Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01805/15.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/07/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:CEMITÉRIO/JAZIGO/TRASLADAÇÃO DE OSSADAS/DL 411/98, DE 30/12 - ARTIGO 3º, ALÍNEA D)
/FALTA DE SUPORTE LEGAL PARA A CONDENAÇÃO DA RÉ NOS TERMOS EM QUE O FOI, NOMEADAMENTE EM SEDE INDEMNIZATÓRIA;
Recorrente:Junta de Freguesia (...)
Recorrido 1:A., e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
A., J. e F., instauraram ação administrativa comum contra a Junta de Freguesia (...), todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação desta a repor a situação em que o Jazigo nº 29 - secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos seus avós no referido jazigo, e a pagar-lhes a quantia de €1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto concluiu-se:
- Pela ilicitude do acto praticado pela Ré;
- Mas por não se mostrar possível a efectiva concretização da reposição natural da situação, julgou-se improcedente o pedido na parte em que vem peticionada a reposição da situação em que o Jazigo nº 29 - secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo, convidando-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo.
Finalizou-se assim:
-Julga-se parcialmente procedente a acção e, ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA, convidam-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo.
Desta decisão vem interposto recurso pela Ré.
Alegando,
concluiu:
1- a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, em matéria de direito;
2- é contrária à letra da lei, nomeadamente, o D.L. nº 411/98, de 30 de Dezembro, nomeadamente o seu artº 3º, a interpretação no sentido de o mesmo exigir a autorização de todos os co-titulares da concessão de jazigo, nos actos de inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres;
3- a interpretação correcta do artº 3º do D.L. nº 411/98, de 30 de Dezembro, seria no sentido que, o requerimento de exumação e trasladação poderia ser subscrito por qualquer herdeiro (alínea d) do artº 3º);
4- o deferimento de requerimento subscrito pela herdeira M., cumpriu o legalmente estatuído, nomeadamente, o D.L. 411/98, de 30 de Dezembro, porquanto é herdeira do defunto não havendo classe de sucessíveis anteriores;
5- É inexigível à R. que os actos de inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, conforme o estatuído no D.L. 411/98, de 30 de Dezembro, careçam de ser requeridos por todos os herdeiros dos defuntos;
6- A mera autorização para intervenção em jazigo concessionado a particulares, a quem seja concessionário do mesmo, não carece de consentimento ou autorização dos demais co-concessionários.
Sem prescindir,
7- a condenação ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA representa modificação objectiva da instância;
8- a condenação da R. abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA, é desproporcional e injustificada, e por isso nula.
Termos em que deve ser julgado procedente por provado o presente Recurso de Apelação, modificando-se a decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pedido, com as demais consequências, com o que se fará JUSTIÇA!
Não foram juntas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte
factualidade:
1) Em 9 de Junho de 1968 a Junta de Freguesia (...) concedeu a M. , R. e M., em terreno de duas sepulturas no cemitério paroquial de (...)- cf. doc. Junto ao PA;
2) o cemitério paroquial de (...), a secção C, nº 29 existe um jazigo de duas sepulturas que, em 23/1/96, se encontrava em nome de M. , R. e M.- cf. doc. Junto ao PA;
3) Em reunião da Junta de Freguesia (...) de 27 de Junho de 1995 procedeu-se ao averbamento de duas partes do jazigo referido em 2) em nome de M., sendo que, uma das partes do jazigo foi doada por sua irmã R.- cf. doc. Junto ao PA;
4) Com data de 10/7/1998 a Junta de Freguesia (...) remeteu a M. o ofício seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. doc. 4 junto coma p.i.
5) Com data de 15/7/1998 M. respondeu à carta antecedente nos seguintes termos:
6) [imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. fls. 178, verso do processo físico;
6) Em 26/1/2004 M. remeteu à Ré a seguinte carta:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

cf. fls. 179 do processo físico;
7) A Junta de Freguesia respondeu à carta antecedente nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

cf. fls. 178 do processo físico;
8) M. faleceu em 28/11/2012, deixando como herdeiros os seus filhos A., J. e F. - cf. doc. Junto ao PA;
9) O Autor, J. em requerimento de 11/3/2013 requereu o averbamento do jazigo referido em 2) em nome dos actuais herdeiros: M. , A., J. e F. – cf. PA apenso;
10) O referido requerimento foi deferido por despacho do Presidente da Junta de 5/4/2013 – cf. PA apenso;
11)Em 16/4/2013 o Presidente da Junta de Freguesia (...), emitiu a declaração seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. doc. 1 junto com a p.i.;
11) Em 12 de Novembro de 2013, M. dirigiu ao Presidente da Junta de Freguesia (...) o requerimento seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. doc. 2 junto com a p.i.;
12) Em 11/11/2013, L. emitiu a declaração seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. doc. 3 junto com a p.i.;
13) Em 13/11/2013, a Junta de Freguesia (...) emitiu guia de receita referente a transladação das ossadas de A. e de C. da Secção C Jazigo 29 para 6ª Secção Jazigo nº 6 – cf. PA Apenso;
14) Em 25/7/2014 os Autores apresentaram notificação judicial avulsa da ora Ré nos termos do doc. 5 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
15) A lápide do jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) encontra-se colocada no jazigo de M., sito no mesmo cemitério, na 6ª secção nº 6 – com base no depoimento das testemunhas, M., L. e D.;
16) O jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) antes da transladação apresentava alguma inclinação - com base no depoimento das testemunhas J., M., L. e D.;
17) Os Autores, J. e F., a partir da altura em que transladaram as ossadas, deixaram de se deslocar à campa onde se encontram os avós - com base nas declarações de parte prestadas por J. e F.;
16) Esta situação causa-lhes tristeza e angústia - com base no depoimento das testemunhas - com base nas declarações de parte prestadas por J. e F.;
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
Com a presente acção os Autores pretendem que o Tribunal proferia decisão condenatória da Ré a repor a situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo bem assim como a pagar aos Autores a quantia de €1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
No que tange ao primeiro pedido – de reposição da situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a reposição das ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo – os AA. sustentam a pretensão no facto de M. e L. não terem por si só capacidade para decidir a abertura do jazigo e proceder à transladação, uma vez que a primeira só detém ¼ da propriedade do jazigo e a segunda não ser, sequer, proprietária do jazigo; que a R. sabia e sempre teve conhecimento de que os AA. sempre foram contra; A R. só por si não poderia ordenar a abertura do jazigo sem a autorização de todos ou pelo menos ¾ dos seus comproprietários, ocorrendo, assim, clara violação do direito de compropriedade dos AA., pelo que a autorização de transladação é um acto anulável, devendo a R. ser responsabilizada, uma vez que a autorizou sem que se encontrassem reunidas as autorizações necessárias de todos os titulares da concessão.
