Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01465/12.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/06/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:CONTRADITÓRIO;
QUESTÃO NOVA DE DIREITO;
OMISSÃO DE FORMALIDADE RELEVANTE.
Sumário:I - A apreciação oficiosa da situação em função de uma eventual violação do direito da União Europeia das normas do Código do IUC, sem que as partes previamente fossem ouvidas, implica que o tribunal decidiu questão nova de direito, sem possibilitar o contraditório.
II – A não realização do contraditório em matéria relevante para os termos da decisão, implica um vício de processo que se repercute na sentença, pelo que esta deve ser anulada para que seja dado cumprimento ao trâmite processual omitido.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Ação administrativa especial - Desaplicação da norma ao caso concreto - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Ação Administrativa Especial deduzida por AA contra o indeferimento do pedido de isenção de Imposto Único de Circulação, tendo julgado procedente o pedido subsidiário aditado sob o ponto V), no requerimento de ampliação do pedido, que fora admitido.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

IV – CONCLUSÕES
(a) A questão jurídica submetida ao douto Tribunal a quo foi a de saber se o ato administrativo de indeferimento do recurso hierárquico que indeferiu o pedido de isenção do Imposto Único de Circulação do veículo em causa, padecia de ilegalidade com fundamento na aplicação indevida do CIUC, em função da aplicação da lei no tempo, ou se, ao invés, o mesmo havia sido legalmente efectuado, por força da inserção do veículo em causa no campo de incidência do IUC, dado que o autor era o proprietário do veículo, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIUC, e o autor não beneficiava de qualquer isenção.
(b) Tanto assim é que o Digno Magistrado do Ministério Público, em apreciação desta questão, se pronunciou, no seu douto Parecer, no sentido da improcedência da acção, com o fundamento de que, em síntese, era o autor era o proprietário do veículo, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIUC, e o autor não beneficiava de qualquer isenção.
(c) Apreciando esta questão, o douto tribunal a quo deu razão à Recorrente, absolvendo-a da instância quanto ao ponto IV formulado na petição inicial e absolvendo-a dos pedidos de isenção do pagamento de IUC, tal como formulados nos pontos (I), (II) e (III) da petição inicial, nos termos e com os fundamentos constantes da sentença ora recorrida para os quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
(d) Porém, depois de apreciados e decididos estes pedidos, o douto tribunal a quo decidiu apreciar um outro pedido: “Da não sujeição da viatura ON -**- ** ao Imposto Único de Circulação.
(e) Na apreciação do pedido subsidiariamente deduzido pelo autor: “declarar-se a não sujeição ao imposto sobre veículos automóveis o veículo da marca MG, modelo B GT, matrícula ON -**- **”, o douto tribunal a quo abordou não apenas este pedido, mas decidiu também abordar uma outra questão, a de saber se o Código do IUC, designadamente em matéria de incidência viola as disposições comunitárias, designadamente o disposto no artigo 110.º do TFUE.
(f) Acabando por considerar que: “entender-se que a viatura em análise nestes autos se encontra abrangida pelo âmbito de incidência do IUC resultaria numa discriminação violadora dos princípios da neutralidade, da igualdade e da livre circulação de mercadorias e bens, considerando a jurisprudência do TJUE, o disposto nos artigos 110.º, 28.º, 30.º e 34.º do TFUE” e por, com esse fundamento, dar provimento ao pedido de não sujeição ao imposto único de circulação.
(g) Sucede, porém, que, conforme decorre da descrição acima efectuada, essa é uma questão que nunca foi debatida nos autos da acção administrativa especial, nem sequer anteriormente no âmbito do procedimento tributário.
(h) Nunca, seja por iniciativa da Recorrente, seja por iniciativa do Recorrido, foi suscitada e discutida a questão de saber se o Código do IUC, designadamente, as suas normas de incidência, violam as disposições comunitárias, designadamente o disposto no artigo 110.º do TFUE, no sentido de deste resultar uma discriminação violadora dos princípios da neutralidade, da igualdade e da livre circulação de mercadorias e bens.
(i) A sentença ora recorrida foi, por isso, atento o seu fundamento, uma decisão-surpresa. O Tribunal não podia ter conhecido dessa questão sem dar às partes, designadamente à Recorrente, a possibilidade de sobre ela se pronunciarem.
(j) Assinale-se que não pode assacar-se à Recorrente menor diligência no modo como configurou o objecto da acção administrativa especial, nem pode defender-se que esta, objectivamente, deveria poder contar com a abordagem que veio a ser feita na sentença ora recorrida.
