Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00046/21.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA;
FACTURAS FALSAS;
Sumário:
I – As questões de facto ou de direito suscitadas no corpo das alegações que não sejam inteligivelmente abrangidas pela síntese das conclusões não integram o objecto do recurso.

II – Não chega a constituir uma questão a invocação, uno actu e sem qualquer fundamentação específica, de uma pluralidade atomística de normas constitucionais e legais, já que, devido a tais abstracção e falta de fundamentação específica, não se logra cogitar concreta, definida e inequivocamente um thema decidendum.

III - Sem uma prova efectiva da repetição de compras e vendas sobre o mesmo objecto e de factos que permitam representar-se a possibilidade de mediante a mesma repetição se poder almejar prejudicar o Fisco, os factos-índice invocados no RIT e remanescentes como provados e relevantes no julgamento da 1ª instancia não são suficientes para se fazer o juízo da existência de indícios fundados de que o contrato de compra e venda subjacente às facturas desconsideradas pela AT foi simulado pelo tomador das mesmas.

IV - Deste modo, a AT deixou por satisfazer o seu ónus de invocar e provar factos suficientes para se poder julgar haver indícios fundados da natureza fictícia, simulatória, das facturas, pelo que, atentos os termos dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 2 alª a) da LGT, o Contribuinte não tinha o ónus de provar, ele mesmo, a veracidade de todas e cada uma das operações comerciais subjacentes à emissão das facturas desconsideradas, dondo se tem de concluir que as liquidações são anuláveis por erro nos pressupostos de direito.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...] UNIPESSOAL LDA, Lda., com o número de identificação fiscal ...90, e com sede social na Rua ..., ...63 ..., interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 31 de Março de 2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveio, que julgou improcedente a impugnação judicial movida contra as liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios do período 06T de 20176 no valor total de 22 364,77 €.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
I. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença, que julgou improcedente a Impugnação Judicial da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, relativa ao segundo trimestre do ano de 2017, no montante global de € 22.364,77 (vinte e dois mil, trezentos e sessenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos).

II. A douta Sentença recorrida quanto à sua improcedência, mostra-se em desconformidade com a situação factual, porquanto não foi efectuado um correcto julgamento da matéria de facto e de direito.

III. A douta Sentença recorrida enferma de erro na aplicação do direito, tendo em conta os pressupostos em que o Senhor Juiz, a quo, suportou a sua decisão.

IV. Os indícios constantes do Relatório Final de Inspecção, com base nos quais o Senhor Juiz, a quo, considerou suficientes para inverter o ónus da prova, são no entender da Recorrente insuficientes e, alguns dos quais inexistem por não provados.
V. A Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... não fez qualquer alusão às conclusões a que chegou a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., relativamente à venda da prata efectuada pela Recorrente à sociedade [SCom02...] Unipessoal, Lda, a qual, por sua vez, foi comprada à sociedade [SCom03...]

VI.A Inspecção Tributária não logrou enunciar factos minimamente sólidos para promover a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.

VII. Pelo que, ao decidir como decidiu o Senhor Juiz, a quo, violou o disposto nos artigos 103.º, n.º 3, 266.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4 da CRP, 8.º, 55.º, 58.º e 74.º da LGT, artigo 100.º do CPPT, artigo 6.º do RCPITA, artigo 3.º, n.º 1, 8.º, 58.º, 115.º, n.º 1 e 153.º do NCPA e artigos 411.º e 615.º, n.º 1.º alíneas c) e d) do CPC.

Termos em que, nos mais de direito, aplicáveis, e, no prudente juízo de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogada a decisão recorrida e, em consequência, declarada a Impugnação Judicial totalmente procedente, com as legais consequências.»


O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, que é redutível ao seguinte excerto:
«(…)
A impugnante apresentou a Impugnação Judicial no seguimento de uma acção inspectiva efectuada que teve a sua incidência em IVA.
Essa correcção resultou de se ter apurado que a impugnante tinha contabilizado naqueles exercícios facturas que não correspondiam a serviços reais.
Da mesma forma, ali constam os custos indevidamente deduzidos, os factos (indícios) que levam à conclusão de que as facturas titulavam operações simuladas”, bem como as normas legais ao abrigo das quais a AT actuou.
A administração tributária fundamentou as correcções no relatório da acção inspectiva, que considerou como falsas todas as facturas que tivessem sido emitidas pelas ditas entidades.
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O Tribunal apreciou a prova produzida.
A única conclusão a tirar foi aquela que o Tribunal tirou de que se estava perante operações comerciais simuladas.
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Nos termos do art.º 123.º n.º 2 do CPPT, o Juiz discriminará a matéria de facto provada da não provada fundamentando as suas decisões.
Nos termos do art.º 125.º n.º 1 constituem causas de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
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O art.º 607.º n.º 5 do CPC, consagra o princípio da livre apreciação das provas dispondo que o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Todavia, a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial nem aqueles que só possam ser provados por documentos, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade.
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O princípio da livre apreciação da prova não aponta, nem pode apontar para uma apreciação dos factos que seja motivável, incontrolável e logo arbitrária.
A convicção do Juiz tem de ser pessoal, mas não pode ser puramente subjectiva e emocional pois uma das funções da sentença é o de convencer os interessados da bondade e do bom fundamento da decisão.
Essa convicção só existirá quando o Tribunal se convencer da verdade dos factos para além de uma dúvida razoável.
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Ora, a sentença recorrida elenca os factos que deu como provados e os factos que deu como não provados.
A administração tributária recolheu e demonstrou a verificação de um conjunto de indícios credíveis, seguros, sérios e consistentes de que não tinham existido as operações comerciais contabilizadas pela impugnante.
Assim, tal como se decidiu no acórdão proferido pelo TCAN em 29 de Novembro de 2006 no âmbito do processo 168/02, tendo a administração fiscal recolhido indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a operações reais ( emitente legalmente sem actividade, falta de documentos comprovativos dos pagamentos, assinaturas constantes das facturas não condizentes com vários documentos dos emitentes ) cabia ao contribuinte provar a materialidade das operações, nomeadamente, o local concreto da prestação dos serviços, identificação de quem os realizou e forma de pagamento.»
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É à Fazenda Pública que cabe provar os indícios de que determinadas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados, cabendo ao contribuinte provar que os trabalhos foram efectivamente prestados» (Ac. do TCAS de 23/1/2007, processo 1365/06)
«Sendo certo que ... o acto tributário não goza de presunção de legalidade... e que a declaração do contribuinte goza de uma aura de verdade... no caso da avaliação da situação dos emitentes das facturas redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro.
A génese destas situações não pode ser outra que não o comportamento assumido por este, mas sempre e necessariamente com a complacência do receptor da facturação» (Ac. do TCAN de 1/3/2007, processo 00027/00).
Em acórdão recente, entendeu o TCAN que a prova da realidade das operações tem de ser inequívoca, positiva, concludente e sem margem para dúvida da realidade das operações facturadas. Tal prova deve ser concretizadora em termos de tempo, espaço e valores envolvidos no sentido da demonstração correcta da cada operação… (Ac. do TCAN de 5/11/2020, processo n.º 497/08.0BEPRT)
“Quando estão em causa a desconsideração de custos documentados por facturas, que foram consideradas falsas pela A.T. as regras de repartição do ónus da prova são as seguintes:
Em primeira linha “compete à A.T. fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada.
Em segunda linha, após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir os custos declarados na determinação da matéria tributável nos termos que decorrem do art.º 19.º n.º 3 do CIVA e 23.º n.º 1 do CIRC não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade” (Ac. do TCAN de 19/11/2020, processo n.º 1206/17.9BEBRG)
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Os factos que a sentença recorrida deu como provados e não provados levam a concluir que as operações comercias contabilizadas pela sociedade impugnante não eram verdadeiras.
Não existem fundamentos para revogar a sentença recorrida, que aliás está desenvolvida e muito bem elaborada, quer de facto, quer de direito.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Por outro lado, não chega a constituir uma questão a invocação, uno acto e sem qualquer fundamentação específica, de uma pluralidade atomística de normas constitucionais e legais, como sucede in casu, com a última conclusão do recurso, acima transcrita, já que, devido a tais abstracção e falta de fundamentação específica, não se logra cogitar concreta, definida e inequivocamente um thema decidendum.
Assim, a questão que vemos apresentada a este tribunal de apelação e apenas a seguinte:

Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro no julgamento em matéria de facto e em matéria de direito, designadamente na atribuição do ónus da prova entre as partes, porque os indícios constantes do Relatório Final de Inspecção, que o Senhor Juiz a quo, considerou suficientes para inverter o ónus da prova nos termos do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, são insuficientes para tal?

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:
«FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A Impugnante está registada, desde 23.08.2016, para o exercício das actividades de fabricação e comércio a retalho de artigos de joalharia e de outros artigos de ourivesaria e está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral;
2. A Impugnante tem como único sócio e gerente «AA» - cf. publicação do registo comercial, a fls. 90/91;
3. A Impugnante exerce a sua actividade de comércio no estabelecimento denominado Ourivesaria «X», localizada na Av. ..., em ...;
4. No ano de 2017, a Impugnante declarou os seguintes valores globais de operações tributáveis à taxa normal de IVA: € 3.484,63 no primeiro trimestre, € 101.276,71 no segundo trimestre, € 5.018,72 no terceiro trimestre e € 5.906,53 no quarto trimestre;
5. No ano de 2017, a Impugnante declarou os seguintes valores globais de IVA dedutível por operações realizadas à taxa normal de IVA: € 73,95 no primeiro trimestre, € 21.739,74 no segundo trimestre, € 670,19 no terceiro trimestre e € 368,99 no quarto trimestre;
6. A sociedade [SCom03...] Lda. emitiu as seguintes facturas dirigidas à Impugnante, contendo todas a descrição “Sopor 1120Sn”:
a. n.° FA 2017/5, tendo como data de emissão 16.05.2017, indicando a quantidade de 100 kg, o preço unitário de € 425,00, a quantia total de € 42.500,00, acrescida de IVA no valor de € 9.775,00;
b. n.° FA 2017/6, tendo como data de emissão 22.05.2017, indicando a quantidade de 65 kg, o preço unitário de € 425,00, a quantia total de € 27.625,00, acrescida de IVA no valor de € 6.353,75;
c. n.° FA 2017/7, tendo como data de emissão 24.05.2017, indicando a quantidade de 5 kg, o preço unitário de € 425,00, a quantia total de € 2.125,00, acrescida de IVA no valor de € 488,75;
d. n.° FA 2017/9, tendo como data de emissão 02.06.2017, indicando a quantidade de 50 kg, o preço unitário de € 425,00, a quantia total de € 21.250,00, acrescida de IVA no valor de € 4.887,50;
— cf. facturas, de fls. 94 a 97.
7. As facturas mencionadas no ponto anterior indicam como local de carga “Zona Industrial ...” e como local de descarga “Rua ...” — idem;
8. Relativamente à mercadoria indicada das facturas mencionadas no ponto 6, não foram emitidas guias de transporte ou documentos equivalentes;
9. A Impugnante contabilizou os valores das facturas mencionadas no ponto 6 e deduziu o respectivo IVA, não tendo registado, no ano de 2017, quaisquer outras aquisições à sociedade [SCom03...] Lda.;
10. A Impugnante emitiu as seguintes facturas dirigidas à sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda, contendo todas a descrição "prata toque fino”:
a. n.° FAM017A/3, tendo como data de emissão 17.05.2017, indicando a quantidade de 75 kg, o preço unitário de € 430,00, a quantia total de € 32.250,00, acrescida de IVA no valor de € 7.417,50;
b. n.° FAM017A/4, tendo como data de emissão 17.05.2017, indicando a quantidade de 25 kg, o preço unitário de € 430,00, a quantia total de € 10.750,90, acrescida de IVA no valor de € 2.472,50;
c. n.° FAM017A/5, tendo como data de emissão 22.05.2017, indicando a quantidade de 65 kg, o preço unitário de € 430,00, a quantia total de € 27.950,00, acrescida de IVA no valor de € 6.428,50;
d. n.° FAM017A/6, tendo como data de emissão 24.05.2017, indicando a quantidade de 5 kg, o preço unitário de € 430,00, a quantia total de € 2.150,00, acrescida de IVA no valor de € 494,50;
e. n.° FAM017A/7, tendo como data de emissão 02.06.2017, indicando a quantidade de 50 kg, o preço unitário de € 430,00, a quantia total de € 21.500,00, acrescida de IVA no valor de € 4.945,00;
- cf. facturas, de fls. 98, 101,105, 109 e 110',
11. As facturas mencionadas no ponto anterior indicam como local de carga “N/instalações” e como local de descarga “Instalações do Cliente” — idem;
12. Relativamente à mercadoria constante das facturas mencionadas no ponto 10, não foram emitidas guias de transporte ou documentos equivalentes;
13. A Impugnante emitiu a factura n.° ...6, dirigida à sociedade [SCom03...] Lda, tendo como data de emissão 24.05.2017, com a descrição “Serviços Prestados”, indicando a quantia de € 800,00, acrescida de IVA no valor de € 195,50 - cf. factura, a fls. 107;
14. Nos dias 16.05.2017, 22.05.217, 24.05.2017 e 02.06.2017, a cotação do quilograma de prata era de € 489,00, € 490,90, € 493,90 e € 500,10, respectivamente;
15. As sociedades [SCom04...] Lda e [SCom03...] Lda. exercem a suas actividades nas mesmas instalações e têm como sócios «BB» e «CC»;
16. A sociedade [SCom03...] Lda foi alvo de procedimento inspectivo desencadeado pelos serviços da Direcção de Finanças ..., no âmbito do qual, no decurso do ano de 2018, solicitaram junto da contabilista certificada da Impugnante elementos e informações relacionados com as facturas mencionadas no ponto 6;
17. «AA» conhecia «BB» e «CC», por a Impugnante ter realizado negócios com a sociedade [SCom04...] Lda entre os anos de 2011 e 2015, os quais, nesse período, ascenderam ao valor global de €595.538,48;
18. A Impugnante foi alvo de procedimento inspectivo a coberto do despacho n.° ...80 e da ordem de serviço n.° ...29, com referência a IVA do ano de 2017 – cf. teor do relatório de inspecção, de fls. 72 a 88, e ordem de serviço e despacho, a fls. 123 e 124;
19. Em 05.09.2019, a Contabilista Certificada «DD» assinou o despacho n.° ...80;
20. Em 05.09.2019, no âmbito do procedimento inspectivo, foram recolhidas as declarações de «AA», na qualidade de sócio e gerente da Impugnante, tendo a Inspectora Tributária «EE» elaborado o respectivo termo de declarações, do qual consta o seguinte:
Questionado o sujeito passivo quanto ao negócio de compra de 220 kgs de Sopor 1120 Sn (designação dada pelo fornecedor às varetas de soldadura com 72% de prata incorporada), em 4 facturas de compra (nºs ..., ..., ... e ...), datadas de 16/05/2017, 22/05/2017, 26/05/2017 e 02/06/2017, ao fornecedor [SCom03...], Lda [...], o mesmo referiu que o que comprou foi prata fina (999,99), em grão, que visualizou, e não varetas de soldadura. Referiu ainda que a prata adquirida foi transportada pelo fornecedor para Penafiel e posteriormente entregue pela [SCom01...] no cliente [SCom02...] Unipessoal, Lda [...].
O sujeito passivo «AA» afirmou ainda que é sua convicção que a venda da mercadoria constante das facturas em causa foi faseada por se tratar sempre da mesma prata, uma vez que a mesma, adquirida pela [SCom02...], era logo de seguida vendida de novo à [SCom04...]. No fundo, refere ser sua convicção que se tratou de um negócio por si intermediado, com o intuito de cobertura de necessidade de fundos monetários por parte da [SCom03...] ou da [SCom04...]. Ao ser entregue a mercadoria na [SCom02...], era efectuado o pagamento à [SCom01...], em dinheiro, que posteriormente pagava à [SCom03...], também em dinheiro, uma vez que afirma não ter disponibilidade financeira para um negócio desta dimensão, pelo que acordou com o fornecedor só proceder ao pagamento depois de recebido o dinheiro da [SCom02...].”
- cfr. termo de declarações, a fls. 92;
21. As declarações mencionadas no ponto anterior foram recolhidas nas instalações da [SCom05...], localizadas na Rua ..., em ..., e o respectivo termo foi assinado pela Inspectora Tributária «EE» e pelo declarante «AA»;
22. A Contabilista Certificada «DD» presenciou as declarações prestadas por «AA» no dia 05.09.2019;
23. Em 03.07.2020, ainda no âmbito do procedimento inspectivo, foram novamente recolhidas declarações de «AA», na qualidade de sócio e gerente da Impugnante, tendo a Inspectora Tributária «EE» elaborado o respectivo termo de declarações, do qual consta o seguinte:
Questionado o sujeito passivo quanto ao negócio de compra de 220 kgs de Sopor 1120 Sn (designação dada pelo fornecedor às varetas de soldadura com 72% de prata incorporada), em 4 facturas de compra (n°s ..., ..., ... e ...), datadas de 16/05/2017, 22/05/2017, 26/05/2017 e 02/06/2017, ao fornecedor [SCom03...], Lda [...], o mesmo referiu que já conhecia anteriormente o Sr. «CC», assim como ao seu pai, «BB», que lhe perguntou se conhecia alguém que pudesse comprar cerca de 200 kgs de prata em várias tranches. O Sr. «AA» acedeu, desde que fosse tudo facturado, porque conhecia uma empresa que tinha capacidade para fazer o negócio. Foi exigência do Sr. «AA», por causa de eventuais assaltos, que o transporte da prata fosse feito de ... para .... Afirmou ainda que o negócio foi feito com o Sr. «CC», sem saber qual a empresa que iria emitir os documentos de venda. Sabia que existiam duas empresas que trabalhavam no mesmo local, mas sem conhecer especificamente a actividade de cada uma delas. Afirmou ainda que as primeiras duas entregas foram feitas pelo Sr. «BB», a terceira pelo Sr. «CC» e a última pelo Sr. «BB». O ganho deste negócio consubstanciou-se, para além da margem entre a compra e a venda, numa factura emitida por serviços prestados.”
— cf. termo de declarações, a fls. 114;
24. As declarações mencionadas no ponto anterior foram recolhidas nas instalações dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., localizadas na Av. ..., em ..., e o respectivo termo foi assinado pelo declarante «AA», pela Contabilista Certificada «DD» e pelas Inspectoras Tributárias «EE» e «FF» - cf. teor do termo de declarações, a fls. 114;
25. Os serviços de inspecção notificaram a Impugnante para exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção, não tendo a Impugnante apresentado resposta;
26. Em 07.08.2020, foi elaborado o relatório de inspecção, propondo correcções de natureza meramente aritmética para o segundo trimestre de IVA do ano de 2017, no montante de € 21.505,00, com fundamento na dedução indevida do imposto constante das facturas mencionadas no ponto 6, por não corresponderem a efectivas transacções comerciais - cf. teor do relatório de inspecção, de fls. 72 a 88;
27. Em 11.08.2020, foi proferido despacho concordante com o teor do relatório de inspecção - cfr. despacho, a fls. 72',
28. No relatório de inspecção não foi proposta qualquer correcção em sede de IRC, ficando expressa a seguinte justificação:
“Efeitos do negócio simulado relativamente aos bens transaccionados, bem como aos intervenientes no negócio, em sede de IRC:
Considerando tudo o anteriormente descrito neste relatório, verifica-se que a [SCom01...] se prestou a um papel de ‘mera passagem documental’. Assim, os efeitos deste negócio simulado, em sede de IRC, são, do ponto de vista da sua materialidade, pouco relevantes, considerando que este negócio decorreu em círculo, ou seja, várias entidades registaram, na sua contabilidade, gastos com as compras, mas também réditos com as vendas. Na [SCom01...] a contrapartida do negócio e os seus efeitos em sede de IRC tiveram um carácter residual, e efectuar estas correcções impunha que se corrigissem os inputs e outputs, tanto na [SCom01...] como em todos os outros intervenientes sendo que, no que diz respeito à [SCom02...], a mesma já não exerce atividade desde Janeiro de 2018.”
— Cf. teor do relatório de inspecção;
29. Em 27.08.2020, na sequência das correcções propostas no relatório de inspecção, a Administração Tributária emitiu em nome da Impugnante as liquidações n.° ...11, referente a IVA do segundo trimestre do ano de 2017, no montante de € 19.988,11, e n.° ...51, referente aos respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.376,66, tendo ambas como prazo limite de pagamento o dia 21.10.2020 — cf. documentos de correcção, de fls. 130 a 132, e demonstrações de liquidação e de acerto de contas, de fls. 26 a 29.
*
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se não provados os seguintes factos:
A. Em 30.06.2016, a sociedade italiana [SCom06...] di «CC» emitiu a factura n.° ...02, dirigida à sociedade portuguesa [SCom03...] Lda., referente a varetas de soldadura, a maior parte com incorporação de 72% de prata e outras com incorporação de 34% de prata, com as descrições Varetta/Rods - 72% Ag e VarettalRods - 34% Ag e mencionado como documento de transporte o CMR n.° ...03;
B. A Administração Fiscal Italiana efectuou um pedido de Assistência Administrativa, solicitando à Autoridade Tributária e Aduaneira informações relativas à efectividade da transmissão intracomunitária constante na factura n.° ...02;
C. No âmbito do procedimento inspectivo mencionado no ponto 16 dos factos provados, a sociedade [SCom03...] Lda. entregou aos inspectores tributários cópia do documento CMR n.° ...03 e não apresentou qualquer outro documento de transporte relativo à mercadoria mencionada na factura n.° ...02;
D. No âmbito do procedimento inspectivo mencionado no ponto 16 dos factos provados, foi realizada nas instalações da sociedade [SCom03...] Lda. a verificação física do inventário e não foi identificada a mercadoria mencionada na factura n.° ...02;
E. A descrição “Sopor 1120 Sn”, contida nas facturas mencionadas no ponto 6 dos factos provados, identifica varetas de soldadura;
F. As facturas n.°s ... e ..., indicadas no ponto 6 dos factos provados, foram registadas no SAFT-PT da contabilidade da sociedade [SCom03...] Lda. em 26.06.2017;
G. No inventário final do ano de 2016, a sociedade [SCom03...] Lda. não inscreveu qualquer quantidade de prata;
H. No ano de 2017, a sociedade [SCom03...] Lda. apenas declarou compras de sucata de cobre;
I. A sociedade [SCom03...] Lda registou os recebimentos relativos às facturas emitidas à Impugnante na conta SNC 211110026-[SCom01...], Unipessoal, Lda., por contrapartida da conta SNC 271311001-[SCom04...], Lda.
J. A sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda esteve registada para o exercício da atividade principal de comércio por grosso de minérios e metais e das actividades secundárias de fundição de outros metais não ferrosos, de comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia e de comércio a retalho de vestuário para adultos, tendo declarado o início de atividade em 10.02.2017 e a sua cessação com efeitos a 31.01.2018, indicando como motivo o disposto no artigo 33.° n.° 1 alínea b) do Código do IVA;
K. Nos meses de Março, Abril e Maio de 2017, a sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda. emitiu sete facturas dirigidas à sociedade [SCom04...] Lda, cinco das quais entre 03.03.2017 e 13.04.2017 e as restantes duas em 19.05.2017;
L. No ano de 2017, a sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda. não emitiu facturas referentes a venda de varetas de soldadura;
M. A Impugnante emitiu a factura mencionada no ponto 13 dos factos provados para receber uma compensação pelas despesas suportadas e o tempo despendido com quatro deslocações que «AA» realizou a ... para proceder à entrega de prata à sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda.;
N. A mercadoria constante de cada uma das facturas mencionadas no ponto 10 dos factos provados foi transportada pela sociedade [SCom03...] Lda. para ..., onde «AA» a recepcionou e procedeu ao seu transporte para as instalações da sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda, situadas também em ...;
O. No momento de cada uma das entregas de mercadoria, «AA» recebeu do responsável da sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda., e nas instalações desta, dinheiro em numerário, correspondente ao preço acordado pela venda da prata, que este levantava, também naquele momento, ao balcão de uma agência bancária situada na proximidade;
P. Após cada uma das entregas em numerário realizadas pelo responsável da sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda, «AA» deslocava-se até ao local onde «BB» ou «CC» o aguardavam e aí entregava, também em numerário, o dinheiro correspondente ao preço que haviam acordado pela aquisição da prata;
Q. Os pagamentos foram realizados em numerário porque a Impugnante não tinha liquidez suficiente para pagar as quantias em causa;
R. Após o pedido de elementos e informações mencionado no ponto 16 dos factos provados, «AA» deslocou-se a ... para questionar o responsável da [SCom02...] Unipessoal Lda acerca do destino dado à prata que esta sociedade havia adquirido à Impugnante, tendo aquele informado que a prata foi vendida à sociedade [SCom04...] Lda.;
S. Nas declarações prestadas em 05.09.2019, mencionadas no ponto 20 dos factos provados, «AA» afirmou que a prata que adquiriu à sociedade [SCom03...] Lda. é a mesma que vendeu à sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda. e a mesma que esta, por sua vez, vendeu à sociedade [SCom04...] Lda., e não que a prata que adquiriu sucessivamente àquela sociedade era sempre a mesma.
*
Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Na fixação da matéria de facto, ponderou-se a prova documental carreada pelas partes para os autos, bem como o teor das declarações de parte prestadas pelo sócio e gerente da Impugnante, «AA», e dos depoimentos das testemunhas «DD» e «GG», arroladas pela Impugnante, e «EE», arrolada pela Fazenda Pública.
«AA» afirmou conhecer as sociedades [SCom03...], [SCom02...] e [SCom04...]. Concretizou que conhece a [SCom04...] desde o ano 2011, sabendo que os seus sócios, «BB» e «CC», criaram posteriormente a [SCom03...]. Não soube precisar a data de constituição desta última sociedade, mas afirmou que tal ocorreu entre os anos de 2014 e 2016. Assegurou que, posteriormente à constituição da [SCom03...], passou a negociar apenas com esta sociedade, e já não com a [SCom04...]. Quanto à [SCom02...], conhece-a porque celebrou alguns negócios no ano de 2017, sabendo que o seu sócio se chama «HH».
No que respeita às quatro facturas em causa nos autos, afirmou que foi contactado telefonicamente por «CC», tendo este dito que estava em condições de vender 200 kg de prata e questionado se o declarante conhecia alguém interessado na aquisição. Acrescentou que, após realizar alguns contactos, acordou com a sociedade [SCom02...] a venda da prata.
Declarou que visualizou a prata apenas no Parque da Feira de ..., local previamente combinado para a entrega da mesma, e que aí realizou os testes para verificação da pureza da prata, que estava colocada em sacos na mala do carro. Após, transferiu os sacos do veículo em que os responsáveis da [SCom03...] a transportaram, colocando-a no seu próprio veículo e transportou-a para as instalações da [SCom02...], localizadas também em .... Afirmou que não permitiu que a prata fosse transportada para as suas instalações por uma questão de segurança, pois não podia arriscar transportar aqueles valores. Acrescentou que também por questões de segurança, em virtude da quantidade prata em causa, foi acompanhado pelo seu filho «AA» nas transacções, com excepção da entrega de cinco kg, e que, em três das quatro transacções, a prata lhe foi entregue por «BB», tendo «CC» procedido à outra entrega.
Afirmou que, embora tenha praticado margens superiores noutras transacções, considerou boa a margem de € 5,00 por cada kg, atendendo à quantidade transaccionada. Acrescentou que foi um bom negócio porque o vendedor transportou a prata até perto do local de entrega ao comprador e a Impugnante não teve de disponibilizar qualquer capital previamente. Referiu ainda que não é habitual transaccionar prata em quantidades tão grandes.
Esclareceu que a venda foi realizada em quatro tranches, à medida que a prata era disponibilizada pela [SCom03...] e que, no contacto inicial, o responsável daquela empresa já o informara que as quantidades a entregar não seriam iguais. Questionado sobre o motivo pelo qual a Impugnante emitiu duas facturas distintas para a primeira quantidade de prata entregue à [SCom02...], afirmou não se recordar.
Quanto aos pagamentos, afirmou que foram realizados em numerário por a Impugnante não ter disponibilidade financeira para os realizar previamente. Concretizou que recebeu o dinheiro de «HH» após este se deslocar a uma agência bancária para proceder ao seu levantamento. De seguida, o declarante deslocava-se novamente ao mencionado Parque em ... para, após retirar a parte correspondente ao seu lucro, proceder ao pagamento aos responsáveis da [SCom03...], acrescentando que estes permaneciam nesse local à sua espera enquanto realizada a transacção com a [SCom02...]. Esclareceu que todas as transacções se desenrolaram exactamente do mesmo modo.
Quanto ao pagamento de cerca de € 800,00, referente à factura emitida pela prestação de serviços, afirmou que o mesmo foi realizado posteriormente. Afirmou que, por uma questão de segurança, pediu ao fornecedor que transportasse a prata até ... e, pelo mesmo motivo, contratou alguém para o acompanhar para aí proceder à entrega ao seu cliente. Acrescenta que, em função disto, suportou despesas de transporte e o pagamento à pessoa que o acompanhou, para além do tempo que o próprio despendeu.
Assegurou que, anteriormente às declarações que prestou no procedimento inspectivo, em 05.09.2019, a sua contabilista informou-o de que a Administração Tributária solicitara informações sobre as facturas em causa e que, na sequência e ainda em data anterior à prestação de tais declarações, já se tinha informado junta do Sr. «HH», da [SCom02...], que a prata fora vendida à [SCom04...], tendo-se deslocado a ... para o efeito. Acrescentou que foi com base nessa informação que declarou que a prata era a mesma, querendo com isto dizer que a prata que vendeu à [SCom02...] foi a mesma que comprou à [SCom03...] e foi a mesma prata que aquela sociedade vendeu depois à [SCom04...], e não que era sempre a mesma prata que comprou sucessivamente à [SCom03...]. Assegurou que informou a Inspectora que tinha ido previamente à [SCom02...] informar-se sobre o que se tinha passado com o negócio da prata e que não leu o termo de declarações antes de o assinar.
Afirmou também que nunca teve motivo para desconfiar dos sócios da [SCom03...] porque já havia realizado vários negócios com os mesmos e estes nunca ficaram a dever nada. Questionado sobre se conhece a razão pela qual a [SCom03...] não vendeu a prata directamente à [SCom02...] ou a qualquer outro cliente, afirmou não saber.
A testemunha «DD», afirmou ser a contabilista certificada responsável pela organização da contabilidade da Impugnante, desde a sua constituição. Assegurou que esteve presente nos dois momentos em que o gerente da Impugnante prestou declarações no âmbito da acção inspectiva, tendo as primeiras decorrido no seu gabinete e as segundas nas instalações da Direcção de Finanças .... Afirmou que, apesar de não ter assinado o primeiro termo de declarações, assinou, nessa ocasião, o documento que formalizou o início da acção inspectiva.
Assegurou que, em Agosto de 2018, já fora contactada telefonicamente por um funcionário da Direcção de Finanças ... na sequência de uma comunicação dirigida à Impugnante, mas que não foi recebida por esta. Acrescentou que a comunicação respeitava a uma inspecção que estava a ser realizada à [SCom02...], que estavam em causa as mesmas quatro facturas e que lhe enviaram um e-mail com cópia daquela comunicação, solicitando elementos. Assegura que informou o Sr. «AA» destes factos, tendo este referido que iria informar-se sobre o assunto junto do Sr. «HH» da [SCom02...]. Assegurou que o Sr. «AA» declarou à inspectora que já havia obtido informação sobre o destino da prata.
Por fim, reconheceu não ter conhecimento sobre os termos em que foi realizado o negócio em causa nos autos.
A testemunha «GG», afirmou ser filho do gerente da Impugnante, para a qual nunca trabalhou, tendo apenas trabalhado para outra sociedade do seu pai até há cerca de 13 anos.
Afirmou conhecer a [SCom03...] porque trabalhou nessa empresa, sendo responsável pelas compras. Acrescentou que esta adquiria centenas de quilogramas de prata mensalmente.
Referiu que, no ano de 2017, o seu pai lhe pediu ajuda para a realização de um negócio com a [SCom03...] e que o acompanhou várias vezes ao Parque em ..., local onde recebiam a prata sempre de «BB», e depois às instalações da [SCom02...] para procederem à entrega da mesma.
Afirmou que inicialmente permanecia no veículo com a prata que aí ainda ficava e no final, com o transporte da restante prata, subia também ao primeiro andar do prédio onde se situavam as instalações da [SCom02...]. Acrescentou que só nessa circunstância é que «HH» pesava os sacos e realizava o teste para aferir da qualidade da prata.
Quanto ao pagamento, afirmou que o mesmo era realizado em numerário, começando por afirmar que este era entregue por «HH» dentro de um envelope. De seguida, corrigiu o seu depoimento afirmando que «HH» se deslocava a uma agência bancária para proceder ao levantamento do dinheiro e, então sim, entregá-lo ao seu pai. Afirmou também que, depois, se deslocavam novamente ao Parque para realizar o pagamento à pessoa da [SCom03...] que aí aguardava para esse efeito.
Assegurou que a menção SOCOR 1120 Sn constitui uma referência interna da empresa [SCom03...], afirmando que, para uma pessoa exterior à empresa, não seria possível saber que produto estava a ser transaccionado.
Quanto à margem praticada pela Impugnante no negócio, considerou normal atendendo a que a mesma não teve de dispor de capitais próprios. Afirmou, por fim, que recebeu cerca de € 50,00 por cada uma três das deslocações, reconhecendo que não emitiu recibo por tais quantias.
A testemunha «EE», inspectora tributária que elaborou o relatório da acção inspectiva, assegurou que, nas primeiras declarações prestadas, o gerente da Impugnante declarou que se apercebera que a prata adquirida à [SCom03...] era sempre a mesma. Assegurou também que, antes de o dar a assinar, leu em voz alta o termo de declarações e entregou-o ao declarante para este o poder ler e assinar.
Assim:
A factualidade enunciada nos pontos 1, 3, 4, 5, 8, 9, 12 e 14 foi dada como provada por referência ao teor do relatório de inspecção e atendendo a que a mesma não foi colocada em causa pela Impugnante.
Deram-se como provados os fatos enunciados no ponto 15 por referência ao teor do relatório de inspecção e atendendo ainda ao teor das declarações de «AA» e do depoimento da testemunha «GG».
A factualidade enunciada no ponto 16 também foi dada como provada, não só por referência ao teor do relatório de inspecção, mas atendendo em especial ao teor do depoimento da testemunha «DD», a qual, nos termos referidos, afirmou, de modo credível, que foi contactada telefonicamente por funcionário da Direcção de Finanças ... e que, posteriormente, este lhe enviou um e-mail solicitando os elementos em causa.
Os factos indicados no ponto 17 foram dados como provados por referência ao teor do extracto de conta, de fls. 31 a 35, e atendendo ainda ao teor das declarações de «AA» e do depoimento da testemunha «GG».
Deu-se como provado o facto enunciado no ponto 19 atendendo ao teor do despacho a fls. 24, bem como ao depoimento da testemunha «DD».
De modo semelhante, deu-se como provado o facto enunciado no ponto 21 atendendo ao teor do termo de declarações, a fls. 92, bem como ao depoimento da testemunha «DD».
Quanto ao facto constante do ponto 22 foi dado como provado com base no depoimento da testemunha «DD». Com efeito, esta testemunha assegura que, apesar de só ter assinado o segundo auto de declarações, esteve presente nas duas vezes em que o Sr. «AA» prestou declarações, acrescentando que as primeiras declarações foram prestadas no seu próprio gabinete e as segundas na Direcção de Finanças, em ..., sendo que esta afirmação é coerente com o local identificado no respectivo termo de declarações. Por outro lado, a testemunha afirmou que assinou a notificação de início da acção inspectiva, que ocorreu simultaneamente com as primeiras declarações prestadas, o que é igualmente coerente com o teor do despacho em causa, mencionado no ponto 19 dos factos provados.
Os factos enunciados no ponto 25 foram dados como provados com base no ofício, respectivo anexo e comprovativo de registo, de fls. 119 a 122, e por consulta à integralidade do processo administrativo.
Os restantes factos dados como provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório, sempre por referência à numeração do sitaf.
Quanto aos factos não provados:
A factualidade enunciada nos pontos A a L foi dada como não provada atendendo à total ausência de elementos de prova aptos à sua demonstração. Com efeito, a factualidade em causa é apenas enunciada no relatório da inspecção realizada à Impugnante, e secundada na contestação apresentada pela Fazenda Pública, mas desacompanhada de qualquer elemento documental que a suporte, seja em anexo ao relatório de inspecção, seja por junção aos presentes autos. Note-se que o relatório da inspecção realizado à Impugnante não contém sequer qualquer citação ou transcrição do relatório de inspecção realizado à sociedade [SCom03...] Lda., limitando-se a indicar factos e conclusões que, segundo se depreende, resultam apenas da percepção da relatora sobre o conteúdo daquele outro relatório, ou seja, trata-se apenas de um relato indirecto sobre a eventual factualidade apurada no âmbito do procedimento inspectivo realizado àquela sociedade. Assim sendo, o mero elenco de factos, desacompanhado de qualquer suporte documental, que, na maioria dos casos, não seria sequer difícil de juntar ao relatório de inspecção ao aos presentes autos, não confere ao relatório de inspecção em causa nos presentes autos a força probatória suficiente para o Tribunal poder dar os mesmos como provados.
Quanto à factualidade indicada no ponto M: nas declarações de parte, «AA» afirmou que a factura em causa serviu para compensar as despesas que teve e o tempo gasto na deslocação, bem como para pagar a quem o acompanhou nessa deslocação. No entanto esta afirmação é incoerente com dois outros aspectos que afirmou também no decurso das declarações de parte: por um lado, que a margem de lucro que praticou se traduz num “muito bom negócio”, porque não teve de realizar o transporte da mercadoria, nem teve de disponibilizar antecipadamente qualquer quantia; por outro que foi por exigência sua, motivada por questões de segurança, que a prata foi transportada directamente para ..., e não para as suas instalações. Com efeito, não é verosímil que um negócio realizado no âmbito da atividade da Impugnante, que o seu gerente qualifica como bom, tenha ainda associado uma compensação pela deslocação realizada. É igualmente inverosímil que o fornecedor tenha aceite suportar despesas com deslocações que ocorreram por exigência da própria Impugnante. As regras da experiência indicam que, em condições habitais, a Impugnante teria de suportar as despesas de transporte da mercadoria, ou imputá-las ao seu cliente, e não ao fornecedor. Nessas condições, o transporte da mercadoria, por uma distância superior, necessitaria até de acrescidas medidas de segurança, com as inerentes despesas. Não merece, portanto, credibilidade esta parte das declarações prestadas por «AA». Por outro lado, a factura em causa contém no seu descritivo apenas a menção Serviços Prestados, sem qualquer especificação da natureza dos mesmos. Assim, em face desta falta de especificação e dada a ausência de outro meio prova, dá-se como não provada a factualidade em causa.
Deu-se como não provada a factualidade enunciada no ponto N por não ser plausível que um negócio legítimo de compra e venda de vários quilogramas de prata se concretize, como foi referido pelo sócio e gerente da Impugnante e pela testemunha «GG», no Parque da Feira de ..., com verificação da respectiva pureza na bagageira do veículo no qual foi transportada. Acresce que estas afirmações são incoerentes com a preocupação com a segurança que «AA» declarou repetidas vezes, porquanto o Parque da Feira não será certamente o local que garante maior segurança para uma transacção com aquelas características. Com efeito, durante as suas declarações, «AA» afirmou, mais do que uma vez que, na proximidade das instalações da sociedade [SCom02...] Unipessoal Lda, estacionou o carro junto a uma praça de táxis, por ser um local com muitas pessoas; ora, não se afigura que o Parque da Feira seja igualmente um local com muitas pessoas. Em conclusão, também nesta parte não são merecedoras de credibilidade as declarações de «AA», bem como o depoimento da testemunha «GG». Por outro lado, não foi carreada para os autos qualquer evidência do transporte da mercadoria nos termos alegados, os quais são, aliás, incoerentes com o teor, quer das facturas de compra, nas quais é mencionado que a mercadoria seria descarregada em ..., quer nas facturas de compra, nas quais se indica que a mercadoria seria carregada nas instalações da Impugnante e descarregada nas instalações do cliente. Pelo exposto, deu-se como não provada a factualidade indicada no ponto N.
Quanto à factualidade enunciada nos pontos O e P, também não é credível que em todas as quatro entregas de mercadoria, incluindo na relativa aos cinco quilogramas de prata, o responsável da [SCom02...] Unipessoal Lda se tenha ausentado das instalações para proceder ao levantamento do dinheiro na agência bancária. É igualmente inverosímil que o responsável da [SCom03...] Lda aguardasse, no Parque da Feira de ..., pelo regresso de «AA» para, só nessa circunstância, receber o pagamento do preço acordado pela venda da mercadoria em causa.
O facto elencado no ponto Q foi dado como não provado porque os elementos carreados para os autos, mormente os extractos bancários e o balancete, de fls. 37 a 49, se mostrarem insuficientes para demonstrar a falta de liquidez ou a impossibilidade de a Impugnante poder obter financiamento para realizar um negócio que «AA» qualificou de muito bom. Sublinhe-se, uma vez mais, que, de acordo com as regras da experiência, um negócio lícito com estas características não é celebrado com os contornos descritos pelo sócio e gerente da Impugnante, designadamente no que respeita ao modo e local de pagamento. Note-se, ainda, que este facto alegado é particularmente inverosímil no que respeita à transacção relativa a cinco quilogramas de prata, estando em causa a quantia de € 2.644,50.
Quanto à factualidade enunciada no ponto R, também não é verosímil que, perante um mero pedido de elementos recebido dos serviços de inspecção tributária, o gerente da Impugnante tenha sentido a necessidade de apurar, através de contacto pessoal, o destino de uma mercadoria que, segundo alega, efectivamente transaccionou. Em especial, não é convincente que, para esclarecer esta questão, se tenha deslocado a ..., em vez de recorrer a um mero contacto telefónico. Também não é convincente que «AA», estando seguro da legalidade do negócio que celebrara, se preocupasse em saber o destino que o adquirente dera à mercadoria. Ainda sobre este ponto, note-se que o depoimento da contabilista, no sentido de ter sido contactada telefonicamente e por e-mail pela Direcção de Finanças ... prova que «AA» teve prévio conhecimento da existência de um procedimento inspectivo, mas não prova que o mesmo se deslocou efectivamente a ... nem o motivo porque o fez.
Por fim, deu-se como não provada a factualidade indicada no ponto S porque as declarações prestadas por «AA» não se mostram convincentes para abalar a força probatório do termo de declarações elaborado e junto aos autos. Note-se que a alegação de que não foi dito que a prata adquirida era sempre a mesma é descontextualizada das restantes declarações prestadas. Com efeito, consta do termo de declarações que "«AA» afirmou ainda que é sua convicção que a venda da mercadoria constante das facturas em causa foi faseada por se tratar sempre da mesma prata sendo que a segunda parte desta afirmação não pode ser desligada da primeira, ou seja, saber o motivo pelo qual o negócio foi concretizado faseadamente. Esta é, aliás, uma questão pertinente, compreendendo-se a sua colocação no âmbito do procedimento inspectivo em causa nos autos. Assim, não se trata da transcrição de uma afirmação desgarrada, ou que tenha surgido a propósito da origem e destino da mercadoria, mas sim a propósito do modo como o negócio foi celebrado. Neste sentido, a afirmação proferida é, em termos discursivos, coerente com a questão colocada. Sublinhe-se que o termo de declarações deve retratar com fidelidade as declarações prestadas e não a aderência à realidade do que foi dito, e é precisamente esta convicção de que o termo de declarações retrata fielmente o que foi dito que não sai abalada com o teor das declarações de «AA». Importa, ainda, notar que a testemunha «DD», cujo depoimento é merecedor de credibilidade, e que assegurou ter presenciado a totalidade das declarações em causa, não referiu uma única vez que o «AA» afirmou que a prata que adquiriu foi a mesma que comprou Lapso evidente: querer-se-ia dizer “a mesma que vendeu” (nota do relator), embora tenha afirmado diversas vezes que o mesmo informou a inspectora tributária que já se tinha informado sobre o destina da prata. Ora, afirmar que se tinha informado junto do cliente sobre o destino que este deu à prata não é o mesmo que afirmar que a prata que adquiriu é a mesma que vendeu e que, por sua vez, o cliente vendeu a outra entidade.»

Voltemos, agora, à questão supra enunciada.

1ª Questão
Padece, a sentença, de erro no julgamento em matéria de facto e em matéria de direito porque os indícios alegados no Relatório Final de Inspecção da simulação dos negócios subjacentes às facturas desconsideradas são insuficientes para inverter o ónus da prova nos termos do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT?

Em abono da alegação no sentido da resposta afirmativa a esta questão diz, a Recorrente, nas suas conclusões, que alguns dos factos em que assentam os alegados indícios fundados de simulação nem mesmo estavam provados; e que a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... não fez qualquer alusão às conclusões a que chegou a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., relativamente à venda da prata efectuada pela Recorrente à sociedade [SCom02...] Unipessoal, Lda, a qual, por sua vez, foi comprada à sociedade [SCom03...]
Por aqui se fica a alegação atendível, uma vez que a Recorrente não fez reflectir, nas conclusões, qualquer outro aspecto do mais que escreveu no corpo das alegações.
Quid juris quanto à alegação de que alguns dos factos invocados pela AT como geradores dos indícios fundados da simulação dos negócios subjacentes à emissão das facturas desconsideradas nem sequer estavam provados?
Se porventura a Recorrente se refere aos factos já dados como não provados na sentença recorrida, trata-se de uma alegação sem objecto, pois a decisão recorrida não se baseou nesses factos não provados, mas naqueles que foram julgados provados.
Se porventura se quis dizer que houve factos indevidamente julgados como provados, que o não estavam, cumpre dizer o seguinte:
Como é sobejamente sabido e tem sido reiteradamente advertido por este tribunal de recurso, o artigo 640º nºs 1 e 2 alª a) e b) do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de facto o ónus de delimitar positivamente o que entende serem os factos indevidamente não dados como provados ou não provados, a decisão que devia ter sido tomada quanto a cada um deles e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a)”, tudo sob pena de sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte.
Assim, deve improceder, na parte correspondente, o recurso em cujas conclusões não se consegue, sequer, identificar positivamente os factos que, no entender do recorrente, deveriam figurar como não provados ou provados e não figuram.
Das conclusões das alegações da Recorrente, acima transcritas, não consta qualquer referência especificada a factos que não tenham ficado provados e nos quais, enquanto julgados provados, tenha assentado o juízo sobre o bem fundado dos indícios do acordo simulatório.
Tão pouco é enunciada a decisão em matéria de facto que, quanto a cada um dos factos tidos por não provados, deveria ter sido tomada. Não se diga que essa decisão era, tacitamente, a de que ficaram provados, pois essa não é a única alternativa à decisão da sua não prova. Com efeito entre o tudo ou nada da prova ou não prova pode haver artigos parcialmente provados ou provados quo modo.
Assim, no que respeita a factos alegadamente mal julgados como provados na sentença recorrida, a resposta a esta questão é negativa.

Não é imediatamente apreensível o sentido da alegação de que Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... não fez qualquer alusão às conclusões a que chegou a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., relativamente à venda da prata efectuada pela Recorrente à sociedade [SCom02...] Unipessoal, Lda, a qual, por sua vez, foi comprada à sociedade [SCom03...]
Aventamos que se pretendeu dizer que este facto, alegadamente omisso na fundamentação das correcções introduzidas à matéria colectável da Impugnante que determinaram as liquidações impugnadas, uma vez considerado, faria esmorecer qualquer aparência de fundados indícios da simulação das facturas.
Sucede que, percorrida a discriminação dos factos provados, não vemos que deles conste ter sido feita uma inspecção à empresa “[SCom02...] unipessoal” pela DDF ....
É certo que, na discussão da prova testemunhal, a propósito do depoimento da testemunha «DD» (contabilista da impugnante), a Mª Juiz a qua afirma que a testemunha declarou que “fora contactada telefonicamente por um funcionário da Direcção de Finanças ... na sequência de uma comunicação dirigida à Impugnante, mas que não foi recebida por esta. Acrescentou que a comunicação respeitava a uma inspecção que estava a ser realizada à [SCom02...], que estavam em causa as mesmas quatro facturas”. Mas isso não é o mesmo que dar por provado o objecto destas declarações, o que, aliás, não consta da discriminação dos factos provados.
Acresce que a recorrente não se insurgiu contra a falta de semelhante facto no elenco dos facos julgados provados, aliás, não o alegou na Petição.
Ora, sobre um facto não alegado nem julgado provado, não pode assentar qualquer crítica à sentença, designadamente em sede de apelação.
É, assim, totalmente inconsistente também este argumento no sentido da suficiência dos indícios da simulação do objecto das facturas em causa.
Contudo, da improcedência destes dois singelos argumentos não resulta necessariamente a improcedência da alegação de que a sentença errou porque julgou serem fundados os indícios invocados pela AT, da falsidade das facturas.
Note-se que, alegada que foi, de todo o modo, nas conclusões do recurso, a referida insuficiência de indícios, assiste ao tribunal o poder de conhecer da correspondente questão para lá da argumentação de jure esgrimida pelas partes (cf. artigo 5º nº e 3 do CPC).
O julgamento da Mª Juiz a qua sobre a suficiência dos indícios e a consequente inversão do ónus da prova em desfavor da Impugnante, nos termos do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, é redutível às seguintes transcrições:
«(…)
Retomando o caso dos autos, importa, em primeiro lugar, averiguar se a Administração Tributária reuniu indícios sérios e consistentes para sustentar que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a operações efectivamente realizadas, afastando, assim, a presunção de veracidade das declarações apresentadas e da contabilidade exibida pela Impugnante.
Estão em causa quatro facturas emitidas para a Impugnante pela sociedade [SCom03...] Lda., no período entre 16.05.2017 e 02.06.2017, as quais ascendem ao preço total de € 93.500,00, acrescido de IVA no total de € 21.505,00. Na sequência do procedimento inspectivo realizado, a Administração Tributária decidiu desconsiderar a dedução do respectivo IVA, por entender que as facturas não correspondem a efectivas aquisições de bens, fundamentando tal decisão num conjunto de indícios de simulação decorrentes de elementos recolhidos, quer à entidade emitente das facturas, quer directamente à Impugnante, quer relacionados com os elementos de formalização do negócio.
Os indícios enunciados no relatório de inspecção são os seguintes:
I) As facturas emitidas pela [SCom03...] à Impugnante mencionam, no seu descritivo a venda de varetas de soldadura, o que é contrariado pelas declarações do seu sócio e gerente, que afirma ter adquirido prata;
II) As facturas emitidas pela Impugnante à [SCom02...] mencionam, no seu descritivo, a venda de prata, havendo uma total correspondência com as datas e quantidades compradas pela Impugnante à [SCom03...],
III) No ano de 2017, não se verificaram quaisquer outras compras da Impugnante à [SCom03...];
IV) No inventário da [SCom03...], reportado a 31.12.2016, não consta qualquer prata, e, no ano de 2017, essa sociedade adquiriu apenas sucata de cobre, concluindo-se, assim, que aquela sociedade não tinha prata para vender no ano de 2017;
V) Nas declarações prestadas no âmbito do procedimento inspectivo, o sócio e gerente da Impugnante afirmou que a prata que vendeu à [SCom02...] era, seguidamente, revendida à [SCom04...] e, nas vendas subsequentes, a prata entregue pela [SCom03...] à Impugnante era sempre a mesma;
VI) Nas mesmas declarações, o sócio e gerente da Impugnante afirmou que o ganho obtido com o negócio consubstanciou-se, para além da margem entre a compra e a venda, no valor de uma factura emitida por serviços prestados;
VII) A margem de comercialização obtida pela Impugnante foi de apenas € 5,00 por quilograma, quando poderia ter obtido uma margem bastante superior, atendendo à cotação da prata a data;
VIII) Nas declarações prestadas no âmbito do procedimento inspectivo, o sócio e gerente da Impugnante afirmou ainda que, por sua exigência, a prata foi transportada pelo fornecedor para ...;
IX) Ainda nas mesmas declarações, o sócio e gerente da Impugnante afirmou ter acordado com o fornecedor só proceder ao pagamento depois de receber o pagamento do cliente e que, quer os recebimentos, quer os pagamentos, ocorreram em numerário;
X) O negócio foi celebrado em várias tranches;
XI) Em datas anteriores à emissão das facturas, ocorreram transacções directas entre as sociedades [SCom02...] e [SCom04...], detida pelos mesmos sócios da [SCom03...];
XII) Os pagamentos realizados pela Impugnante foram contabilizados pela [SCom03...] como crédito sobre a [SCom04...];
XIII) Apesar de terem sido utilizadas como documento de transporte, as facturas emitidas pela [SCom03...] à Impugnante e por esta à [SCom02...] não possuem todos os elementos legalmente previstos para aquele efeito e indicam que foram realizados transportes entre ... e ... e, depois, entre ... e ..., sendo, portanto, incoerentes com as já referidas declarações do sócio e gerente da Impugnante
XIV) Duas das facturas emitidas pela [SCom03...] para a Impugnante foram registadas informaticamente mais de um mês após a respectiva emissão;
XV) Trata-se de um negócio pontual, que altera significativamente os valores de IVA liquidado e deduzido pela Impugnante, quando comparados com os restantes períodos do ano de 2017.
Como se deixou expresso no segmento Fundamentação de facto, ficou por demonstrar nos autos a factualidade subjacente a diversos aspectos nos quais a Administração fundamentou para indiciar o negócio em causa como simulado. É o caso dos aspectos elencados na primeira parte do ponto I) e nos pontos IV), XI), XII) e XIV).
Por outro lado, alguns dos aspectos elencados pela Administração não podem ser entendidos como indícios da alega[da] simulação, como é o caso do que vem referido no ponto II), porque, neste caso, o relatório de inspecção pretendia evidenciar a contradição entre os descritivos das facturas de compra e de venda, sendo que, como se referiu, ficou por demonstrar que o descritivo constante das facturas emitidas pela [SCom03...] à Impugnante identifica varetas de soldadura.
Por outro lado, o aspecto mencionado no ponto VII) reveste natureza meramente conclusiva, porquanto não é enunciado do relatório de inspecção qualquer análise comparativa com outros negócios celebrados em condições idênticas, apenas se mencionando a cotação da prata à época. Seguindo o raciocínio da inspecção tributária, essa questão colocar-se-ia também em relação ao preço de compra. A prática de preços mais próximos da cotação, quer na compra, quer na venda, não se traduzira, necessariamente, numa margem de comercialização superior.
Aqui chegados, importa explicitar que os indícios recolhidos pela Administração para sustentar que, com elevada probabilidade, as facturas não titulam operações reais, devem ser ponderados conjuntamente. O que significa que a ausência de prova ou a irrelevância de alguns desses indícios não abala, necessariamente, a conclusão final alcançada pela ponderação dos restantes.
Vejamos então, se esses restantes indícios, elencados pela Administração e que assentam em factualidade dada como provada nos presentes autos, são ou não suficientes para, ponderados conjuntamente, abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da Impugnante e dos respectivos documentos de suporte.
A resposta é necessariamente afirmativa.
Com efeito, ficou provado que a Impugnante praticou, num curto período, inferi[o]r a três semanas, um negócio que se desenquadra das transacções que habitualmente realizava, quer com o fornecedor em causa, quer com outros fornecedores ou clientes, o que se traduziu numa alteração significativa dos valores de IVA liquidado e deduzido, quando comparados com os restantes períodos do ano de 2017. Por outro lado, as declarações prestadas pelo sócio e gerente da Impugnante no âmbito do procedimento inspectivo indiciam que o negócio não se realizou nos termos constantes das facturas de compra contabilizadas pela Impugnante, pois, conforme decorre da matéria de facto fixada nos autos, declarou durante o procedimento inspectivo que a mesma prata foi adquirida e revendida sucessivamente.
No entanto, independentemente deste aspecto, o que sobressai do conteúdo das declarações prestadas pelo referido sócio e gerente no procedimento inspectivo, e reiterado na audiência realizada nos presentes autos, são os contornos em que, alegadamente, o negócio foi celebrado. Com efeito, a tese da Impugnante e do seu sócio e gerente é a seguinte: o negócio foi celebrado em diversas tranches, à medida da disponibilidade do fornecedor, isto apesar de inicialmente o seu representante ter questionado o sócio e gerente da Impugnante sobre a possibilidade e interesse em obter comprador para 200 kgs de prata; por exigência do sócio e gerente da Impugnante, a prata foi transportada pelo fornecedor para ..., isto apesar das facturas emitidas indicarem que, em cada transmissão, foram realizados transportes das instalações do fornecedor para as da Impugnante e destas para as do cliente; os pagamentos foram todos realizados em numerário e a Impugnante só pagou ao seu fornecedor após receber o pagamento do cliente.
Ora, esta factualidade constitui, por si, indício suficiente de que, com elevado grau de probabilidade, estão em causa facturas sem aderência à realidade. Acresce, que, também na tese da Impugnante e do seu sócio e gerente, o ganho obtido com o negócio não se limitou à pura margem de comercialização, mas também ao valor de uma factura, emitida igualmente no referido período de três semanas que mediou entre a emissão da primeira e da última factura. Ora, a mera existência desta factura, sem especificação dos serviços prestados e justificada nos termos referidos pelo sócio e gerente da Impugnante constitui um indício forte da ocorrência de simulação.
Face ao exposto, considera este Tribunal que os factos indiciários recolhidos pela Administração, apreciados criticamente e no seu conjunto, conduzem efectivamente à formação de um juízo sério e consistente sobre a probabilidade de as facturas contabilizadas não terem aderência à realidade, sendo que à Administração Tributária cabia precisamente fazer esta prova, e não a prova de que as operações eram, com toda a certeza, simuladas. Ou seja, a Administração logrou instruir o procedimento inspectivo com elementos suficientes, cumprindo, assim, de modo sustentado e fundamentado, o ónus da prova que lhe competia.
Dado esse passo, ou seja, cumprido o referido ónus da prova por parte da Administração, recaía sobre a própria Impugnante o ónus da prova da veracidade das operações. (…)»
Desde já adiantamos que, apesar do rigor do raciocínio e da clareza da sua exposição, não secundamos o juízo da Mª Juiz a qua posto que apenas na parte em que julga, ainda assim, suficiente os factos-índice remanescentes.
Vejamos:
Trata aqui, verdadeiramente, apenas de discutir se eram suficientes, para os efeitos do artigo 75º nº 1 alª a) da LGT, os indícios que a AT concluiu possuir, de que as operações facturadas à impugnante pela “[SCom03...]” nunca tinham ocorrido, sendo certo que à Recorrente não interessa provar a veracidade do objecto das facturas se o tribunal julgar insuficientes os indícios colhidos pela AT relativamente à tese da falsidade.
Ora, o conceito de falsidade das facturas, para os presentes efeitos, tem de integrar o elemento subjectivo do conhecimento e vontade da simulação por parte do utilizador das mesmas, sob pena de saírem violados quer o principio constitucional da ordem dos direitos liberdades e garantias, do Estado de Direito, quer os princípios procedimentais tributários da Boa Fé e da Colaboração. Além disso, no que respeita ao IVA, consumar-se-ia uma compressão do direito subjectivo à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo (cf. artigo 19º do CIVA), limitação que o legislador comunitário quer que seja uma ultima ratio, a ocorrer apenas em caso de fraude ou deliberado abuso Vide os Acs de 6 de Dezembro de 2012, Bonik, C‑285/11, § 25 e 26; de 19 de Outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, § 35 e 36, de 21 de Março de 2018, Volkswagen, C‑533/16,§ 37 e 39, de 16 de Outubro de 2019, Glencore, C-189/18, § 33)..
Assim sendo, os “indícios fundados” que, para os efeitos do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, cumpria à AT obter têm por objecto não apenas o não acontecimento das transacções no tempo e no modo documentados nas facturas, mas também o intuito fraudulento, enfim, todos os elementos subjectivos e objectivos do acordo simulatório, seja ele relativo a uma simulação absoluta, seja-o a uma simulação relativa, seja quanto aos sujeitos, seja quanto ao objecto do negócio facturado.
In casu, a Mª Juiz, apesar de convir em que significativa parte dos factos invocados pela AT como geradores dos indícios fundados acabara não provada em juízo ou inócua, julgou que o conjunto dos restantes era suficiente para se julgar serem suficientes os indícios colhidos de que as transacções objecto das facturas da [SCom03...] eram simuladas no sobredito sentido também subjectivo.
Será assim? vejamos:
Os factos remanescentes, por provados e não inócuos, são o pagamento das transacções em dinheiro “vivo”, o de no ano de 2017 não se terem verificado quaisquer outras compras da Impugnante à [SCom03...], o de se ter registado no trimestre em causa um invulgar aumento do volume de negócios da Impugnante, o de o sócio gerente ter declarado que era “sua convicção que a venda da mercadoria constante das facturas em causa foi faseada por se tratar sempre da mesma prata, uma vez que a mesma, adquirida pela [SCom02...], era logo de seguida vendida de novo à [SCom04...]”; o facto de as facturas emitidas pela [SCom03...] à Impugnante e por esta à [SCom02...] não possuírem todos os elementos legalmente previstos para aquele efeito e indicarem que foram realizados transportes entre ... e ... e, depois, entre ... e ..., sendo, portanto, incoerentes com a declaração do sócio e gerente da Impugnante, de que a prata fora directamente levada para ... pelo emissor da factura; o facto de o sócio gerente da Impugnante ter declarado no procedimento que o ganho obtido com o negócio se consubstanciou, para além da margem entre a compra e a venda, no valor de uma factura emitida por serviços prestados (de 800 €), o que seria inverosímil; e o facto de o negócio ter sido executado em várias “tranches”.
Apreciados estes remanescentes factos-índice, há a dizer, antes de mais, que são também inócuos, pois privados de qualquer contexto relevante, os factos de a execução do negócio ter sido feita alegadamente em várias tranches, de no ano de 2017 não se terem verificado quaisquer outras compras da Impugnante à [SCom03...]; e de no trimestre em causa aquela ter registado um invulgar aumento do volume de negócios.
Quanto aos mais:
O facto de não figurarem, nas facturas emitidas pela [SCom03...] à Impugnante e por esta à [SCom02...], todos os elementos legalmente previstos, se é certo que poderia, em abstracto, fundar, eventualmente, a não dedução do IVA suportado pelo tomador da factura, conforme conjugação dos artigos 36º nº 5 e 19º nº 2 alª a) do CIVA), não é realidade que implique a irrealidade ou uma forte inverosimilhança das operações facturadas, sendo certo que foi este e não aquele o fundamento da desconsideração das facturas.
As desconformidades das menções do transporte da mercadoria com declarações do Gerente da Impugnante no procedimento não têm por objecto um aspecto essencial do negócio facturado, pelo que só por si não sugerem, pelo menos fortemente, a simulação das transacções. A emissão, pelo tomador das facturas – a Impugnante – ao emissor das mesmas, de uma factura de 800 € por serviços prestados é efectivamente suspeita, por redundante relativamente à já auferida margem de lucro, mas foi explicada, verdade ou não, pelo gerente como complemento de uma margem de lucro diminuta e por a sua intervenção ter sido, em seu dizer, de intermediação.
Os pagamentos em numerário são, à partida e em abstracto, suspeitos e, aliás, ilícitos, atento o disposto no artigo 63º-C da LGT, mas não impossíveis no contexto alegado.
O facto de a Emissora das facturas não ter registada nas suas existências, em 2017, qualquer prata, tanto pode ser indiciador da omissão do registo dessas existências como da inexistência efectiva da mercadoria.
Quanto às declarações no procedimento, assinadas pelo gerente da impugnante, de que estava convicto de que a prata por si comprada à “[SCom03...]” e vendida à “[SCom02...]” nas várias tranches seria sempre a mesma, que dizer? A Impugnante alegou que não quis significar tal, que apenas quis dizer que a prata comprada à [SCom03...] era a mesma que era vendida por si à [SCom02...] e, depois, por esta à “[SCom04...]”. Mas não é esse o significado literal da transcrição no auto, antes o é o considerado pela AT e na sentença recorrida. Além disso, a declaração da identidade da mercadoria na cadeia das transacções é inútil na economia do depoimento, pois é a todos os títulos presumível. Contudo, não é fortemente inverosímil que entre o agente redactor do auto, por um lado, e o declarante, por outro, tenha havido um equívoco, um erro na comunicação que tenha resultado numa redacção desconforme com o sentido subjectivo do afirmado pelo segundo.
Acresce que nem a AT alvitrou nem nós objectivamente cogitamos – sem outros factos, que não são conhecidos – por que modo e em que medida é que a repetição de uma cadeia de compras e vendas de uma mesma mercadoria entre os mesmos sujeitos, desde que as transacções tenham sido facturadas quantas vezes foram repetidas… pode resultar em prejuízo do Fisco.
Tudo ponderado, parece-nos que, pelo menos sem uma prova efectiva dessa aparentemente absurda repetição de compras e vendas sobre o mesmo objecto – para além da mera declaração cujo significado é controvertido – e de factos que permitam representar-se a possibilidade de mediante a mesma repetição se prejudicar o Fisco, os factos índices invocados no RIT e remanescentes como provados não são suficientes para se fazer o juízo da existência de indícios fundados de que os contratos de compra e venda subjacentes às facturas da [SCom03...] não correspondiam, com conhecimento da Impugnante, à realidade.
Deste modo, a AT deixou por satisfazer o seu ónus de provar factos suficientes para se poder julgar haver indícios fundados da natureza fictícia, simulatória, das facturas, pelo que, atentos os termos dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 2 alª a) da LGT, o Contribuinte não tinha, nem tem, o ónus de provar, ele mesmo, a veracidade de todas e cada uma das operações comerciais subjacentes à emissão das facturas desconsideradas, donde se tem de concluir que as liquidações são anuláveis por erro nos pressupostos de direito.
Segue-se daqui que a douta sentença recorrida, ao julgar suficientes os indícios, efectivamente colhidos pela AT, da simulação dos negócios subjacentes às facturas, para os efeitos do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT, errou de direito.
É positiva, portanto, a resposta à pressente questão.

Conclusão:
Atenta a solução dada à questão supra, o recurso procede; e cumpre julgar a impugnação procedente.

IV – Custas
As custas do presente da acção e as do presente recurso, hão-de ficar a cargo da Recorrida, que acaba por decair em todo o objecto da causa: artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo
Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e julgar a Impugnação procedente.
Custas, nesta e na 1ª instância, pela Recorrida.

Porto, 9/11/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Carlos de Castro Fernandes
Paulo Moura