O que está, pois, em causa é, em primeira linha, a apreciação da validade da decisão administrativa que autorizou a transladação dos restos mortais dos avós dos aqui AA. para um terceiro jazigo (cuja concessionária é M., tia dos AA.), com base no pedido de autorização de um dos titulares da concessão, mais concretamente, de M..

Vejamos então.
Discutindo-se nos presentes autos a actuação da Ré que, com base no pedido de um dos co-titulares do jazigo integrado em cemitério administrado por uma freguesia, autorizou a transladação de ossadas nele depositadas, cumpre, em primeiro lugar, ter presente que os cemitérios, quer os municipais quer os paroquiais, são bens do domínio público, qualidade essa que resulta dos mesmos pertencerem a uma autarquia local e se destinarem à inumação de todos aqueles que falecerem na circunscrição onde se situam e de serem de acesso livre ( artigos 34º, nº4 alínea b), e 66º, nº2 alínea h), da Lei nº166/89, de 18.09, alterada pela Lei nº5-A/2002, de 12.01, e pela Lei nº67/2007, de 31.12 e ainda a Lei 75/2013 de 12 de setembro) – cf. Acórdão do Tribunal de Conflitos 13/2015 de 17 de setembro de 2015; Ac. Rel. Porto 12 maio de 2009, Proc. 3376/08.8TJVNF-A.P1; Ac. Rel. Guimarães 09 de Março de 2017, Proc. 69/16.6T8PRG.G1.
Todavia, porque a existência de tais espaços encontra a sua justificação na contribuição que eles podem dar para que a inumação dos cadáveres se processe em condições higiénicas e sanitárias dignas e porque se considera que essa finalidade será melhor alcançada se o seu uso for privativo, os mesmos encontram-se divididos em parcelas de pequenas dimensões cujo uso é facultado, de um modo individual e através de títulos de concessão, às pessoas que dele necessitem. Estes títulos, que documentam a atribuição, por acto ou contrato administrativo, dessas parcelas pertencentes ao domínio público ao uso e utilização privativa de certa pessoa, que pode ser perpétua, permitem a constituição de direitos de índole administrativa sobre elas, direitos estes que, apesar de serem regulados pelo direito administrativo em todos os seus aspetos, são, observadas determinadas condicionantes, transmissíveis.
É possível, então, caracterizar o direito ao uso privativo em causa como direito subjectivo público, consubstanciado no direito de utilização de uma parcela do domínio público, atribuído a um particular, para uma concreta finalidade (a inumação de cadáveres), podendo o administrado exigir do Estado-administração o assegurar do exercício do direito que lhe foi concedido. Cumpre ainda referir que o direito ao uso privativo em causa apenas poderá ter como fonte a própria lei ou, eventualmente, um acto de vontade da própria Administração, concretizada em acto ou contrato administrativo - cfr. Acórdão do TCAN, de 03/05/2013, proferido no âmbito do processo n.º 01423/04.1BEBRG.
Sucede, pois, que os terrenos dos cemitérios são bens de domínio público, não podendo constituir-se sobre eles quaisquer direitos dos particulares com base no instituto de direito privado da posse, e atento o disposto no artigo 202.º, n.º 2, do Código Civil, de que resulta que os bens do domínio público se encontram fora do comércio jurídico, não podendo assim ser objecto de apropriação individual.
Como se nota no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 13/2015 de 17 de Setembro de 2015: “o direito de propriedade de particulares sobre jazigos só existe, pois, se e na medida em que exista aquele direito de uso privativo da respetiva parcela do bem do domínio público, direito este que só se constitui através daquele título especial, a concessão, que podendo embora ser «acto», configura normalmente um «contrato administrativo». A «concessão» é, assim, e nestes casos, uma forma da autarquia local, sem se demitir do seu domínio, proporcionar aos particulares mais e melhor extração das utilidades inerentes à coisa pública, constituindo na esfera jurídica deles um «direito ao uso privativo da parcela de terreno do cemitério», que é «um direito subjetivo público» [Freitas do Amaral, in A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, páginas 170 e seguintes; Fernando Alves Correia, in Revista de Direito e Justiça, UCP Faculdade de Direito, página 114]. Este direito subjetivo público nasce, pois, na esfera jurídica do concessionário, tendo como fonte ou um «ato administrativo» ou um «contrato administrativo de concessão», e estando fundado, portanto, num negócio jurídico praticado ao abrigo de «disposições de direito administrativo». Trata-se, aqui, de um direito de natureza administrativa, que tem um conteúdo diferenciado dos correspondentes direitos de natureza civil, o que resulta «do seu regime próprio, onde encontramos circunstâncias ou obrigações que lhe concedem uma tipicidade inconfundível», como a de poderem ser usados «apenas em conformidade com os Regulamentos, as autorizações e as práticas adequadas à função específica […]» [Vítor Manuel Lopes Dias, in Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, páginas 369 e 370]”
É pacífico, portanto, o entendimento de que tais direitos, apesar de não terem o mesmo conteúdo e alcance que os direitos civis, não sendo por isso, suscetíveis do mesmo tipo de uso, fruição e disposição, são suscetíveis de transmissão por morte aos herdeiros do de cujus.