(k) É que o objecto da acção administrativa especial era o pedido de isenção do pagamento do imposto único de circulação ou, subsidiariamente, o pedido de não sujeição ao imposto único de circulação, à luz do concreto fundamento que Ihe esteve subjacente, ou seja, da inserção do veículo em causa no campo de incidência do IUC, tendo em conta a propriedade do veículo, o facto gerador do imposto, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIUC, e as regras de aplicação da lei no tempo.
(l) Pelo que não recaía sobre a Recorrente o ónus de antecipar quaisquer outros possíveis fundamentos de não aplicação das normas do CIUC, para cautelarmente os discutir e rebater.
(m) Ao não ser precedida da concessão à Recorrente da possibilidade de se pronunciar sobre a questão de saber se o Código do IUC, designadamente, as suas normas de incidência, violam as disposições comunitárias, designadamente o disposto no artigo 110.º do TFUE, no sentido de deste resultar uma discriminação violadora dos princípios da neutralidade, da igualdade e da livre circulação de mercadorias e bens, a douta sentença a quo violou, por isso, o princípio do contraditório, tal como este surge consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e no artigo 98.º do CPPT.
(n) Como tal, a decisão recorrida deve ser anulada por este Venerando Tribunal e substituída por outra, o que se requer.
(o) Caso assim não se entenda, na verdade, isso significaria uma violação da garantia constitucional de um processo equitativo, na sua dimensão do direito ao contraditório, consagrado no artigo 20.º Constituição da República Portuguesa.
(p) Assente a violação do princípio do contraditório, nos termos supra referidos e, consequentemente, a necessidade de anulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, cabe ainda ao tribunal ad quem atento o disposto no artigo 149.º, nº 1, do CPTA, a reapreciação do mérito da causa.
(q) os factos vertidos nos autos, assentes nos elementos documentais destes integrantes e bem assim, das normas legais aplicáveis ao caso, são peremptórios no sentido de que não se verifica qualquer aplicação indevida do CIUC, em função da aplicação da lei no tempo, ao invés, resulta claramente da lei, a inserção do veículo em causa no campo de incidência do IUC.
(r) Neste mesmo sentido, se pronunciou o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto Parecer.
(s) Com efeito, da conjugação do n.º 1 do artigo 6.º com o artigo 2.º do CIUC, decorre inequivocamente que, quer a incidência do IUC, quer o nascimento da obrigação de pagamento do IUC (e também estas são realidades distintas) são determinadas em função da atribuição de matrícula em Portugal.
(t) As alegações proferidas pelo A., no sentido de que a data relevante para efeitos da aplicação do CIUC deve ser a data do registo de entrada do referido veículo no consumo pronto a ser taxado, facto perceptível pela data de registo constante na DAV, e não a data da sua matrícula não têm qualquer suporte legal, sendo que, o A não só não entendeu o significado jurídico e o distinto âmbito de aplicação que o legislador pretendeu atribuir a cada uma das expressões “matrícula” e “registo”, como também, desconhece que a relevância jurídica da Declaração Aduaneira do Veiculo (DAV) nada tem que ver com o acto de efectuar, em termos legais, o registo de um bem móvel a ele sujeito.
(u) Ou seja, o CIUC, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho tem subjacente a tributação dos bens móveis sujeitos a registo. Nestes termos, este registo reporta-se natural e necessariamente, ao acto de registar perante a lei nacional cada um dos bens móveis sujeitos a registo, e observando cada um destes a forma que a lei prevê para o efeito.
(v) É nessa medida que os veículos automóveis são matriculados junto do IMTT e do IRN, IP, nas respectivas conservatórias do registo automóvel, que as embarcações de recreio são registadas no Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos e que as aeronaves são registadas junto do Instituto Nacional de Aviação Civil.
(w) É precisamente por existir esta diferenciação que quer o n.º 1 do artigo 6.º, quer o corpo do n.º 1 do artigo 2.º fazem referência a “matriculados” e “registados”, logicamente como forma de abranger ambas as situações em presença, reportando-se à matrícula no caso de veículos sujeitos a matrícula (os veículos automóveis) e a registo no caso de outros veículos não sujeitos a matrícula, mas sim a registo (as aeronaves e as embarcações de recreio).
(x) Aliás, até mesmo as várias alíneas do n.º 1 do artigo 2.º estabelecem essa diferenciação.
(y) Por outro lado, a DAV – Declaração Aduaneira de Veículo trata-se de um documento que titula a entrada no consumo dos veículos que não possuam matrícula nacional e que serve de base à liquidação do Imposto Sobre Veículos (ISV) que incide sobre os sujeitos passivos em resultado da introdução dos veículos no consumo (cfr. artigo 17.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, ambos do CISV).
(z) Daqui resulta manifestamente que a DAV não constitui qualquer registo na acepção do CIUC, de “bens móveis sujeitos a registo”, mas apenas a uma declaração de natureza aduaneira que serve de base à liquidação do ISV em consequência da entrada do veículo no mercado nacional.
(aa) Assim, não subsistem quaisquer dúvidas de que veículo em causa nestes autos cai dentro do âmbito de incidência do IUC, na medida em que o facto gerador do imposto ocorreu na data em que o veículo foi matriculado em Portugal e esta ocorreu em 19/10/2007, por conseguinte, já na vigência da Lei n.º 22-A/2007, de 29/06, que aprovou o CIUC.
(bb) Ainda que assim não se entendesse, ou seja, se como invoca o A., a data relevante para efeitos da aplicação do IUC fosse a de 14/06/2010 (data da DAV) e não a data de 19/10/2007 (data em que o veículo foi matriculado em Portugal), no que não se concede, desentende-se a invocação do A. de que tal facto afasta o veículo em causa nos autos da incidência de IUC.
(cc) Com efeito, mesmo que se admitisse (sem conceder) que a data relevante para efeitos da aplicação do IUC era de 14/06/2010 (data da DAV) e não a data de 19/10/2007 (data em que o veículo foi matriculado em Portugal), sempre o veículo em causa estaria dentro do âmbito de incidência do IUC, apenas se discutindo nesse caso (meramente hipotético) se o veículo se enquadraria na categoria A ou na categoria B, em função da sua data de matrícula em Portugal, ser anterior ou posterior à entrada em vigor do código.
(dd) Quanto a esta questão também invocada pelo A., já este douto Tribunal decidiu no despacho saneador pela absolvição da Ré da instância, com fundamento em erro na forma de processo, quanto ao ponto IV da PI.
(ee) Diverso entendimento, seria defender o absurdo de que com a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007 que aprovou o CIUC, e revogou o anterior Imposto Municipal sobre Veículos, cujo regime legal constava do Decreto Lei n.º 40/93, de 18/02, todos os veículos que se encontravam sujeitos a Imposto Municipal sobre Imóveis, deixavam de caber dentro do âmbito de incidência do novo CIUC e de, como tal, estar sujeitos a Imposto, porquanto, todos eles, naturalmente, eram detentores de matrícula em Portugal, anterior à entrada em vigor do CIUC.
(ff) Sendo precisamente por essa razão, que o artigo 2.º do CIUC prevê a incidência do imposto, quer sobre veículos matriculados até à data da entrada em vigor do CIUC, quer sobre veículos matriculados em data posterior à da sua entrada em vigor, apenas se distinguindo em função de tais datas o enquadramento do veículo na categoria A ou na categoria B.
(gg) O artigo 6.º, n.º 1 do CIUC supra citado é expresso e peremptório ao estabelecer que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo atestada pela matrícula em território nacional e esta ocorreu, no caso dos autos, em 19/10/2007 e não em 21/01/1974.
(hh) A data de 21/01/1974, como o próprio A. alega, consiste na data da primeira matrícula atribuída ao veículo no Reino Unido, correspondendo simultaneamente ao ano de fabrico do automóvel em causa.
(ii) Tendo, aliás, sido precisamente por essa razão, em conjugação com o facto de se tratar de automóvel antigo de interesse museológico que lhe foi atribuída uma chapa de matrícula do mesmo ano de fabrico do automóvel.
(jj) Porém, uma coisa é a data de fabrico do veículo e a data da sua primeira matrícula no estrangeiro e outra distinta é a data da atribuição de matrícula em território nacional, a qual releva para efeitos do disposto no artigo 6.º do CIUC.
(kk) Nestes termos, as alegações proferidas pelo A. de que a data da matrícula do veículo é de 21/01/1974, correspondente ao ano de fabrico, e que, como tal, sendo anterior a 1981, não cai no âmbito de incidência do IUC, não podem senão improceder.
(ll) Do Despacho do Senhor Subdirector Geral José Figueiredo não decorre a não aplicação do IUC ao caso dos autos.
(mm) Se procederemos a uma leitura atenta do Despacho em causa, concluímos que as medidas transitórias neste previstas, não tinham aplicação no caso dos autos, razão pela qual, este não lhe foi aplicado.
(nn) Tal como resulta do teor do citado Despacho, este era de aplicação excepcional quer quanto ao tempo, quer quanto ao seu objecto, sendo que apenas era aplicável às situações pendentes à data de 30 de Junho de 2007, pendentes, quando se situassem dentro do decurso do prazo para o pagamento do IA com base na DAV ou pendentes de decisão acerca do direito à isenção de IA a apreciar pelos serviços aduaneiros da DGAIEC.
(oo) No caso dos autos, a situação do sujeito passivo não se encontrava pendente à data de 30/06/2007, porquanto, embora tivesse apresentado a DAV, em 14/06/2007, não se encontrava, nem na pendência do prazo para pagamento do IA, nem pendente de decisão acerca da isenção de IA.
(pp) E mesmo no que respeita ao pedido de isenção de IUC (que não constituiria, de qualquer modo, uma situação prevista e salvaguardada no aludido despacho), ainda assim, nem sequer este se encontrava pendente, à data de 30/06/2007, porquanto o mesmo apenas deu entrada no Serviço de Finanças de ..., em 02/12/2010, logo, já totalmente, fora da aplicação temporária das medidas transitórias previstas no despacho invocado.
(qq) Em suma, não se verifica qualquer aplicação indevida do CIUC, em função da aplicação da lei no tempo, ao invés, resulta claramente da lei, a inserção do veículo em causa no campo de incidência do IUC, razão pela qual, devem decair liminarmente os argumentos aventados pelo A. nas suas alegações e, em consequência, ser a AT absolvida dos pedidos.
(rr) Conclui-se assim, atentos os factos e fundamentos supra alegados, que decaem liminarmente os argumentos aventados pela A. nas suas alegações.
Nos termos supra explanados e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e fundamentado, anulando-se a sentença recorrida com fundamento em Vício de Nulidade, e substituindo-a por outra que reaprecie o mérito da causa, atento o disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, e negue provimento à acção apresentada, com as demais consequências legais.
Assim, respeitando o DIREITO e feita JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido Despacho de sustentação da decisão.

O Ministério Público não emitiu parecer sobre o mérito da causa, tendo em conta estar-se diante de uma Ação Administrativa Especial, onde não estão em apreciação direitos fundamentais dos cidadãos e interesses públicos constitucionalmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
**
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre nulidade de sentença por violação do princípio do contraditório.
**
Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 DE FACTO:
Com relevo para a decisão da presente causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) O Autor é proprietário de veículo ligeiro de passageiros, marca MG, modelo MG B GT, com a matrícula portuguesa ON -**- **, a qual lhe foi atribuída em 19.10.2007 – fls. 25 e 26 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
2) O veículo mencionado no ponto anterior teve primeira matrícula no Reino Unido, com data de 21.01.1974, com o número OJA -**- **, a qual cessou em 14.06.2007 – fls. 21 e 25-26 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
3) O veículo mencionado em 1) foi introduzido no consumo em Portugal em 14.06.2007, conforme Declaração Aduaneira de Veículo da Alfândega de ... emitida a favor do Autor – fls. 21 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
4) Da Declaração Aduaneira de Veículo mencionada no ponto anterior consta, para além do mais, o seguinte:
“(...) B-
27. País proced. GB – Reino Unido
28. Data primeira matrícula 1974/01/21
29. Matrícula anterior OJA -**- ** (...)
30. Data fim matrícula anterior 2007/06/14
31. Data da transmissão 2007/03/20
(...) D – ADQUIRENTE/PROPRIETÁRIO
34. Nome / Denominação Social AA
(...) E – REGIME ESPECIAL DE ISV / BENEFICIÁRIO
41. Regime 010 – AUTOMÓVEIS ANTIGOS Decreto-Lei DL 40/93, de 18 de Fevereiro
42. Convenção de Viena – redução/isenção 100
43. Nome / Denominação Social AA (...)”

– fls. 21 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;

5) De declaração do Clube Português de Automóveis Antigos, datada de 26.09.2007 e dirigida à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, consta o seguinte:

“Para conhecimento da comissão para a apreciação dos processos de importação definitiva de veículos, ao abrigo do art.º 9.º do Dec. Lei 40/93 de 13.02.93, vem o Clube Português de Automóveis Antigos declarar que tem interesse para o Património Cultural Nacional o veículo, com as seguintes características:
Marca MG
Modelo MG B GT
Ano 1974
N.º do Quadro GHD5-335384G
N.º do Motor 18V647E-H220467
Matrícula OJA -**- **
Proveniência Reino Unido
Pertencente ao senhor Artur Joaquim Araújo Silva Castro (...)”
– fls. 9 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
6) Em 02.12.2010, o Autor apresentou, junto do Serviço de Finanças de ..., pedido de isenção do Imposto Único de Circulação relativamente ao veículo automóvel com a matrícula ON -**- **, com os seguintes fundamentos:
“1. O ora expoente, adquiriu um veículo de marca MG, matrícula ON -**- **, proveniente da GB – Reino Unido;
2. Veículo usado, beneficiando do regime especial do ISV, automóveis antigos DL 40/93, de 18 de Fevereiro (Convenção de Viena), isenção 100%;
3. Conforme se poderá verificar pelo documento DAV (doc 1), o veículo foi introduzido no consumo em 2007-06-14;
4. Reunindo desta forma as condições legais bastantes para beneficiar da isenção do pagamento do Imposto Único de Circulação;
5. Se não vejamos: diz-nos o nº 1 do artº 6º do Código do Imposto Único de Circulação que ‘o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional’, registo esse de 2007-06-14;
6. Como acima referido o veículo foi introduzido no consumo ou registado em território nacional em 14-06-2007 (doc. 1), data anterior à entrada da nova legislação sobre as isenções do imposto único de circulação;
7. É nessa condição que pretendo obter a isenção do Imposto Único de Circulação, junto do Serviço de Finanças, deixe de constar no sistema informático.
8. Não podia o expoente, deixar de reclamar junto de Vª Excª, para que desta forma seja o pedido analisado, em face dos documentos que junta;
9. Por duas ordens de razões: A primeira porque, o facto gerador do imposto não pode ser a data da matrícula ou do Certificado de matrícula (DUA), terá de ser o registo em território nacional, ou seja o da introdução ao consumo, que está plasmado na Declaração Aduaneira de Veículo – DAV, que de 2007/06/14, anterior à entrada da nova legislação sobre as isenções do imposto único de circulação; (...)”
– fls. 22 a 25 do suporte físico dos autos, bem como fls. 4 a 9 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
7) Por despacho com o n.º 6/2010, datado de 16.11.2010, proferido pelo Tesoureiro de Finanças do Serviço de Finanças de ..., por delegação de competências do Chefe do mesmo Serviço de Finanças, foi indeferida a pretensão do Autor referida no ponto anterior, constando de Informação de 06.12.2010, que acompanha o despacho em causa, para além do mais, o seguinte:
“O sujeito passivo identificado no requerimento anexo solicita a isenção do IUC, para a viatura ON -**- **, de que é proprietário, alegando que o registo em território nacional data de 2007-06-14. Fundamenta o seu pedido, juntando cópias de uma declaração emitida pelo Clube Português de Automóveis Antigos do Porto onde se declara ter a viatura ‘interesse museológico para o património cultural nacional’, da declaração aduaneira e do documento único.
Não podem, no entanto, estes documentos servir para o efeito pretendido, uma vez que a viatura não constitui peça de museu público, como exige a alínea c) do artigo 5.º do Código do IUC publicado no DR I Série, n.º 124, de 2007-06-29.
Para além disso verifica-se que a matrícula nacional foi atribuída em 2007-10-19, pelo que, nos termos do nº 1 do artigo 6.º do citado código, constitui o facto gerador do imposto. (...)”
– fls. 10 e 11 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
8) O despacho mencionado no ponto anterior foi remetido ao Autor por ofício com o n.º 591, datado de 06.12.2010 – fls. 12 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
9) Em 16.12.2010, o Autor apresentou, junto do Serviço de Finanças de ...-1, Recurso Hierárquico do despacho mencionado em 7), com o teor constante de fls. 13 a 17 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
10) Em 13.05.2011 foi proferida, pela Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais, proposta de indeferimento do Recurso Hierárquico mencionado no ponto anterior, constando da Informação n.º 1685/2011, de 02.05.2011, que acompanha a aludida proposta de decisão, para além do mais, o seguinte:
“(...) O pedido é tempestivo e interposto por sujeito passivo com legitimidade.
Com a aprovação da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, que procedeu à reforma global da tributação automóvel, entra em vigor em 1/7/2007 o Código do Imposto Único de Circulação (CIUC) no que respeita aos veículos da categoria B.
(...) A DGCI apenas líquida o imposto de acordo com os elementos enviados pelo IMTT (ex-DGV) e pelo IRN, I.P. (Conservatórias de Registo Automóvel).
O enquadramento do referido veículo é efectuado em função da data da atribuição da matrícula portuguesa pelo IMTT (ex-DGV), pelo que, atendendo a que lhe foi atribuída a matrícula portuguesa em 19-10-2007, já na vigência da referida Lei, é da categoria B, por força da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Código.
Assim, apesar de ter matrícula estrangeira de 1974, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula em território nacional, conforme determina o artigo 6.º do CIUC, com incidência em função da data de matrícula nacional, não relevando para o efeito a data da aquisição do veículo nem a data de registo na DAV mas aquela em que efectivamente foi atribuída a matrícula em Portugal.
Como propriedade particular o referido veículo não está incluído nas isenções previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 5º do Código, a qual isenta ‘os veículos com mais de 20 anos que, constituindo peças de museus públicos, só ocasionalmente seja usados e não efectuem deslocações anuais superiores a 500 quilómetros’ e, conforme nº 4 do mesmo artigo, é requerida anualmente no prazo para pagamento do imposto.
Atendendo ao exposto, afigura-se-me ser de indeferir o presente recurso hierárquico, mantendo.se assim a decisão proferida. (...)”
– fls. 32 a 34 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
11) O Autor foi notificado do projecto de decisão mencionado no ponto anterior por ofício com o n.º 2064, de 24.05.2011, mais sendo notificado para o efeito de exercício do seu direito de audição – fls. 27 a 30 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
12) Em 27.05.2011, o Autor remeteu resposta, em sede de audiência prévia, à mencionada Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – fls. 31 a 33 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
13) Por despacho da Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais, datado de 04.05.2012, foi indeferido o recurso hierárquico a que se refere o ponto 9), constando de parecer que o acompanha, para além do mais, o seguinte:
“Concordo com a proposta de indeferimento do presente Recurso Hierárquico. Esclarece-se que os veículos das categorias A a E estão sujeitos a matrícula, enquanto os das categorias F e G são objecto de registo, daí a terminologia ‘matriculados’ ou ‘registados’ constante do n.º 1 do art. 2.º do CIMT.
(...) O contribuinte exerceu o correspondente direito de audição prévia, não tendo acrescentado nada de relevante, pelo que proponho que o projecto de decisão se converta em definitivo e se indefira o Recurso Hierárquico. (...)”
– fls. 30 e 31 do processo administrativo junto aos presentes autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas;
14) Por ofício com o n.º 300.1382, de 29.05.2012, foi remetida ao Autor a decisão de indeferimento mencionada no ponto anterior – fls. 34 a 38 do suporte físico dos autos, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir e as soluções plausíveis de Direito.
*
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, que se considerou provada, efectuou-se com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos (os quais não foram impugnados) e do processo administrativo apenso, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
**
Apreciação jurídica do recurso.
Alega a Recorrente que o objeto da ação administrativa especial era o pedido de isenção do pagamento do imposto único de circulação ou, subsidiariamente, o pedido de não sujeição ao imposto único de circulação, à luz do concreto fundamento que lhe esteve subjacente, ou seja, da inserção do veículo em causa no campo de incidência do IUC, tendo em conta a propriedade do veículo, o facto gerador do imposto, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIUC, e as regras de aplicação da lei no tempo.
Mais alega que não teve possibilidade de se pronunciar sobre a questão de saber se o Código do IUC, designadamente, as suas normas de incidência, violam as disposições comunitárias, designadamente o disposto no artigo 110.º do TFUE, no sentido de resultar uma discriminação violadora dos princípios da neutralidade, da igualdade e da livre circulação de mercadorias e bens, a douta sentença a quo violou, por isso, o princípio do contraditório, tal como este surge consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e no artigo 98.º do CPPT.
Diz, ainda, que caso assim não se entenda, na verdade, isso significaria uma violação da garantia constitucional de um processo equitativo, na sua dimensão do direito ao contraditório, consagrado no artigo 20.º Constituição da República Portuguesa.
Apreciando
Analisada a sentença, verifica-se que, no fundo, a mesma não decidiu propriamente pela ilegalidade da tributação, em sede de IUC, do veículo em questão, ou melhor, não decidiu propriamente se na situação concreta, o veículo beneficiava de isenção ao abrigo do Código do IUC, decidindo antes que as normas deste diploma estavam em contradição com as regras da União Europeia.
Assim, a sentença entendendo que as normas do Tratado de Funcionamento da União Europeia eram aplicáveis (no caso o artigo 110.º do TFUE), a situação dos autos se enquadrava numa situação que violava as disposições fiscais da União Europeia. Nessa sequência considerou que a norma do Código do IUC é discriminatória e viola as disposições da União Europeia. Para o efeito cita jurisprudência do TJUE, segundo a qual o artigo 110.º do TFUE proíbe os Estados- -Membros de imposições internas superiores às que incidem sobre produtos nacionais similares e que existe uma violação do artigo 110.º TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante residual de imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.
A sentença efetua referências ainda a outras normas do TFUE, concluindo que a entender-se que a viatura em análise nestes autos se encontra abrangida pelo âmbito de incidência do IUC resultaria numa discriminação violadora dos princípios da neutralidade, da igualdade e da livre circulação de mercadorias e bens, considerando a jurisprudência do TJUE, o disposto nos artigos 110.º, 28.º, 30.º e 34.º do TFUE e o princípio do primado e do efeito directo das normas comunitárias decorrentes do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa.
Para rematar que: conforme alega o Autor na petição inicial, não se encontra abrangido pelas normas de incidência objectiva constantes das supra citadas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIUC, as quais só se aplicam a veículos matriculados desde 1981 até à entrada em vigor do CIUC ou após a entrada em vigor deste mesmo diploma, respectivamente.
Assim sendo, esta é a única conclusão legalmente admissível pois, caso contrário, estar-se-ia a aceitar uma actuação discriminatória da administração tributária, proibida pelos referidos princípios e normas comunitárias.
Pelo exposto, o veículo do Autor, com a matrícula ON -**- **, não se encontra sujeito ao pagamento de IUC, já que a sua primeira matrícula data de 1974, o que implica que não se encontra efectivamente abrangido pelas normas de incidência objectiva constantes do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CIUC, devendo, portanto, a Entidade Demandada ser condenada em consonância com tal conclusão – procedendo assim o pedido subsidiário correspondente ao ponto (V) formulado pelo Autor.

Se bem interpretada a sentença parece que a mesma considerou que as normas do Código do IUC violam as disposições da União Europeia e que o veículo em apreço nos autos não se encontra abrangido pelas normas de incidência objetiva das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IUC.
Portanto, analisa o caso de um ponto de vista diferente do que foi colocado no processo, pois que uma coisa é o veículo não estar abrangido pelas normas de incidência do Código do IUC, outra coisa são as normas do IUC serem desconformes com o direito da União Europeia. Ou seja, encontrava-se alegado e em discussão nos autos a indevida aplicação do Código do IUC ao caso concreto, tendo o tribunal decidido que o Código do IUC estava bem aplicado, mas as suas normas eram desconformes o direito da União Europeia.
A sentença decidiu que não foi invocada qualquer norma que isentasse a viatura de pagamento de IUC, esclarecendo que a viatura não se reconduzia a nenhuma das hipóteses de isenção previstas no artigo 5.º do Código do IUC. Nesta parte a decisão transitou em julgado, pois sendo desfavorável ao Autor, ele não recorreu.
Seguidamente a sentença, apreciando o que considerou ser o pedido subsidiário formulado da Réplica – pedido V), concluiu pela não sujeição do veículo ao Código do IUC, por a norma do artigo 2.º do Código do IUC, violar as disposições do direito da União Europeia. Para este efeito, considerou que o imposto a pagar por veículos importados posteriormente à entrada em vigor do IUC, era superior ao imposto suportada por veículos similares, mas registados anteriormente à vigência do Código do IUC. Conclui a sentença, que o veículo em apreço não se encontra abrangido pelas normas de incidência objetiva constantes do artigo 2.º, alíneas a) e b) do Código do IUC, por isso julga procedente o pedido V), que havia sido ampliado na Réplica.
Esclareça-se que na Réplica apenas se ampliou o pedido, no sentido de o veículo em apreço nos autos, não estar sujeito ao imposto sobre veículos automóveis, invocando-se para o efeito que o facto gerador do tributo ocorreu antes da vigência do Código do IUC, por isso as normas deste não lhe podiam ser aplicadas, mas antes o anterior regime constante do Decreto-Lei n.º 40/93, de 13 de fevereiro. Nunca foi apresentado da Réplica, como fundamento deste novo pedido, a desconformidade do Código do IUC com o direito da União Europeia.
Assim, a sentença não decidiu a situação de direito do ponto de vista de uma isenção de tributação ao abrigo das normas alegadas pelo Autor, mas antes do ponto de vista de uma violação do direito da União Europeia das normas do Código do Imposto Único de Circulação.
Estava em apreciação no processo a isenção de IUC ao abrigo do respetivo regime interno, em relação a um caso concreto de um veículo, tendo a decisão sido baseada no direito da União Europeia. Ou seja, a decisão abstraiu-se do caso concreto e passou a apreciar as normas do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que no caso poderiam estar a ser violadas.
Com base neste enquadramento, entende-se que a 1.ª instância analisou uma questão que não lhe foi colocada à apreciação, proferindo uma decisão surpresa, na medida em que omitiu o contraditório sobre a eventual possibilidade de as normas do Código do IUC poderem estar desconformes o direito da União Europeia.
Não obstante o tribunal poder oficiosamente apreciar a desconformidade das normas do direito nacional, relativamente às normas do direito da União Europeia, apenas pode tomar uma decisão, se antes ouviu as partes sobre essa eventualidade.
Isto porque, apenas fazia parte da causa de pedir a isenção de IUC do veículo em apreço em função do próprio Código do IUC ou da sua não aplicabilidade e em virtude da antiguidade do veículo. Não estava alegada a desconformidade das normas do Código do IUC em relação às normas da União Europeia.
Desta forma, a falta de contraditório fez com que as partes, em especial a parte demandada, ficassem sem a possibilidade de se pronunciarem sobre uma nova questão nos autos, e com isso saísse prejudicada na demanda, porquanto a falta cometida infringe aquilo que está expressamente determinado na lei, ou seja, no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. Portanto, o tribunal decidiu uma questão de direito, sem que as partes tivessem oportunidade de sobre a mesma se pronunciarem.
Conforme estabelece o atual artigo 195.º do Código de Processo Civil (outrora artigo 201.º), a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
O que há característico e frisante no artigo 201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…) O 2º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.” - in Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.

Ora, o tribunal a quo não ouviu as partes sobre o fundamento que acabou por ser determinante na decisão final, por isso omitiu uma formalidade essencial para a defesa dos interessados; logo cometeu uma nulidade insanável, pois tal omissão de formalidade não se consuma com a prolação de sentença.
Estamos perante um princípio basilar do processo ao se assumir como uma garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objeto da causa (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.).
O princípio do contraditório é, assim, um dos direitos fundamentais das partes no desenvolvimento de um processo justo e equitativo, garantindo-lhes a possibilidade de intervir em todos os seus atos, defender os seus interesses e influenciar a decisão do Tribunal.
O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do artigo 20.º da CRP e n.º 3 do artigo 3.º, do CPC. Vejam-se sobre o assunto os acórdãos do STA n.ºs 0978/14, de 24/09/2014 e n.º 63/10, de 03/03/2010.
Tem sido entendimento jurisprudencial de que a omissão de formalidade que a lei estabelece como essencial, designadamente a ausência de contraditório, nas situações em que não podia ser dispensado, determina a nulidade da decisão – vide Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/07/2019, tirado no processo n.º 5774/17.7T8FNC-A.L1-6 e Acórdão de 07/05/2020, proferido no processo n.º 3820/17.3T8SNT.L1-6; assim como Acórdão da Relação de Guimarães de 06/12/2018, lavrado no processo n.º 45/17.1T8MAC.G2 e Acórdão da relação do porto de 08/10/2018, proferido no processo n.º 721/12.5TVPRT.P1 (todos em www.dgsi.pt).

Em face do exposto, temos de concluir que a sentença padece de nulidade, pelo que deve ser anulada.
Considerando que todos os demais vícios foram julgados improcedentes, com a anulação da sentença na única parte em que decidiu favoravelmente ao Autor, mais não resta do que ordenar a baixa dos autos, para que seja realizado o contraditório.
*
No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a anulação da sentença e ao facto do Recorrido não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo deste, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
**
Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - A apreciação oficiosa da situação em função de uma eventual violação do direito da União Europeia das normas do Código do IUC, sem que as partes previamente fossem ouvidas, implica que o tribunal decidiu questão nova de direito, sem possibilitar o contraditório.
II – A não realização do contraditório em matéria relevante para os termos da decisão, implica um vício de processo que se repercute na sentença, pelo que esta deve ser anulada para que seja dado cumprimento ao trâmite processual omitido.
*
Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e ordenar a baixa dos autos para os efeitos acima mencionados.
Custas a cargo do Recorrido, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
*
Porto, 6 de outubro de 2022.
Paulo Moura
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio