Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00178/20.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, RECLAMAÇÃO DO ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, PRESCRIÇÃO, CITAÇÃO, FACTO INTERRUPTIVO,
EFEITO DURADOURO, EFEITO INSTANTÂNEO
Sumário:I-A nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito (artigo 125.º do CPPT e alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), só abrange a absoluta falta de fundamentação, e não a sua insuficiência, mediocridade ou desacerto.

II- A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC).

III-Ainda que relativamente a obrigações tributárias a prescrição só possa ser aceite enquanto prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os seus actos interruptivos e suspensivos, tal não significa que o efeito dos actos interruptivos (instantâneo ou duradouro) não possa ser colhido no Código Civil, atenta a circunstância de, actualmente, inexistir na legislação tributária qualquer previsão ou regulamentação sobre a matéria. Com efeito, embora a LGT fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define nem esclarece se eles têm efeito instantâneo ou duradouro.

IV - Durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte.

V - Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu, deixando de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no Código Civil, onde o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» , sendo que o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».

VI - O acto interruptivo da citação para a execução fiscal tem, assim, efeito duradouro.

VII- O reconhecimento desse efeito duradouro não ofende os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas, nem viola as garantias dos contribuintes..*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

C., contribuinte n.º (…), com os demais sinais dos autos, executado por reversão das dívidas da sociedade “C., Lda.” interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a reclamação que deduzira contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viseu, proferido em 2020.03.26, no âmbito da execução fiscal n.º3700200501031791 e Apensos, que indeferiu a arguição de prescrição das dívidas exequendas.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou improcedente a reclamação apresentada nos presentes autos e, em consequência, manteve integralmente o despacho reclamado.

2. O processo de execução fiscal inerente aos presentes autos foi instaurado para cobrança de diversas quantias respeitantes a IVA relativo aos exercícios fiscais de 2003 a 2006 – facto provado A).


3. Conforme foi referido, pelo próprio reclamante, ora recorrente, o único ato interruptivo da prescrição ocorreu em 2008, com a citação do sujeito passivo – facto provado B).

4. Deste modo, confrontados os factos provados com a redação da lei, temos que o prazo de prescrição interrompeu-se “com o facto que se verificar em primeiro lugar”, ou seja, com a citação ocorrida a 15.12.2008, e como a lei limita as interrupções a “uma única vez”, não pode ter ocorrido em data posterior mais qualquer causa de interrupção.


5. E, também não se verificou qualquer causa de suspensão, já que o processo apenas suspende “em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.” – art. 49º, n.º 4 da LGT.

6. Ora, não houve qualquer plano de pagamento em prestações, e também não houve suspensão da cobrança, por força da existência de processos, a saber, reclamação, impugnação, recurso ou oposição,

7. Já que o único processo havido, foi a reclamação que originou os presentes autos, apresentada a 08.04.2020, ou seja, em data após a ocorrência da prescrição.


8. E, reforça-se, não bastava a existência de tais processos, era ainda necessário que cumulativamente, por força dos mesmos, a cobrança da dívida estivesse suspensa, o que só ocorreria se tivesse sido prestada garantia que garantisse “a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.”, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 169º do CPPT

9. O certo é que, por muito que não seja do agrado da AT, a lei não contempla que a mera existência de processos de execução aos quais não haja sido deduzida oposição, como é o caso, constituam causas de suspensão.

10. Em função do que se deixa referido, a prescrição ocorreu há largo tempo – a 15.12.2016!

11. Porque a douta decisão recorrida limita-se, sem mais, a avalizar o despacho reclamado, sem sequer se debruçar sobre uma análise cuidadosa e fundamentada dos factos, confrontando-os com o dito enquadramento jurídico, a mesma padece, com todo o respeito, de falta de fundamentação, sendo consequentemente nula, nos termos do art. 125º do CPPT, nulidade essa que se invoca para todos os efeitos legais.


Sem prescindir e por mera cautela, não podemos deixar de nos pronunciar sobre a fundamentação expandida pela Fazenda Pública, já que a douta sentença a confirmou:
12. E, a este propósito, refira-se o artigo publicado na Revista do CEJ de Março de 2019, intitulado “O regime de contagem da prescrição no direito Tributário – Certeza e segurança jurídica”, de Serena Cabrita Neto e Cláudia Reis Duarte:

“Acompanhamos ainda integralmente BENJAMIM RODRIGUES, quando é peremptório ao afirmar que não é possível “chamar à colação normas como as que regem a interrupção da prescrição das obrigações no Código Civil, como são as que constam dos arts. 323.º a 327.º.”.
E assim é, seguindo o mesmo Autor, porque “estaremos perante casos cujos conceitos ou regulação jurídica não foram importados pelo direito tributário e que, portanto, lhe permanecem estranhos”. Continua defendendo que “O termo interrupção consistindo numa importação do art.º 326.º do C. Civil deve ser entendido, portanto, no mesmo sentido, de acordo com o disposto no art.º 11.º da LGT, por não resultar da lei tributária que lhe deva corresponder outro.” Portanto, se o legislador tributário tivesse desejado aplicar a regra especial da “interrupção duradoura” prevista no artigo 327º do CC, tê-lo-ia consagrado expressamente, o que não fez. Temos pois que concluir que, onde o legislador tributário distinguiu entre causas interruptivas e suspensivas, foi porque quis expressamente distinguir os efeitos típicos de uma e de outra realidade. Não haverá, pois, que convocar uma interpretação segundo regras especiais que a lei tributária não consagrou – ainda para mais se considerarmos que não ocorreu qualquer alteração de posição justificável face à nova redacção do artigo 49º da LGT introduzida pela Lei 53º-A/2006, de 29 de Dezembro, quanto às causas de interrupção da prescrição ou aos seus efeitos. Consideramos, por isso, que quer na redacção anterior, quer na actual redacção da norma em análise, os efeitos de uma causa interruptiva são instantâneos e determinam a abertura de um novo prazo de prescrição. Entendemos ainda que esta é a solução constitucionalmente adequada e a única que acautela as razões de certeza, segurança e paz jurídicas em que radica a prescrição das obrigações tributárias”.

13. O entendimento anterior é o único que se compadece com a intenção legislativa, porquanto tendo o legislador previsto especificamente na legislação fiscal quais as causas de interrupção e prescrição – vide artigo 49º da LGT- inexiste fundamento legal para recorrer à aplicação subsidiária do disposto no Código Civil,

14. Já que a lei especial derroga a lei geral.

15. Está expressamente determinado a ordem pela qual as leis se hão-de aplicar, e evidentemente, estando previstas as causas de suspensão na LGT é “A presente lei” que se aplica, só se aplicaria o Código Civil em 4º lugar, e no caso da situação jurídica não estar contemplada na “presente lei” – o que não é o caso.
16. Não podemos olvidar que uma execução apenas se suspende mediante ou prestação de garantia idónea, ou dispensa de garantia pela AT, mediante requerimento do sujeito passivo – cfr. Art. 169º da LGT,

17. Por mera cautela, e apenas por mera hipótese de raciocínio académico, sempre se diga que no caso dos artigos 326º e 327º, ambos do Código Civil, se aplicarem, o que apenas se equaciona por mera hipótese abstrata de raciocínio – já que desta aplicação resulta a violação da legislação fiscal - teria igualmente de se aplicar o disposto no art. 281º n.º 5 do CPC, relativamente à extinção da execução, decorrendo que não tendo sido praticadas quaisquer diligências após a citação, o processo de execução fiscal extinguiu-se decorridos 6 meses, ou seja, a 15.06.2009;


18. Não sendo menos certo que, a inexistência de bens, leva igualmente à extinção da execução – vide art. 849º do CPC.

19. Deste modo, quer por uma via, quer por outra, o resultado alcançado é o mesmo, há largo tempo que a execução deveria estar extinta, e, em consequência já há muito que se verificou a prescrição.


20. Em função do que se deixa referido, dúvidas inexistem que ocorreu a prescrição das quantias exequendas em referência, tal como resulta do artigo 48.º, n.º 1, da LGT.

21. Assim sendo, a douta decisão recorrida é nula por violação do disposto nos artigos 2º, 11º, 48º e 49º, todos da LGT, e por errada interpretação do disposto nos artigos 326º e 327º, ambos do Código Civil, em articulação com o disposto no art. 281º, n.º 5, e 849º ambos do CPC, nulidade essa que expressamente se invoca.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença, proferida em 1ª Instância, e substituída por outra que reconheça a prescrição.

ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA


Não foram apresentadas contra-alegações.


Dada vista dos autos ao Ministério Público, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu o douto parecer inserto a fls. 98 e 99 no sentido da improcedência do recurso, no entendimento, em síntese, de que “(…) A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade da sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos , quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade , afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recuso - cf.Prof. Alberto dos Reis , Código de Processo Civil Anotado, vol. V paf.139/140 e Antunes Varelabe outros, Manual de Processo Civil 2ª ed., Coimbra ,pág687.”V.Ac.do TCAN de 30/4/2015, no processo 00730/09.1BEPNF, in www.dgsi.pt)
Ao fundamentos do recurso não constituem qualquer novidade, dado que, o Tribunal já deles conheceu e se pronunciou que in casu , não se verifica a prescrição.
O disposto no artigo 327º do C. Civil tem aplicação em sede tributária, ao contrario do que pretende o recorrente . Neste sentido, vd. entre outros, o Ac. do STA de 13.03.2019, no processo 01437/18BELRS, in www.dgsi.pt.

Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação e enferma de erro de julgamento de direito ao considerar que as dívidas exequendas não se encontravam prescritas.


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto nos termos que aqui se reproduzem ipsis verbis:
A) As Execuções fiscais n.ºs 3700200501031791 e seus apensos, com o n.º 3700200701002643, 3700200701020188 e 3700200801002686, foram instaurados contra C., LDA, NIPC (…) em 2005-09-15, 2007-01-23, 2007-06-07 e 2008-01-13, respetivamente, para cobrança de Imposto sobre o Valor Acrescentado de 2003, 2004, 2005 e 2006, elementos que resultam da própria petição inicial e demais processado, nomeadamente o ponto 1 da informação instrutora do despacho que ordenou a remessa dos autos a este Tribunal;
B) O Reclamante foi citado, como revertido, nos processos executivos vindos de referir, em 15-12-2008, idem anterior e ponto 2 da referida informação;
C) Os mencionados processos “foram declarados em falhas, nos termos do art.º 272.º do CPPT, em 2014-12-18, por falta de bens penhoráveis da executada e dos seus responsáveis subsidiários”, vide o ponto 3 da informação que se vem mencionando, factualidade que não resulta questionada nestes autos;
D) O Reclamante apresentou requerimento, recebido no Órgão de Execução Fiscal em 2019-11-06, apresentando argumentos similares aos esgrimidos nestes autos, a invocar a prescrição das dívidas em execução, requerimento apreciado e desatendido por despacho proferido em 2020-03-26, comunicado àquele em 30-03-2020, cfr., entre outros, os pontos 4 a 6 da informação instrutora do despacho que ordenou a remessa dos autos a este Tribunal;
E) Despacho com o qual o Reclamante não se conformou apresentando para o efeito, em 08-04-2020, a reclamação originadora dos presentes autos, idem anterior, ponto 7 e os demais elementos que instruíram a petição inicial da reclamação.

III II Factos não provados
Inexistem.


DE DIREITO
DAS NULIDADES: Da falta de fundamentação

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada nas conclusões de recurso interposto pelo Recorrente é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, o que, a verificar-se, corresponde à nulidade da sentença prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT.
Cumpre decidir.
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac. T.C.A. Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).
Como é sabido, a exigência de fundamentação das decisões judiciais encontra previsão no artigo 154º do Código de Processo Civil, constituindo, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
É, aliás, nesse contexto, que o artigo 125.º do CPPT e o análogo artigo 615.º, nº 1, al. b), do CPC, estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao Juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. Razão por que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão constitui, aliás, nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 682.º e 683.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido in recurso n.º 20805 – o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, vide os acórdãos do STA de 3-6-1992, de 20-2-2008, de 12-11-2008, de 12-01-2011, de 10-03-2011 e de 16-11-2011, proferidos nos recursos n.º 14284, n.º 903/07, n.º 546-08, nº 638/10, nº 716/10, e nº 453/11, respectivamente.
Como se deixou plasmado no acórdão proferido pelo STA em 29-05-2002, lavrado in Rec. n.º 228/02, citando ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, vol. v, pág. 139.), «…uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
Como, ainda, esclarecia aquele mesmo autor, in ob. citada, e tem sido entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, a falta de fundamentação prevista no preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» - obra citada, vol. V, pág. 140.
Por conseguinte, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
No caso vertente, ainda que a sentença não cumpra os rigores que a melhor técnica jurídica impõem, suficiente se torna a respectiva leitura, para se verificar que ela contém a motivação factual e jurídica que levou o Mmª Juiz a julgar no sentido em que o fez.
Perscrutado o probatório e a fundamentação expendida é patente que na decisão recorrida estão explicitados os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida e que, por ponderados, conduziram o tribunal a quo a decidir no sentido da improcedência da pretensão do Reclamante, ainda que na fundamentação de direito o Tribunal a quo, tomando-a por acertada, acolha, por sem mais e por simples adesão, a fundamentação do despacho reclamado.
Destarte, sem curar, por ora, da bondade, da valia, acerto ou desacerto da motivação em que ancora a respectiva decisão, urge considerar que o tribunal a quo satisfez a exigência ínsita n.º 1 do art. 125.º do CPPT, e nessa medida, não se verifica a arguida nulidade, uma vez que na decisão recorrida foi analisado o articulado inicial e feito o necessário enquadramento jurídico em termos que permitiram à ora Recorrente apreender à luz de que preceitos jurídicos foi encontrada a solução de direito aplicada no caso concreto, tal como o presente recurso bem evidencia, impondo-se voltar a sublinhar que esta nulidade apenas se verifica, como referido supra, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, o que poderá eventualmente traduzir um erro de julgamento. E tanto, assim, é que a Recorrente apreendeu o seu conteúdo que invectivou contra esta nos termos em que o fez, como resulta das respectivas alegações e conclusões de recurso, que ora nos ocupam.
Termos em que falece inelutavelmente a arguida nulidade por falta de fundamentação.

DA PRESCRIÇÃO DAS QUANTIAS EXEQUENDAS

Se bem lemos e interpretamos as alegações e conclusões de recurso, a vexata quaestio que cumpre dilucidar é determinar se, no caso vertente, as dívidas exequendas se encontram prescritas.
Como é sabido, a prescrição é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor (no caso, tributário) de poder exigir o cumprimento da respectiva obrigação.
A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte a este, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo, salvo para os efeitos previstos no artigo 48º nº2 da LGT.
A dívida exequenda, em apreço, reporta-se a IVA relativo aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, sendo, por isso, de aplicar o regime estabelecido na LGT, que estabelece um prazo de prescrição de 8 anos (artigo 48.º da LGT).
No que concerne à prescrição da prestação tributária dispunha o artigo 48.º, n.º 1 da LGT (na redação à data da dívida mais antiga) que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.” , preceito cuja redacção foi alterada pela Lei nº55-B/2004, de 39.12, com entrada em vigor em 01.01.2005, nos seguintes termos: “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou do facto tributário.”
Releva, ainda, o disposto nos n.sº 2 e 3 do artigo 48.º da LGT:
“2 - As causas de suspensão e de interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários e subsidiários;
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”
A Lei n.º 100/99, de 26/7 alterou os nºs 1 e 3 da redacção inicial do artigo 49.º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
(…)
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”.
Entretanto, a Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado artigo 49.º da LGT, o qual passou a ter a seguinte a redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
Assim, não podemos abstrair da existência de eventuais factos interruptivos e suspensivos da prescrição.
O IVA, sendo um imposto de obrigação única, o prazo prescricional inicia-se para as dívidas relativas a 2003 e 2004 “a partir da data em que o facto tributário ocorreu “, e para as dividas relativas a 2005 e 2006 “a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou do facto tributário.”
Acontece, porém, como vimos pela transcrição normativa efectuada supra, que a contagem do prazo é influenciada por factos que a lei configura como causas de interrupção e/ou suspensão que “são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil”, conforme decidiu o STA em Acórdão de 03/08/2011, recurso n.º 0639/11.
Assim, com a redacção introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho ao n.º 1 do artigo 49º da LGT, a citação passou também a interromper o prazo prescricional.
Quanto aos efeitos da interrupção da prescrição decorrente da citação chamamos à colação os doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa, lavrados in “Sobre a prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas 2ª Edição”, segundo o qual “No que concerne à citação, não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o CC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2º, alínea d) da LGT. Esse efeito é não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts.326º, n.º1 e 327.º, n.º 1 do CC).”A par, estabelece o seu n.º 2 que “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários” e o n.º 3 que “A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”
Previamente à revogação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29.12, determinava o n.º 3 do artigo 49º da LGT que “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Elencados supra os preceitos legais respectivos, vejamos, então, face à factualidade vertida no probatório, se, conforme esgrime o Recorrente, sas quantias exequendas estão prescritas.
A questão colocada no presente recurso consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que não ocorrera a extinção, por prescrição, das dívidas em cobrança na execução fiscal n.ºs 3700200501031791 e apensos e que emergem de actos de liquidação de IVA relativos aos anos de 2003, 2004 2005 e 2006.
Tal como consta da sentença recorrida, o Reclamante defendeu a ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, por entender que a sua citação para essa execução, ocorrida em 15/12/2008, enquanto acto interruptivo do prazo de prescrição, tem efeito interruptivo puramente instantâneo, e não um efeito duradouro.
Todavia, assim não entendeu o julgador em 1ª instância, que depois de ter acolhido a fundamentação vertida no acto reclamado e aderido à posição assumida nos autos pela Fazenda Pública, julgou não assistir razão ao Reclamante, uma vez que a sua citação constitui um acto interruptivo de efeito duradouro, ou seja, não permite que novo prazo comece a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal, em conformidade com o disposto no art. 327º nº 1 do Código Civil.
Vejamos.
Como é sabido a jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC), bem como reconhece que esse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.
Neste conspecto o Mmo. juiz “a quo” acolhendo os fundamentos vertidos no acto reclamado, seguiu a jurisprudência do STA, que de forma reiterada e pacífica tem adoptado o entendimento sufragado na doutrina pelo Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA [Cfr. entre outros os acórdãos de 19/10/2016, proc. n.º 01060/16, e de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15] no sentido de que: “a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.º, n.º 1 do CC). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º n.º 1 do CC). Resultam, assim, destes artigos 326.º e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)” (In Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária, Áreas Editora, pág. 51).
Considera, assim, o STA que na interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil, para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, entendimento este sufragado na doutrina pelo Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ( In “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, 2.ª ed., 2010, p. 57), que defende o duplo efeito dos actos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326.º, n.º 1, do C.Civil, e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327.º, n.º 1, do C.Civil.”
Volvendo ao caso vertente, como já referido supra, estão em causa obrigações tributárias decorrentes IVA dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, pelo que o termo do prazo de prescrição da dívida mais antiga (IVA de 2003) ocorreria em 2011, caso não se verificassem quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Na sentença recorrida considerou-se que aquele prazo decorreu até 15.12.2008, data em que o executado foi citado na execução fiscal contra o mesmo revertida (cfr. al. B do probatório), cujo efeito interruptivo tem carácter duradouro até ao termo da acção executiva, concluindo pela não verificação da prescrição, sendo que idêntico entendimento foi adoptado quanto às demais dívidas tributárias.
Na sua alegação o ora recorrente, não coloca em causa a verificação da causa interruptiva da prescrição decorrente da sua citação, todavia esgrime em defesa da sua posição que os efeitos interruptivos são meramente instantâneos e apenas inutilizam o prazo decorrido até à data da citação, não sendo aplicáveis em sede tributária o regime vertido nos artigos 326º e 327º do CCivil.
Sobre esta questão, se tem pronunciado reiterada e uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, no acórdão do STA de 13/03/2019, lavrado in proc. nº01437/18, que por adesão in totum à sua proficiente fundamentação, parcialmente se transcreve: « (…)Dado que neste recurso o Reclamante se limita a insistir que a citação, enquanto acto interruptivo do prazo de prescrição, tem um efeito interruptivo puramente instantâneo, e não duradouro, sob pena de violação das normas constitucionais que aponta, vejamos se lhe assiste razão.
Desde logo, importa notar que na sentença não foi evocado ou aplicado o regime legal de suspensão do prazo de prescrição – contido no art.º 49º nº 4 da LGT – ou, sequer, considerada a existência de um qualquer acto suspensivo desse prazo. O que foi evocado e aplicado foi o efeito duradouro de um acto interruptivo (citação) face à regra geral fixada nos artigos 326º nº 1 e 327º do Código Civil, tendo em conta que actualmente a Lei Geral Tributária (LGT) nada dispõe sobre a matéria e que a prescrição constitui um instituto jurídico previsto, nos seus termos gerais, no Código Civil.
Com efeito, mesmo relativamente a dívidas tributárias, as normas do Código Civil não podem deixar de ser observadas caso a situação não obtenha regulação especial na LGT ou em diploma próprio, já que a prescrição constitui um dos institutos gerais do direito cujas regras gerais se encontram vertidas naquele Código.
É certo que a prescrição da obrigação tributária se justifica pela necessidade da estabilização das relações jurídicas tributárias, de segurança e de paz jurídica, mas essa necessidade não confere ao respectivo devedor o direito a prazos de prescrição menores do que os previstos para o devedor de obrigação civil, ou o direito a enfrentar menos actos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição destas obrigações, ou, sequer, o direito a obter diferenciados efeitos (duradouros ou instantâneos) para os actos interruptivos relativamente ao devedor de obrigação civil, pois não existe regra ou princípio (legal ou constitucional) que o imponha.
Tudo isto para dizer que, pese embora não seja possível, no âmbito de obrigações tributárias, chamar à colação as normas do direito civil que regem o prazo de prescrição, que regem a determinação do dies a quo e que definem actos interruptivos e suspensivos – por se tratar de matéria taxativamente fixada na LGT e rigorosamente sujeita ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal, integrando-se nas “garantias dos contribuintes” – pode e deve, contudo, ir aí buscar-se o significado do conceito jurídico de “prescrição” e dos conceitos de “interrupção” e de “suspensão” da prescrição, e, bem assim, o alcance dos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, sabido que, tal como a doutrina há muito vem afirmando e a LGT deixou consignado no seu art.º 11º, sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.
Ora, dado que perante o regime geral do instituto da prescrição são bem distintos os conceitos de interrupção e de suspensão, não é aceitável a confusão desses conceitos.
Com efeito, tal como decorre do preceituado nos artigos 318º a 320º do C.Civil, a suspensão do prazo de prescrição tem como efeito que este não comece a correr enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo, isto é, os actos suspensivos são sempre de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem.
Já a interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, fazendo, em princípio, reiniciar de imediato a contagem de novo e integral prazo (efeito instantâneo), salvo se o acto interruptivo for constituído pela «citação, notificação ou ato equiparado, ou compromisso arbitral», caso em que a lei faz prolongar no tempo a relevância do acto interruptivo até que ocorra determinado facto (efeito duradouro).
É o que decorre, de forma inequívoca, dos seguintes preceitos do C.Civil:
ARTIGO 326º
(Efeitos da interrupção)
1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte. (sublinhado nosso)
2. (…)
ARTIGO 327º
(Duração da interrupção)
1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver, entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Deste modo, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no “Código Civil Anotado” em anotação ao art.º 326º, «O efeito da causa interruptiva pode ser instantâneo, como no caso de o devedor reconhecer a dívida. Desde esse momento começa, pois, a contar-se um novo prazo. Mas bem pode a causa interruptiva manter a sua relevância durante um período mais ou menos longo. É o que acontece nos casos previstos no artigo seguinte»; e em anotação ao artigo 327º escrevem que «Ao lado da interrupção admite-se, nos casos enumerados no nº 1, um prolongamento dos efeitos da interrupção até ao julgamento da causa; só neste momento é que começa a contar-se o novo prazo».
Por conseguinte, após um acto interruptivo, o reinício do prazo tanto pode ocorrer de imediato, como ocorrer só a partir do momento em que cesse, por determinação da lei, o seu efeito.
E é essa a verdadeira questão que cumpre analisar neste recurso, tendo em conta que na sentença se julgou que a citação do executado, ora Recorrente, constituía um acto interruptivo de efeito duradouro, ou seja, que não permite que novo prazo comece a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo essa a única razão que levou a concluir pela não ocorrência da prescrição.
Apreciemos, então, a questão.
Relativamente às dívidas de natureza tributária, temos por inquestionável que a prescrição só é aceite enquanto expressamente prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os actos interruptivos e suspensivos – como acontece com as normas contidas na LGT. Todavia, e como acima referimos, tal não significa que os efeitos dos actos interruptivos não possam ser colhidos no Código Civil, atenta a circunstância de, atualmente, inexistir na LGT qualquer norma sobre a matéria. Com efeito, embora este diploma legal fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define os efeitos desses actos, isto é, não define se eles têm efeito instantâneo ou duradouro.
É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de que o efeito da interrupção só cessava se o processo que constituía a causa interruptiva ficasse parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. O que equivalia a conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo nos termos referidos (acrescentando-se, então, ao prazo que a partir daí se iniciava, todo o prazo que decorrera até à instauração do processo, o que, na prática, equivalia a converter ou “desgraduar”, nesse específico caso, a interrupção em suspensão da prescrição).
Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu e deixou de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no C.Civil, onde, como se viu, o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» e o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência consolidada neste STA no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
(…)Finalmente, quanto à invocada inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP, também não merece censura a sentença recorrida, que acolheu, aliás, a posição jurisprudencial vertida nos acórdãos do STA de 6/12/2017, no proc. nº 1300/17, e de 17/02/2018, no proc. nº 1463/17, no sentido de não se descortinar, na ausência de expressa disposição do legislador fiscal, razão para não atribuir ao acto de citação na execução fiscal os mesmos efeitos duradouros que o acto de citação produz no processo executivo comum.
E também o Tribunal Constitucional já se pronunciou, no acórdão nº 122/2015, de 12/02/2015, no sentido de «Não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 49.º, números 1 e 2 da lei geral tributária (na redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12), «na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, e de que a subsequente pendência de processo de execução fiscal, por sua vez, protela ainda mais o início do prazo de prescrição para o momento em que o processo de execução fiscal terminar, quando tenha sido neste processo de execução fiscal que se verificou o facto com efeito interruptivo da prescrição que ainda perdura».
No que concerne à violação dos princípios da certeza e segurança mostram-se pertinentes as considerações efectuadas no acórdão do TC nº 6/2014 de 7/1/2014, quando ali se refere: «Ora, cabe recordar, revertendo ao caso concreto que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49.º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS / BENJAMIM SILVA RODRIGUES / JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».(cfr Ac. do STA de 02-09-2020, lavrado in Rec 00705/19.2BELLE).
Por último, e no que tange à alegada aplicação do regime vertido no artigo 281º, nº5 do CPC à execução fiscal, carece ao Reclamante de razão, porquanto olvida que o processo de execução fiscal, no que se reporta às causas de extinção, tem um regime próprio fixado no CPPT (cfr arts.261, 264º, 270º do CPPT).
Destarte, impondo-se reconhecer efeito duradouro ao acto interruptivo de citação, bem andou a sentença a quo ao julgar que as dívidas que estão na génese da quantia exequenda não se encontram prescritas.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 5 de Novembro de 2020


Ana Paula Santos
Margarida Reis
Cláudia Almeida