E a justificação para tal entendimento radica no facto de ser comumente aceite que a construção de jazigos e sepulturas se destina a preservar os sentimentos de piedade e respeito pelos membros falecidos da família e de se considerar que essa transmissão é a melhor forma de assegurar a continuidade desses sentimentos familiares – cf. Acórdão do STA 06 de Março de 2002, Proc. 046143, onde se salienta que “(…) a transmissão hereditária do jazigo ou sepultura reservada é normal por estar em perfeita conformidade com a concepção “familiar” que tradicionalmente os acompanha” tem sido considerado que essa transmissão se encontra dispensada da autorização ou consentimento da autarquia a quem pertence o cemitério, sendo apenas necessário proceder ao seu registo. Todavia, e na mesma ordem de considerações, tem também sido dito que esta livre transmissibilidade deve ser restrita aos familiares que se incluem na sucessão legítima, por serem estes os herdeiros que, pela proximidade dos seus laços familiares, melhor garantem a preservação daqueles valores morais e sentimentais. E, sendo assim, a transmissão daquela concessão para além dos parentes que se incluem naquela sucessão, que naturalmente já não sentem a afeição, a proximidade e o respeito pelos familiares mais distantes, exigiria o mencionado consentimento ou autorização pois que os mesmos encontrar-se-iam, no que toca aos falados sentimentos, numa situação muito semelhante à dos terceiros e, porque assim, não deveriam ser positivamente discriminados em relação a estes (Lopes Dias, local citado, pg. 395 e segs.). Convém, no entanto, referir que tais direitos administrativos cuja constituição radica nas mencionadas concessões “são direitos precários, resolúveis não definitivos, constituídos para determinado fim, limitados por factores atuantes de interesse público submetidos a um ordenamento de interesse colectivo e sujeitos ao controle da Administração”.
Atenta a particular natureza destes direitos, mesmo nas circunstâncias de transmissão por sucessão legítima, a administração não está impedida de intervir. A Administração tem um “largo controle sobre o uso, fruição e disposição dos jazigos e sepulturas e tem uma vasta possibilidade de atuação sobre elas” – cf. Acórdão Tribunal Conflitos 13/2015 de 17 de setembro de 2015 e Acórdão do STA 6 de Março de 2002, Proc. 046143
A transmissão da concessão dos mencionados espaços nos cemitérios também, pode ocorrer por negócio celebrado inter vivos se o seu titular, por razões várias, considerar que se não justifica manter o jazigo ou a sepultura e entender que melhor será transmiti-la a quem dela precise. Nesta situação atenta a particular natureza do direito, a transmissão não se rege por normas de direito civil, pelo que, como se observa no Acórdão do STA 6 de Março de 2002: “a realização de qualquer transmissão só pode tornar-se efectiva depois de um acto de aprovação ou consentimento da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia. Pertencendo o terreno ao domínio público, tendo sido permitida a ocupação deste por concessão especial, recaindo sobre a entidade pública a responsabilidade de garantia do funcionamento do serviço público em boas condições bem como duma ação de política sanitária geral, assim temos de o considerar”.
A autorização pode ser dada, de uma forma genérica, ainda que observadas determinadas condições, através das normas contidas nos Regulamentos dos Cemitérios.
Importa, assim, que naquela transmissão sejam observadas as regras constantes do direito administrativo, nomeadamente o Regulamento do cemitério onde a sepultura ou o jazigo se situam do qual poderá constar a forma estabelecida para tal. Assim, os cemitérios, porque estão integrados no domínio público, são coisas públicas destinadas ao uso público e são bens propriedade de uma autarquia local, destinados à inumação de cadáveres de todos os indivíduos que falecerem na circunscrição (Marcello Caetano; Manual de Direito Administrativo, II, pág. 917).
Em síntese, não obstante esta caracterização de um bem de natureza pública, tanto os Municípios como as Freguesias, podem fazer concessões temporárias ou perpétuas para sepulturas ou jazigos, o que não lhes retira a natureza de um bem público, porquanto esta prerrogativa, administrativamente deferida a alguém, não lhe confere o privilégio de actuar sobre a sepultura ou jazigo como se de seu dono se tratasse: o direito ao uso de cada um destes bens, que assim é prescrito ao seu assinalado beneficiário, mede-se pelo fim que objectivamente a eles está intimamente ligado e sempre na pressuposição de que se trata de bens inalienáveis, isto é, fora do comércio jurídico - os direitos particulares que se estabelecem sobre cada uma destas pequenas parcelas de terreno cemiterial são uma consequência da função do cemitério que é, como tantas vezes temos dito, a sua razão de ser e a sua finalidade (Vítor Dias; Cemitérios, Jazigos e Sepulturas; pág. 349, citado em Acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2005, proc.º n.º 987/05-1). Em conclusão, dos referidos contratos de concessão não deriva para o concessionário um direito de propriedade nos termos em que o consente o regime de direito privado, não obstante possa haver transmissão mortis causa ou entre vivos, desde que, quanto a esta última forma de transmissão tal seja autorizado pela respetiva autarquia local.
Quanto à transmissão do direito de concessão de uma campa, encontra-se a mesma sujeita às formas legalmente previstas na lei civil, a saber, testamento, escritura pública de compra e venda, escritura pública de doação ou sentença judicial de partilha.
No que diz respeito às situações em que, por força de herança indivisa, haja mais do que um herdeiro, existe uma única concessão comum a todos eles.
Como foi entendido em Acórdão da Relação do Porto de 1/6/2010, no processo 344/03.0TBLMG.P1, “(…), nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2133º do C.Civil, quer os recorrentes, quer os recorridos são herdeiros legítimos de K………., o primitivo titular do direito de concessão sobre o jazigo. Por óbito deste, foi esse direito transmitido para os seus sucessores, não tendo sido objecto de partilha. Em conformidade, os recorrentes não ficaram comproprietários de qualquer quota indivisa do questionado jazigo, mas antes co-herdeiras antes co-herdeiros da herança indivisa, de cujo acervo o direito de concessão do jazigo em causa fazia parte. E assim ocorre porque a comunhão hereditária não constitui uma compropriedade. Os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (art. 1403º, nº 1, do CC); são apenas titulares de um direito à herança, universalidade de bens, podendo estes ficar a pertencer só a uns ou a um e os outros compensados em tornas (cfr. Ac. desta Relação de 26-10-2009, JTRP00043064, Rel. Des. Fernandes do Vale, acessível em www.dgsi.pt). Como se refere no Ac. do STJ, de 23.03.82 (BOL. 315º/275), aí citado, “A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, e não, como na herança, sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará”. Bem podendo, assim, suceder que, na partilha que venha a efectuar-se, a quota indivisa a que se arrogam sobre o jazigo não venha a ser adjudicada aos recorrentes. Enquanto elemento de uma universalidade que integra o acervo (ainda) não partilhado, o direito à ocupação do jazigo não deve definir-se em função do fraccionamento das diversas quotas hereditárias, mas antes em função da finalidade para que foi concedido, que é a do depósito dos restos mortais dos familiares falecidos daqueles que beneficiam da concessão administrativamente concedida. De onde se vê que o sepultamento no jazigo da urna contendo os restos mortais da falecida mãe dos Réus, I………., é conforme à finalidade para que ele foi concedido, não mais podendo ser questionado, não merecendo, assim, acolhimento a pretensão dos recorrentes de condenação dos RR. a procederem à respectiva remoção”.
Nestas circunstâncias, quaisquer actos que visem, não apenas o uso para inumação, mas também a modificação exterior das sepulturas concessionadas bem assim como trasladação, isto é, o transporte de cadáver inumado em jazigo ou de ossadas para local diferente daquele em que se encontram, a fim de serem de novo inumados, cremados ou colocados em ossário; ( artº 2º, alínea g) do DL 411/98, de 30/12) carece do consentimento de todos eles, uma vez que os herdeiros são co-titulares da concessão, nenhum deles detendo a exclusividade do seu exercício.
Em reforço deste entendimento, veja-se que o Regulamento do Cemitério da Freguesia de (...), de 14 de Julho de 2000, estabelece no artº 7º, que têm legitimidade para requerer a prática de actos regulados no regulamento, nomeadamente a transladação, sucessivamente: “a) Testamenteiro, em cumprimento das disposições testamentárias; b) Cônjuge sobrevivo; c) A pessoa que vivia com o falecido em condições análogas às dos cônjuges; d) Qualquer herdeiro; e) Qualquer familiar; f) Qualquer pessoa ou entidade. (…) 3 - O requerimento para a prática desses actos pode também ser apresentado por pessoa munida de procuração com poderes especiais para esse efeito, passada por quem tiver legitimidade nos termos dos números anteriores” e no seu artº56.º, sob a epígrafe Autorizações” que “1 - As inumações, exumações e trasladações a efectuar em jazigos ou sepulturas perpétuas serão feitas mediante exibição do respectivo titulo ou alvará e de autorização expressa do concessionário ou de quem legalmente o representar (…)”.
Temos, por conseguinte, que tal como resulta do probatório, o direito de concessão do jazigo em causa nos autos pertence aos co-herdeiros da herança indivisa, M., F., A. e J..
E, se assim é, a transladação das ossadas do jazigo (sito na Seção C nº 29) pressupunha a autorização de todos e não só de M. , que instruiu o requerimento em que solicitou à ora R., autorização para a transladação das ossadas de seus pais, apenas com uma declaração de L., sua irmã, mas não co-herdeira do referido jazigo, em que esta última manifestou não ver qualquer inconveniente na referida transladação.
Note-se que, de toda a factualidade provada, não decorre existir um qualquer motivo ou razão de força maior que justifique a autorização da transladação das ossadas dos avós dos AA. do jazigo onde se encontravam para outro no mesmo cemitério paroquial de (...) (sito na 6ªa secção nº6), sem que estivessem reunidas todas as autorizações dos co-titulares da concessão. Na verdade, não resulta de todo da factualidade assente, p.ex. que a mudança de jazigo se ficou a dever a necessidades de realização de obras de conservação e/ou de beneficiação.
Sublinhe-se que este entendimento já havia sido expresso pela ora R., quando ainda era viva M., mãe dos AA. que, juntamente com M. eram concessionárias do jazigo (ver declaração de averbamento de alvará de 27/6/1995), através de carta de 10/7/1998, subscrita pelo então Presidente da Junta de Freguesia.
Acontece que, face às desavenças que já existiam entre M. e M. e que permanecem, agora, entre M. e os sobrinhos, ora AA., (tal como se refere na carta suprareferida e resultou do depoimento das testemunhas inquiridas em audiência final), o que se terá pretendido é contornar a quase certa recusa dos ora AA. em autorizar a transladação que veio a ser concretizada em face da autorização concedida pela R.
Aqui chegados, embora resulte do DL nº411/98 que às autarquias na qualidade de possuidoras e administradoras dos cemitérios compete, nomeadamente, autorizar (artigo 4º nºs 2 e 3) e fiscalizar (artigo 28º), certo é que, a autorização da transladação das ossadas dos avós dos AA. nunca poderia ter ocorrido como ocorreu, sem a autorização do concessionário (que no caso em apreço é plural e, por conseguinte, de todos os titulares da concessão), razão pela qual, se mostra a actuação da R. contrária à lei.
Vejamos agora se se mostram reunidos os pressupostos para que o tribunal condene a Ré nos termos peticionados, isto é, condenação da Ré (i) a repor a situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo; (ii) a pagar aos Autores a quantia de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Como é sabido, a efectivação de responsabilidade civil extracontratual depende da demonstração da verificação dos seguintes pressupostos: ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano.
Estabelece o artº 7º, nº 1 Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que “O Estado e demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.
E no artº 8º do mesmo texto legal dispõe-se que: "1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam em razão do cargo”. 2 – O estado e as demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
Decorre desta norma que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem por aqueles actos quando praticados pelos titulares dos respectivos órgãos, funcionários ou agentes e que em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada ou assente em causa de pedir por facto ilícito praticado no exercício de funções por R. funcionário/agente por forma meramente negligente (culpa leve) é aplicável o disposto no artº7º, nº1 que prescreve a responsabilidade exclusiva da Administração perante o lesado.
No que respeita à responsabilidade civil por actos ilícitos e culposos, como vimos, a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, estabelece que o Estado e demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício e que os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam em razão do cargo, referindo o nº2 do referido preceito que o estado e as demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas no numero anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício – v. artºs 7º e 8º.
Por sua vez, nos termos do art. 9º da referida Lei, consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
De acordo ainda com a mesma lei, “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”, “ sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos” – v. artº 10º.
A responsabilidade civil da Administração por facto ilícito assenta, assim, em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil, e que são: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e dano.
Assim sendo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência directa e necessária daquele.
Importa agora averiguar como se efectua a transposição destes pressupostos nos casos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos ilícitos e culposos.
O acto ilícito pode integrar, como vimos, quer um acto jurídico quer um acto material, podendo consistir num comportamento activo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o acto que foi omitido. Naturalmente que a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas só se verifica se os actos ou omissões tiverem sido praticados pelos titulares dos seus órgãos ou agentes no exercício das suas funções e por causa desse exercício, ou seja, quando estivermos perante actos funcionais.
A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor sendo que, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
A culpa será aferida, pois, pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que actua com respeito pela lei.
Da aplicação do disposto no artigo 487.º do Código Civil, à matéria dos autos, resulta que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se houver presunção de culpa.
Face às considerações supra descritas, impõe-se efectuar a subsunção dos factos às supra referenciadas normas legais.
No caso vertente, é sabido, desde logo, como vimos, que a Ré, na qualidade de entidade possuidora e administradora do cemitério competia-lhe autorizar e fiscalizar determinados actos, nomeadamente, a transladação de ossadas de um jazigo para outro, desde que verificados todos os pressupostos legais o que in casu não sucedeu, pelo que, praticou um acto fora dos parâmetros legalmente aplicáveis e, por conseguinte, ilícito.
Estando demonstrada a ilicitude da conduta, segue-se a verificação dos pressupostos do dano e nexo de causalidade, de modo a aferir se a R. é, a final, responsável pelos danos causados, o que, em caso afirmativo, implica a respectiva quantificação da obrigação de indemnizar.
No âmbito da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, não aflora qualquer especificidade no que concerne ao conceito de nexo de causalidade, donde que é plenamente aplicável o que dispõe a lei civil, o que significa que, nos termos do artigo 563º do CC, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A alusão à probabilidade do dano revela a adopção da teoria da causalidade adequada, que encerra o entendimento de que é necessário que o facto tenha sido, em concreto, condição sine qua non do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção. Partindo de uma formulação negativa, para que se considere um facto ilícito culposo causal de um dano é mister que este seja uma consequência normal, típica, provável daquele, cabendo a sua prova a quem invoca o direito à indemnização, nos termos do artigo 342º, nº 1, do CC (cf. Acórdão do STA, de 11-03-2010, proc. nº 0191/09).
Relativamente aos danos e à respectiva obrigação de indemnizar, resta referir que, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, a indemnização devida será, em regra, correspondente ao dano apurado. A indemnização tem por finalidade a reparação de um dano, por via da reconstituição da situação que existiria não fora o acontecimento que obriga a essa reparação (cf. artigo 562º do CC; artigo 3º, nº 1, do RCEP). O dever de indemnizar está preordenado, prioritariamente, à reconstituição natural, mas pode suceder que isso seja inviável, por não existir possibilidade material de repor a situação que existiria se não ocorresse a lesão (v.g. quando o bem lesado não seja fungível), por haver mais danos do que aqueles que podem ser reparados pela reconstituição natural, ou por a mesma se mostrar excessivamente onerosa para o lesante, à luz do princípio da boa-fé (artigo 566º, nº 1, do CC; artigo 3º, nº 2, do RCEP). Se a reconstituição natural for inviável, tem lugar a reconstituição por equivalente, mediante o pagamento de uma indemnização fixada em dinheiro no montante equivalente aos danos – sem prejuízo, nomeadamente, das disposições que preveem a redução ou a exclusão da indemnização, como seja nos casos de culpa do lesado.
Aqui chegados, e circunscrevendo as questões controvertidas no que respeita aos danos, por alusão ao princípio do pedido, cabe referir que, no que concerne aos danos patrimoniais e não patrimoniais, os AA. alegam que a R. é a responsável por todas as despesas com a remoção da lápide daquele jazigo que terá sido danificada aquando da abertura do jazigo, partindo-a e que o custo de reparação seria de cerca de €500,00 (quinhentos euros). Além disso, sustentam que, desde que tomaram conhecimento da abertura indevida do jazigo, por parte da Ré, se sentem bastante tristes e abalados, quando visitam o referido jazigo, perdendo a vontade de visitar o referido jazigo; que antes desta situação acontecer, o referido jazigo estava sempre arranjado e bonito, o que não acontece actualmente; nunca mais puderam visitar as ossadas dos seus avós, pelo facto das ossadas estarem depositadas num jazigo propriedade de outros familiares; sempre foi o desejo dos pais dos Autores manter as ossadas dos seus pais (avós dos Autores) no Jazigo nº 29 — secção C, jazigo de família e de sua propriedade para, desse modo, se manter toda a família unida, após a sua morte, no jazigo que adquirira (Jazigo nº 29 - secção C); não podem visitar o Jazigo onde atualmente repousam as ossadas dos seus avós, sendo os Autores, constantemente, ameaçados de morte caso estes se aproximem do jazigo onde atualmente estão depositadas as ossadas dos avós dos Autores, situação essa que os pais dos Autores e os próprios Autores sempre quiseram evitar e que, por esse motivo, adquiriram um jazigo no Cemitério, ficando, assim, os Autores ainda mais desgostosos e tristes, pelo facto de não estar a ser cumprida a vontade de seus pais, por culpa única e exclusiva da atuação ilícita da Ré.

Vejamos.
Quanto ao valor peticionado e que corresponde ao valor de reposição da lápide, note-se que não resultou provado nos autos que, aquando da transladação das ossadas a lápide do jazigo tenha ficado danificada mas, antes, sim que tal lápide foi colocado no jazigo onde agora se encontram os avós dos AA., pelo que, é forçoso concluir que tal dano não ocorreu e, por conseguinte, falece o pedido do seu ressarcimento.
E quanto ao pagamento da quantia peticionada a título de danos não patrimoniais? Será que oferece razão aos AA. no que tange ao seu ressarcimento?
Nos termos do artigo 496º, nº 1, do CC, apenas se deve reputar como indemnizáveis os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Conforme tem sido consolidado na jurisprudência, “não obstante os danos não patrimoniais respeitarem à alteração/depreciação das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, traduzindo-se em estados de sofrimento ou de dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, importa realçar que a avaliação da sua gravidade não é feita à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), aferindo-se, antes, segundo um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), constituindo, desde há muito, orientação consolidada na jurisprudência que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º [do CC]” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2018, proc. nº 1842/15.8T8STR.E1.S1).
Posto isto, importa sublinhar que o critério que a lei enuncia para a fixação da compensação por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (cf. artigo 566º, nº 3, do CC), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização, e quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (cf. artigo 494º do CC).
Diga-se que a pretensão dos AA., neste aspecto, só pode estar votada ao insucesso. Desde logo, porque, conforme resulta do probatório não se logrou dar como assentes determinados factos em que assentava o pedido de ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais sofridos pelos AA. isto é, que não podem visitar o jazigo onde actualmente se encontram os avós, sendo ameaçados se o fizerem, tendo apenas resultado provado que os AA., J. e F., a partir da altura em que transladaram as ossadas, deixaram de se deslocar à campa onde se encontram os avós e que esta situação lhes causa tristeza e angústia, circunstâncias que não revelam o nível de gravidade exigível para que possam ser considerados ressarcíveis.
Nesta parte, assim, improcede o pedido formulado pelos AA.

Vejamos agora se se mostram reunidos da condenação da R. “a repor a situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo”.
Desde logo, importa sublinhar que o referido pedido envolve a realização de operações materiais consideradas pelos AA. como aquelas que repõem o direito violado e que se reconduzem à obrigação de recolocar a situação nos termos em que ela se apresentava antes da prática do acto (ilícito).
Acontece que, situações há em que, face aos concretos contornos da situação, se pode vir a revelar inviável ou impossível a realização de tais operações materiais, caso em que se impõe, em sua substituição, a fixação de indemnização que corresponderá a uma compensação pelo facto de já não ser possível repor a situação que por direito lhes pertencia.
É o que sucede no caso dos autos.
Na verdade, como vimos, resulta do DL nº 411/98 de 30.12 que a a trasladação de cadáveres ou ossadas depende de autorização a emitir pela R., o que sucedeu, tendo dado causa a que se removessem as ossadas de um jazigo para outro jazigo dentro do cemitério de (...). Todavia, à R. compete apenas autorizar tal acto de transladação (artigo 4º nºs 2 e 3) mas não lhes compete a execução efectiva da mesma, competindo ao respectivo requerente efectuar, a expensas suas, o acto autorizado, muito embora sob a fiscalização da respectiva junta de freguesia – cf. Acórdão do TCAN de 03-09-2009, processo 01069/05.7BEBRG.
Temos, por conseguinte, que quem executou o acto de transladação não foi a R. e, por conseguinte, também não é à R. que compete concretizar o acto de reposição das ossadas, sendo certo que há ainda outra questão que constitui obstáculo real há concretização dessa reposição e que se prende com a circunstância do jazigo onde se encontram actualmente as ossadas pertencer a um terceiro que sempre teria que dar autorização para se efectivar o levantamento das ossadas a que se seguiria a reposição peticionada.
Em face de todas as circunstâncias expostas, tudo visto e ponderado, embora ofereça razão aos AA. na questão da suscitada ilegalidade do acto de autorização da transladação, o que é um facto é que não se mostra possível a execução da reposição da situação através da colocação das ossadas dos avós dos AA no jazigo onde originariamente se encontravam, isto é, no jazigo nº 29, secção C, do Cemitério de (...).
Assim sendo, julgamos estar em presença de situação excepcional que justifica a aplicação ao caso da solução estabelecida no art.º 45º do CPTA (na versão aplicável aos autos, isto é, anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 02/10) e que, sob a epígrafe de “Modificação objectiva da instância”, estabelece:
1 - Quando, em processo dirigido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida. 2 - O prazo mencionado no número anterior pode ser prorrogado até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo. 3 - Na falta de acordo, o autor pode requerer a fixação judicial da indemnização devida, devendo o tribunal, nesse caso, ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias e determinar a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos quando se trate de tribunal colegial. 4 - Cumpridos os trâmites previstos no número anterior, o tribunal fixa o montante da indemnização devida. 5 - O disposto nos números anteriores não impede o autor de optar por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da Administração.”
O regime previsto neste art.º 45.º, como se pode ler em Acórdão do Pleno de 25/3/2010, in rec. 913/08 “(…) consubstancia uma antecipação, para o processo declarativo, de obstáculos à execução de julgado que estão também previstos para os processos executivos, nos arts. 163.º e 175.º do CPTA, sendo justificado por evidentes razões de economia processual: se, logo no processo declarativo, se antevê que, por impossibilidade ou excepcional onerosidade para o interesse público, não irá ser dada execução, através de restauração natural, a uma decisão favorável ao autor, justifica-se que se passe directamente à condenação em indemnização, como é corolário da existência de causa legítima de inexecução (arts. 166.º e 178.º do CPTA)”.
Esta é, de facto, uma opção legislativa inovadora do legislador do CPTA, que é fruto da sua intenção de adoptar fórmulas processuais que permitam concretizar com a maior rapidez a tutela possível dos direitos dos cidadãos, que não se compagina com o esquema clássico do velho processo administrativo, mas que é de uma utilidade exuberante, designadamente em matéria de contencioso de actos administrativos, que, para além de ser a primacial actividade dos tribunais administrativos, é aquela em que o velho contencioso dava uma resposta insatisfatória, à luz do direito à tutela judicial efectiva em prazo razoável, constitucionalmente reconhecida (art. 20.º, n.º 4, da CRP).
Na verdade, à face do velho contencioso administrativo, a possibilidade determinação do quantitativo de uma indemnização, numa situação em que se comprovasse ter sido violado pela Administração um direito ou interesse legítimo dos cidadãos e existisse uma causa legítima de inexecução, detectável logo no processo declarativo, só era obtida na sequência de um processo anulatório, seguido de um período de execução espontânea do julgado e de um posterior processo de execução de julgado, em que, a maior parte das vezes, o interessado era remetido para uma acção de indemnização por ser «matéria de complexa indagação» (art. 10.º, n.º 4, do DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho), uma vez que este conceito era usualmente interpretado como apenas permitindo a fixação de indemnização em casos em que a tarefa fosse possível através de operações simples, designadamente que não implicasse a produção de prova testemunhal.
Como se refere em Acórdão do Pleno do STA de 25/03/2010 (rec. 0913/08): À face do art. 45.º, em acções de indemnização em que seja formulado um pedido de reconstituição natural que se demonstre impossível ou ela provocar excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julgará improcedente o pedido (de reconstituição natural). Mas, na sequência dessa improcedência, o tribunal não pode deixar de converter o pedido de indemnização através de reconstituição natural em pedido de indemnização em dinheiro, pois «a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor» (art. 566.º, n.º 2, do CC). Por isso, mesmo que o interessado, que pediu em acção de indemnização a restauração natural, não tenha formulado um pedido sucedâneo de indemnização em dinheiro, não é aceitável que no contencioso administrativo, ao contrário do que sucede nos processos cíveis, a impossibilidade ou a excepcional onerosidade da reconstituição apenas permitam ao tribunal atribuir ao interessado uma indemnização pelo facto de não haver lugar a essa restauração, ficando de fora a indemnização derivada da actuação (pode ser uma actuação ilegítima ou legítima, esta nos casos em que há lugar a indemnização por factos lícitos) que provocou os prejuízos.”
Nesta medida, oferecendo razão aos AA. na imputada ilicitude ao acto praticado pela R., mas não se mostrando possível a efectiva concretização da reposição natural da situação, impõe-se, por força do disposto no artº 45º, nº1 do CPTA, julgar improcedente o pedido na parte em que vem peticionada a reposição da situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo, convidando-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo.
X
Na óptica da Recorrente esta decisão enferma de erro de julgamento de Direito.
Assiste-lhe razão.
Vejamos:
O pedido formulado nos autos pelos AA. foi de condenação da Ré a repor a situação em que o Jazigo nº 29 - secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo; e a pagar aos Autores a quantia de €1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Havendo condenação, apenas parcial, a ora Recorrente foi sentenciada: “ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA, convidam-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo”.
Para tal condenação, serviu de motivação aquela que acima se expôs.
A Recorrente discorda, e bem, das conclusões formuladas na sentença, até porque, baseadas em decisões de outros tribunais, que não têm o mesmo objecto dos presentes autos.
De facto, toda a motivação supratranscrita seria relevante se, nos autos, estivesse em discussão a legitimidade dos AA. quanto à concessão do jazigo em causa. O que, de todo, não acontece.
Aliás, é dado como provado na sentença a declaração emitida pela Recorrente, onde constam as quotas-partes de cada um dos AA., não havendo sequer impugnação de tal facto, pela Recorrente, em momento algum.
Assim, é claro que toda a fundamentação supra exposta visa matéria que não se encontrava em discussão.
Mas é também incompreensível a conclusão que o Tribunal a quo extraiu dos argumentos que o próprio citou:
“Nestas circunstâncias, quaisquer actos que visem, não apenas o uso para inumação, mas também a modificação exterior das sepulturas concessionadas bem assim como trasladação, isto é, o transporte de cadáver inumado em jazigo ou de ossadas para local diferente daquele em que se encontram, a fim de serem de novo inumados, cremados ou colocados em ossário; (artº 2º, alínea g) do DL 411/98, de 30/12) carece do consentimento de todos eles, uma vez que os herdeiros são co-titulares da concessão, nenhum deles detendo a exclusividade do seu exercício.
Em reforço deste entendimento, veja-se que o Regulamento do Cemitério da Freguesia de (...), de 14 de julho de 2000, estabelece, no artigo 7º, que têm legitimidade para requerer a prática de actos regulados no regulamento, nomeadamente a transladação, sucessivamente: - a) Testamenteiro, em cumprimento das disposições testamentárias; b) Cônjuge sobrevivo; c) A pessoa que vivia com o falecido em condições análogas às dos cônjuges; d) Qualquer herdeiro; e) Qualquer familiar; f) Qualquer pessoa ou entidade. (…) 3 - O requerimento para a prática desses actos pode também ser apresentado por pessoa munida de procuração com poderes especiais para esse efeito, passada por quem tiver legitimidade nos termos dos números anteriores e, no seu artº 56.º, sob a epígrafe - Autorizações que - 1 - As inumações, exumações e trasladações a efectuar em jazigos ou sepulturas perpétuas serão feitas mediante exibição do respectivo título ou alvará e de autorização expressa do concessionário ou de quem legalmente o representar (…)”.
Temos, assim, tal como resulta do probatório, que o direito de concessão do jazigo em causa nos autos pertence aos co-herdeiros da herança indivisa, M. , F., A. e J..
E, se assim é, a transladação das ossadas do jazigo (sito na Seção C nº 29) pressupunha a autorização de todos e não só de M. , que instruiu o requerimento em que solicitou à ora R., autorização para a transladação das ossadas de seus pais, apenas com uma declaração de L., sua irmã, mas não co-herdeira do referido jazigo, em que esta última manifestou não ver qualquer inconveniente na referida transladação.
Como alegado, a conclusão extraída pelo Tribunal a quo não tem qualquer reflexo, quer nos acórdãos que citou, quer na legislação que mencionou.
Com efeito, dispõe o DL 411/98, de 30 de dezembro, actualizado pela Lei 14/2016, de 9 de junho, que estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, nomeadamente no seu artigo 3º, sob a epígrafe “Legitimidade” que:
1 - Têm legitimidade para requerer a prática de actos regulados no presente decreto-lei, sucessivamente:

a) O testamenteiro, em cumprimento de disposição testamentária;

b) O cônjuge sobrevivo;

c) A pessoa que vivia com o falecido em condições análogas às dos cônjuges;

d) Qualquer herdeiro;

e) Qualquer familiar;

f) Qualquer pessoa ou entidade.

2 - (….).

Este artigo 3º é transcrito para o próprio regulamento do cemitério da freguesia (artº 7º), aliás mencionado na sentença.
Não se colocando em discussão o contido nas alíneas a), b) e c), por ao caso não se aplicarem, aplicar-se-á, por força da aplicação sucessiva das classes, a alínea d) do citado artº 3º do DL 411/98, que é refletida também no Regulamento do cemitério.
Da leitura do Diploma, infere-se o seguinte:
Têm legitimidade para requerer a prática de actos regulados no presente decreto-lei (…) qualquer herdeiro.
Em lugar algum da Lei ou do regulamento do cemitério é exigido, ao contrário do concluído na sentença, que todos os herdeiros devam estar representados.
Assim, no caso da exumação e trasladação discutidas nos autos, como bem advoga a Recorrente, em estrita obediência à letra da lei, qualquer dos herdeiros pode requerer os actos regulados no diploma, inexistindo no caso sub judice, qualquer fundamento legal que alicerçasse o indeferimento do requerimento.
Não o exigindo a lei, não pode o intérprete fazê-lo - avança a Apelante e aqui corrobora-se.
Acontece que na sentença recorrida parece existir uma confusão entre o direto de concessão de jazigo com o direito dos herdeiros sobre os restos mortais dos seus entes queridos.
Um não se pode confundir com o outro, até porque o primeiro é um direito público, sendo que as heranças e os seus direitos pertencem ao domínio do direito privado.
O primeiro será dirimido em sede dos tribunais administrativos. O segundo, nos tribunais judiciais.
Sucede que, no caso dos autos, todos os co-cessionários são também herdeiros dos defuntos, e por via dessa “confusão” de direitos, pretende-se assacar responsabilidades à ora Recorrente pela autorização da trasladação dos restos mortais dos familiares dos Autores.
Contudo, ao contrário do sentenciado, relativamente à concessão, não se trata aqui de quaisquer heranças indivisas. Todas as quotas-partes da concessão estão perfeitamente determinadas. Aliás, tal facto é dado como provado na sentença.
Ora, é evidente que, quando a lei refere que “qualquer herdeiro” pode requerer a inumação, exumação ou trasladação de cadáveres, tal referência à categoria de herdeiro, faz-se em relação aos próprios restos mortais, e não, como é notório, aos concessionários do jazigo.
Como é evidente, não pode o direito de concessão opor-se ou sobrepor-se ao direito dos herdeiros aos restos mortais.
Acresce que, como concessionário de jazigos em cemitérios, os direitos dos concessionários não se confundem com os direitos de propriedade. Aliás, matéria já muito discutida, e amplamente assente.
Assim, a mera intervenção em jazigo, seja por requerimento seja por necessidade premente, seja por decisão executiva, não carecerá de autorização de nenhum dos concessionários.
Esta autorização exige-se, mas apenas para os familiares, sucessivamente, na ordem prevista no apontado artigo 3º do DL 411/98, de 30 de dezembro.
Na sentença sob recurso confunde-se herdeiros e concessionários como se a mesma coisa fossem. Como se os seus direitos fossem unos. Um como corolário do outro. Como se os interesses em discussão fossem apenas o direito do concessionário sobre o jazigo, e não o direito dos herdeiros sobre os restos mortais dos seus entes queridos.
Aliás, justifica-se o exercício de direitos na concessão, baseado no conceito de co-herdeiros em herança indivisa. Como se a qualidade de herdeiro e de concessionário fossem a mesma coisa.
Não se olvida, no entanto, que, no caso sub judice, essa discussão, sobre o destino a dar aos restos mortais não obtém consenso entre os herdeiros.
Daí a presente demanda.
No entanto, tal discussão não pode ser levada a cabo neste foro administrativo, nem pode o Juiz em Tribunal Administrativo decidir essa matéria, por a mesma não lhe estar especificamente atribuída.
Competiria ao Tribunal a quo verificar e julgar a validade ou não do acto administrativo que, em obediência ao prescrito no artigo 3/d) do DL 411/98, de 30 de dezembro, deferiu o requerimento de trasladação apresentado pela herdeira M..
Em análise sumária e evidente, e por não haver sucessíveis anteriores, o requerimento foi apresentado por quem tinha legitimidade e era herdeira, não havendo motivo legal para indeferimento. De salientar que, a haver indeferimento sem justificação, aí sim, estaria a Recorrente a incorrer em ilegalidade e consequente responsabilidade civil, como a própria admite e aceita.
Ademais, é irrelevante a menção ao facto de, no passado, a Recorrente ter enviado (pelo Presidente da Junta, então em exercício) missivas a invocar um determinado sentido de opinião.
Primeiro, porque essas missivas foram enviadas a quem não é parte na acção, mas apenas mãe dos ora Autores.
Segundo, porque a manifestação de posições contrárias à lei (e são bastantes aquelas que constam das missivas) não obrigam, nem vinculam a Recorrente para o futuro.
De resto, por contrária ao legalmente disposto, não faz sentido a conclusão retirada na sentença: “Note-se que, de toda a factualidade provada, não decorre existir um qualquer motivo ou razão de força maior que justifique a autorização da transladação das ossadas dos avós dos AA. do jazigo onde se encontravam para outro no mesmo cemitério paroquial de (...) (sito na 6ª secção nº 6), sem que estivessem reunidas todas as autorizações dos co-titulares da concessão. Na verdade, não resulta de todo da factualidade assente, p. ex. que a mudança de jazigo se ficou a dever a necessidades de realização de obras de conservação e/ou de beneficiação.
Sublinhe-se que este entendimento já havia sido expresso pela ora R., quando ainda era viva M., mãe dos AA. que, juntamente com M. eram concessionárias do jazigo (ver declaração de averbamento de alvará de 27/6/1995), através de carta de 10/7/1998, subscrita pelo então Presidente da Junta de Freguesia.”.
Em suma:
-O deferimento de requerimento subscrito pela herdeira M., cumpriu o legalmente estatuído, mormente, o DL 411/98, de 30/12, porquanto é herdeira do defunto não havendo classe de sucessíveis anteriores;
-É inexigível à Ré/Recorrente que os actos de inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, conforme o estatuído no apontado DL 411/98, careçam de ser requeridos por todos os herdeiros dos defuntos;
-A mera autorização para intervenção em jazigo concessionado a particulares, a quem seja concessionário do mesmo, não carece de consentimento ou autorização dos demais co-concessionários;
-Logo, como alegado, o aresto recorrido não fez a melhor interpretação do DL 411/98, de 30/12, nomeadamente o seu artigo 3º, quando o fez no sentido de o mesmo exigir a autorização de todos os co-titulares da concessão, sendo que a interpretação consentânea com a letra deste preceito seria a de que, o requerimento de exumação e trasladação poderia ser subscrito por qualquer herdeiro - alínea d) do artigo 3º-;
-Seguindo esta linha interpretativa o desfecho da lide seria, como invocado, a improcedência da acção e a absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido.
Tal equivale a dizer que carece de suporte legal a condenação da Ré nos termos em que o foi - em sede indemnizatória -.
Procedem, pois, todas as conclusões da bem estruturada peça processual da Apelante.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se totalmente improcedente a acção.
Custas pelos Autores e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 07/05/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas