Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00651/13.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IMI
BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS A BENS IMÓVEIS
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRATIVA
Sumário:1. A alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/99, de 14 de Setembro não constitui fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis;
2. A afectação dos rendimentos decorrentes da alienação ou oneração de imóvel à realização dos fins de pessoa colectiva de utilidade pública que o adquiriu não constitui fundamento da isenção de imposto municipal sobre imóveis a que alude o artigo 44º nº 1 al. e) do CIMI;*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D. G. Impostos
Recorrido 1:Caixa Económica...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta pela Caixa Económica..., e determinou a anulação do acto impugnado e condenou a Entidade Demandada a emitir novo acto, com referência ao prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o n.º … da freguesia de Santa Clara, concelho de Coimbra, requerida ao abrigo da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, e da alínea e) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 44.º do Estatuto do Benefícios Fiscais (EBF).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“Tudo visto, não podemos conformar-nos com a decisão do tribunal “ a quo “, que enferma de grosseiros erros de julgamento, na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto, porquanto:
a) Não existe qualquer antinomia normativa entre os dois tipos de isenção, isto é entre a isenção prevista na alínea e) do artigo 44.° do EBF, e a prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 1.° da Lei n.° 151/99, que tenha de ser resolvida por qualquer hierarquia legislativa que inexiste, atento o disposto nos artigos 103.º, 112.° e 165.° todos da CRP, pelo que sendo normas similares e tendo ficado decidido que o prédio concretamente adquirido pela então autora não tinha qualquer conexão com os seus fins estatutários, à luz da alínea e) do n.° 1 do artigo 44.° do EBF, não há qualquer vício de violação de lei.
b) Por conseguinte, não existe qualquer revogação tácita da alínea e) do artigo 44.° do EBF.
c) A isenção foi decidida ao abrigo do EBF, porquanto, quer a previsão da isenção, quer o procedimento que conduz ao reconhecimento ou não da isenção, encontram-se no EBF, concretamente, nos artigos 2.°, 5.º, 7.°, 12.°, 13.° e 44.°.
d) E foi com fundamento no artigo 44°, n.° 1, alínea e) do EBF que a isenção foi requerida, e todo o procedimento se desenvolveu no âmbito deste diploma.
e) Inexiste qualquer contradição entre o consignado na al. e), do n°1, do art. 44° do EBF, e na al. d) do art. 1° da Lei 151/99, de 14 de Setembro, sendo este um diploma que actualiza o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica, o direito à isenção de IMI.
f) Sendo a questão principal dos autos a de saber se o prédio em questão se pode considerar directamente destinado aos fins estatutários da Autora, em termos que lhe permitam beneficiar da isenção de IMI requerida, a sentença ora recorrida, parte da qualificação de autora como pessoa colectiva de utilidade pública, analisa o seu escopo de “ Caixa Económica”, recorrendo à Lei n.° 139/76, de 18 de Maio, bem como aos Estatutos da autora, e ao facto de não ter a forma de sociedade comercial, para concluir que:
g) Qualquer prédio propriedade se pode considerar directamente destinado aos fins estatutários da Autora, quer por via da alínea e), do n°1, do art. 44° do EBF, quer da al. d) do art. 1° da Lei 151/99, de 14 de Setembro, e que esta alínea assim deve entendida pelo menos para as caixas económicas sem a forma de sociedade.
h) Tal interpretação da lei vai ao arrepio das mais elementares regras de interpretação das leis, entrando num perigoso precedente de fazer a Justiça do caso concreto.
i) Além de mais, aplica e interpreta norma que considerou numa primeira fase da decisão “tacitamente revogada”, e conclui ainda, ao contrário do anteriormente afirmado que não há divergências que entre a alínea e) do artigo 44.° do EBF e a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.° 191/99, de 14 de Setembro, sendo indiferente a sua aplicação.
j) A entidade recorrente interpreta os mesmos textos legislativos e chega à conclusão, com toda a evidência, que os fins da CEM... que são - “Conceder e garantir através de modalidades individuais e colectivas, benefícios de segurança social e de saúde...”, «Prosseguir outras formas de protecção social e de promoção da melhoria da qualidade de vida...”, “Contribuir para a resolução dos problemas habitacionais dos associados”, e “Gerir regimes habitacionais complementares das prestações garantidas pela segurança social e outras formas de protecção social” -, respeitam aos fins do M.... O facto de a Caixa Económica ter a natureza de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública), anexa ao M..., não retira o facto de constituir uma instituição de crédito, do tipo caixa económica, com a particularidade de parte dos resultados dos seus exercícios ser aplicada no M..., nos termos fixados estatutariamente (art. 36°, al. d).
k) Por outro lado, o reconhecimento do benefício em reporte não opera ope legis, porquanto carece obrigatoriamente de estarem reunidos os pressupostos fixados na lei, no caso, o averbamento do Chefe do Serviço de Finanças da área da localização do imóvel a certificar que o prédio se encontra inscrito na matriz em nome da entidade requerente e que o prédio se destina directamente à realização dos fins estatutários da mesma. A Administração Tributária tem o dever oficial de investigar os factos previstos.
l) O reconhecimento oficioso da isenção prevista na al. e), do n° 1 do art. 44º do EBF depende da verificação dos pressupostos consignados no EBF, pelo que reveste natureza declarativa do direito ao benefício fiscal.
m) Ora, no presente caso, o prédio encontra-se devoluto, incorpora o activo imobilizado da CEM..., e não produz qualquer rendimento passível de ser aplicado nas reservas da CEM... ou no M....
n) Entendemos que na medida em que um prédio, na situação de devoluto, com objectivo de ser vendido no mercado, com a eventual obtenção de mais-valias, não pode destinar-se directamente à realização dos fins de uma PCUP, os quais, no caso da CEM..., consistem em “pôr á disposição do M... os resultados dos seus exercícios, feitas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na satisfação dos seus fins”. (sublinhado nosso).
o) A ser como pretende a entidade recorrida, bastaria provar a titularidade do imóvel por parte da PCUP para que fosse reconhecida a Isenção do IMI!
p) Restaria então responder, que finalidade gizaria o legislador fiscal ao estatuir expressamente que o prédio deve destinar-se directamente à realização dos fins estatutários das pessoas colectivas de utilidade pública.
q) Não têm qualquer sustentabilidade na lei todos os argumentos aduzidos na sentença do tribunal “ a quo”, relativamente ao decidido direito à isenção, quer com base na alínea e) do artigo 44.° do EBF, supostamente tacitamente revogada, quer por força da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.° 191/99, de 14 de Setembro que prevê, apenas, o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica o direito ã isenção de IMI, e não o direito em concreto à isenção de IMI, e que estas normas se aplicam a todos os prédios da entidade recorrida, por ser caixa económica sem forma societária.
r) Em conclusão, a sentença assim proferia cometeu erro de julgamento ao não ter aderido a tese da entidade demandada em defesa do seu acto legal, porquanto, a Lei n°151/99 não tem aplicabilidade directa em sede de reconhecimento da isenção de IMI, conforme ficou atrás demonstrado, e a decisão ao abrigo da alínea e) do artigo 44.° do EBF foi proferida, com base em falta de prova adequada que sustente a conexão directa entre a natureza da requerente e o destino do prédio.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, anulando-se a sentença recorrido, e, por consequência, mantendo-se o despacho de indeferimento do pedido de isenção de IMI, por ser legal e conforme a al. e) do art. 44º do EBF.”

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 21 de Janeiro de 2015, julgou-se aquele Supremo Tribunal incompetente.

Remetidos os autos a este TCAN, foi o Ministério Público notificado nos termos do artigo 146º, nº 1 do CPTA.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

I.I Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi artigo 140º do CPTA - é a de saber se o acordão recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a isenção em causa pode aproveitar à ali Autora, ora Recorrida.


II. Fundamentação

II.1. De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

“2.1. Factos Provados:
Tendo em atenção os documentos junto aos autos e ao PA, bem como a posição assumida pelas partes nos seus articulados, dão-se como provados os seguintes factos:
1. Por despacho concordante de 08-10-1991, proferido pelo Primeiro-Ministro, foi deferido o pedido à Caixa Económica de L…, anterior designação da actual Caixa Económica..., formulado em 31-05-1990, de concessão de declaração de utilidade pública nos termos do Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de Novembro (fls. 167 e 168 dos autos, DR n.º 243, II Série, de 22-10-1991, e DR n.º 205, III Série, de 06-09-1991);
2. A declaração de utilidade pública a que se refere o ponto anterior teve por base o Parecer do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, segundo o qual “Estando dilucidada a questão da autonomia da funcionalidade jurídica da requerente face à associação mutualista que lhe é conexa, o que lhe confere legitimidade activa para o pedido;
Existindo declaração expressa da Administração, no caso da Direcção-Geral dos Regimes da Segurança Social, reconhecendo que a requerente não tem fins lucrativos, enquadrando-se os respectivos fins nos objectivos da associação mutualista que lhe é anexa;
Atendendo a que a mencionada conexão pressupõe a utilidade pública convergente dos fins e objectivos da CE… e do M...;
Considerando que, no momento presente, é especulativa a eventual transformação da Caixa Económica de L… em banco comercial, devendo o requerido ser analisado à luz do circunstancialismo actual;
Entendo nada obstar a que V. Exª declare de utilidade pública a Caixa Económica de Lisboa, anexa ao M..., sem prejuízo de tal concessão poder ser caducada se as circunstâncias futuras, mormente resultantes da transformação da CE… em banco comercial, vierem a transformar elas também as finalidades estatutárias presentes, designadamente no tocante à obtenção e destino dos lucros da respectiva actividade” (fls. 169 a 171 dos autos);
3. Os resultados líquidos resultantes da actividade da Autora, apurados em cada exercício, são aplicados em 20% para reserva legal, um mínimo de 5% para reserva especial, um valor necessário para outras reservas e o remanescente é posto à disposição da associação mutualista M... (acordo e artigo 13º da contestação, que transcreve o artigo 36.º dos Estatutos da Autora);
4. Em 03-10-2012 a Autora adquiriu, por adjudicação judicial, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Santa Clara sob o artigo 4… (informação constante da decisão da Entidade Demandada fls. 6 do PA em apenso, não impugnada);
5. Em 31-10-2012 a Autora requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 1 o reconhecimento oficioso da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis, com efeitos a partir do ano de aquisição do imóvel, relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Santa Clara, sob o artigo nº 4… (fls. 14 a 17 dos autos);
6. Por ofício de 30-11-2012, do Serviço de Finanças de Coimbra 1, a Autora foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de isenção, com os seguintes “Fundamentos: A alínea e) do n.º 1 do art.º 44º do EBF consagra que a isenção “refere-se a prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins”. Deverá fazer prova dessa afectação” (fls. 18 dos autos);
7. Por requerimento de 11-12-2012, que aqui se dá por reproduzido, a Autora exerceu o seu direito de audição, invocando, em suma, que o imóvel se destinava directa e imediatamente aos fins da CEM..., dado que as mais-valias realizáveis com a alienação do imóvel, bem como eventuais rendimentos resultantes de arrendamento temporário são transferidos, como resultados da Caixa, para o M... (fls. 19 a 22 dos autos);
8. Por ofício de 27-12-2012, do Serviço de Finanças de Coimbra 1, a Autora foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de isenção que teve como “Fundamentos: No exercício do direito de audição não foi provado que o imóvel se destina directamente à realização dos fins da entidade” (fls. 23 dos autos);
9. Em 28-12-2012 a Autora recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da isenção de IMI a que se refere o ponto anterior, recurso que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 24 a 27 dos autos);
10. Por decisão, proferida em 14-06-2013 pela Subdirectora-Geral dos Impostos, que aqui se dá por reproduzida, foi indeferido o recurso hierárquico por se considerar, em síntese, que “(…) Daqui se retira que, ao contrário daquilo que a Recorrente alega e pretende, não se podem enquadrar na previsão daquela norma qualquer outra realidade senão a realidade física do prédio, excluindo-se quaisquer rendimentos, ainda que por ele originados.
Além de que os rendimentos, quer as mais-valias, quer os outros rendimentos provenientes dos imóveis, ocorre na esfera jurídica da Caixa Económica e são parte integrante da actividade financeira prosseguida por esta, que em nada se relacionam com os interesses públicos que a norma de isenção pretende proteger e fomentar, in casu, o mutualismo – protecção social complementar solidária e voluntária, através da garantia de benefícios de segurança social e saúde aos seus associados e familiares e aos beneficiários por aqueles designados, através de modalidades individuais e colectivas.
(conforme informação do site institucional)
E ainda que, por mera hipótese académica, se considerasse que aqueles rendimentos se encontravam cobertos pela previsão da norma de isenção, só a nível residual é que esses rendimentos líquidos seriam transferidos para a entidade mutualista por força dos respectivos Estatutos. (…)” (fls. 30 a 38 dos autos e PA fls. não numeradas);
12. Em 02-10-2013 a Autora apresentou a petição inicial da presente acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fls. 2 dos autos).

2.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão dos autos.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pelas partes, no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do PA, não impugnados (e referidos a propósito de cada ponto).”

II.2 O Direito
II.2.1 Do erro de julgamento


Saliente-se como nota introdutória que as questões suscitadas nestes autos foram já objecto de recentes acórdãos deste TCAN, entre outros, os n.ºs 699/13.8 BECBR, n.º 399/14.1BEAVR e 1069/12 BEAVR, de 9.06.2015, e nº 692/13.0BEAVR de 25/6/2015, 224/13.0BEAVR, de 03.07.2015 e 625/11.9BECBR, de 30.09.2015 ainda não disponíveis na base de dados da DGSI.

Com variações mínimas, a questão jurídica fundamental é a de saber se a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Combra que julgou procedente o pedido de anulação da decisão que confirmou hierarquicamente o indeferimento do pedido de isenção de imposto municipal sobre a fração, com as legais consequências, padece de erro de julgamento de direito.

Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no aresto n.º 224/13.0BEAVR, cuja doutrina de direito substantivo acolhe integralmente a explanada com acordão proferido no processo 699/13.8 BECBR. Sendo que naquele primeiro acordão, a relatora é a mesma do presente acordão.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, na parte aqui relevante, a fundamentação do aresto n.º 224/13.0BEAVR aludido, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.

“…. a questão fundamental do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

Para a resolução desta questão identificamos dois problemas jurídicos fundamentais: o problema se saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – redacção em vigor – ou ambas] e o problema de saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se deve entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins» (sublinhado nosso) para efeitos deste normativo.
Comecemos pelo primeiro problema.
Dos elementos dos autos resulta que a isenção foi requerida pela ora Recorrida a coberto das duas disposições. E foi indeferida por não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (ou seja, a coberto apenas desta última disposição).
O Recorrente defende não existir qualquer contradição entre o consignado na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF e na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, sendo este um diploma que actualiza o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica, o direito à isenção de IMI. No entanto, a isenção foi decidida ao abrigo do EBF, porquanto, quer a previsão da isenção, quer o procedimento que conduz ao reconhecimento ou não da isenção, encontram-se no EBF, concretamente, nos artigos 2.º, 5.º, 7.º,12.º,13.º e 44.º.
Na acção administrativa especial, a ora Recorrida insistiu que a isenção é devida porque se lhe aplica a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, estando em causa determinar o alcance do que se deve entender por prédio “destinado à realização dos fins” das pessoas colectivas de utilidade pública e saber se se aplica a Lei n.º 151/99, de 14/09 ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Na sentença recorrida considerou-se que, independentemente de ser apenas aplicável ao caso dos autos esta última norma, e, portanto, com a aparente limitação da destinação “directa” do prédio à realização dos fins estatutários, ou de se considerar alternativamente aplicável a Lei n.º 151/99, de 14/09, onde o texto não revela tal aparente limitação, a autora deve beneficiar da requerida isenção.
Como se decidiu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado no âmbito do processo n.º 699/13.8BECBR, observa-se, a título introdutório, que os pressupostos objectivos da concessão do benefício contido em cada uma dessas normas não são totalmente sobreponíveis: enquanto a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro tem em vista prédios urbanos e pressupõe que sejam destinados à realização dos seus fins estatutários, o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redacção do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, que sucedeu ao artigo 40.º, n.º 1, alínea e), na redacção anterior, sem alteração do seu teor) tem em vista prédios ou parte de prédios e pressupõe que sejam destinados directamente à realização dos seus fins.
Não existe – desde a reforma da tributação do património – nenhuma antinomia entre as duas normas. É que a disposição correspondente da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro não consagra nenhuma isenção de imposto municipal sobre imóveis: consagra – isso sim – uma isenção de contribuição autárquica. E o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não consagra nenhuma isenção de contribuição autárquica: consagra – isso sim – uma isenção de imposto municipal sobre imóveis.
Pelo que as disposições em causa têm âmbitos de aplicação distintos…“

