo sobre a possibilidade de sucesso do autor no processo principal, avaliando o grau de probabilidade de êxito da pretensão formulada por este. Atenta a natureza da tutela cautelar, em causa está um juízo meramente perfunctório, isto é, nas palavras de José Alberto dos Reis (in A Figura do Processo Cautelar, fls.72): “o tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito (fumus boni iuris)”.

De acordo com este requisito, deve o Tribunal averiguar se existe uma aparência de direito, de procedência da ação principal e, portanto, da questão de fundo que nesta se vai resolver, afigurando-se essencial que seja realizada uma análise da legalidade do ato que o requerente pretende impugnar.

Não obstante, é de sublinhar que a análise a efetuar pelo Tribunal deverá ser meramente perfunctória, pois que não se visa com a mesma a antecipação do resultado que o requerente pretende no processo principal, mas antes encetar um mero juízo de probabilidade sobre a seriedade da procedência da ação administrativa.

Tal como decorre do Acórdão do STA de 15/11/2018, proferido no processo n.º 0229/17.2BELSB, 0649/18:

II – O fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.
III - Tal juízo na apreciação do requisito do fumus boni iuris não é sinónimo da evidência da concreta ilegalidade e consequente muito provável e evidente procedência da pretensão a deduzir a título principal, nem significa que apenas ocorra ou se mostre preenchido quando as ilegalidades ou questões que as mesmas envolvem se apresentem como simples, ou incontroversas.

No caso concreto, a requerente imputa ao ato que pretende suspender, essencialmente três vícios, como sejam, a violação do direito de audiência prévia, a violação do dever de fundamentação e a violação do princípio da proporcionalidade.

- Da alegada violação do direito de audiência prévia

Alega a requerente que em sede de audiência prévia, com a sua pronúncia, requereu a produção de prova testemunhal, indicando para o efeito 3 testemunhas. Todavia, o ato suspendendo viria a ser proferido sem a prévia produção da prova requerida, o que coartou o seu direito a um processo equitativo, o seu direito de defesa, e o princípio da igualdade, não permitindo uma efetiva participação.

Cumpre apreciar

O artigo 267.º n.º1 e 5 da CRP estabelece o modelo de administração participada, mediante o qual se verifica a imposição da participação dos particulares nas decisões da Administração Pública que lhes digam respeito. Pretende o modelo em causa garantir a transparência dos procedimentos e decisões da Administração através da intervenção dos particulares na construção da decisão relativamente à qual são destinatários, quer numa ótica de colaboração com a administração quer de legitimação da decisão. O princípio da participação consagrado no artigo 12.º do CPA e a audiência de interessados prevista no artigo 121.º do CPA são a concretização do modelo constitucional supra referido.

Decorre assim do n.º1 do artigo 121.º que aos interessados é reconhecido o direito a serem ouvidos antes da tomada da decisão final.

Concomitantemente, como o prevê o n.º 2 do mesmo artigo, “(N)o exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”.

Enquanto corolário do princípio da participação, o mesmo compreende, como resulta do normativo acabado de citar, o direito a requerer a produção de prova, nomeadamente testemunhal.

Todavia, da lei não resulta a obrigação da entidade administrativa em realizar a mesma. Com efeito, é entendimento jurisprudencial firmado que o órgão administrativo não está obrigado a levar a cabo as diligências que lhe são requeridas em sede de audiência prévia, conquanto que as considere irrelevantes ou desnecessárias Com efeito, como resulta desde logo do artigo 125.º do CPA, poderão ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes. Como se retira da redação da antedita norma, a inquirição das testemunhas que possam ter sido arroladas pelo interessado não configura uma imposição para a Administração.

Conforme referido no Acórdão do STA, proc. n.º 0650/06, de 06/02/2007: “Dos citados preceitos deverá inferir-se que, não se configurando embora um poder discricionário de efectuar ou não as diligências requeridas, é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, ou seja, sobre a relevância para o procedimento, na perspectiva, obviamente, de que a complementaridade se reporta às necessidades da instrução.

Como sublinham Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, pág. 459, “O órgão instrutor é, porém – salvo violação de vínculos legais formais e recurso do acto final –, o único a quem compete «julgar» da necessidade dessas diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes”.

Tal é desde logo bastante para afastar a alegação de violação do direito de defesa, direito a um processo equitativo ou violação do princípio da igualmente porquanto, a não realização das diligências requeridas é uma faculdade da Administração.

Assim, não obstante poder a Administração optar por não realizar a inquirição requerida, à mesma exigia-se que se pronunciasse sobre a pertinência daquela diligência para a boa solução da causa.

Em face de tal, importa responder à questão sobre qual a consequência da falta de inquirição e pronúncia sobre aquela prova.

É que, como alega a requerente, entende a mesma que, a falta de inquirição das testemunhas configurou uma limitação do seu direito de defesa, impedindo-a de discutir os critérios e fundamentos subjacentes à emanação dos atos suspendendos.

Entende porém o Tribunal que não assiste razão à requerente nesta parte.

Perscrutada a defesa apresentada pela mesma em sede de audiência prévia [cfr. al. GG) do probatório], resulta da mesma, desde logo, que toda a alegação ali deduzida se encontra ancorada em prova documental. Com efeito, analisada a alegação da requerente, a mesma é composta de alegação de factos, para além dos artigos 7.º, 8.º (que se referem a factos públicos e notórios), nos artigos 11º a 19.º da exposição, sendo que, as referidas alegações encontram-se todas suportadas em documentos juntos aos autos.

Não estamos pois perante alegações que a requerente apenas poderia provar com o recurso a prova testemunhal, mas, essencialmente, alegações que se referem a diligências que aquela tomou, que comprova documentalmente, e que, entende, demonstram não se estar perante um incumprimento culposo.

Tal é desde logo bastante para se poder concluir que a realização da inquirição requerida não conduziria a decisão distinta da Administração.

É que, analisada a informação n.º DAS-DLPA 630/2022 que acompanhou a decisão final e se pronunciou sobre a exposição da requerente em sede de audiência prévia, aquela não questiona a veracidade das alegações da requerida, pelo contrário, apenas não atribui à factualidade alegada a possibilidade de a mesma afastar a prolação do ato então anunciado.

É o que resulta da pronúncia administrativa naquela informação ao referir que as certidões emitidas não suprem a falta de Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos”, bem como que, não obstante a condição com que foi emitido o título TUA (“A realização da operação só poderá ser iniciada após a obtenção da Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos” a emitir pelo Município), a requerente manteve a atividade.

Diferentemente do que sustentou a requerente em sede de audiência prévia, mas que não sindica em sede judicial, a revogação total ou parcial da licença ocorre, nomeadamente, quando “se verifique o incumprimento reiterado dos termos da licença de exploração ou parecer vinculativo”, não estando dependente de culpa.

Do que decorre da factualidade provada nos autos, a prova de que a requerente não dispunha da Autorização de Utilização que lhe foi exigida para iniciar a laboração, e que mesmo assim laborou, afasta por si só a necessidade de provar uma eventual falta de culpa na não obtenção da referida autorização.

Como se sumariou no ac. do TCA Norte de 3/06/2016, Processo n.º 248/11.2BEMDL:

“I- No âmbito da audiência prévia, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

II- Se resultado da reposta à audiência prévia, e relativamente a cada despesa considerada não elegível foi feita a apreciação dos argumentos invocados, tem de se concluir que ocorreu a audiência prévia.

III- No caso dos autos para se concretizar a audiência prévia não se tornava necessário proceder à audição das testemunhas invocadas, uma vez que essa prova não seria idónea a afastar a prova dos factos invocados pela entidade demandada, ora recorrente. A concretização dessa audição tornar-se-ia inútil.”

Em face do quanto se deixou exposto, é esta a situação em causa nos autos, em que, mesmo que se mostre violado um preceito de ordem formal, perante a falta de análise administrativa do pedido de inquirição de testemunha, o facto de a realização da inquirição em causa não poder contender com a decisão proferida (desde logo porque a alegação da requerente, fundada em prova documental, não foi questionada pela entidade administrativa, que apenas entendeu que aquela não relevava para o efeito pretendido pela interessada), importa o aproveitamento do ato nos termos do artigo 163.°, n.° 5, al. c) do CPA (vide acórdãos. do TCA Norte de 3/06/2016, Processo 248/11.2BEMDL e de 8/05/2015, Processo n.° 634/09.8BEVIS).

Considerando o que se deixou dito, não se afigura provável que, em sede de processo principal, o antedito vício venha a proceder.

- Da alegada violação do dever de fundamentação

Para a requerente não resulta, quer do ato suspendendo quer da informação que o acompanhou, a enunciação dos fundamentos de facto e de direito dos mesmos.

Refere ainda a mesma, que em sede de audiência prévia alegou factos tendentes a demonstrar que não lhe poderia ser imputável a violação culposa dos termos da licença ou das condições definitivas aquando das vistorias realizadas, os quais não foram objeto de apreciação, o que se mostra equivalente à não realização da audiência prévia.

Cumpre apreciar.

Atenta a alegação da requerente nesta sede que se deixou resumida supra, retira-se da mesma que aquela defende, por um lado, a falta de fundamentação da decisão suspendenda, e, por outro, a falta de audiência prévia, pelo facto de as suas alegações não terem sido consideradas.

Analisando desde logo o primeiro dos vícios, dir-se-á que o dever legal de fundamentação, que vincula a Administração Pública, decorre de um imperativo constitucional previsto no artigo 268.°, n.° 3 da CRP e visa primacialmente permitir aos administrados que, ao tomarem conhecimento das razões de facto e de direito que sustentam a decisão, optem de forma consciente, pela sua impugnação ou pela conformação com a mesma.

Na legislação ordinária, este dever resulta dos artigos 152.° a 154.° do CPA, constituindo, quando exigível, uma das menções obrigatórias do ato administrativo, nos termos do artigo 151.°, n.° 1, al. d) do mesmo diploma.

A fundamentação deve ser expressa (resulte do próprio ato), sucinta (requisito que varia consoante o tipo de ato em causa), expor as razões de facto e de direito (que sejam patentes as razões de facto e de direito que levaram a Administração a atuar, devendo transparecer o respetivo raciocínio lógico), clara (que permita ao destinatário na posição do homem médio perceber quais as referidas razões e a lógica que lhes subjaz), coerente (que seja possível reconduzir os fundamentos à conclusão a que se chegou em concreto) e suficiente (que justifique toda a decisão, e não apenas parte dela).

Conforme estabelece igualmente o n.° 1 do artigo 153.° do CPA, a fundamentação do ato poderá igualmente consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

Ora, o dever de fundamentação corporiza uma função de controlo da atuação administrativa, bem como uma garantia dos interessados que permite, mediante a perceção do raciocínio lógico-dedutivo perpetrado pela Administração Pública, conhecer na sua plenitude, as razões de facto e de direito que nortearam a decisão administrativa, bem como o sentido dessa decisão.

De facto, apenas através do conhecimento pleno de tais elementos, que devem ser exteriorizados pela Administração na sua decisão, o particular terá em seu poder a opção consciente pela sua aceitação ou, por outro lado, pela sua impugnação jurisdicional.

O dever de fundamentação é tanto mais extenso quanto maior for a margem discricionária de atuação da Administração, pois que à justificação (exposição das razões de facto e de direito que justificam a atuação da Administração) acresce a necessidade de motivação (no que respeita ao momento discricionário da sua atuação, deve a Administração expor os motivos que a levaram a decidir de uma forma e não de outra), surgindo este dever acrescido em matérias onde impera a discricionariedade administrativa.

Revertendo o enquadramento legal exposto para o caso concreto, como resulta da factualidade provada, o ato suspendendo foi acompanhado da Informação n.° DAS-DLPA 630/2022, que o fundamenta, integrando assim a referida fundamentação o mesmo, nos termos do artigo 153.°, n.° 1 do CPA.

Analisada a referida informação, entende o Tribunal que da mesma constam os fundamentos de facto e de direito que conduziram à tomada de decisão aqui em causa, permitindo ao seu destinatário compreender a razão de ser da decisão, mesmo que com a mesma possa não concordar.

Da análise efetuada pelos serviços administrativos da CCDRC, retira-se que a dita entidade considerou que, por um lado, a requerente não dispõe do Alvará de Autorização de Utilização estabelecido como condição no TUA para iniciar a sua atividade, e, por outro lado, que continuou com a atividade de gestão de resíduos, mesmo estando impedida pelo não cumprimento daquela condição, e mesmo estando o título suspenso.

A conjugação desta factualidade, no entender da CCDRC, consubstancia o preenchimento da condição prevista no artigo 81.°, n.°4, al. b) do RGGR (Anexo I do Decreto-Lei n.° 102-D/2020), para a revogação do título.

Constam assim de forma clara os fundamentos que conduziram à decisão suspendenda, não sendo previsível que venha a proceder, em sede de ação principal, o vício em causa.

Conjugado com o antedito dever de fundamentação, advoga a requerente que ao não se pronunciar sobre os argumentos aduzidos pela própria em sede de audiência prévia, a entidade administrativa não realizou verdadeiramente aquela etapa procedimental, pelo que o ato em causa padecerá de vícios de forma.

Como se deixou já dito, o princípio da audiência dos interessados está previsto no artigo 121° e ss. do CPA., sendo que, ainda que não corresponda a um direito fundamental, é uma concretização do modelo da administração participada refletido no artigo 267.° da CRP, que impõe à Administração Pública a participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito.

Assim, se por um lado é reconhecido ao interessado o direito de se pronunciar sobre a intenção de decisão que lhe é comunicada, podendo alegar factos conducentes a decisão distinta, daqui resulta para a Administração uma obrigação de analisar a posição sustentada por aquele.

Todavia, daqui não resulta a obrigatoriedade de serem rebatidos todos os argumentos aduzidos pelo interessado em sede de audiência prévia, mas apenas de a Administração ponderar os argumentos nucleares apresentados (cfr. ac. do TCA Norte de 2/10/2020, Processo n.° 822/13.2BEAVR).

Analisando o teor da Informação n.° DAS-DLPA 630/2022, resulta desta que no ponto 3. com a epígrafe “Análise dos elementos apresentados”, a Administração identificou os diferentes argumentos elencados pela requerente em sede de audiência prévia, e que se prendem com a dificuldade na obtenção perante a Câmara Municipal ... do título exigido pela CCDRC, por motivo não imputável àquela, não obstante as diligencias empreendidas para superar aquela incapacidade, concluindo que, acredita que conseguirá obter, em breve, a declaração de compatibilidade prevista no artigo 84.°, n.° 2 do Decreto-lei n.° 102-D/2020.

Em seguida, os serviços técnicos da CCDRC, partindo da referida argumentação, concluíram que, por um lado, a certidão emitida pela autarquia de ... continua a não suprir a falta da «Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos”», a qual continua a não existir, ressaltando que as próprias alegações da requerente não o infirmam, e que, por outro lado, aquela se mostra a rececionar resíduos mesmo estando o título suspenso.

A estes argumentos, aduz ainda a Administração que a falta de “Licença de Utilização para as Operações de Gestão de Resíduos” impede igualmente o exercício da atividade no edificado, de acordo com o artigo 98.° do Decreto-lei n.° 555/99.

Resulta pois do que se deixou exposto que, não obstante a requerente alegar que não se encontra em incumprimento culposo que seria exigível para a aplicação do artigo 81.°, n.° 4, al. b) do Anexo I do Decreto-lei n.° 102-D/2020, o que configura o seu argumento nuclear, a Administração considerou a referida argumentação insuscetível de alterar a intenção comunicada ao entender que a mera não obtenção da licença em falta, enquanto condição objetiva fixada no TUA atribuído, acrescida do início de atividade em contravenção da referida condição, preenchiam já a previsão do antedito artigo 81.°, n.° 4. Tem-se de concluir assim que, ainda que não haja rebatido a alegação de cada um dos diferentes artigos da pronúncia da requerente, a Administração analisou e rebateu o argumento nuclear apresentado, em relação ao qual as demais alegações são de mero suporte do mesmo.

Em face do exposto, também neste ponto improcede a argumentação da requerente.

- Da alegada violação do princípio da proporcionalidade

Finalmente, advoga a requerente que o ato suspendendo se mostra desproporcional, ao não se mostrar necessário, adequado e proporcional ao bem público que se pretende salvaguardar, no caso a proteção da saúde humana e do ambiente. Tal assim é, porque a sua atuação se cinge aos resíduos não perigosos, não causando assim risco. Por outro lado, tem diligenciado pela obtenção dos elementos em falta, o que apenas não se tem mostrado possível por facto não lhe imputável.

O princípio da proporcionalidade previsto no artigo 266.0 da Lei Fundamental constitui um dos princípios basilares da atuação administrativa, funcionando como limite à própria discricionariedade da Administração.

A ponderação efetuada pela Administração deve encontrar-se refletida na fundamentação da sua decisão, e apenas mediante o alcance desta ponderação será possível aferir se existe violação do princípio da proporcionalidade.

Na verdade, a análise deste princípio implica um teste às suas três dimensões, como sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Através do primeiro vetor a questão a formular é se a medida aplicada é adequada aos fins que se pretendem atingir com a sua aplicação; em relação ao segundo vetor, questiona-se se de entre as medidas possíveis a medida aplicada se afigura a menos lesiva que permita atingir os fins pretendidos com a sua aplicação e, por fim, o terceiro vetor, impõe a questão de saber, em termos comparativos, se ponderados os bens/interesses em jogo, os prejuízos provocados pela aplicação da medida se justificam face aos interesses que a sua aplicação visa atingir.

Ainda assim, analise-se os três vetores do referido princípio atendendo ao alegado pela requerente. Vejamos.

A primeira dimensão do princípio da proporcionalidade estriba-se na adequação da medida aplicada, ou seja, atendendo ao interesse público em causa, aquela medida deve ser a mais idónea. Ora, uma medida idónea é aquela que se vislumbra atingir o interesse público que se pretende proteger no caso concreto.

Não poderá desde logo proceder a argumentação da requerente de que, dedicando-se à armazenagem de resíduos não perigosos, a sua atuação não contende com a saúde humana e o ambiente. Tal é desde logo desmentido pelo facto de, mesmo estando em causa a gestão de resíduos não perigosos, estar a mesma sujeita a licenciamento, que importa o cumprimento de um conjunto de regras que, prescritas no RGGR, se destinam à salvaguarda dos anteditos interesses.

O artigo 81.0, n.0 4, do RGGR, mobilizado pela entidade administrativa, prescreve os casos em que a licença deve ser revogada, enunciando as situações em que se verifique um incumprimento reiterado.

No caso em apreciação nos autos, a obrigatoriedade de obtenção do licenciamento em causa (autorização de utilização para o fim desejado), antecede já ao momento em que foi atribuído o TUA, sendo aquela uma condição necessária e prévia ao início da laboração.

O incumprimento desta obrigação, já desde 2019 até ao presente, configura um motivo previsto no antedito artigo 81.º, n.º4, al. b) para a revogação do título, com a inerente desativação da instalação, sendo, nessa medida, uma medida adequada e idónea à finalidade de proteção do ambiente, vedando a referida atividade a quem não reúne os requisitos legais para o efeito.

Por seu turno, a dimensão da necessidade requer que se questione se, de entre as medidas adequadas a atingir os fins pretendidos, a medida aplicada se afigura ser a menos lesiva de entre as medidas idóneas possíveis.

Releva, assim, nesta sede, o princípio da intervenção mínima, por meio do qual se visa compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, afigurando-se o princípio da proporcionalidade como um fator de equilíbrio, garantia e controle das medidas aplicadas pela Administração.

Não obstante estar em causa a medida mais gravosa, não se poderá deixar de assinalar que a mesma foi precedida por mais do que uma vez pela suspensão da licença atribuída à requerente (cfr. artigo 81.º, n.º 2, do RGGR). Todavia, tais medidas não tiveram o condão de compelir a requerente a cumprir com as obrigações prescritas.

Note-se que, o prazo inicialmente fixado para apresentação da licença foi de um ano, logo em 2019, e por isso em fase anterior ao início da pandemia de SARS COV2. Nos anos seguintes, à requerente foram sendo endereçados diversos convites para cumprir com as condições da licença, o que esta não logrou fazer. É certo que resulta do probatório que esta empreendeu diligências no sentido de cumprir com aquelas, todavia, tal não se mostrou possível, por motivos que, independentemente de culpa daquela se reconduzem à mesma. Mesmo no que se refere à alegada demora do Município em emitir a declaração de compatibilidade requerida, não alega a requerente que tenha usado dos meios legais à sua disposição para obrigara autarquia a cumprir com uma eventual obrigação que sobre si impendesse.

Importa igualmente assinalar que, não obstante a condição fixada para o início da atividade, a requerente manteve o funcionamento, desrespeitando assim as suspensões do licenciamento aplicadas.

Em face de tal, não se mostra censurável o recurso à medida em causa, sendo a mesma necessária.

Por fim, resta analisar o terceiro vetor deste princípio, ou seja, a proporcionalidade em sentido estrito, resultando do mesmo que a lesão provocada pela aplicação das medidas adequadas e necessárias deve apresentar-se numa relação de custo benefício, como mais benéfica para o interesse que se visa proteger do que lesiva para aquele que sofre a sua aplicação.

Atendendo ao exposto, à reiterada violação da requerente quer da condição fixada em sede de TUA quer das suspensões da licença, ressuma do que se vem de expor que a medida adotada pela entidade requerida não só se revela necessária e adequada, como se revela totalmente proporcional uma vez que, no confronto dos direitos conflituantes - a saber, direito de exercer a atividade comercial versus direito ao ambiente, deve este último, prevalecer, caso a referida conciliação e compatibilização se revelem impossíveis. E como resulta, igualmente dos autos, tal compatibilização não se afigurou possível mediante a aplicação de medida menos gravosa.

Em suma, não se afigura provável a procedência do vício de violação do princípio da proporcionalidade na ação principal.

(…)”.

Mostra-se plenamente acertada a decisão.

Da parte da Entidade Requerida apenas se impunha verificar se a Requerente dispunha de Licença de Utilização para “Operações de Gestão de Resíduos” a emitir pelo Município.

Facto que apenas por documento autêntico (a própria licença) se pode provar – n.º1 do artigo 364º do Código Civil.

Saber se essa licença estava em condições de ser emitida ou não, é matéria da competência do Município, e por isso, escapa à apreciação da validade dos actos suspendendos, da autoria da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.

Entendendo que o Município deve emitir tal licença e a recusa é ilegal, deve o Autor, e ora Recorrente, reagir contra a inércia do Município.

Para apreciação da validade dos actos suspendendos apenas interessa esse único facto: a Requerente não dispõe da licença que devia ter.

Perante este facto é irrelevante que se tenha verificado a preterição da audiência prévia ou que falte fundamentação aos actos.

No respeito pelo princípio do aproveitamento dos actos, tais vícios sempre seriam irrelevantes porque independentemente de estarem verificados ou não, sempre a decisão da Administração teria de ser a mesma: a contida nos actos suspendendos.

Quanto ao princípio da proporcionalidade só pode ser violado quando a Administração tem a possibilidade – e, logo, o dever – de optar pela solução menos gravosa para o administrado.

No caso concreto não havia várias soluções legais possíveis, mas apenas uma, a contida nos actos suspendendos, tratando-se aqui de actos estritamente vinculados.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

*

Porto, 16.06.2023

Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Nuno Coutinho, em substituição