Refira-se que no caso em apreço trata-se de prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o n.º 4…, da freguesia de Santa Clara e concelho de Coimbra.
E prossegue o mesmo acórdão que:”…. Pelo que o benefício em causa só poderia ser concedido ao abrigo do artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
E não se diga que o imposto municipal sobre imóveis sucedeu à contribuição autárquica e que, por conseguinte, os benefícios consagrados na lei para aquele se transferem para este. Porque a extinção do tributo importa a supressão da isenção respectiva do sistema tributário. Sem prejuízo, naturalmente, do direito à isenção adquirido na vigência do tributo extinto (como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – que não vem ao caso, porque não está em causa nenhum direito adquirido na vigência da contribuição autárquica a coberto do regime transitório consagrado no artigo 11.º, nºs 3 e 4, e no artigo 31.º, nºs 5 e 6, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).
É o que decorre do facto de os benefícios fiscais serem medidas de desagravamento fiscal que incidem sobre normas de incidência fiscal: se a norma de incidência desaparece do ordenamento jurídico, a norma de desagravamento desaparece concomitantemente. Não se transfere para outra norma de incidência. A menos que a lei o determine especialmente, designadamente no seu regime transitório.
E a lei confirma esta interpretação, quando refere que os benefícios fiscais são medidas fiscais de carácter excepcional, relacionadas com a própria tributação que impedem – artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
No sentido de que a supressão do tributo a que o benefício fiscal respeita extingue o próprio benefício fiscal se pronunciou NUNO SÁ GOMES, na sua obra «Teoria Geral dos Benefícios Fiscais» [in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), 1991, pag.s 222/223 e 281].
Do exposto decorre que a alínea d) do n.º artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de Setembro não se aplica ao caso, ficando assente que ao mesmo se aplica o disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme defende o Recorrente e resulta aplicado no acto impugnado.
Estando assente que ao caso se aplica (apenas) o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, passemos ao segundo problema, que é o de saber como esta norma deve ser interpretada.
Podemos adiantar desde já que a isenção ali consagrada deve ser qualificada como um benefício fiscal misto (subjectivo e objectivo): é um benefício subjectivo porque atende à natureza ou qualidade do sujeito e é um benefício objectivo porque atende também ao elemento objectivo do facto desagravado.
Concretizando: a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais tem natureza subjectiva porque só dela beneficiam as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública; e tem natureza objectiva porque estas entidades só dela beneficiam quanto aos prédios ou parte dos prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Saliente-se, também, que nunca esteve em causa no procedimento a verificação do pressuposto subjectivo do benefício fiscal a que os autos se reportam. Aliás, na informação que serviu de base à decisão do recurso hierárquico consignou-se expressamente que «relativamente à qualificação jurídica da Recorrente, constata-se que a Caixa Económica..., anexa ao M... – Associação Mutualista, Instituição Particular de Solidariedade Social, é uma pessoa colectiva de utilidade pública, conforme despacho de 08/10/1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 243 de 22/10/1991».
Pelo que o litígio dos autos se centra exclusivamente no seu pressuposto objectivo e muito em particular na questão de saber se a Recorrida destinou o imóvel em causa à directa realização dos seus fins, nos termos da parte final da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Ora, a interpretação que fazemos deste segmento do dispositivo é a de que só se verifica o pressuposto objectivo do benefício se os próprios prédios forem destinados à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas colectivas de utilidade pública. E já não assim quando as pessoas colectivas de utilidade pública destinem à realização desses fins os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.
Porque é para aí que apontam todos os factores da hermenêutica jurídica, quando aplicados à norma em análise.
Como é sabido, a interpretação parte do teor verbal da lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem.
Ora, do teor da lei resulta que tem que existir uma relação directa entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa colectiva. Sendo que essa relação só é directa quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio. Já quando são os rendimentos do prédio que estão afectos a utilidade pública da pessoa colectiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é directa, mas indirecta. O prédio em si mesmo pode estar afecto a uma utilização particular, mas os rendimentos resultantes da sua exploração são aplicados nos fins públicos da pessoa colectiva.
Além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática).
Ora, a interpretação que fazemos do preceito é também a única que se sustenta do ponto de vista da sua coerência interna. Porque a alternativa inutilizava totalmente a segunda parte do mesmo preceito: todos os prédios estariam destinados à realização dos fins de utilidade pública da pessoa colectiva, na medida em que não estivesse afastada a possibilidade de, em algum momento, ser afectado a essas finalidades o produto da sua alienação ou oneração. Deixaríamos de ter um benefício misto e passaríamos a ter um benefício meramente subjectivo.
A interpretação que fazemos é também aquela que se enquadra melhor no capítulo dos benefícios fiscais relativos a bens imóveis (em que a norma interpretanda se insere efectivamente). Se o legislador tivesse pretendido relevar a afectação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade ou posse dos imóveis.
E a interpretação que fazemos é também a que melhor se enquadra se atendermos ao conjunto de isenções consagradas naquele artigo 44.º. Sobretudo porque, quando o legislador enquadra ou concretiza os fins prosseguidos por essas entidades, o faz reportando-se sempre à utilização dos prédios em si mesma. Assim, as associações religiosas também estão isentas quanto aos templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto ou outros fins económicos (e não também quanto aos edifícios rentabilizados para financiar actividades religiosas). E as colectividades de cultura e recreio apenas estão isentas quanto aos prédios utilizados como sedes dessas entidades.
Finalmente, a interpretação que fazemos é também a que sugere a ratio do preceito (interpretação teleológica). Entendeu o legislador que não deveria tributar a capacidade contributiva das pessoas colectivas de utilidade pública revelada pela propriedade ou posse de imóveis se o seu proprietário ou possuidor abre mão do seu valor de utilização e os aloca a fins de utilidade pública. Porque o proprietário que afecta os seus bens a benefício público não revela riqueza disponível que deva contribuir para o bem comum, mas riqueza já afectada ao bem comum. Ora, a questão não se coloca do mesmo modo se o imóvel é rentabilizado ou se encontra disponível para gerar rendimento nos mesmos termos em que o faz qualquer contribuinte. Porque o seu proprietário não abre mão dessa riqueza. E se vier a abrir mão da riqueza gerada pela sua exploração, a isenção deve incidir sobre o produto dessa exploração (e não sobre o imóvel em si mesmo).
A esta luz, não tem qualquer relevo a discussão sobre os fins estatutários da Caixa Económica..., da sua relação com a associação mutualista M... e do destino que é dado ao seu resultado líquido. Porque não está em causa aqui a aplicação dos seus rendimentos, mas a afectação do imóvel em si mesmo.
Estando assente que o dispositivo em causa deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto municipal sobre imóveis só abrange o imposto que incida sobre os prédios ou a parte dos prédios que, em si mesmos, sejam destinados aos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa colectiva, importa agora acrescentar que a isenção em causa é reconhecida oficiosamente desde que, além do mais, se verifique que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins, sem prejuízo do dever dos seus titulares de revelarem à administração tributária os pressupostos da sua concessão – artigos 44.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 14.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
Ora, tendo em conta que do título de aquisição não consta que o prédio seja destinado a fins de utilidade pública da Recorrida (aliás, consta tratar-se de um lote de terreno destinado a construção), cabia a esta revelar e justificar o destino que deu ao imóvel.…”
No caso em apreço trata-se de um prédio urbano, como vimos, de acordo com o ponto 4 da matéria dada como provada.

E continua o dito acórdão…. “A este respeito, importa referir que a Recorrida também não requereu a isenção com base em deliberação de onde constasse o destino que lhe foi atribuído.
Considerando o teor do pedido de isenção, verificamos que são as mais-valias eventualmente realizáveis pela alienação do imóvel que seriam transferidas, a título de resultado da Caixa para a Associação Mutualista M..., para que esta as aplique em pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas. Igualmente, os rendimentos (rendas) derivados de eventuais situações de arrendamento do imóvel seriam entregues, em regime de exclusividade, à Associação Mutualista M..., para pagamento de pensões, subvenções e subsídios aos beneficiários e pensionistas, após a constituição das reservas legais e estatutárias – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e alíneas A), B) e F) da factualidade assente. …”
Que no caso dos autos corresponde os pontos 1, 2 e 3 da matéria dada como provada.
E continua “…. Ou seja, o mote para o pedido de isenção são os rendimentos a auferir do imóvel e não a afectação do imóvel em si mesmo aos fins prosseguidos pela Recorrida, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública.
À luz de tal justificação e da interpretação que fazemos da lei aplicável, é notório que a Recorrida não tem direito à isenção. Porque invoca como fundamento do seu direito, não a afectação do imóvel a fins de utilidade pública, mas a afectação a esses fins dos rendimentos eventuais que consiga extrair da afectação desse imóvel a outros fins.
Tal mostra-se suficiente para conceder provimento ao recurso, não podendo manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida.
Nesta conformidade, atento o disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, designadamente os pressupostos para reconhecimento do benefício fiscal - direito de isenção de IMI, é de manter o despacho impugnado nesta acção administrativa especial….”

Transpondo a citada jurisprudência para o caso sub judice, e pelos motivos constante da fundamentação, concede-se provimento ao recurso mantendo-se o despacho impugnado nesta ação administrativa especial.
Face ao decidido, nos termos do artigo 608.º, nº 2 do CPC, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.

III DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrida em 1ª instância nos termos da tabela I-B – cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 2, n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo